1. Introdução
As ações regressivas previdenciárias têm tido relevante caráter punitivo-pedagógico, permitindo, ainda, a recomposição do patrimônio público, eis que o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, com fundamento no art. 120, da lei nº 8.213/1990, não terá de arcar com os custos de benefícios pagos em decorrência de conduta culposa dos empregadores ou de outras pessoas responsáveis pela prática de determinados ilícitos.
Se inicialmente essas ações regressivas se restringiam àqueles benefícios pagos em decorrência de acidente do trabalho, a atuação da Procuradoria-Geral Federal ampliou o espectro de situações que ensejam a recomposição dos cofres públicos, tais como os benefícios pagos em decorrência de acidentes de trânsito e da violência doméstica, desde que comprovados os requisitos para essa responsabilização.
A atuação prioritária da Procuradoria-Geral Federal nessas ações tem suscitado diversas discussões jurídicas, dentre elas a atinente ao prazo de prescrição da pretensão do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, tema objeto especificamente do presente artigo.
2. Desenvolvimento
O estudo da prescrição da pretensão da administração pública é tema que corriqueiramente é alvo de embates doutrinários e jurisprudenciais.
Não seria diferente nas ações judiciais nas quais o INSS objetiva a recomposição do patrimônio lesado em decorrência de circunstâncias que ensejaram a implantação de benefícios em razão da conduta danosa de outrem, como, por exemplo, quando, em virtude de culpa do empregador, ocorre um acidente do trabalho que gera o pagamento de benefício acidentário.
Há algumas leis que disciplinam o prazo de prescrição da pretensão da administração pública, mas isso se dá em relação a temas específicos, tais como a lei nº 9.873/99, que disciplina o prazo prescricional para a ação punitiva da Administração Pública Federal no exercício do poder de polícia.
De fato, o ordenamento jurídico pátrio carece de uma disciplina legal que trate em geral da prescrição da pretensão da administração pública, tema em relação ao qual se reconhece a dificuldade de previsão legal, em virtude da pluralidade e complexidade das situações que envolvem o ressarcimento ou recomposição dos cofres públicos.
Enquanto não sobrevém previsão legal, coube à jurisprudência, em diversas situações, definir o prazo prescricional a ser aplicado nas mais diversas pretensões da administração pública.
Antes de adentrar diretamente no ponto principal objeto do presente artigo, uma primeira controvérsia diz respeito ao prazo prescricional nas ações atinentes à responsabilidade civil ajuizadas contra a Fazenda Pública: se seria aplicável o prazo quinquenal previsto nesse Decreto nº 20.910/32 ou as disposições do Código Civil. A importância de tal definição reside no fato de que, enquanto a lei especial prevê um prazo quinquenal, a lei geral dispõe que a prescrição da pretensão de reparação civil é de três anos.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou seu entendimento no sentido da aplicabilidade do prazo de prescrição quinquenal, conforme acórdão a seguir transcrito, julgado sob o rito do art. 543-C, do CPC:
"ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ARTIGO 543-C DO CPC). RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL (ART. 1º DO DECRETO 20.910/32) X PRAZO TRIENAL (ART. 206, § 3º, V, DO CC). PREVALÊNCIA DA LEI ESPECIAL. ORIENTAÇÃO PACIFICADA NO ÂMBITO DO STJ. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO.
1. A controvérsia do presente recurso especial, submetido à sistemática do art. 543-C do CPC e da Res. STJ n 8/2008, está limitada ao prazo prescricional em ação indenizatória ajuizada contra a Fazenda Pública, em face da aparente antinomia do prazo trienal (art. 206, § 3º, V, do Código Civil) e o prazo quinquenal (art. 1º do Decreto 20.910/32).
2. O tema analisado no presente caso não estava pacificado, visto que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública era defendido de maneira antagônica nos âmbitos doutrinário e jurisprudencial. Efetivamente, as Turmas de Direito Público desta Corte Superior divergiam sobre o tema, pois existem julgados de ambos os órgãos julgadores no sentido da aplicação do prazo prescricional trienal previsto no Código Civil de 2002 nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública. Nesse sentido, o seguintes precedentes: REsp 1.238.260/PB, 2ª Turma, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 5.5.2011; REsp 1.217.933/RS, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 25.4.2011; REsp 1.182.973/PR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 10.2.2011; REsp 1.066.063/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, DJe de 17.11.2008; EREspsim 1.066.063/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 22/10/2009). A tese do prazo prescricional trienal também é defendida no âmbito doutrinário, dentre outros renomados doutrinadores: José dos Santos Carvalho Filho ("Manual de Direito Administrativo", 24ª Ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Júris, 2011, págs. 529/530) e Leonardo José Carneiro da Cunha ("A Fazenda Pública em Juízo", 8ª ed, São Paulo: Dialética, 2010, págs. 88/90).
3. Entretanto, não obstante os judiciosos entendimentos apontados, o atual e consolidado entendimento deste Tribunal Superior sobre o tema é no sentido da aplicação do prazo prescricional quinquenal - previsto do Decreto 20.910/32 - nas ações indenizatórias ajuizadas contra a Fazenda Pública, em detrimento do prazo trienal contido do Código Civil de 2002.
4. O principal fundamento que autoriza tal afirmação decorre da natureza especial do Decreto 20.910/32, que regula a prescrição, seja qual for a sua natureza, das pretensões formuladas contra a Fazenda Pública, ao contrário da disposição prevista no Código Civil, norma geral que regula o tema de maneira genérica, a qual não altera o caráter especial da legislação, muito menos é capaz de determinar a sua revogação. Sobre o tema: Rui Stoco ("Tratado de Responsabilidade Civil". Editora Revista dos Tribunais, 7ª Ed. – São Paulo, 2007; págs. 207/208) e Lucas Rocha Furtado ("Curso de Direito Administrativo". Editora Fórum, 2ª Ed. - Belo Horizonte, 2010; pág. 1042). 5. A previsão contida no art. 10 do Decreto 20.910/32, por si só, não autoriza a afirmação de que o prazo prescricional nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública foi reduzido pelo Código Civil de 2002, a qual deve ser interpretada pelos critérios histórico e hermenêutico. Nesse sentido: Marçal Justen Filho ("Curso de Direito Administrativo". Editora Saraiva, 5ª Ed. - São Paulo, 2010; págs. 1.296/1.299).
6. Sobre o tema, os recentes julgados desta Corte Superior: AgRg no AREsp 69.696/SE, 1ª Turma, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 21.8.2012; AgRg nos EREsp 1.200.764/AC, 1ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe de 6.6.2012; AgRg no REsp 1.195.013/AP, 1ª Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 23.5.2012; REsp 1.236.599/RR, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 131.894/GO, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 26.4.2012; AgRg no AREsp 34.053/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 21.5.2012; AgRg no AREsp 36.517/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 23.2.2012; EREsp 1.081.885/RR, 1ª Seção, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe de 1º.2.2011.
7. No caso concreto, a Corte a quo, ao julgar recurso contra sentença que reconheceu prazo trienal em ação indenizatória ajuizada por particular em face do Município, corretamente reformou a sentença para aplicar a prescrição quinquenal prevista no Decreto 20.910/32, em manifesta sintonia com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema.
8. Recurso especial não provido. Acórdão submetido ao regime do artigo 543-C, do CPC, e da Resolução STJ 08/2008." (STJ. 1ª Seção. REsp 1251993/PR. Rel. Ministro Mauro Campbell Marques. Julgado em 12/12/2012, DJe 19/12/2012 – grifou-se).
Feitas essas considerações, cumpre tratar diretamente do objeto do presente artigo.
Uma primeira corrente defende que a pretensão do INSS para ressarcimento dos valores pagos em decorrência da implantação de benefícios oriundos de conduta danosa perpetrada por outrem seria de três anos, a teor do artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil, que assim preconiza:
(...)
§ 3o Em três anos:
(...)
V - a pretensão de reparação civil; (...)”.
Segundo essa corrente, com o advento do Código Civil de 2002, o prazo prescricional para ações de reparação civil teria sido reduzido para três anos, não se aplicando, nesses casos, outros diplomas normativos por analogia, tal como o Decreto nº 20.910/1932.
Nesse sentido, já se posicionou o Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ipsis litteris:
ADMINISTRATIVO. INSS. AÇÃO REGRESSIVA DE RESSARCIMENTO DE DANOS. ACIDENTE DE TRABALHO. AUXILIO DOENÇA. PRESCRIÇÃO. PRAZO TRIENAL. ARTIGO 206, §3º, V, DO CÓDIGO CIVIL. I. Vêm entendendo nossos Tribunais que a ação regressiva proposta pelo INSS para ressarcimento de danos decorrentes de pagamento de benefícios previdenciários tem natureza cível, devendo ser aplicado o prazo prescricional do Código Civil e afastando, desta maneira, a parte final do § 5º do art. 37 da CRFB/88. II. Considerando que o Código Civil/2002 reduziu o prazo prescricional das ações de reparação civil para três anos, nos termos do artigo 206, § 3º, V, este é o prazo a ser aplicado na presente hipótese. III. Assim, tendo em vista que o benefício em testilha foi implementado em 27/06/2005 e a presente demanda, protocolada em 26/08/2008, quando ultrapassados mais de três anos da implementação do auxílio-doença, deve-se reconhecer a prescrição da pretensão do INSS. IV. Agravo Interno improvido. (TRF-2. 7ª Turma Especializada. AC 604921. Autos nº 00850040003006. Publicado no DJ de 13/01/2014 – grifou-se).
Uma segunda corrente entende pela aplicabilidade do prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/32, por força do princípio da simetria. De um modo geral, há algum tempo esse entendimento foi acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme ementa a seguir transcrita:
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – EXECUÇÃO FISCAL – COBRANÇA DE MULTA PELO ESTADO – PRESCRIÇÃO – RELAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO – CRÉDITO DE NATUREZA ADMINISTRATIVA – INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CIVIL E DO CTN – DECRETO 20.910/32 – PRINCÍPIO DA SIMETRIA - PRECEDENTES STJ - PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE - SUSPENSÃO DO PROCESSO - AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DA FAZENDA PÚBLICA - INEXISTÊNCIA - CONTINUIDADE DELITIVA - CONDIÇÕES DIVERSAS DE LUGAR - DESCARACTERIZAÇÃO - SÚMULA 7/STJ - DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL - REEXAME DE FATOS – IMPOSSIBILIDADE. 1. Se a relação que deu origem ao crédito em cobrança tem assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição constante do Código Civil. 2. Uma vez que a exigência dos valores cobrados a título de multa tem nascedouro num vínculo de natureza administrativa, não representando, por isso, a exigência de crédito tributário, afasta-se do tratamento da matéria a disciplina jurídica do CTN. 3. Incidência, na espécie, do Decreto 20.910/32, porque à Administração Pública, na cobrança de seus créditos, deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às dívidas passivas daquela. Aplicação do princípio da igualdade, corolário do princípio da simetria. (...)” (STJ – Resp nº1026885/SP – 2ª Turma – Relatora: Ministra Eliana de Calmon – Julgamento: 06/11/2008 – DJe: 26/11/2008 – grifou-se).
O Decreto nº 20.910/32 regula a prescrição quinquenal da pretensão do administrado em face da administração pública, e, pela sua importância e reduzido número de dispositivos, será transcrito abaixo integralmente:
Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.
Art. 2º Prescrevem igualmente no mesmo prazo todo o direito e as prestações correspondentes a pensões vencidas ou por vencerem, ao meio soldo e ao montepio civil e militar ou a quaisquer restituições ou diferenças.
Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.
Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.
Art. 5º Não tem efeito de suspender a prescrição a demora do titular do direito ou do crédito ou do seu representante em prestar os esclarecimentos que lhe forem reclamados ou o fato de não promover o andamento do feito judicial ou do processo administrativo durante os prazos respectivamente estabelecidos para extinção do seu direito à ação ou reclamação.
Art. 6º O direito à reclamação administrativa, que não tiver prazo fixado em disposição de lei para ser formulada, prescreve em um ano a contar da data do ato ou fato do qual a mesma se originar.
Art. 7º A citação inicial não interrompe a prescrição quando, por qualquer motivo, o processo tenha sido anulado.
Art. 8º A prescrição somente poderá ser interrompida uma vez.
Art. 9º A prescrição interrompida recomeça a correr, pela metade do prazo, da data do ato que a interrompeu ou do último ato ou termo do respectivo processo.
Art. 10. O disposto nos artigos anteriores não altera as prescrições de menor prazo, constantes das leis e regulamentos, as quais ficam subordinadas às mesmas regras.
Art. 11. Revogam-se as disposições em contrário.
Especificamente no que tange à pretensão de ressarcimento do INSS objeto de ação regressiva previdenciária, há de se entender que, se nas ações indenizatórias ajuizadas em face da administração pública o prazo prescricional é de cinco anos, o mesmo raciocínio deve ser considerado nos casos nos quais a Fazenda Pública é autora, em observância ao princípio da simetria.
Nesse sentido, face à ausência de norma específica sobre o assunto, há de prevalecer a segunda corrente, perfilhada recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do AREsp 387.412/PE, que assegura que esse prazo prescricional seria de cinco anos, ex vi do art. 1º, do Decreto 20.910/1932.
Na referida demanda, o Ministro Humberto Martins, em decisão monocrática, reconheceu a aplicabilidade do lustro prescricional quinquenal, por força do princípio da isonomia, conforme ementa a seguir transcrita:
PREVIDENCIÁRIO. ACIDENTE DO TRABALHO. AÇÃO DE REGRESSO MOVIDA PELO INSS CONTRA EMPREGADOR. ART. 120 DA LEI 8.213/91. PRESCRIÇÃO. PRAZO QUINQUENAL. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32. PRINCÍPIO DA ISONOMIA. PRESCRIÇÃO NÃO CARACTERIZADA. AGRAVO CONHECIDO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. (STJ. AREsp 387.412/PE. Rel. Min. Humberto Martins. Publicado no DJ de 17/09/2013).
Por oportuno, convém transcrever esclarecedor trecho da decisão proferida pelo Ministro Humberto Martins, in verbis:
“Assim, se nas ações indenizatórias contra a Fazenda Pública o prazo prescricional é quinquenal, o mesmo deve ser aplicado nos casos em que a Fazenda Pública é autora, como na hipótese de ação de regresso acidentária, em respeito ao Princípio da Isonomia.
Ressalta-se que não se desconhece a corrente doutrinária e jurisprudencial que defende que nos casos de ação regressiva acidentária o prazo prescricional é o disposto no art. 206, § 3º, inciso V, do Código Civil. Todavia, tal entendimento não merece prosperar, pois no presente caso o INSS não atua como particular, submetendo-se ao Direito Civil. Na verdade, busca-se o ressarcimento ao erário, evitando, assim, que as consequências do ato ilícito que gerou o acidente de trabalho sejam suportadas por toda a sociedade.
Ademais, nas hipóteses de ausência de norma específica sobre o assunto, o STJ vem aplicando o Princípio da Isonomia nas ações propostas pela Fazenda Pública em face do administrado.”[1]
Noutra oportunidade, o Superior Tribunal de Justiça perfilhou o mesmo entendimento, conforme ementa a seguir:
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO ESPECIAL. CARÁTER MANIFESTAMENTE INFRINGENTE. RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL. FUNGIBILIDADE RECURSAL. MÉRITO DO RECURSO ADESIVO PREJUDICIAL AO RECURSO PRINCIPAL. POSSIBILIDADE. AÇÃO REGRESSIVA AJUIZADA PELO INSS. PRAZO PRESCRICIONAL. ART. 1º DO DECRETO N. 20.910/32. APLICABILIDADE.
1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental dado o caráter manifestamente infringente da oposição, em observância ao princípio da fungibilidade recursal.
2. A admissão do recurso adesivo é que está subordinada à admissibilidade do principal. No caso, ambos os recursos foram admitidos, mas a questão de mérito do recurso adesivo, prescrição, é prejudicial aos honorários discutidos no recurso principal, razão pela qual este ficou prejudicado.
3. É quinquenal o prazo prescricional para as ações ajuizadas pela Fazenda Pública contra os administrados. Princípio da Isonomia. Precedentes.
4. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental a que se nega provimento. (STJ. 2ª Turma. EDcl no REsp 1349481/SC. Min. Og Fernandes. Publicado no DJ de 03/02/2014 – grifou-se).
Além da aplicação do princípio da simetria, há outros argumentos que militam em favor da aplicabilidade da prescrição quinquenal: natureza pública das normas que fundamentam a pretensão de ressarcimento objeto da ação regressiva previdenciária; o art. 88, da lei nº 8.212/1990, que preconiza que “os prazos de prescrição de que goza a União aplicam-se à Seguridade Social, ressalvado o disposto no art. 46”; o art. 104, da lei nº 8.213/1990, que prevê que “as ações referentes à prestação por acidente do trabalho prescrevem em 5 (cinco) anos, observado o disposto no art. 103 desta Lei (...)”, dentre outros.
Recentemente, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região também se filiou à segunda corrente, reconhecendo o prazo prescricional de cinco anos nesses casos:
EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO REGRESSIVA. ACIDENTE DE TRABALHO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. NORMAS DE SEGURANÇA DO TRABALHO. NEGLIGÊNCIA DA EMPRESA. CONSTATAÇÃO. FUNDAMENTAÇÃO REFERENCIAL.
1. Cuida-se de apelações interpostas contra a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de ressarcimento dos valores pagos a título de aposentadoria por invalidez.
2. O INSS pede que seja afastada a prescrição trienal e reconhecida a prescrição quinquenal, com fundamento no art. 1º, combinado com o art. 3º, do Decreto nº 20.910/32.
3. Por sua vez, a empresa ré pleiteia a exclusão do pagamento de indenização, aduzindo que houve culpa exclusiva do seu empregado.
4. Deve ser adotado o prazo quinquenal de que trata o art. 1º c/c o art. 3º, ambos do Decreto nº 20.910/32, em observância ao princípio da simetria [EDcl no REsp 1349481/SC, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/12/2013, DJe 03/02/2014]. Desse modo, encontram-se prescritas as prestações anteriores ao quinquênio que antecede o ajuizamento da ação.
5. "É legítima a adoção da técnica de fundamentação referencial (per relationem), consistente na alusão e incorporação formal, em ato jurisdicional, de decisão anterior ou parecer do Ministério Público." Precedente citado: REsp 1.194.768-PR, Segunda Turma, DJe 10/11/2011. EDcl no AgRg no AREsp 94.942-MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/2/2013.
6. "O laudo médico da justiça do trabalho circunstanciou que o acidente que levou ao acionamento involuntário da máquina ocorreu porque o empregado recebeu um balde furado, um pano e plástico para tentar realizar a limpeza do misturador, quando subiu, pelo balde, até a boca do misturador e iniciou a limpeza. A água que caía do balde molhou o piso, findando no escorregão do empregado, cujo joelho bateu na chave que acionou a máquina do misturador. Como sua mão estava dentro, foi sugada, levando à luxação exposta no punho direito. O perito relatou que a referida chave que aciona o misturador é individualizada e não é desligada da chave geral para a realização de procedimentos de manutenção, a exemplo da limpeza."
7. "O acidente ocorreu por ausência de aplicação das normas de segurança e saúde do trabalho existentes, ausência de inspeção superior nas atividades de limpeza da máquina e, sobretudo, ausência de treinamento adequado para manuseá-la."
8. "A negligência das Indústrias Alimentícias Maratá Ltda. é inegável quanto ao caso em voga e a omissão da empresa, quanto à observância de normas de saúde e segurança do trabalho, ensejou o dispêndio da verba pública com a concessão da aposentadoria previdenciária."
9. "A Maratá deverá indenizar o INSS com o custeio da aposentadoria por invalidez pelo acidente de trabalho objeto da lide. A condenação deverá abranger as parcelas pagas, até o trânsito em julgado, e aquelas a vencer, permanecendo até a data de cessação do benefício."
10. Provimento da apelação da autora e desprovimento da apelação da ré. (TRF-5. 1ª Turma. AC 567060/SE. Autos nº 0002389-70.2012.4.05.8500. Rel. Juiz Francisco Cavalcanti. Publicado no DJ de 21/02/2014 – grifou-se).
Embora a decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região não tenha aprofundado a análise da relevante questão da imprescritibilidade do fundo de direito dessas ações regressivas previdenciárias – o que, certamente, pode ser objeto de um artigo específico –, fez referência ao art. 3º, do Decreto nº 20.910/32, tese esta que se afigura bastante relevante para as pretensões da Fazenda Pública.
De fato, não há que se cogitar da prescrição de fundo de direito nesses casos, pois, conquanto o dano a ser suportado pela Fazenda Pública derive da prática de determinado ato (acidente do trabalho, acidente de trânsito, violência doméstica, dentre outros), a lesão aos cofres públicos em face desse infortúnio prorroga-se no tempo, eis que haverá o pagamento de prestações mensais ao segurado ou aos seus dependentes, em caso de implementação da pensão por morte.
3. Conclusão
As ações regressivas previdenciárias possuem dois principais objetivos: buscar a recomposição dos cofres públicos com as prestações mensais implementadas em decorrência da prática de ilícitos; e servir de medida punitivo-pedagógica, contribuindo para a prevenção de acidentes do trabalho, acidentes de trânsito, violência doméstica, dentre outros.
O presente artigo procurou fazer uma abordagem acerca da incidência da prescrição da pretensão do INSS de reaver os valores pagos em decorrência de tais ilícitos, trazendo as duas principais correntes que tratam do assunto: uma primeira corrente que entende que o prazo seria trienal com fulcro no artigo 206, parágrafo 3º, inciso V, do Código Civil; uma segunda corrente que assegura a aplicabilidade do prazo prescricional quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/32, por força do princípio da simetria.
Sem embargo de entendimento em sentido contrário, o Superior Tribunal de Justiça acolheu corretamente a segunda corrente, reconhecendo que a prescrição da pretensão de ressarcimento do INSS em decorrência do pagamento de prestações mensais oriundas da prática de ilícitos (acidente do trabalho, acidente de trânsito, violência doméstica, dentre outros) é de cinco anos. E, de fato, não seria razoável que o particular tivesse o prazo de cinco anos para pleitear o ressarcimento em face da Fazenda Pública, enquanto esta teria o prazo de três anos para buscar o ressarcimento dos seus cofres em face de dano causado por aquele.
4. Referências bibliográficas
- CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manuel de Direito Administrativo. 25ª Edição. São Paulo: Atlas, 2012.
- Cunha, Leonardo José Carneiro da. A Fazenda Pública em Juízo. 11ª Edição. São Paulo: Dialética, 2013.
- MACIEL, Fernando. Ações Regressivas Acidentárias. 2ª Edição. LTR, 2013.
- MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª edição, 16ª tiragem. São Paulo: Editora Malheiros, 2008.
Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Gustavo D' Assunção. O prazo prescricional para o ajuizamento de ações regressivas previdenciárias e o recente entendimento do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 mar 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38797/o-prazo-prescricional-para-o-ajuizamento-de-acoes-regressivas-previdenciarias-e-o-recente-entendimento-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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