RESUMO: A nova versão da marcha da “Família com Deus pela Liberdade” representaria o direito à liberdade de expressão, de forma pacífica e ordeira em defesa dos valores tradicionais das elites. Contraditoriamente usa da democracia para pedir a repressão e o autoritarismo. Por isso, o ideal da tradição, família, fé, liberdade e propriedade simbolizam não o direito; mas, o próprio privilégio do mais forte. Daqueles que se acham acima das leis e do próprio Estado. Portanto, a manifestação não é legítima. Por reafirmar a violência e desigualdades materiais que atentam contra o próprio Estado Democrático de Direito.
Palavras-Chave: Marcha; Liberdade; Estado Democrático de Direito; Elite; Autoritarismo.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Repressão: um fantasma do passado e do presente. 2. A luta pelo Estado Democrático de Direito em face ao autoritarismo e conservadorismo de setores da elite paulistana. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Em 31 de março completamos 50 anos do golpe de 1964, que culminou com o cerceamento das liberdades civis e políticas com o AI-5. Mediante a ditadura e a perseguição, prisões e torturas dos anos de chumbo. Intelectuais, militantes, operários, e mesmo padres progressistas que pedem a Deus um mundo aonde todos sejam livres e tenha preservada sua dignidade e não apenas meia dúzia possa fazê-lo. Torturados que não cansam de prestar depoimento sobre esse tenebroso período do nosso Estado de exceção. Embora sob a égide do direito do mais forte, da força bruta das armas, e da indignação de tantos que morreram silenciados pelo autoritarismo na mão dos militares. Embora hoje haja a violência na mão de outros militares e milícias que apostam na violação de direitos fundamentais pela justiça pública e privada.
Mas será que a repressão era prejudicial para todos os brasileiros e estrangeiros? Eis que a resposta está nas condições do que somos hoje, um País que fala em democracia plena associada a privilégios para poucos. A marcha é o símbolo do Brasil que insiste em negar aos seus filhos o direito à educação, transporte, moradia e saúde de qualidade. Também é a que apóia a polícia repressiva de ontem e de hoje que agride e mata nas ruas e periferias pobres, pretos, desvalidos à própria sorte. Que arrasta e pune com as próprias mãos mediante os “novos pelourinhos” que colocam o pobre no seu lugar de marginalizado, excluído. A marcha é defendida por alguns setores da grande mídia mediante conteúdo jornalístico que incita a violência e a justiça com as próprias mãos com saudosismo dos anos de chumbo e como saída para diminuir o contingente de miseráveis nos presídios e dar um recado aos que cometem pequenos furtos ou roubos e ameaçam suas propriedades, fiquem longe de nós, voltem para a favela, ou nós agiremos por conta própria.
1. REPRESSÃO: UM FANTASMA DO PASSADO E DO PRESENTE
No Brasil nunca deixou de existir repressão, antes dos anos da ditadura e depois dele, pelo contrário apenas foi aperfeiçoada a técnica de tortura física e psicológica nos chamados “flagrantes” e “autos de resistência seguida de morte” e institucionalizado pela polícia repressiva nas ruas e avenidas das grandes cidades nas periferias ou nos rincões do País. Sob as ordens dos militares a serviço do autoritarismo de elites conservadoras, as mesmas que engoliram a transição, lenta, gradual e segura, e que insistem em negar o direito à verdade e à memória dos que tiveram suas vidas e liberdades ceifadas em nome da “ordem e progresso” para poucos.
A marcha simboliza o “Estado de Direito” de outrora, mas com roupagem nova, saíram os generais, entraram os coronéis, e seus soldados fardados para promover a paz na terra, mas se o povo melhorar de vida que fique longe das elites conservadoras, não frequentem shoppings centres de luxo, nos chamados “rolezinhos” senão “entramos e retiramos á força” continuem sem estudo decente, sem moradia digna, sem direito a ter direitos, continuem pobres e excluídos, mas longe das nossas portas e clubes sociais e de compras. Não façam manifestações nas ruas e avenidas por melhores condições de vida, mobilidade, redução da passagem ou contra a Copa sob o risco de ser enquadrados como “associação criminosa”. Mas os ricos e seus simpatizantes podem marchar em paz certamente daremos proteção e segurança que for necessário.
A marcha revela a visão da democracia como ameaça pela força do povo nas urnas e nas ruas em optar pelo que melhor lhes aprouver.
2. A LUTA PELO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO EM FACE AO AUTORITARISMO E CONSERVADORISMO DE SETORES DA ELITE PAULISTANA
Ao mesmo tempo o inconformismo de elites conservadoras em não aceitar um País plural. Mas apenas vertical e que apenas os mais “preparados” quase sempre que atendem seus interesses devem governar. Numa utopia de civilidade de quem se acha melhor, rico e “civilizado” pode mandar no País a serviço dos seus interesses mesquinhos. De continuar explorando à custa da miséria e pobreza de tantos condenados desde o nascimento a assim permanecerem por toda a vida.
Uma constituição materializada nas desigualdades cotidianas em afronta ao texto constitucional que fala em dignidade da pessoa humana. Em superação de desigualdades, no combate a pobreza, na solidariedade, em igualdade, liberdade, propriedade e fraternidade para todos e não para poucos. No reconhecimento da diversidade.
No passado o inimigo era o “comunismo” como pretexto de combate as mudanças sociais, hoje temos o estereótipo: do manifestante pobre, preto ou mestiço como “suspeito ou marginal”. Basta ver a força policial nas recentes manifestações de Junho de 2013 e contra a Copa 2014.
Todos os dias a violência bate às portas das favelas nas periferias. Paradoxalmente resulta em violência nas portas dos condomínios de luxo como um produto socialmente alimentando mediante a “banalização do mal”. E a certeza de que a repressão e a violência institucional ou particular seja física, psicológica ou social gera mais violência e segregação.
Uns lutam pela sobrevivência, por espaço, dignidade, moradia, saúde, educação, outros em poder gastar livremente seu dinheiro e usufruir sua propriedade privada sem ser molestado, mesmo explorando e depreciando ao máximo o outro para obter mais riqueza e luxo, privilégio, prestígio social, não direito. Uns lutam pelo Estado Democrático de Direito, outros pelo “Estado de Direito” que serve aos seus interesses para que continuem a negar o que está previsto na constituição formal via princípios, direitos e garantias de vida digna para todos.
CONCLUSÃO
A marcha certamente representa com clareza a voz dissonante de uma elite autoritária que ecoa pelo País afora nas desigualdades, muros, segregação, injustiças, violência.
Essa mesma elite paulistana conservadora e retrógrada apóia governos ilegítimos que não sabem planejar a cidade e o País como os militares durante a ditadura e na contemporaneidade com a atuação repressão e violência da polícia que resultou no “massacre do Carandiru”. A mesma elite que hoje apóia representantes que não sabem gerir o Estado que resulta na crise do metrô por falta de investimento maciço em mobilidade urbana, o inadequado gerenciamento dos recursos hídricos com o esgotamento do sistema Cantareira, (como se a falta de chuva fosse a única causa da escassez de abastecimento). Outra questão grave é a moradia urbana em áreas de interesse social que precisa ser priorizada e é simplesmente deixada de lado aumentando o contingente de sem-teto e miseráveis pela cidade, bem como de moradores em situação de rua seriam 14.478 segundo o último censo de 2011 da FESPSP. (Disponível em: <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/secretarias/upload/chamadas/censo_1338734359.pdf>. Acesso em: 20 mar. de 2014)
A própria repressão contra manifestantes mediante a violência policial e criminalização revelam o despreparo de gestores capitaneados por essas elites que não sabem planejar e a administrar a coisa pública com vistas às políticas que priorizem a qualidade de vida de toda a população. Acostumados apenas com desenvolvimentismo retrógrado de grandes obras e altos custos para favorecer corporações nacionais e transnacionais despreocupadas com a função social da propriedade. Ou seja, apostam na velha política dos coronéis com lucro às empresas, aumento de arrecadação e assistencialismo ao povo.
Paradoxalmente à marcha, as elites conservadoras não gostam e não estão acostumadas com a Democracia participativa, exceto no discurso para tentar convencer o público a atender a seus interesses. Defendem o fim do voto obrigatório, porque não são eleitos seus representantes para atender a seus interesses. Um patriotismo protofascista.
Bem aventurados os misericordiosos porque alcançarão misericórdia. Que Deus nos livre do mal do autoritarismo, da repressão de hoje e sempre, amém.
Advogado, Membro da ABRAFI, membro do IBDH. Doutor em Direito - FADISP.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOBRINHO, Afonso Soares de Oliveira. A marcha em São Paulo e o estado democrático de direito: simbolismo da sociedade elitista e autoritária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 mar 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38809/a-marcha-em-sao-paulo-e-o-estado-democratico-de-direito-simbolismo-da-sociedade-elitista-e-autoritaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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