RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a imprescritibilidade do direito dos órgãos da Administração Pública de aplicar e executar multas decorrentes do descumprimento de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s), celebrados com empresas em falta com o cumprimento de obrigações legais.
PALAVRAS-CHAVE: Termo de Ajustamento de Conduta. Administração Pública. Imprescritibilidade.
SUMÁRIO: Introdução; 1 Caracterização do objeto de TAC como direito difuso; 2 Imprescritibilidade do direito do Poder Público de executar multas decorrentes do inadimplemento de TAC; 3 Conclusão; Referências.
INTRODUÇÃO
Os órgãos da Administração Pública Federal, direta ou indireta, têm legitimação para celebrar com os interessados Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s), a fim de adequar seu comportamento às exigências legais, conforme previsão nos incisos do art. 5º, e § 6º, da Lei nº 7.347, de 1985, verbis:
Art. 5º Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:
I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007).
III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007).
[...]
§ 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. [Grifos nossos].
Comumente, o objeto desses Termos é caracterizado como direito difuso, que tem, como peculiaridades, a transindividualidade, a indivisibilidade do objeto e do qual são titulares pessoas indeterminadas e ligadas unicamente por circunstâncias de fato.
Por esse motivo, a natureza do direito coletivo tutelado, demonstrar-se-á adiante que as sanções aplicáveis aos compromissários dos Termos de Ajustamento de Conduta celebrados com o Poder Público, previstas em suas cláusulas, não se sujeitam a prazo prescricional. São, portanto, imprescritíveis.
1 CARACTERIZAÇÃO DO OBJETO DE TAC COMO DIREITO DIFUSO
Os Termos de Ajustamento de Conduta (TAC’s) celebrados pelos órgãos da Administração Pública Federal, direta ou indireta, versam, em grande parte, sobre direitos difusos, espécie da categoria de direitos e interesses transindividuais, também conhecidos como metaindividuais ou coletivos em sentido amplo.
O parágrafo único do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), traz uma breve definição das espécies de direitos coletivos. Confiram-se, verbis:
Art. 81 [...]
Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.
Os interesses ou direitos difusos se qualificam, assim, por serem transindividuais, ou seja, que ultrapassam a órbita individual[1]; pela indivisibilidade do seu objeto, em razão da indeterminação dos titulares desses direitos, visto atingirem uma quantidade indeterminada de pessoas, de difícil ou impossível identificação, dada a amplitude do bem jurídico tutelado; e pela inexistência de relação jurídica entre os interessados, que estão ligados, tão-somente, por circunstâncias de fato.
Segundo Adriano Mesquita Dantas, “por serem transindividuais, titularizados por pessoas indeterminadas, quase sempre indetermináveis, e terem objeto indivisível, os direitos difusos só permitem a tutela coletiva, não sendo possível a tutela individual”[2].
Conforme ensinamentos de Arnaldo Rizzardo, “difusos consideram-se os interesses de todos ou da coletividade, ou aqueles que abrangem pessoas ligadas pelas mesmas circunstâncias de fato, mas sem que sejam determináveis os titulares, ou que seja extremamente difícil a determinação”[3].
O mesmo autor traça diversas particularidades dos interesses difusos. Confiram-se algumas descritas por ele, verbis:
Certas peculiaridades ou pontos comuns são próprios desses interesses, distinguindo-os de espécies mais delimitadas e incidentes em grupos definidos. Apresentam-se com as seguintes feições:
- dizem respeito aos indivíduos em geral no âmbito universal, sem haver uma relação jurídica ou um vínculo econômico com os agentes causadores, e não se limitando à classe dos consumidores;
- revelam, por isso, um caráter abstrato, transcendental, ou são concernentes mais a valores, como os da saúde, da infância, da própria vida, do meio ambiente, da moralidade, da educação, da ordem pública;
- são indivisíveis, resultando de uma origem comum, e envolvendo o conjunto das pessoas que sofrem os resultados de um acontecimento, sem que se possa traçar limites com referência à incidência. Por diferentes palavras, a lesão ou a satisfação do interesse ou do direito não se dá fracionadamente para um ou para alguns dos indivíduos, deixando de fora outros. Entre os cotitulares surge uma comunhão indivisível, envolvendo todos os interessados. A lesão, se constatada, alcança a coletividade, bem como a satisfação implica a totalidade dos seres humanos.
[...]
- Referem-se à lesividade de valores da massa indiscriminada de indivíduos, desde que neles incidam certos males ou prejuízos, sem estarem circunscritos a um tipo de coletividade ou a classes de pessoas que se diferenciam por idade, raça, sexo ou posição social.
[...]
- As lesões ou a maior parte dos prejuízos que envolvem os interesses difusos são disseminadas generalizadamente em determinadas camadas não específicas da população, nem sempre determináveis. Exemplificativamente, revela-se de extrema dificuldade apurar as pessoas atingidas por uma propaganda enganosa, ou pela contaminação da atmosfera.
- Não existe um vínculo, um elo, ou uma relação entre as pessoas, a não ser o fato da titularidade do interesse difuso, ou de suportarem o mesmo efeito.[4]
Os interesses ou direitos coletivos em sentido estrito, por sua vez, se assemelham aos direitos difusos por serem transindividuais e pela indivisibilidade do seu objeto, mas se diferenciam pelo fato de seus titulares serem um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.
Portanto, os titulares dos interesses ou direitos coletivos em sentido estrito são determináveis, ligam-se entre si por uma mesma situação de fato, e têm com a parte contrária uma relação jurídica comum.
Nos ensinamentos de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., “o elemento diferenciador entre o direito difuso e o direito coletivo é, portanto, a determinabilidade e a decorrente coesão como grupo, categoria ou classe anterior à lesão, fenômeno que se verifica nos direitos coletivos stricto sensu e não ocorre nos direitos difusos”[5].
De acordo com Arnaldo Rizzardo, interesses coletivos
São aqueles que atingem uma categoria delimitada de pessoas que têm algo em comum, ou que estão na mesma situação de fato, num âmbito mais restrito que as afetadas por ofensa aos interesses difusos, seja porque molestadas por um fenômeno provocado pela ação do homem, ou porque atingidas por um tratamento contratual iníquo [...]
Diferenciam-se dos interesses difusos pela determinabilidade das pessoas titulares, tanto pela relação jurídica base que as une, como pelo vínculo jurídico que as liga à parte contrária [...]
Como nos interesses difusos, os coletivos também são indivisíveis, com a diferença de que, naqueles, os sujeitos atingidos se encontram ligados por circunstâncias de fato, sendo exemplo os que sofrem a poluição da atmosfera; nos últimos, existe uma classe ou categoria de pessoas determináveis unidas por uma idêntica relação jurídica básica, o que se nota no exemplo de todos os adquirentes de um produto viciado ou com defeito.[6]
Por fim, como última categoria de direitos coletivos em sentido amplo, têm-se os interesses ou direitos individuais homogêneos, que nada mais são que aqueles decorrentes de origem comum, nos termos da definição trazida pelo CDC.
Nessa espécie de direitos, seus titulares são facilmente individualizáveis e identificáveis, e o bem jurídico tutelado é divisível e de natureza individual. Entretanto, pela coincidência da lesão e do causador da lesão[7], o legislador entendeu por bem permitir a proteção coletiva desses direitos, até mesmo como forma de otimização da tutela jurisdicional, visto que as peculiaridades inerentes a cada caso concreto são irrelevantes juridicamente, e a busca do amparo judicial coletivamente se mostra muito mais eficiente e isonômica.[8]
Nesse sentido, vale transcrever os ensinamentos de Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., verbis:
A importância prática desta categoria é cristalina. Sem sua criação pelo direito positivo nacional não existiria possibilidade de tutela coletiva de direitos individuais com natural dimensão coletiva em razão de sua homogeneidade, decorrente da massificação/padronização das relações jurídicas e das lesões daí decorrentes. A “ficção jurídica” atende a um imperativo do direito, realizar com efetividade a Justiça frente aos reclames da vida contemporânea. Assim, “tal categoria de direitos representa uma ficção criada pelo direito positivo brasileiro com a finalidade única e exclusiva de possibilitar a proteção coletiva (molecular) de direitos individuais com dimensão coletiva (em massa). Sem essa expressa previsão legal, a possibilidade de defesa coletiva de direitos individuais estaria vedada”.[9]
Na prática, a diferença entre os interesses ou direitos individuais homogêneos e a universalidade dos demais direitos individuais reside em sua origem comum, ou seja, na origem pelo qual aqueles surgem no mundo jurídico.
A doutrina costuma dizer que os direitos individuais homogêneos “são essencialmente individuais, mas acidentalmente coletivos”, ou ainda, “materialmente individuais e processualmente coletivos”[10].
Entretanto, esse entendimento de grande parte da doutrina é criticada por Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr., para quem
Ao contrário do que se afirma com foros de obviedade não se trata de direitos acidentalmente coletivos, mas de direitos coletivizados pelo ordenamento para os fins de obter a tutela jurisdicional constitucionalmente adequada e integral.
[...]
As categorias de direito antes mencionadas (difusos, coletivos stricto sensu e individuais homogêneos) foram conceituadas com vistas a possibilitar a efetividade da prestação jurisdicional. São, portanto, conceitos interativos de direito material e processual, voltados para a instrumentalidade, para a adequação da teoria geral do direito à realidade hodierna e, dessa forma, para a sua proteção pelo Poder Judiciário. Assim, sua conceituação tem caráter explicitamente ampliativo da tutela dos direitos.[11]
Nessa mesma linha de raciocínio já pontuou o Superior Tribunal de Justiça, verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE.
[...] O artigo 21 da Lei n. 7.347, de 1985 (inserido pelo artigo 117 da Lei n. 8.078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil publica a defesa dos interesses e "direitos individuais homogêneos", legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (artigo 81, paragrafo único, III, da Lei 8.078/90). Os interesses individuais, "in casu", (suspensão do indevido pagamento de taxa de iluminação publica), embora pertinentes a pessoas naturais, se visualizados em seu conjunto, em forma coletiva e impessoal, transcendem a esfera de interesses puramente individuais e passam a constituir interesses da coletividade como um todo, impondo-se a proteção por via de um instrumento processual único e de eficácia imediata - "a ação coletiva". O incabimento da ação direta de declaração de inconstitucionalidade, eis que, as Leis municipais nos. 25/77 e 272/85 são anteriores a constituição do estado, justifica, também, o uso da ação civil pública, para evitar as inumeráveis demandas judiciais (economia processual) e evitar decisões incongruentes sobre idênticas questões jurídicas. Recurso conhecido e provido para afastar a inadequação, no caso, da ação civil pública e determinar a baixa dos autos ao tribunal de origem para o julgamento do mérito da causa. Decisão unanime.
(Resp 49272, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, Primeira Turma, DJ de 17.10.1994, p. 27868).
RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.
"O Ministério Público está legitimado a defender direitos individuais homogêneos, quando tais direitos têm repercussão no interesse público." "O exercício das ações coletivas pelo Ministério Público deve ser admitido com largueza. Em verdade a ação coletiva, ao tempo em que propicia solução uniforme para todos os envolvidos no problema, livra o Poder Judiciário da maior praga que o aflige, a repetição de processos idênticos." Recurso conhecido, mas desprovido.
(Resp 413986, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ de 11.11.2002, p. 266).
Assim, feita essa breve distinção entre os direitos difusos, os coletivos em sentido estrito e os individuais homogêneos, passemos agora à caracterização do objeto de grande parte dos TAC’s celebrados pelos órgãos da Administração Pública Federal em uma dessas espécies de direitos e interesses metaindividuais[12].
Os Termos de Ajustamento celebrados pelos órgãos do Poder Executivo têm como objeto, geralmente, o compromisso prestado por empresas de cumprirem obrigações legais a que já estavam obrigadas, mas que, à época da celebração dos Termos, encontravam-se inadimplidas.
O destinatário das obrigações impostas pelo Poder Público, no âmbito de TAC’s, a serem cumpridas pelos compromissários, é toda uma coletividade, em que não se torna possível a individualização e identificação dos beneficiários, nem mesmo a divisibilidade do objeto. Ou seja, o direito tutelado ultrapassa a órbita individual, é transindividual.
Em decorrência dessa característica, transindividualidade, o objeto dos compromissos assumidos pelas empresas compromissárias nos TAC’s celebrados com a Administração Pública, também é qualificado por sua incindibilidade. Assim, não há como se vislumbrar a divisão dos compromissos assumidos em partes individualizadas para cada um dos destinatários das obrigações legais a que estão sujeitos os administrados compromissários, até mesmo por atingir, com o perdão da repetição, uma quantidade indeterminada de pessoas, de difícil ou impossível identificação, ante a magnitude do bem jurídico tutelado.
Ademais, em regra, não existe qualquer relação jurídica entre os interessados e os destinatários dos serviços a serem prestados pelas empresas compromissárias com o cumprimento das obrigações assumidas. Eles estão ligados, apenas por circunstâncias de fato, que são as obrigações constantes dos Termos de Ajustamento de Conduta.
Por tudo, só é possível chegar à conclusão de que o objeto dos Termos de Ajustamento tomados pelo Poder Público se encontra na seara dos interesses e direitos difusos, que têm como características, em síntese, a transindividualidade, a indivisibilidade do objeto e do qual são titulares pessoas indeterminadas e ligadas unicamente por circunstâncias de fato.
2 IMPRESCRITIBILIDADE DO DIREITO DO PODER PÚBLICO DE EXECUTAR MULTAS DECORRENTES DO INADIMPLEMENTO DE TAC
Questão relevante reside na ocorrência ou não da prescrição do direito de o órgão da Administração Pública aplicar e executar a multa pelo descumprimento de TAC.
Vários são os fundamentos para se alegar a ocorrência de prescrição do direito de o órgão compromitente cobrar judicialmente dívida originada em TAC, a saber, o art. 206, § 5º, inc. I, do Código Civil[13], o art. 1º do Decreto nº 20.910, de 1932[14], ou mesmo o enunciado nº 150 da Súmula do Supremo Tribunal Federal[15], pelos quais o prazo da prescrição seria de 5 (cinco) anos.
Entretanto, razão não assiste a esse entendimento. É que a ofensa avaliada em TAC’s celebrados com a Administração Pública não se trata apenas de descumprimento de obrigações legais, mas de transgressão a direitos difusos consubstanciados nos compromissos estabelecidos nos Termos de Ajustamento de Conduta, celebrados, obviamente, em comum acordo entre o órgão público e a empresa celebrante.
Se a empresa adere espontaneamente à proposta de formalização de um Termo de Ajustamento de Conduta, em que são firmados compromissos, mas ainda assim insiste em não cumpri-los, em prejuízo do interesse público, não há se cogitar em prescrição.
O bem jurídico objeto do TAC se trata, como já demonstrado acima, de interesses e direitos difusos, os quais têm como características o fato de serem transindividuais, transcendendo, desse modo, a seara individual de tutela jurídica, a indivisibilidade do objeto, em razão da indeterminabilidade dos seus titulares, ante a amplitude do bem jurídico protegido, e que estão ligados por circunstâncias de fato.
Percebe-se, dessa forma, a indisponibilidade desses direitos, visto não possuírem um titular definido, pois o interesse em voga pertence a toda uma coletividade e, por isso, não se pode admitir a incidência da prescrição sobre a eficácia da pretensão desses direitos.
Concordar com essa inversão de valores – a prevalência de um direito individual, da empresa compromissária, em face do direito coletivo – é contrariar a regra de ouro da vida harmoniosa em sociedade, segundo a qual o interesse individual deve sucumbir frente ao interesse público, sobretudo quando o direito individual defendido, no caso a prescrição, tem por base a relutância do seu titular em cumprir obrigações legais.
Acerca da indisponibilidade da demanda coletiva, Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. afirmam que, “diferentemente do processo individual, no qual está presente a facultas agendi característica do direito subjetivo individual, o processo coletivo vem contaminado pela ideia de indisponibilidade do interesse público”[16].
Há vários doutrinadores que defendem o entendimento de que os direitos difusos, por serem indisponíveis, são imprescritíveis. Carlos Henrique Bezerra Leite, por exemplo, citado por Adriano Mesquita Dantas, afirma que “não incide a prescrição sobre pretensão de direito difuso, em face da indisponibilidade do interesse material deduzido em juízo pelos titulares”[17].
Adriano Sant’ana Pedra, por sua vez, defende que “a pretensão relativa a direitos e interesses difusos e coletivos é imprescritível, uma vez que a falta de exercício do direito não pode ser atribuída à inércia do titular, já que esse não tem legitimidade para defendê-los”[18].
E, ainda, com essa mesma corrente está Raimundo Simão de Melo, também citado por Adriano Mesquita Dantas, que sustenta a imprescritibilidade da pretensão relativa a interesses e direitos difusos e coletivos sob o fundamento de que eles "pertencem às pessoas indeterminadas ou apenas determináveis no seio da sociedade, tendo como características marcantes a indivisibilidade, a indisponibilidade, a essencialidade e a ausência de conteúdo econômico”[19].
Desse modo, não há como falar em prescrição da pretensão do órgão da Administração Pública de executar eventuais multas previstas em Termos de Ajustamento de Conduta e que foram livremente pactuadas pelas partes. Elas são devidas em virtude da transgressão, pela empresa celebrante do TAC, a direitos indisponíveis, no caso, direitos difusos, que têm como titular toda uma coletividade.
Nesse sentido, confiram-se precedentes do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, respectivamente, verbis:
APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS À EXECUÇÃO – TERMO DE COMPROMISSO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA – PRESCRIÇÃO AFASTADA – DIREITOS DIFUSOS INDISPONÍVEIS – OBRIGAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO – DEMONSTRADO ADIMPLEMENTO DE PARTE DAS OBRIGAÇÕES E MODIFICAÇÃO DAS CONDIÇÕES DE OUTRAS COM ANUÊNCIA DO PARQUET – ALTERAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ACORDO – POSSIBILIDADE – PROVIMENTO DO APELO – PROCEDÊNCIA PARCIAL DOS EMBARGOS.
A Lei n. 7.347/85, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, não fixa um limite temporal de eficácia ao termo de ajustamento de conduta como título executivo, não se podendo, portanto, aplicar o prazo prescricional qüinqüenal para restringir o tempo para propositura de execução com o escopo de exigir as obrigações assumidas.
Na espécie, o ajustamento de conduta tutela direitos difusos pertencentes a crianças e adolescentes, de caráter indisponível, cuja proteção interessa a toda sociedade. Por isso, não seria razoável admitir que esses interesses pudessem ser atingidos pela prescrição, obstando a sua defesa e permitindo sua violação. Ademais, tratam-se de direitos cujo atendimento depende de prestações contínuas, de modo que sem elas sua violação igualmente é renovada constantemente.
Firmado termo de ajustamento de conduta, pelo qual o ente público assumiu obrigações que visam ao atendimento de direitos de crianças e adolescentes, é cabível a execução do título executivo extrajudicial quando descumprido o compromisso celebrado. [Grifos nossos].
(TJSC, ACV n. 2006.025305-6, Rel. Des. Francisco Oliveira Filho, j. em 10.4.2007).
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. INÉPCIA DA INICIAL INEXISTENTE. TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. DANO AMBIENTAL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRESCRIÇÃO INOCORRENTE. O DANO AMBIENTAL SE PERPETUA NO TEMPO, DE MODO QUE A OBRIGAÇÃO DE REPARAÇÃO SE TORNA IMPRESCRITÍVEL. DESCUMPRIMENTO DO TAC DEMONSTRADA. CERTEZA E LIQUIDEZ DO TÍTULO. PRELIMINAR REJEITADA. APELO PROVIDO. EMBARGOS JULGADOS IMPROCEDENTES, NA FORMA DO ART. 515, §3º DO CPC.
(Apelação Cível Nº 70056021942, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Silveira Difini, Julgado em 20/11/2013)
Nessa mesma linha de raciocínio, vale transcrever ensinamentos da doutrina, verbis:
São seis as características do termo de ajustamento de conduta comumente apontadas pela doutrina. Assim: a) dispensa testemunhas instrumentárias, bastando que conste no título a assinatura do compromitente e do compromissário; b) o título gerado é extrajudicial; c) mesmo que verse apenas sobre ajustamento de conduta, passa a ensejar execução por obrigação de fazer ou não fazer; d) na parte em que comine sanção pecuniária, permite execução por quantia líquida em caso de descumprimento da obrigação de fazer; e) mesmo que verse apenas acerca de obrigação de fazer, pode ser executado independentemente da prévia ação de conhecimento; f) é imprescritível.
Isto porque, o legislador preferiu não estabelecer prazo específico de prescrição para a ação civil pública e podia tê-lo feito, daí, frente os fundamentos do instituto e a singularidade da tutela coletiva, tem-se a imprescritibilidade do compromisso de ajustamento de conduta.[20]
A própria jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem caminhado nesse sentido. Confira-se, verbis:
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REPARAÇÃO DE DANO AMBIENTAL. IMPRESCRITIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADA. ANÁLISE DE MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA POR ESTA CORTE SEM PREQUESTIONAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES.
1. O acórdão recorrido, que julgou o agravo de instrumento do recorrente, tratou exclusivamente da prescrição. Mesmo questões de ordem pública (legitimidade passiva) não podem ser analisadas em Recurso Especial se ausente o requisito do prequestionamento. Precedentes do STJ.
2. É cediço que o juiz não fica obrigado a manifestar-se sobre todas as alegações das partes, nem a ater-se aos fundamentos indicados por elas, ou a responder, um a um, a todos os seus argumentos, quando já encontrou motivo suficiente para fundamentar a decisão, o que de fato ocorreu. Não violação do art. 535 do CPC.
3. O Tribunal a quo entendeu que: "Não se pode aplicar entendimento adotado em ação de direitos patrimoniais em ação que visa à proteção do meio ambiente, cujos efeitos danosos se perpetuam no tempo, atingindo às gerações presentes e futuras." Esta Corte tem entendimento no mesmo sentido, de que, tratando-se de direito difuso - proteção ao meio ambiente -, a ação de reparação é imprescritível. Precedentes. Agravo regimental improvido.
(AGRESP 1150479, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJE de 14.10.2011).
Ante todo o exposto, é imprescritível o direito dos órgãos da Administração Pública Federal de executar os TAC’s por eles celebrados com empresas em falta com o cumprimento de obrigações legais, visto ter como objeto direitos e interesses difusos, que têm como peculiaridade a indisponibilidade e, por isso, não se submete a qualquer prazo prescricional.
3 CONCLUSÃO
Diante do exposto, pode-se concluir que:
a) Os interesses ou direitos difusos se qualificam por serem transindividuais, ou seja, que ultrapassam a órbita individual; pela indivisibilidade do seu objeto, em razão da indeterminação dos titulares desses direitos, visto atingirem uma quantidade indeterminada de pessoas, de difícil ou impossível identificação, dada a amplitude do bem jurídico tutelado; e pela inexistência de relação jurídica entre os interessados, que estão ligados, tão-somente, por circunstâncias de fato;
b) O destinatário das obrigações impostas pelo Poder Público, no âmbito de TAC’s, a serem cumpridas pelos compromissários, é toda uma coletividade, em que não se torna possível a individualização e identificação dos beneficiários, nem mesmo a divisibilidade do objeto. Ou seja, o direito tutelado ultrapassa a órbita individual, é transindividual;
c) A ofensa avaliada em TAC’s celebrados com a Administração Pública não se trata apenas de descumprimento de obrigações legais, mas de transgressão a direitos difusos consubstanciados nos compromissos estabelecidos nos Termos de Ajustamento de Conduta, celebrados, obviamente, em comum acordo entre o órgão público e a empresa celebrante;
d) Percebe-se, dessa forma, a indisponibilidade desses direitos, visto não possuírem um titular definido, pois o interesse em voga pertence a toda uma coletividade e, por isso, não se pode admitir a incidência da prescrição sobre a eficácia da pretensão desses direitos;
e) Desse modo, não há como falar em prescrição da pretensão do órgão da Administração Pública de executar eventuais multas previstas em Termos de Ajustamento de Conduta e que foram livremente pactuadas pelas partes. Elas são devidas em virtude da transgressão, pela empresa celebrante do TAC, a direitos indisponíveis, no caso, direitos difusos, que têm como titular toda uma coletividade;
f) Ante todo o exposto, é imprescritível o direito dos órgãos da Administração Pública Federal de executar os TAC’s por eles celebrados com empresas em falta com o cumprimento de obrigações legais, visto ter como objeto direitos e interesses difusos, que têm como peculiaridade a indisponibilidade e, por isso, não se submete a qualquer prazo prescricional.
REFERÊNCIAS
DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed. rev., ampl. e atualizada. Vol. 4. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2012.
MAZZILLI, Hugo Nigro. Compromisso de Ajustamento de Conduta: evolução e fragilidades e atuação do Ministério Público. In Revista de Direito Ambiental, vol. 41, jan./2006.
PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; FARIAS, Bianca Oliveira de. Apontamentos sobre o compromisso de ajustamento de conduta na lei de improbidade administrativa e no projeto de lei da ação civil pública. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 68, set 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6468>. Acesso em jan 2014.
RIZZARDO, Arnaldo. Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009.
[1] Cf. DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[2] DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[3] RIZZARDO, Arnaldo. Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, p. 74.
[4] RIZZARDO, Arnaldo. Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, pp. 76-78.
[5] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed. rev., ampl. e atualizada. Vol. 4. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2012, p. 77.
[6] RIZZARDO, Arnaldo. Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, pp. 78-80.
[7] DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[8] Nesse mesmo sentido, confiram-se ensinamentos de Arnaldo Rizzardo, verbis: “Evita-se, com a ação civil pública, a multiplicidade de lides idênticas, especialmente em um País em que é alto o custo da Justiça e revela-se difícil o acesso à prestação jurisdicional. Certamente, o atendimento individuado às reivindicações traria a inviabilização do próprio sistema, dadas as conhecidas e históricas deficiências materiais e humanas do Poder Judiciário.” (Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: GZ Ed., 2009, p. 84).
[9] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed. rev., ampl. e atualizada. Vol. 4. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2012, p. 78.
[10] Cf. DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[11] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed. rev., ampl. e atualizada. Vol. 4. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2012, pp. 83-84.
[12] Com efeito, segundo Hugo Nigro Mazzilli, “o objeto do compromisso de ajustamento pode versar qualquer obrigação de fazer ou não fazer, no zelo de quaisquer interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos, o que inclui basicamente a proteção a danos efetivos ou potenciais aos seguintes interesses: a) meio ambiente; b) consumidor; c) ordem urbanística; d) patrimônio cultural (bens e valores artísticos, estéticos, turísticos, paisagísticos, arqueológicos, históricos); e) ordem econômica e a economia popular; f) crianças e adolescentes; g) idosos; h) pessoas portadoras de deficiência; i) investidores no mercado de valores mobiliários; j) quaisquer outros interesses transindividuais.” (MAZZILLI, Hugo Nigro. Compromisso de Ajustamento de Conduta: evolução e fragilidades e atuação do Ministério Público. In Revista de Direito Ambiental, vol. 41, p. 93, jan./2006.)
[13] Art. 206. Prescreve:
[...]
§ 5o Em cinco anos:
I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular;
[14] Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
[15] Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação.
[16] DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes. Curso de Direito Processual Civil. 7ª ed. rev., ampl. e atualizada. Vol. 4. Salvador: Ed. JusPODIVM, 2012, p. 122.
[17] In DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[18] In DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[19] In DANTAS, Adriano Mesquita. A prescrição da pretensão relativa a interesses e direitos metaindividuais: enfoques trabalhistas. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1001, 29 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8171>. Acesso em: 16 jan. 2014.
[20] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de; FARIAS, Bianca Oliveira de. Apontamentos sobre o compromisso de ajustamento de conduta na lei de improbidade administrativa e no projeto de lei da ação civil pública. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 68, set 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6468>. Acesso em jan 2014.
Procurador Federal em Brasília/DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Leandro de Carvalho. Imprescritibilidade de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado por órgão da Administração Pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38774/imprescritibilidade-de-termo-de-ajustamento-de-conduta-tac-celebrado-por-orgao-da-administracao-publica. Acesso em: 23 dez 2024.
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