RESUMO[1]: A recente Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, trouxe alterações à legislação que regulamenta a excepcional identificação criminal do civilmente identificado, bem como à Lei de Execução Penal, possibilitando a coleta e armazenamento de perfis genéticos dos imputados. Busca-se através deste artigo fazer o confronto com direitos fundamentais e garantias asseguradas na Constituição Federal, demonstrando a violação da diretriz democrática preconizada por nossa Carta Magna. O tratamento dado pela referida legislação ao imputado pelo sistema penal, como se inimigo fosse, e, portanto, merecedor de limitações excepcionais a seu universo de direitos, será demonstrado nesta breve análise, inclusive a denunciar características evidentes do exercício da biopolítica e da exclusão dos escolhidos pelas agências de criminalização.
PALAVRAS-CHAVE: Perfil genético. DNA. Direito Penal do Inimigo. Modelo Constitucional de Processo Penal. Biopolítica.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 REGISTRO COMO REALIZAÇÃO DA BIOPOLÍTICA. 3 ENDEUSAMENTO DO EXAME DE DNA. 4 SUBMISSÃO OBRIGATÓRIA DA IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL GENÉTICO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. BIBLIOGRÁFICAS.
É certo que não passa um dia sem que entrem papéis novos na Conservatória, dos indivíduos de sexo masculino e de sexo feminino que lá fora vão nascendo, mas o cheiro nunca chega a mudar [...]
José Saramago
1 INTRODUÇÃO
A persecução penal brasileira, apesar dos princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988, tem-se desenvolvido preferencialmente na direção de influxos punitivistas. Nota-se, neste sentido, que a tradição inquisitorial do processo penal pátrio tem conseguido sobrepujar o direcionamento dado pelo constituinte originário, não se vergando em sua tendência de etiquetar e estigmatizar o imputado, tratando-o como inimigo[2].
A análise do acolhimento dado pela legislação ordinária às diversas repercussões da imputação da autoria do delito permite comprovar que a proporcionalidade da ação estatal não tem sido o parâmetro guia, desviando-se a atividade legislativa da necessária busca pela máxima racionalidade do processo penal, como único caminho capaz de impedir a arbitrariedade[3].
Nesta rota, encontra-se a recente Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, que prevê a coleta de perfil genético como forma de identificação criminal.
Sob a pretensão de regulamentar o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal[4], em aditamento às modalidades de identificação previstas no caput do art. 5º da Lei nº 12.037, de 01 de outubro de 2009[5], tal dispositivo legal traz a atualização permissiva da coleta de dados genéticos. As hipóteses para esta coleta serão estudadas neste artigo, e estampam a opção indisfarçável de nossa sociedade pelo controle biopolítico[6] e consequente regulamentação[7] da parcela marginal dos indivíduos, aqui maculados pela sina da criminalidade.
O objetivo deste artigo é, justamente, demonstrar a evidência do tratamento diferenciado dado ao imputado pela persecutio criminis, na intensificação de sua identificação perante o Estado, com restrição de direitos, não prevista pela ordem constitucional como consequência do cometimento do crime. Busca-se demonstrar a ausência de motivação razoável para tal catálogo, com a denúncia da encoberta instrumentalização do biopoder.
Através do confronto entre os instrumentos normativos escolhidos para estudo e a leitura constitucional do processo penal, demonstrar-se-á que a violação de princípios e crescente ausência de normatividade constitucional têm permitido a atual tendência de esvaziamento de direitos fundamentais e tratamento excepcional aos imputados.
2 REGISTRO COMO REALIZAÇÃO DA BIOPOLÍTICA
O registro de dados pormenorizados dos imputados pelo sistema penal é bem conhecido como técnica de controle e alijamento. Lembre-se da tentativa de Lombroso em descrever em minúcias as características dos encarcerados. Lembrem-se das perseguições iniciadas na Santa Inquisição, motivadas por denúncias de hábitos e rotinas dos hereges, ou na exaustiva aferição da “limpeza de sangue”[8]. Cite-se o art. 6º, incisos VIII e IX, do vigente Código de Processo Penal, que orienta a coleta de dados que individualize e rotule o delinquente:
Art. 6o Logo que tiver conhecimento da prática da infração penal, a autoridade policial deverá:
VIII - ordenar a identificação do indiciado pelo processo datiloscópico, se possível, e fazer juntar aos autos sua folha de antecedentes;
IX - averiguar a vida pregressa do indiciado, sob o ponto de vista individual, familiar e social, sua condição econômica, sua atitude e estado de ânimo antes e depois do crime e durante ele, e quaisquer outros elementos que contribuírem para a apreciação do seu temperamento e caráter.
Se, por um lado, o argumento da coleta de dados é no sentido de distinguir o agente e atingir a necessária responsabilização pessoal, sem o risco de trazer para o cárcere pessoa diversa do delinquente[9], por outro, esta coleta de dados, que remonta à antiguidade[10], demonstra não se guiar pela necessidade da investigação e, sim, por uma inconfessada vontade de controle.
Com efeito. Evidencia-se que alguns dados de coleta obrigatória ordenada pelo artigo 6º do Código de Processo Penal, por exemplo, não apresentam mínima idoneidade, como é o caso dos traços do “temperamento e caráter”, vez que exigem complexidade na captura. Por sua vez, esta complexidade é incompatível com a estrutura do sistema penal brasileiro, conforme denuncia, ao comentar especificamente o dispositivo, Aury Lopes Júnior[11]:
A disposição legal é absurda, como absurdo é imaginar-se que um juiz, ao fixar a pena (art. 59 do CP), poderá (des)valorar “conduta social” e “personalidade do agente”. A principal justificativa do dispositivo é servir de base para o juiz quando da análise dos requisitos do art. 59 do CP. Contudo, juízes não são antropólogos ou sociólogos e – mesmo que fossem – não possuem elementos para fazer tal avaliação. No que se refere à “personalidade do agente”, não existe a menor possibilidade de tal avaliação se realizar e, muito menos, ter valor jurídico. Não existe a menor possibilidade (salvo os casos de vidência e bola de cristal) de uma avaliação segura sobre a personalidade de alguém, até porque existem mais de 50 definições diferentes sobre a personalidade.
A tentativa de descrição do insurgente é ínsita ao poder punitivo estatal e, no caso do Brasil, demonstra exorbitar a ponderada permissão constitucional, transgredindo regras processuais de garantia.
Se, no passado, os processos de identificação e coleta de dados do criminoso eram rudimentares, contando com técnicas dotadas de mínima tecnologia e máxima crueldade, como a mutilação e a marca em brasa[12], a evolução tecnológica extirpou o suplício e maximizou a gama de dados para confronto. Hoje, graças ao progresso da ciência, é possível o indolor etiquetamento do delinquente, que se propaga com imensa velocidade pelas redes da sociedade informacional[13] e, com o auxílio da legislação de intromissão nos espaços de garantia, é viável traçar um mapa detalhado das características genéticas dos hostis ao sistema penal.
Apesar do reconhecimento internacional dos Direitos Humanos[14] e de estudos que demonstram que a sociedade é, por si, uma sociedade criminógena[15], persiste, aqui e além-mar, o tratamento do criminoso como inimigo social:
Ao revisarmos o exercício real do poder punitivo, verificamos que este sempre reconheceu um hostis, em relação ao qual operou de modo diferenciado, com tratamento discriminatório, neutralizante e eliminatório, a partir da negação da sua condição de pessoa, ou seja, considerando-o basicamente em função de sua condição de coisa ou ente perigoso.
A partir da visão do criminoso como inimigo, tenta-se coletar o mais profundo traço individualizador para traçar o perfil aproximativo do homem delinquente ou, ainda, poder, através de cálculos atuariais[16], buscar uma margem de risco da delinquência.
Confirma-se a tese de Zaffaroni, de que o avanço contra o direito penal liberal traz como características a “marcada debilitação das garantias processuais” e “a identificação dos destinatários mediante um forte movimento para o direito penal do autor.”[17]
O registro, a fotografia, a identificação datiloscópica, colheita de dados antropométricos etc são exemplos de formas mais precisas e amplificadas de captura de dados do indivíduo, que se desenvolveram ao longo dos anos, sem, contudo, trazerem a possibilidade per si de processamento. Esta possibilidade, hoje potencializada por supercomputadores, iniciou-se com o invento do engenheiro Herman Hollerith, por volta de 1890, que mais tarde veio a ser desenvolvido e largamente utilizado pela máquina nazista, como forma de identificação dos judeus e posterior filtragem para o extermínio:
A história da automatização dos registros mostrou já em suas origens o seu potencial
seletivo e excludente. Os nazistas provaram ao mundo que simples informações pessoais de conhecimento comum de pessoas do círculo de amizade, quando reunidas em um banco de dados unificado, podem representar a diferença entre a inclusão e a exclusão em uma sociedade fundada em mecanismos automatizados de seleção estatística.[18]
Este movimento de identificação e conhecimento de parcela da sociedade, muitas vezes iniciada em cobaias destituídas da inclusão[19], demonstra, tendencialmente, se alargar para todo o corpo social. A sombra da indevida utilização da identificação dos indivíduos, para fins de seleção e exclusão, permeia a sociedade de controle como iminente tempestade e encontra nefasta memória no Dritte Reich. O mesmo movimento de identificação que cataloga a parcela de excluídos, para defesa do corpo de incluídos, parece exercer força para identificação de todos incluídos, para defesa frente aos excluídos, ou sob este discurso[20].
Neste sentido, no caminho de identificar e manter sob controle toda a população civil, lembrem-se das insistentes tentativas de implementação de um banco de dados unificado das diversas secretarias de segurança pública, da unificação e popularização do uso do cadastro de pessoa física da Receita Federal do Brasil como número identificador confiável e padronizado, além do recente programa do Tribunal Superior Eleitoral de cadastramento biométrico de todos os eleitores. A par de possibilitarem a racionalização na lida com a contingente demanda populacional na prestação de serviços, esta prática mantém todos ao alcance do Estado e de suas políticas.
Sob este aspecto, Zaffaroni pontua que, quando os inimigos e destinatários do tratamento diferenciado não são, de início, identificados, e, sim, pessoas comuns, a serem individualizadas pelo sistema penal, importa assumir a limitação de garantias e liberdades de todos os cidadãos, com o fito de identificar e conter os hostis:
Portanto, admitir um tratamento penal diferenciado para inimigos não identificáveis nem fisicamente reconhecíveis significa exercer um controle social mais autoritário sobre toda a população, como único modo de identificá-los e, ademais, impor a toda a população uma série de limitações à sua liberdade e também o risco de uma identificação errônea e, conseqüentemente, condenações e penas a inocentes.[21]
É esta, precisamente, a política que fundamenta a coleta e guarda de perfis genéticos dos imputados do sistema penal brasileiro, com a assunção pela sociedade dos riscos desta escolha pela exceção constitucional.
Não é demais ressaltar que os Estados de direito se definem pela contenção dos Estados de polícia, fruto da penosa experiência acumulada ao longo das lutas contra o poder absoluto. E a realidade é que “o Estado de polícia que o Estado de direito carrega em seu interior nunca cessa de pulsar, procurando furar e romper os muros que o Estado de direito lhe coloca.”[22]
3 ENDEUSAMENTO DO EXAME DE DNA
O desenvolvimento da ciência trouxe o exame do DNA (ácido desoxirribonucleico)[23] ao patamar de alta confiabilidade que hoje possui, sobretudo por possibilitar o confronto preciso com dados coletados nos locais de crime. Nestes casos, a comparação entre a amostra do DNA e o corpo de delito pode trazer indícios que de fato convalidem com boa dose de probabilidade a tese da investigação.
No entanto, não há que se esquecer de que os exames de DNA são realizados em laboratórios, conduzidos e manuseados por seres humanos. Somente este fato já permite desvelar uma margem de erro possível (senão inerente) a qualquer trabalho submetido, em uma de suas etapas, à manipulação humana, o que macula a imagem de infalibilidade do exame.
Além disso, não se pode coadunar com a inquestionabilidade de exames periciais ou a preponderância de prova técnica como regina probarum:
Nenhuma dúvida temos do valor do conhecimento científico, mas não há que endeusá-lo com o absolutismo, pois mesmo o saber científico é relativo e possui prazo de validade. Dizemos isso para, desde logo, advertir que não existe “a rainha das provas” no processo penal, e muito menos o é a prova pericial.[24]
Não obstante a sustentável utilização vantajosa da coleta de DNA para o confronto necessário e motivado em casos específicos, a amplitude trazida pelo dispositivo legal em comento deixa larga margem de discricionariedade[25] para o juiz, após a provocação pelo ministério público ou polícia, ou mesmo ex officio[26]:
Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando:
IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa;
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)
Observe-se que há a afronta ao princípio do nemo tenetur sine detegere, ou direito a não autoincriminação, quando a coleta exigir a extração corpórea do sujeito de alguma amostra, sem o seu consentimento. No processo penal, esta barreira é insuperável, pois protegida pelo princípio da presunção da inocência e da decorrência acusatória da carga probatória nas mãos do acusador.
Isto porque o princípio da presunção de inocência, em sua dimensão subjetiva, tem como principal finalidade:
Conferir aos indivíduos uma posição jurídica de direito subjetivo, em sua maioria de natureza material, mas às vezes de natureza processual e, consequentemente, limitar a liberdade de atuação dos órgãos do Estado. [...] Essa espécie de direitos fundamentais, inegavelmente, caracteriza-se por criar para o indivíduo uma posição ativa ou de vantagem em relação ao Estado, o qual fica obrigado a atuar de determinado modo ou a não atuar (abstenção) dentro de determinado âmbito definido em razão de norma posta em favor daquele titular.[27]
Na mesma linha desse entendimento, há a doutrina de Aury Lopes Júnior:
O problema está quando necessitamos obter as células corporais diretamente do organismo do sujeito passivo e este se recusa a colaborar. Se no processo civil o problema pode ser resolvido por meio da carga da prova e a presunção de veracidade das afirmações não contestadas, no processo penal a situação é muito mais complexa, pois existe um obstáculo insuperável: o direito de não fazer prova contra si mesmo, que decorre da presunção de inocência e do direito de defesa negativo (silêncio).[28]
Por oportuno, recorde-se que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”[29]. Para melhor compreender este espaço de liberdade trazido pela Constituição Federal, é preciso esclarecer que não é qualquer lei que possa limitá-lo:
O princípio é o de que todos têm a liberdade de fazer e de não fazer o que bem entender, salvo quando a lei determine em contrário. A extensão dessa liberdade fica, ainda, na dependência do que se entende por lei. Se se considerar a lei qualquer norma elaborada pelo Poder Público, independentemente da origem desse poder, então o princípio constitucional vale bem pouco Não é esse, porém, o sentido da palavra lei. Como vimos, a liberdade não é incompatível com um sistema coativo, e até se pode acrescentar que ela pressupõe um sistema dessa ordem, traduzido no ordenamento jurídico. A questão está na legitimidade do sistema coativo, do ordenamento jurídico.[30]
Não haveria afronta ao devido processo legal se houvesse a permissão do investigado ou se, mediante autorização judicial de busca e apreensão, a coleta se desse sem a invasão corporal do indivíduo. E.g. busca de material genético na residência do imputado, em seu automóvel, local de trabalho etc. Ainda, aqui sem mandado judicial, caberia a busca no lixo externo à residência, em vias públicas etc. Neste último caso, a exigência estaria na formalização minuciosa do ato e de todas as circunstâncias, a fim de possibilitar a informazione e reazione[31], caso venha a se construir como elemento de prova.
Necessário pontuar que esta coleta permitida, com as garantias processuais e com a formalidade[32] essencial, terá sua função exaurida na confrontação com o material de parâmetro, permitindo a hipótese acusatória. A partir daí, exaurida sua função processual, deve ser destruída, sem compor qualquer banco de dados genético.
A imersão no universum iuris do imputado deve ser apenas e tão-somente a estritamente necessária:
É natural e intuitivo, já que a ideia de proporcionalidade nasce para estabelecer um limite às restrições de direitos fundamentais, que sempre a variável permanente será a de menor restrição prevista por norma processual penal.[33]
Ao contrário dessa argumentação, a Lei 12.037, de 01 de outubro de 2009, prevê, em seu artigo 5º-A:
Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.
Para atender a essa demanda legislativa, a criação do Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos, se deu através do Decreto nº 7.950, de 12 de março de 2013, com a finalidade de gerir e armazenar os dados coletados. Tal iniciativa demonstra a formação de uma estrutura que tende a se acoplar ao mecanismo biopolítico de nossa sociedade.
O direito à privacidade, formado pelo direito de não ser monitorado, de não ser registrado e de não ser reconhecido[34], é frontalmente atingido pelo depósito potestativo do material genético.
Túlio Lima Viana sintetiza as violações a partir do desrespeito ao direito à privacidade, em sua faceta de direito de não ser registrado:
O direito de não ser registrado, entendido não só como uma garantia à liberdade de associação [...], mas também e principalmente como uma garantia contra o totalitarismo seletivo (tal como no regime nazista) é, nas sociedades informacionais, um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
[...] O direito de não ser registrado é também garantia ao direito de liberdade de associação e de manifestação de pensamento.
O direito de não ser registrado é também uma garantia contra violações ao direito constitucional à igualdade. A experiência nazista demonstrou que para discriminar é necessário antes de tudo registrar a população traçando um mapa das características de cada indivíduo. Estes registros são os instrumentos de filtragem da população, pelos quais o poder seleciona e exclui os indivíduos julgados indesejáveis.
O direito de não ser registrado deve ser entendido não mais como a tutela de um interesse individual, mas como a garantia de um interesse público de tutela dos direitos à liberdade e à igualdade.[35]
4 SUBMISSÃO OBRIGATÓRIA DA IDENTIFICAÇÃO DO PERFIL GENÉTICO
Na continuidade da análise das inovações trazidas pela Lei nº 12.654, de 28 de maio de 2012, depara-se com a inclusão do art. 9º-A na Lei de Execução Penal:
Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
Neste ponto, escancara-se a motivação da coleta pela condenação penal, em direta colisão com o princípio da presunção da inocência. Há na lei a demonstração do entendimento da vertente legislativa pelo direito penal do autor[36]. A condenação penal, com o cumprimento da pena culminada, deveria exaurir sua função repressiva na exata medida da privação imposta, sem com isto, pelo menos no Modelo Constitucional de Processo Penal, inquinar o imputado indelevelmente[37]. Julgado pelo fato, deve-se cumprir a pena proporcional ao fato cometido e apenas.
A submissão obrigatória da identificação do perfil genético pelo condenado traz à luz a pulsão biopolítica estatal e a intenção de exclusão de determinado seguimento, a se iniciar pela identificação genética dos inimigos:
A história do exercício real do poder punitivo demonstra que aqueles que exerceram o poder foram os que sempre individualizaram o inimigo, fazendo isso da forma que melhor conviesse ou fosse mais funcional.[38]
A presunção de que o condenado cometerá novo delito, diante do mandamento legal, torna-se iuris et de iure, o que legitima a extração de seu DNA, compassivamente “por técnica adequada e indolor” e sua cautela, para confronto quando da reincidência presumida. Estamos diante da chamada “periculosidade da suspeita”?[39]
A partir do mandamento, cria-se um banco de dados com os genes dos inimigos (não pessoas), para utilização potencial. A citada previsão legal, na verdade, é a transparência para o ordenamento jurídico do fenômeno latente da biopolítica e exclusão dos inimigos do Estado. Exclusão pela inclusão numa categoria própria, relegada à exceção constitucional.
Aqui notamos o fenômeno denominado por Zaffaroni de autoritarismo cool, onde o legislador, fugindo de sua vinculação constitucional, legisla em função da plateia, para a opinião pública ou publicada, atingindo o mister da segregação e da exceção constitucional:
Esta legislação constitui o capítulo mais triste da atualidade latino-americana e o mais deplorável de toda história da legislação penal na região, em que políticos intimidados pela ameaça de uma publicidade negativa provocam o maior caos legal autoritário – incompreensível e irracional – da história de nossas legislações penais desde a independência.[40]
Deve-se ter em mente que a história da humanidade e uso que até hoje tiveram os mecanismos de controle nem sempre foram para a proteção dos direitos humanos e para a preservação da vida. Cite-se a culminância do holocausto, que só foi possível com mecanismos sofisticados de registro e controle.
Acontece que a esfera do processo penal, que no nosso caso tem dado legitimidade para o exercício da identificação exaustiva e invasiva, é o espaço que deve ser entendido como de defesa das garantias do indivíduo, dentre elas a garantia de, na condição de imputado, ter sua privacidade resguardada.
Some-se às violações trazidas pelo art. 9º-A da Lei de Execução Penal o desrespeito ao tratamento igualitário preconizado por nossa Ordem Constitucional[41]. A legitimidade da restrição a direitos trazidos pela sentença condenatória, que busca guarida no devido processo legal e nas funções de prevenção geral e especial da pena, não pode ter seu âmbito ampliado por motivação casuística ou discriminatória. Ou seja, qualquer restrição a direitos do condenado no processo legal deve obediência à estrita legalidade, sustentada pelo devido processo legal substantivo[42], que afugenta de validade até mesmo instrumentos legislativos não condizentes com a principiologia do Estado Democrático de Direito.
José Afonso da Silva, dissertando a respeito do direito à igualdade, leciona:
São inconstitucionais as discriminações não autorizadas pela Constituição. O ato discriminatório é inconstitucional. Há duas formas de cometer esta inconstitucionalidade. Um consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação. [...] A outra forma de inconstitucionalidade revela-se em se impor obrigação, dever, ônus, sanção ou qualquer sacrifício a pessoas ou grupo de pessoas, discriminando-as em face de outros na mesma situação que, assim, permaneceram em condições favoráveis.[43]
Ora, por mais que grande parcela dos defensores da ideologia law and order não enxerguem nos investigados, indiciados, denunciados, réus ou condenados do sistema penal sujeitos de direitos e garantias, idênticos aos “cidadãos de bem”, essa é a lógica que salta do próprio texto constitucional. A Constituição só admite a privação trazida pela decisão judicial, devidamente fundamentada e legitimada pelo processo penal constitucional, não aceitando outras consequências que diminuam o status jurídico do imputado. A Constituição não coaduna com a coisificação do apenado. No caso, apenas a desigualdade trazida pela sentença condenatória transitada em julgado e democraticamente construída, faz-se legítima. Fora deste âmbito demarcado, a igualdade de tratamento é imperiosa e fundamenta a correção da discriminação.
Assim, na defesa de um garantismo holístico[44], que privilegie a normatividade constitucional das garantias, mas que, também, busque servir de dique para o uso sempre perigoso das ferramentas da sociedade de controle e da biopolítica, é necessário questionar a coleta indiscriminada dos dados genéticos preconizada pela legislação citada que, a pretexto de trazer eficiência para a atividade probatória, fulmina o espaço sagrado do indivíduo.
CONCLUSÃO
Após analisarmos os aspectos mais importantes da legislação que traz para o processo penal a possibilidade da coleta e custódia de material biológico que contenha os perfis genéticos de imputados, observamos que a inovação legislativa não encontra sintonia com o Modelo Constitucional de Processo Penal, antes, atavicamente, reforçando influências neo-lombrosianas.
A previsão, que transparece tentáculos do biopoder, não se sustenta na necessidade e proporcionalidade da medida restritiva de direitos e garantias fundamentais, ferindo, sobretudo, o direito à privacidade, em sua faceta de direito de não ser registrado, a presunção de inocência, o direito de não autoincriminação e o direito à igualdade.
Acredita-se que a única hipótese admissível de coleta invasiva de material biológico do imputado para confrontação do perfil genético seria o consensual, ainda assim com a custódia do material pelo Estado somente até o encerramento da instrução processual.
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[1] Artigo apresentado à Universidade Federal de Minas Gerais - Programa de Pós-Graduação em Direito como requisito parcial para conclusão da disciplina “Pós-modernidade e Sociedade de Controle”, sob a orientação do Prof. Dr. Túlio Lima Vianna.
[2] Esta tendência é assim descrita por Zaffaroni, “o poder punitivo sempre discriminou os seres humanos e lhes conferiu um tratamento punitivo que não correspondia à condição de pessoas, dado que os considerava apenas como entes perigosos ou daninhos. Esses seres humanos são assinalados como inimigos da sociedade e, por conseguinte, a eles é negado o direito de terem suas infrações sancionadas dentro dos limites do direito penal liberal, isto é, das garantias que hoje o direito internacional dos direitos humanos estabelece universal e regionalmente.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. 2. ed. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de. Janeiro: Revan, 2007, p. 11.
[3] Neste sentido, o modelo garantista busca atingir o “máximo grau de racionalidade e confiabilidade do juízo, e portanto, de limitação do poder punitivo e de tutela da pessoa contra a arbitrariedade.” FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer el al, São Paulo: RT, 2002, p. 38.
[4] “LVIII - o civilmente identificado não será submetido a identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei”. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 20/11/13.
[5] “Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando: IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa; Art. 5º A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação. Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético. (Incluído pela Lei nº 12.654, de 2012)” BRASIL. Lei n. 12.037, de 01 de outubro de 2009. Dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm>. Acesso em: 20/11/13.
[6] Na definição de Foucault, “a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados, utilizados, eventualmente punidos. E, depois, a nova tecnologia que se instala se dirige à multiplicidade dos homens, não na medida em que ela forma, ao contrário, uma massa global, afetada por processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc. Logo, depois de uma primeira tomada de poder sobre o corpo que se fez consoante o modo da individualização, temos uma segunda tomada de poder que, por sua vez, não é individualizante mas que é massificante, se vocês quiserem, que se faz em direção não do homem-corpo, mas do homem-espécie. Depois da anátomo-política do corpo humano, instaurada no decorrer do século XVIII, vemos aparecer, no fim do mesmo século, algo que já não é uma anátomo-política do corpo humano, mas que eu chamaria de uma ‘biopolítica’ da espécie humana.” FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975-1976). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 289.
[7] Túlio Lima Vianna pontua que “o advento do biopoder marca o surgimento de um modelo de sociedade que não abandona por completo o paradigma disciplinar do “vigiar e punir”, mas tende cada vez mais a privilegiar o esquema biopolítico do “monitorar, registrar e reconhecer”. VIANNA, Túlio Lima. Transparência pública, opacidade privada: o Direito como instrumento de limitação do poder na sociedade de controle. 181 f. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba. 2006, p. 111.
[8] A habilitação como familiar do Santo Ofício iniciava um processo exaustivo de verificação da vida pregressa e registro do habilitado, excluindo dessa possibilidade caso fosse detectada indício de “sangue infecto”: “Em tal interrogatório extrajudicial sobre ascendência do habilitando, verificava-se se o mesmo era “legítimo e inteiro cristão velho, sem raça alguma de não infecta”; quem eram seus pais e avós paternos e maternos; onde foram morar; se as ditas pessoas eram naturais e moradoras donde se dizia na petição; que ocupação tiveram ou de que viveram. Era investigado se o habilitando “antes de vir de sua pátria foi casado de que se ficassem filhos ou se consta que tenha algum ilegítimo e se ele ou algum de seus ascendentes foi preso ou penitenciado pelo santo ofício ou incorreu em infâmia pública ou pena vil de feito ou de Direito.” RODRIGUES, Aldair Carlos. Sociedade e Inquisição em Minas Colonial: os Familiares do Santo Ofício (1711 – 1808). 241 f. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2007, p. 97.
[9] Não se desconhece que o caráter preventivo, voltado a evitar acusações infundadas, constitui-se na função mais importante da investigação preliminar.
[10] “Os registros já eram utilizados como instrumento de controle social na Antiguidade. Desde o tempo dos antigos assírios, se não antes, os governos estiveram interessados em coletar e armazenar informações sobre os povos que controlavam.” VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. p. 57.
[11] LOPES JUNIOR, Aury. Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional. v.I. 3ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 270.
[12] Interessante linha evolutiva na humanização das marcas a serem impingidas aos criminosos é trazida por Lynn Hun: “Como a reabilitação e o reingresso do criminoso na sociedade eram as metas principais, a mutilação corporal e as marcas de ferro em brasa se tornaram intoleráveis. Ainda assim, Lepeletier se estendeu bastante sobre a questão das marcas feitas com ferro em brasa: como a sociedade se protegeria contra criminosos condenados sem nenhum tipo de sinal permanente de seu status? Conclui que na nova ordem seria impossível que vagabundos ou criminosos passassem despercebidos, porque as municipalidades manteriam registros exatos com os nomes de cada habitante.” HUN, Lynn. A invenção dos direitos humanos. Uma história. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
[13] “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. [...] Sob todas as suas formas particulares – informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimento – o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na sociedade.” DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011, p. 14.
[14] Frise-se que “nada – absolutamente nada – nos garante que o direito de amanhã será melhor ou mais democrático do que o de hoje. Os atos institucionais da ditadura militar não foram uma evolução da Constituição de 1946 e o Direito nazista não foi uma evolução da Constituição de Weimar. Os direitos não evoluem, mas se conquistam e se perdem ao longo da história, de acordo com a política do momento. Não há garantias, não há segurança, não há certezas. A luta por direitos é permanente; não há tréguas.” VIANNA, Túlio Lima. Dez alterações no Direito que marcaram a década. Disponível em: <http://tuliovianna.org/2011/10/11/dez-alteracoes-no-direito-que-marcaram-a-decada/>. Acesso em: 26/11/13.
[15] “A sociedade é criminógena, todos delinquimos!” LOPES JUNIOR, Aury. Op. Cit. p. 217.
[16] Vide excelente tese de Maurício Stegemann Dieter apontando, nos EUA, o crescente “uso de prognósticos de risco elaborados a partir de estatísticas criminais relativas a um grupo social para determinar critérios de justiça aplicáveis a alguém identificado como seu integrante, seja na condição de suspeito, acusado ou condenado. O processo de mensuração do risco de um criminoso tem por núcleo a atribuição de um valor numérico às suas diferentes características individuais e sociais para depois comparar essa informação com os dados de diferentes sujeitos já criminalizados, com o objetivo de ordená-los dentro desse padrão e decidir o que fazer com ele em função de sua posição relativa.” DIETER, Maurício Stegemann. Política Criminal Atuarial. A Criminologia do fim da história. 309 F. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2012, p. 8.
[17] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 14.
[18] VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. p. 70.
[19] Para Agamben “a dupla categorial fundamental da política ocidental não é aquela amigo-inimigo, mas vida nua-existência política, zoé-bíos, exclusão-inclusão. A política existe porque o homem é o vivente que, na linguagem, separa e opõe a si a própria vida nua e, ao mesmo tempo, se mantém em relação com ela numa exclusão inclusiva.” AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: UFMG, 2002, p. 16.
[20] “A nova emergência pretende justificar exigências internacionais de adoção de legislação penal e processual penal autoritária em todos os países do mundo.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 66.
[21] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 118.
[22] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 169-170.
[23] Em interessante estudo sobre o tema, Norma Sueli Bonaccorso aponta ao menos cinco vantagens do exame de DNA sobre outras análises tradicionais: possibilidade de aplicação em todo material biológico, alto potencial discriminatório, sensibilidade do exame, resistência a fatores ambientais, possibilidade de separação do DNA da célula espermática de qualquer outro DNA celular (permitindo a individualização da fonte do sêmen nas investigações de crime sexual). BONACCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de crimes. Dissertação. 193 f. Dissertação (Mestrado em Medicina Forense) – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2005, p. 24 e segs.
[24] LOPES JUNIOR, Aury. Op. Cit. p. 563.
[25] “Quanto mais habilitações o poder punitivo tiver nas legislações, maior será o campo de arbítrio seletivo das agências de criminalização secundária e menores poderão ser os controles e contenções do poder jurídico a seu respeito.” ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 170.
[26] É evidente a incompatibilidade desta permissão de atuação do juiz na gestão da prova com o princípio dispositivo, ferindo o sistema acusatório exigido pelo Modelo Constitucional de Processo Penal.
[27] MORAES, Maurício Zanoide. Presunção de Inocência no Processo Penal Brasileiro: análise de sua estrutura normativa para a elaboração legislativa e para a decisão judicial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 227-228.
[28] LOPES JUNIOR, Aury. Op. Cit. p. 195
[29] Art. 5º, inciso II, da Constituição Federal de 1988.
[30] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 1997, p. 229.
[31] “O princípio do contraditório, tecnicamente considerado, segundo expõe, se articula em dois tempos essenciais: informazione e reazione; a primeira, sempre necessária, e a segunda, sendo eventual, devendo ser necessariamente garantida na possibilidade de sua manifestação.” GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Belo Horizonte: Del Rey, 2012, p. 108.
[32] Felipe Martins Pinto ressalta que, “na esfera penal, tanto no direito material quanto no processo, a legalidade não é uma característica, senão a sua missão e objetivo.” PINTO, Felipe Martins. Introdução Crítica ao Processo Penal. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2012, p. 141.
[33] MORAES, Maurício Zanoide. Op. Cit. p. 326.
[34] O histórico da invenção e desenvolvimento do direito à privacidade, até nossos dias, é apresentado por Túlio Lima Vianna. VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. p. 75 e segs.
[35] VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. p. 82-84.
[36] “Este derecho penal imagina que el delito es sintoma de um estado del autor, siempre inferior al del resto de las personas consideradas normales. Este estado de inferioridad tiene para unos naturaliza moral y, por ende, se trata de una versión secularizada de un estado de pecado jurídico, en tanto que para otros es de naturaleza mecánica y, por lo tanto, se trata de un estado peligroso. Los primeiros asumen expressa o tácitamente la función de divinidad personal y los segundos asumen la de divinidad impersonal y mecânica.” ZAFFARONI, Eugenio Raul. Derecho Penal. Parte Geral. Buenos Aires: Ediar, 2002, p. 66.
[37] O Art. 7o-A da Lei 12.037, incluído pela Lei 12.654, de 28 de maio de 2012, prevê que “a exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”, ou seja, podendo perdurar até vinte anos, nos termos do art. 109 do Código Penal.
[38] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. ZAFFARONI, Eugenio Raúl. O inimigo no Direito Penal. 2. ed. Tradução de Sérgio Lamarão. Rio de. Janeiro: Revan, 2007, p. 82.
[39] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 110.
[40] ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Op. Cit. p. 79.
[41] Art. 5º, caput, da Constituição Federal: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”
[42] Art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”
[43] SILVA, José Afonso. Op. Cit. p. 222.
[44] “A proposta de um garantismo holístico visa conceber o Direito não mais como sinônimo de lei e ordem, mas como instrumento de limitação do poder – estatal ou individual – seja ele econômico, midiático ou biopolítico.” VIANNA, Túlio Lima. Op. Cit. p. 145.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOHNNY WILSON BATISTA GUIMARãES, . Coleta de perfil genético e sociedade de controle Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38794/coleta-de-perfil-genetico-e-sociedade-de-controle. Acesso em: 23 dez 2024.
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