RESUMO: O Direito de Greve do servidor público civil como norma de eficácia limitada. A ser exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica, nos termos do art. 37, VII, da CF/88. Expressa vedação constitucional quanto ao exercício do direito de greve pelo servidor público militar. Ocorrência de mudança jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, em 2007, no MI 670, MI 708 e MI712. Adoção da Teoria Concretista Geral, com aplicação, no que for cabível, da Lei 7.783/1989.
PALAVRAS-CHAVE. Direito de Greve. Servidor Público Civil. Norma de Eficácia Limitada. Mandado de Injunção. Teoria Concretista Geral.
INTRODUÇÃO
O direito de greve, atualmente previsto na Magna Carta e no art. 2º, da Lei 7.783/89 como sendo “a suspensão coletiva, temporária e pacífica, total ou parcial, da prestação de serviços a empregador”, tem origem em um fenômeno social que advém da associação de obreiros.
Essa associação de trabalhadores teve, historicamente, uma penosa trajetória para ser reconhecida como um direito. Todavia, atualmente, é considerado um direito de índole social e estatura constitucional, classificado como direito fundamental de segunda dimensão, a ser exercido pelos trabalhadores em geral e pelos servidores públicos civis.
Este trabalho possuí o escopo de discorrer acerca do direito de greve dos servidores públicos civis, sua previsão constitucional e como a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu que esse direito fundamental, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, tivesse aplicação concreta mesmo diante da mora do Poder Legislativo em regulamentar as suas balizas.
CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E PREVISÃO CONSTITUCIONAL
O direito de greve é conceituado como “a paralisação coletiva e temporária do trabalho a fim de obter, pela pressão exercida em função do movimento, as reivindicações da categoria, ou mesmo a fixação de melhores condições de trabalho”.[1]
Sua natureza jurídica é a de um direito coletivo, sendo, no passado, reconhecida como um direito individual, de exercício coletivo.[2]
A Constituição Federal o prevê como um direito social fundamental. Vejamos:
Art. 9º. É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§1º. A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
§2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.
A doutrina especializada classifica o art. 9º da Carta da República como norma de eficácia contida, isto é, de aplicabilidade direta, imediata, mas sujeita as limitações impostas pelo legislador quando se trata de serviços ou atividades essenciais e sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
A Lei 7.783/89 enumera como atividades essenciais os seguintes serviços:
Art. 10 São considerados serviços ou atividades essenciais:
I - tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;
II - assistência médica e hospitalar;
III - distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;
IV - funerários;
V - transporte coletivo;
VI - captação e tratamento de esgoto e lixo;
VII - telecomunicações;
VIII - guarda, uso e controle de substâncias radioativas, equipamentos e materiais nucleares;
IX - processamento de dados ligados a serviços essenciais;
X - controle de tráfego aéreo;
XI compensação bancária.
Art. 11. Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.
Parágrafo único. São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.” (BRASIL, 1989)
Diversamente do que foi previsto para os trabalhadores em geral, esse mesmo direito, quando se trata de servidores públicos civis, é tratado pelo texto constitucional como norma de eficácia limitada, uma vez que depende de regulamentação por lei específica para que seja exercido. Vejamos.
DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL
Art. 37º. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
Por fim, quanto ao militar, o inciso IV, do §3º, do art. 142, da CF/88 é cristalino ao afirmar que se revela proibido ao militar exercer o seu direito fundamental de greve. Vejamos:
VEDAÇÃO AO DIREITO DE GREVE DO MILITAR
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
§ 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
Essa distinção de tratamento quanto ao exercício do direito de greve pelos trabalhadores em geral, pelos servidores públicos civis e pelos servidores públicos militares ocorre devido a natureza da atividade desempenhada por eles.
Em regra, uma paralisação de obreiros em uma atividade privada não possui o condão de prejudicar a coletividade. De forma distinta e com fundamento no princípio da continuidade do serviço público, um movimento paredista de servidores públicos civis coloca em risco a presteza e a efetividade do serviço público, detendo um alto grau de probabilidade para prejudicar a coletividade.
Por fim, o direito de greve é vedado ao servidor público militar, uma vez que caso fosse permitido o seu exercício, além de se causar um prejuízo a continuidade da prestação de serviços, significaria um gravíssimo dano à segurança pública. A Segurança Pública é a base para o direito à vida, à integridade física e à incolumidade patrimonial sejam respeitados no Estado Democrático de Direito, não podendo correr o risco de ser violada com base em um exercício ilegal do direito de greve de servidores públicos militares.
Nessa linha, o STF entendeu que alguns serviços públicos, com base em sua essencialidade para a sociedade, devem ser prestados em sua integralidade, a exemplo do serviço de segurança pública, de forma a determinar a vedação ao direito de greve pelos militares.
“EMENTA: (...) 2. Servidores públicos que exercem atividades relacionadas à manutenção da ordem pública e à segurança pública, à administração da Justiça — aí os integrados nas chamadas carreiras de Estado, que exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária — e à saúde pública. A conservação do bem comum exige que certas categorias de servidores públicos sejam privadas do exercício do direito de greve. Defesa dessa conservação e efetiva proteção de outros direitos igualmente salvaguardados pela Constituição do Brasil. 3. (...) Os servidores públicos são, seguramente, titulares do direito de greve. Essa é a regra. Ocorre, contudo, que entre os serviços públicos há alguns que a coesão social impõe sejam prestados plenamente, em sua totalidade. Atividades das quais dependam a manutenção da ordem pública e a segurança pública, a administração da Justiça — onde as carreiras de Estado, cujos membros exercem atividades indelegáveis, inclusive as de exação tributária — e a saúde pública não estão inseridos no elenco dos servidores alcançados por esse direito. Serviços públicos desenvolvidos por grupos armados: as atividades desenvolvidas pela polícia civil são análogas, para esse efeito, às dos militares, em relação aos quais a Constituição expressamente proíbe a greve [art. 142, § 3.º, IV] (...).” (RCL 6.568, Rel. Min. Eros Grau, j. 20.05.2009, Plenário, DJE de 25.09.2009).
DAS NORMAS DE EFICÁCIA PLENA, CONTIDA E LIMITADA
As normas de eficácia plena possuem todos os elementos e requisitos para sua incidência direta, isto é, sua regulamentação normativa é precisa a ponto de possibilitar que dela seja extraída a conduta positiva ou negativa a ser seguida. São normas consideradas completas, o que não significa serem necessariamente efetivas. Sua eficácia não depende da intermediação do legislador.[3]
As normas constitucionais de eficácia contida ou prospectiva têm aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral. Embora tenham condições de, quando da promulgação da nova Constituição (ou diante da introdução de novos preceitos por emendas à Constituição, ou na hipótese do art. 5.º, §3º), produzir todos os seus efeitos, poderá a norma infraconstitucional reduzir a sua abrangência.[4]
Por fim, as normas de eficácia limitada são aquelas que, de imediato, no momento em que a Constituição é promulgada (ou diante da introdução de novos preceitos por emendas à Constituição, ou na hipótese do art. 5º, § 3º), não têm o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando de uma lei integrativa infraconstitucional. São, portanto, de aplicabilidade mediata e reduzida, ou, segundo alguns autores, aplicabilidade diferida.[5]
Diante da classificação exposta, conclui-se que o direito de greve do servidor público civil é uma norma constitucional de eficácia limitada, uma vez que para que seja exercida em sua integralidade exige do Poder Legislativo uma lei específica que regulamente as balizas desse direito.
Em face de uma inaceitável e contumaz inércia do Congresso Nacional em legislar sobre um direito essencial a milhares de servidores públicos civis e que, indiretamente, afeta a toda coletividade, o Supremo Tribunal Federal, utilizando-se da técnica da mutação constitucional, passou a dar um novo significado ao remédio constitucional do mandado de injunção.
DO MANDADO DE INJUNÇÃO E DA TEORIA CONCRETISTA GERAL DO DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL
O mandado de injunção foi previsto pelo Poder Constituinte Originário, pela primeira vez, na Carta da República de 1988.
Trata-se de uma ação de constitucional de controle incidental de constitucionalidade que buscar suplantar uma evidente relação de causalidade entre a falta de lei e o exercício de direito subjetivo.[6]
O remédio heroico tem previsão constitucional nos seguintes termos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania;.
Durante muito tempo, o Supremo Tribunal Federal entendeu que sua atividade no acolhimento do mandado de injunção ficaria limitada ao reconhecimento da mora e comunicação ao Poder Legislativo. [7]
Esse entendimento clássico da Egrégia Corte estava calcado na rigidez do clássico Princípio da Separação de Poderes em que caberia ao Poder Judiciário apenas declarar a existência de uma omissão constitucional, com posterior comunicação ao Poder Legislativo. Em outras palavras, adotava-se a posição não concretista, isto é, os efeitos da decisão que concedia o mandado de injunção eram para meramente decretar a mora do Poder omisso, de forma a reconhecer formalmente a sua inércia.
Ocorre que, com base nas premissas ideológicas do neoconstitucionalismo, assim como na contumaz mora do Congresso Nacional em não cumprir o seu mister Constitucional, o STF passou a adotar uma postura mais ativa no julgamento dos mandados de injunção de sua competência.
Em histórico julgamento ocorrido no ano de 2007, o Supremo Tribunal Federal modifica seu tradicional entendimento para admitir uma atuação mais efetiva daquele tribunal no mandado de injunção. A questão da regulamentação da greve dos servidores públicos, ou, ainda melhor, sua ausência, serviu de mote perfeito para a mudança de posição, como ressalva do voto do Ministro Maurício Correa, que manteve o entendimento tradicional da Casa no sentido de apenas reconhecer a omissão e comunicar o Poder Legislativo.[8]
No julgamento dos Mis 670, 708 e 712 ajuizados, respectivamente, pelo Sindicato dos Servidores Policiais Civis do Estado do Espírito Santo (Sindipol), pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Município de João Pessoa (Sintem) e pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Estado do Pará (Sinjep), buscando assegurar o direito de greve para seus filiados, tendo em vista a inexistência de lei regulamentando o art. 37, VII, da CF/88. O STF, em importante decisão, por unanimidade, declarou a omissão legislativa e, por maioria, determinou a aplicação, no que couber, da lei de greve vigente no setor privado, Lei n. 7.783/89. [9]
Nessa esteira, apresento trecho do voto do Ministro Celso de Mello, no MI 708/DF:
“Decorridos quase 19 anos da promulgação da vigente carta política, ainda não se registrou – no que concerne à norma inscrita no art. 37, VII, da Constituição – a necessária intervenção concretizadora do Congresso Nacional, que se absteve de editar, até o presente momento, o ato legislativo essencial ao desenvolvimento da plena eficácia jurídica do preceito constitucional em questão, não obstante esta Suprema Corte, em 19/05/1994, ao julgar o MI 20/DF, de que fui relator, houvesse reconhecido o estado de mora (inconstitucional) do Poder Legislativo da União, que ainda subsiste, porque não editada, até agora, a lei disciplinadora do exercício do direito de greve no serviço público. (...) Não se pode tolerar sob pena de fraudar-se a vontade da Constituição, esse estado de continuada, inaceitável, irrazoável e abusiva inércia do Congresso Nacional, cuja omissão, além de lesiva ao direito dos servidores públicos civis – a quem se vem negando arbitrariamente, o exercício do direito de greve, já assegurado pelo texto constitucional -, traduz um incompreensível sentimento de desapreço pela autoridade, pelo valor e pelo alto significado que reveste a Constituição da República.” (grifo nosso) (MELLO, 2007).”
CONCLUSÃO
Diante do exposto, entendemos por bem concluir este ensaio afirmando que o Poder Judiciário exerceu com presteza as suas atribuições constitucionais ao conferir eficácia plena a um direito fundamental, corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, de suma importância para os milhares de servidores públicos civis.
Destacamos que é dever de todos os intérpretes constitucionais conferir eficácia normativa máxima aos mandamentos constitucionais. Portanto, agiu bem o STF em deixar de adotar uma posição passiva no tocante aos efeitos do mandado de injunção, a fim de aplicar a teoria concretista geral para o direito de greve dos servidores públicos civis.
Ressalta-se que esse posicionamento da Egrégia Corte não violou o Princípio da Separação de Poderes, até mesmo porque decidiu que deve ser aplicada, temporariamente, a Lei 7.783/89, por analogia, até que o Congresso Nacional desempenhe o seu papel constitucional dar eficácia normativa plena ao direito fundamental de greve dos servidores públicos civis previsto no art. 37, VII, da Constituição Federal.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
SARAIVA, RENATO. Direito do Trabalho. 10ª Edição. São Paulo: Método, 2009.
DE BARROS, ALICE MONTEIRO. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo: LTr, 2011.
NOVELINO, MARCELO. Manual de Direito Constitucional. 8ª Edição. São Paulo: Método, 2013.
LENZA, PEDRO. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2013.
SARLET. INGO WOLFGANG. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012.
NEVES. DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO. Ações Constitucionais. 2ª Edição. São Paulo: Método, 2013.
Notas:
[1] SARAIVA, RENATO. Direito do Trabalho. 10ª Edição. São Paulo: Método, 2009, p.395.
[2] DE BARROS, ALICE MONTEIRO. Curso de Direito do Trabalho. 7ª Edição. São Paulo: LTr, 2011, p. 1033.
[3] NOVELINO, MARCELO. Manual de Direito Constitucional. 8ª Edição. São Paulo: Método, 2013, p. 105.
[4] LENZA, PEDRO. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 230.
[5] LENZA, PEDRO. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 232.
[6] SARLET. INGO WOLFGANG. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: RT, 2012, p. 1061.
[7] NEVES. DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO. Ações Constitucionais. 2ª Edição. São Paulo: Método, 2013. p. 104.
[8] NEVES. DANIEL AMORIM ASSUMPÇÃO. Ações Constitucionais. 2ª Edição. São Paulo: Método, 2013. p. 105.
[9] LENZA, PEDRO. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 930.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Paulo Bernardo Santos. O Direito de Greve do Servidor Público Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38761/o-direito-de-greve-do-servidor-publico-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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