Resumo: O presente artigo tem como objetivo tecer breves linhas sobre a Ação Popular, seu advento em nosso ordenamento, os escopos sociais e jurídicos tangentes ao seu desenvolvimento, seu manejo, as especificidades de seu trâmite e, finalmente, as perspectivas para esta longeva ação inserta em nossa Constituição Federal.
Sumário: 1. Introdução; 2. Origem; 3. Conceito; 4. Natureza Jurídica; 5. Elementos e condições da ação; 6. Tramitação; 7. Sentença; 8. Recursos; 9. Coisa Julgada; 10. Conclusão; 11. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A Ação Popular encontra-se situada no universo das ações coletivas, as quais, por sua essência, se contrapõem às ações individuais, ditas clássicas, mais conhecidas e desenvolvidas desde as origens da História do Direito.
Isso porque, desde sempre se sobressaíram, para o Direito, os conflitos individuais, os quais abarcavam os interesses daqueles que litigavam e apenas e tão somente estes, sendo poucos os exemplos de tutelas que ultrapassassem tais rígidas fronteiras.
Assim, a visão coletiva do processo, seja com relação aos seus sujeitos e objetos, mas também no que tange aos efeitos de decisões deste jaez, advém de uma nova mentalidade, trazida por uma sociedade mais organizada, definitivamente influenciada não apenas por direitos de primeira e segunda gerações, mas já atingida pela terceira onda, que consigo trouxe uma concepção social e coletiva de diversos tipos de situações, a merecer um sistema próprio, privilegiando o acesso à justiça.
Certo é que tais direitos, objetos destas ações coletivas, haveriam de ser atípicos, ou seja, deveriam transbordar da esfera do indivíduo, daí surgindo o que conhecemos hoje por direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos. Estes se contrapõem aos direitos individuais, usualmente disponíveis e determináveis, enquanto aqueles, por se tratarem de bens coletivos, que a todos importam, determinada, ou indeterminadamente, não possuem um único guardião a pleitear sua defesa.
Surgem, assim, importantes instrumentos criados com o escopo de viabilizar um sistema coletivo de proteção, tutela esta insuficientemente prestada pelo modo clássico, a maioria deles advinda, em nosso ordenamento, junto às Constituição Federal de 1988, a qual abriu as portas de nosso país à redemocratização, viabilizando, assim, a concretização de tais anseios.
Todavia, mesmo antes da Constituição Federal de 1988 já existiam ações previstas com esta finalidade, sendo elas o mandado de segurança individual, o habeas corpus e a ação popular. Esta última, objeto de nosso estudo, disciplinada por lei ordinária datada de 1965, e posteriormente recepcionada pelo texto constitucional.
A ação popular, dentro desta sistemática de proteção de direitos coletivos, visa o resguardo da moralidade no trato da coisa pública, podendo ser intentada individualmente por qualquer do povo, ou seja, pelo cidadão, diretamente contra o agente causador da ilegalidade. Trata-se, pois, de instrumento de notória importância e amplamente democrático, ao permitir a fiscalização dos mandatários do poder por seus legítimos mandantes, circunstância esta de rara frequência.
Neste artigo, sem qualquer pretensão de esgotar o tema, se propõe breve discussão das principais características da ação popular, seu surgimento, passando pelo necessário desenvolvimento do instituto, até as perspectivas de futuro que lhe podem ser reservadas, como modesta contribuição para o aprimoramento da matéria e sua disseminação.
2. Origem
A tutela jurisdicional dos interesses difusos, neles incluída a Ação Popular, segundo Nelson Nery, apud Gregório Assangra de Almeida Junior encontra origem no direito romano, nas denominadas actiones popularis:
“O fenômeno da existência dos direitos metaindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) não é novo, pois já era conhecido dos romanos. Nem a terminologia ‘difusos’ é nova. Com efeito, as actiones populares do direito romano, previstas no Digesto 47, 23, 1, que eram ações essencialmente privadas, destinavam-se à proteção dos interesses da sociedade. Qualquer do povo podia ajuíza-las, mas não agia em nome do direito individual seu, mas como membro da comunidade, como defensor desse mesmo interesse público” [1]
Todavia, deve-se compreender que a perspectiva romana deste tipo de tutela não se relacionava ao que hoje conhecemos como direitos coletivos vez que, sendo o próprio conceito de Estado ainda embrionário, o que se defendia era a parcela daquela coisa pública que caberia ao particular, justificando, assim, sua intervenção no todo considerado.
Tratando, todavia, tais instrumentos de medidas que reclamam a existência de efetiva participação social, certo é que estes não sobreviveram ao período medieval, isso considerando o sistema feudal, as monarquias absolutistas e outras formas totalitárias de governo, eis que, com eles, eram manifestamente incompatíveis.
Logo, necessário se mostrou a superação deste período para que fosse retomado o desenvolvimento do instituto, sendo certo que este veio a ressurgir apenas no século XIX na Europa, já sob a luz do direito moderno e contemporâneo. Essa é a lição do Professor José Manoel de Arruda Alvim Netto:
“O pressuposto sociocultural para que se possa disciplinar a Ação Popular é o de que o povo possa se manifestar por canais jurídicos. Em tempos mais recentes, principalmente a partir do século XIX, e, especialmente, a partir de uma democratização já emergente da Revolução Francesa – encontramos Ações Populares no Direito Comparado que apresentam uma fisionomia agora bem efetivamente mais próxima à da nossa Ação Popular”[2]
Ainda assim, é mister se ressalvar que a Ação Popular não experimentou desenvolvimento linear, já que veio a ser suprimida em alguns países, em decorrência dos mais diversos regimes totalitaristas, eis que a existência da Ação Popular pressupõe a participação política livre do povo, sem o que ela não existe.
Em nosso ordenamento, mercê dos ensinamentos do Professor Arruda Alvim, é possível localizarmos a Ação Popular na Constituição Imperial de 1824, negada pela doutrina a partir do Código Civil de 1916 e novamente trazida na Constituição de 1934, retirada da Constituição de 1937, presente nas Constituições de 1946 e 1967, e regulada por lei ordinária específica, a Lei 4717/65, ou Lei da Ação Popular, recepcionada na Constituição de 1988, em seu artigo 5°, inciso LXXIII.
É importante aduzir que, a bem da verdade, a Constituição de 1988 alargou a Ação Popular, que visa, basicamente “anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural” (art. 5º, LXXIII), abarcando a administração direta, a administração indireta e as entidades nas quais que o poder público tenha participação, também alargando o bem tutelado - interesses pecuniários e o patrimônio de natureza moral e cultural.
A legislação que regulamenta a Ação Popular, como já frisado, é a lei 4717/65. Sendo esta legislação anterior à Constituição vigente, suas diretrizes devem ser sempre adequadas aos preceitos constitucionais que lhe são obviamente superiores e norteadores.
É este, portanto, o contexto geral do surgimento e desenvolvimento da Ação Popular, de modo que, superado este ponto, mostra-se adequado passarmos à análise do instituto propriamente dito.
3. Conceito
O artigo 1°, parágrafo único, da Constituição Federal: aduz que “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”.
A Ação Popular é meio direto de exercício de controle político realizado pelo cidadão por intermédio do Poder Judiciário, efetivando, de modo concreto, os ditames trazidos a lume pelo Estado Democrático de Direito. Sua esfera de abrangência abarca os atos lesivos ao patrimônio público, histórico e cultural, além da defesa da moralidade administrativa e do meio ambiente.
Leciona Eduardo Arruda Alvim:
“A ação popular vem prevista na CF/88, no art. 5.º, LXXIII. A legitimidade para sua propositura é outorgada aos cidadãos (isto é, àqueles que podem votar e serem votados). Cabe, dentre outros fundamentos, essa ação para pleitear a anulação ou declaração de nulidade de atos ilegais e lesivos ao patrimônio público, nos termos do art. 1.º da Lei 4.717/65 Por exemplo, tem cabimento para anular contratação de particular pelo estado independentemente de licitação, quando não se esteja diante de hipótese de dispensa ou inexigibilidade de certame licitatório, devendo-se ter presente a regra do art. 37, XXI, da CF/88, segundo a qual, salvo as exceções legais, as contratações do Poder Público serão sempre precedidas de licitação. Assim, também cabe a ação popular para anular ato cometido contra a ordem econômica (Lei 8.884/94)”[3]
Também Hely Lopes Meirelles:
“É um instrumento de defesa dos interesses da coletividade, utilizável por qualquer de seus membros. Por ela não se amparam direitos individuais próprios, mas sim interesses da comunidade. O beneficiário direto e imediato desta ação não é o autor; é o povo, titular do direito subjetivo ao governo honesto. O cidadão a promove em nome da coletividade, no uso de uma prerrogativa cívica que a Constituição da República lhe outorga”[4]
E, por fim, destacamos o magistério de André Ramos Tavares:
“A ação popular é um instrumento de participação política no exercício do poder público, que foi conferido ao cidadão pela Constituição, o que se dá por via do Poder Judiciário, e que se circunscreve, nos termos constitucionais, à invalidação de atos ou contratos praticados pelas entidades indicadas nas normas de regência (Constituição e lei específica), que estejam maculados pelo vício da lesão ao patrimônio público, à moralidade administrativa, ao meio ambiente, ao patrimônio histórico ou cultural”[5]
Insta relembrar que a legislação ordinária que regula a matéria foi complementada pela Constituição de 1988, a qual ampliou o espectro da Ação Popular, incluindo nela a moralidade administrativa e o meio ambiente em sua esfera de tutela.
Quer parecer que o elemento chave e diferenciador da Ação Popular de outros tipos de ações coletivas esteja relacionado ao seu legitimado ativo. Isso porque, ao conferir tal faculdade a qualquer cidadão, temos no plano concreto a previsão constitucional de que o poder é exercido pelo povo, vez que a ele se dá a possibilidade de fiscalizar aqueles que lhe representam .Mais que associações ou órgãos institucionais que não deixam de representar o próprio poder constituído, é na Ação Popular que se pode verificar a mais direta participação do povo em nosso ordenamento.
Quanto ao momento forma de seu manejo, as ações populares podem ser preventivas ou corretivas, sendo as ações preventivas destinadas a prevenir um dano público e aquelas corretivas visando seja cessado o ato ilegal e devidamente ressarcido o dano que os administradores tenham produzido à entidade administrada.
Neste contexto, a Ação Popular brasileira deve ser colocada como corretiva, podendo assumir a forma preventiva, à vista de seu objeto.
Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade Nery
“A ação popular (...)pode ter finalidade preventiva, quando caberá a suspensão liminar do ato impugnado (LAP 5o § 4o). A fim de evitar-se conluio, a lei infraconstitucional dispõe que a coisa julgada se opera secundum eventum litis, não se caracterizando se o pedido for julgado improcedente por falta ou deficiência de provas (LAP 18). No caso de improcedência da pretensão, a norma constitucional isenta o autor popular de custas e honorários de advogado, salvo se houver comprovada má-fé.”[6]
Seu ingresso pressupõe, pois, apenas e tão somente a existência de lesividade (latente ou consumada), e o vício do ato impugnado, aliado a presença de um legitimado a reclamar tal vício – o cidadão – perante o Poder Judiciário, de modo que se pode dizer que tal ação encontra-se fortalecida em nosso ordenamento como modo viável de fiscalização do uso da coisa pública.
4. Natureza Jurídica
A Ação Popular se consubstancia em um direito constitucional político de efetiva fiscalização da administração pública, aliada à garantia processual constitucional de ação para exercício deste direito político.
A Ação Popular visa o exercício pleno da cidadania como forma de efetivação, através do Poder Judiciário, do Estado Democrático de Direito. O cidadão fiscaliza e também atua como controlador, evitando e corrigindo lesões ao patrimônio público.
Há vozes, todavia, que destacam a participação do autor popular apenas como indireta, já que este se limita a acionar o Poder Judiciário, este sim, encarregado de avaliar e corrigir o ato tido por ilícito ou ilegítimo e que venha a ser danoso à coisa pública.
De modo ou de outro, certo é que o bem que se visa tutelar, como aliás, é da característica das ações coletivas, não é exclusivo do autor, mas da coletividade da qual faz parte. Não se trata, assim, de se reclamar lesão individual, mas de movimentação individual do aparato judicial com fins a resguardar o interesse da coletividade.
Seu objeto, segundo Alexandre de Moraes é
“o combate ao ato ilegal ou imoral e lesivo ao patrimônio público, sem contudo configurar-se a ultima ratio, ou seja, não se exige esgotamento de todos os meios administrativos e jurídicos de prevenção ou repressão aos atos ilegais ou imorais e lesivos ao patrimônio público para seu ajuizamento”[7]
Com relação á sua natureza, assim leciona José Afonso da Silva:
“Constitui ela um direito público subjetivo, abstrato e autônomo, como qualquer ação judicial. Mas inclui-se entre os direitos políticos do cidadão brasileiro. Difere ainda das ações judiciais comuns, porque seu titular não defende interesse exclusivamente seu, mas interesse da coletividade em ter uma administração fundada nos princípios da legalidade e da probidade. Revela-se, assim, como uma garantia constitucional e remédio destinado a provocar o controle da legalidade e da moralidade dos atos do poder público e de entidades em que o interesse coletivo se faça presente”[8]
Neste ponto, a Ação Popular se mostra misto de ação e garantia, de direito subjetivo e político, a amparar uma pretensão individual que se estende para a esfera coletiva, em razão do próprio objeto da tutela reclamada, como modelo único em nosso ordenamento.
5. Elementos e condições da ação
A legitimidade ativa para a Ação Popular, consoante artigo 1° da Lei da Ação Popular, e artigo 5°, LXXXII, da Constituição de 1988, é do cidadão.
Discute-se, com amplitude, a abrangência do termo cidadão. Na dicção do artigo 1°, § 3° da Lei da Ação Popular, necessário seria o título de eleitor para ajuizar a ação, para efetiva comprovação exercício dos direitos políticos. Entretanto, quer parecer, que este entendimento não está em harmonia com o atual texto constitucional.
A ideia de cidadão parece melhor compreendida quando cotejada com o princípio da dignidade da pessoa humana, o que garantiria o acesso de qualquer um do povo à Ação Popular.
Todavia, essa posição não é pacífica quer na doutrina quer na jurisprudência, que acolhem apenas o cidadão, eleitor, dentro da concepção almejada como legitimação ativa para manejo da Ação Popular.
As pessoas jurídicas não podem ajuizar ação popular, o que está expresso inclusive na Súmula 365 do Supremo Tribunal Federal, o mesmo se dando com os partidos políticos, que também não tem legitimidade ativa para essa ação.
Com relação à espécie da legitimação ativa, há divergências na doutrina, sendo que parte a tem como substituição processual, como espécie de legitimidade extraordinária; ora pela legitimidade ordinária, por ser o autor da ação popular parte do todo defendido, eis que defende direito que também é seu; ora pela substituição processual (autor como legitimado extraordinário) por agir em nome próprio para defender direitos da comunidade, e isso ao mesmo tempo em que também detém legitimidade ordinária, defendendo direito próprio na qualidade de cidadão (posição eclética/mista).
Há, ainda, a posição de Nelson Nery Júnior, que defende a legitimidade autônoma para a condução do processo, com base no direito alemão. Na hipótese de a legitimação legal para agir ser para a defesa de direitos de pessoas “indeterminadas”, direitos esses difusos ou coletivos, não ocorre a substituição processual como se concebe no processo civil individual. A natureza dessa autorização legal é legitimação autônoma para a condução do processo. É autônoma porque totalmente independente do direito material discutido em juízo: como os direitos difusos e coletivos não têm titulares determinados, a lei escolhe alguém ou algumas entidades para que os defendam em juízo.
Já no que concerne à legitimidade passiva, essa é, conforme mesmo o espírito da ação, bastante ampla, podendo atingir tanto pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, desde que haja a potencial violação aos bens jurídicos tutelados por esta ação.
Uma vez cientificados, os demandados possuem a faculdade de contestar a ação, não contestá-la, ou, ainda, o que é peculiar da Ação Popular, juntar-se ao autor como assistente.
São admitidos intervenientes ativos ou passivos desde que tenham legítimo interesse na defesa da causa. Já o Ministério Público é parte adesiva ativa na ação, pois possui legitimidade ativa subsidiária incidental, e ativa subsidiária obrigatória na fase de cumprimento da sentença.
Entretanto, deve-se esclarecer que ao Ministério Público não assiste propor nem aditar a pretensão inicial. Sua função é o acompanhamento e eventual prosseguimento da ação, que, aliás, são obrigatórios, mas sem a possibilidade de iniciá-la.
Neste ponto, o importante magistério de Rodolfo Mancuso:
“As atividades do Ministério Público na ação popular, de fato, são múltiplas, como resulta da leitura dos seguintes dispositivos da Lei 4.717/65: § 4o do art. 6o; § 1º do art. 7o; arts. 9o e 16; § 2o do art. 19. A interpretação sistemática conduz a este rol de atribuições do Ministério Público nessa ação: a) oficiante necessário, enquanto fiscal da lei (custos legis); b) órgão ativador e agilizador da prova; c) sucessor processual do autor”[9]
Com relação ao seu objeto, insta salientar que, além dos atos administrativos propriamente ditos, leis de efeitos concretos também podem ser alvo de de ação popular. Todavia, não se pode valer da Ação Popular para o combate de lei em tese ou de ato jurisdicional.
Há, no que tange aos requisitos da ação, instalada controvérsia. Isso porque, enquanto, para alguns, a lesão à moralidade administrativa é requisito autônomo para manejo da ação popular, para outros, são necessários a ilegalidade e lesividade.
Entende-se, todavia, que, o atual nível alçado pela Constituição Federal à moralidade da coisa pública implica em se reconhecer que basta a lesividade para abertura da via da ação popular, já que atos meramente travestidos de legalidade não poderiam obstar seu manejo.
Nesta toada, superados os aspectos elementares da Ação Popular, passemos a tratar dos pontos mais relevantes de seu processamento.
6. Tramitação
Ponto de partida para a análise da matéria é a fixação da competência para julgamento de Ação Popular. Essa é delimitada, vale dizer, em razão da origem impugnado, de modo que a competência será da Justiça Estadual quando o ato praticado emanar de agente de unidade da federação ou do município, enquanto caberá à Justiça Federal quando tal questão atingir agente da União ou a ela relacionada. Caso haja interesse de mais de uma esfera da administração, prevalecerá a competência especial da Justiça Federal, ressalvando-se sempre que, em qualquer das hipóteses, a demanda terá início junto ao juiz de primeiro grau.
O procedimento da Ação Popular, em grosso modo, corresponde ao comum ordinário, com as peculiaridades das regras específicas de sua lei de regência. Além disso, o microssistema de tutela jurisdicional coletiva é a ela também aplicável e compatibilizado.
O Juiz determinará a citação pessoal dos interessados e poderá determinar, a pedido dos autores, a citação por edital e nominal dos beneficiários. Após, os demandados, como já frisado, podem contestar, abster-se de contestar ou aderir a pretensão autoral.
O prazo para resposta dos demandados é de 20 dias, prorrogáveis a requerimento do interessado, nos casos de dificuldade na produção de provas. Ao autor, assiste a faculdade de requerer que os demandados exibam documentos úteis ao deslinde do feito.
Insta consignar que o prazo especial legalmente previsto não dá margem a prazos outros diferenciados para pronunciamento dos entes públicos, como a hipótese do artigo 188 do Código de Processo Civil.
Não se admite a reconvenção, já que o autor popular não defende interesse intrinsicamente seu. De outro plano, á viável a antecipação da e a tutela específica com aplicação subsidiária do Código de Processo Civil.
Na fase instrutória, diante do caráter peculiar desta ação, vale ressalvar que o Juiz possui poderes diferenciados, sendo-lhe permitida uma conduta mais investigativa, até mesmo em atendimento da efetividade da tutela coletiva, se necessário se verificar, com julgamento fora dos limites do pedido.
7. Sentença
Já adentrando ao campo específico da sentença que será proferida no processo, uma vez julgada procedente a ação, haverá a declaração de nulidade do ato atacado, se o caso, com a condenação solidária dos demandados em eventuais perdas e danos causados ao erário, cabendo ação regressiva do Estado aos agentes causadores do dano, nos casos de culpa ou dolo. A condenação, assim, terá não apenas cunho declaratório, mas condenatório no que tange às indenizações e honorários do advogado.
Na ação popular não se aplica o reexame necessário, já que, ao reverso da natureza deste instituto, no caso específico, é o interesse público está sendo defendido.
Em caso de improcedência da ação, importante frisar que o autor é isento do pagamento de custas e ônus da sucumbência, nos termos do art. 5º, LXXIII da Constituição Federal de 1988, o que visa o incentivo de propositura de ações populares, à exceção feita quanto a verificação de litigância de má-fé..
Caso possível, a sentença deverá ser liquida, sendo permitida, porém, a liquidação da sentença, caso inviável tal fixação.
Deste ponto, por derradeiro, de se mencionar a possibilidade de suspensão da execução da sentença da Ação Popular até seu trânsito em julgado, em casos de grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas, pedido este direcionado ao Presidente do tribunal competente para conhecimento do recurso, nos termos da Lei 8437/92.
8. Recursos
Na Ação Popular é admissível ampla gama de recursos, sendo apenas exemplificativa previsão do artigo 19 da Lei de Ação Popular, de modo que, disponível toda a gama recursal prevista no Código de Processo Civil. Podem interpor o recurso contra a improcedência o autor, Ministério Público ou qualquer cidadão. Já no caso de procedência, os prejudicados com a sentença possuem a necessária legitimidade recursal.
9. Coisa Julgada
Quando a sentença julga procedente a ação ou julga improcedente tendo analisado o mérito da demanda, a decisão tem eficácia de coisa julgada, oponível erga omnes. Já quando a sentença julga improcedente a ação por falta de provas, não terá havido decisão de mérito, por isso, não terá eficácia de coisa julgada, podendo ser proposta nova ação com os mesmos fundamentos, desde que tenham surgido novas provas. Deve-se, assim, entender a coisa julgada na ação popular, como secundum eventum litis.
Neste contexto, a interposição de nova Ação Popular é possível apenas de a sentença invocar, expressamente, improcedência por ausência de provas. É o que se depreende do artigo 18 da Lei da Ação Popular: “a sentença terá eficácia de coisa julgada oponível erga omnes, exceto no caso de haver sido a ação julgada improcedente por deficiência de prova; neste caso, qualquer cidadão poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova”.
10. Execução
Os legitimados para a interposição da execução popular são: os autores populares, qualquer outro cidadão em pleno gozo dos direitos políticos, o Ministério Público e as entidades rés da ação, ainda que a tenham contestado.
O destinatário final da condenação da ação popular é a comunidade, a coletividade difusa afetada pela lesão. No caso, não há como se destinar diretamente o pagamento da quantia à reconstituição do bem lesado – isso deverá ocorrer indiretamente, após o dinheiro adentrar ao fundo tutelado pela Lei da Ação Civil Pública.
Não obstante, é salutar contrapor que a sentença pode vir a ser liquidada e executada em benefício daqueles que sofreram danos individuais advindos do objeto que deu causa ao manejo da ação popular, não obstante sua essência seja atrelada a direitos essencialmente difusos.
Eis, portanto, as linhas mestras que se pretendeu expor com relação à Ação Popular, importante instrumento de nosso ordenamento posto à favor da defesa da coisa pública, ainda que algumas vezes utilizados com fins distintos de tais propósitos.
11. Conclusão
A Ação Popular, mecanismo de antiga inspiração romana, aperfeiçoado ao longo dos séculos e já de tradição em nosso ordenamento, sempre serviu como um instrumento factível de participação social na gestão e fiscalização da coisa pública.
Devidamente disciplinada por Lei própria – 4717/65, e presente na Constituição Federal de 1988, faz parte do microssistema das tutelas coletivas, junto a outros importantíssimos instrumentos, como a Ação Civil Pública, o Mandado de Segurança Coletivo, dentre outros.
Apenas sua presença em nosso meio, como já historicamente atestado, significa a presença e o fortalecimento de instituições democráticas sólidas, nas quais não só são permitidas, mas como também incentivadas as ações do cidadão no acompanhamento do trato da coisa pública.
A Ação Popular, todavia, seja pelo baixo engajamento e preparo político da população no processo democrático além do sufrágio universal, ou, ainda, pela fragilidade de nosso regime democrático em diversos de seus aspectos, a não impedir represálias e intimidações de toda ordem oriundas dos mandatários do poder aos agentes fiscalizadores, é em muito esvaziada, a quase que se transformar em apenas isso, uma vaga possibilidade.
Tal espaço, neste estado de coisas, passa a ser ocupado por agentes que, mais interessados que na boa administração pública, veem na Ação Popular um meio de pressão ou jogo politico, absolutamente divorciado de sua essência e que faz do Poder Judiciário o palco de jogo de interesses manifestamente censuráveis.
Ainda que este cenário não seja essencialmente técnico-jurídico, deve fazer parte do objeto de estudo do pensador do Direito os meios que possam vir a aperfeiçoar nossos institutos, trazendo a eles a efetividade que tanto se almeja.
Assim, em sede conclusiva, merece todos os encômios a presença da Ação Popular em nosso meio, não devendo ser descurado, todavia, o contexto que a cerca, a reclamar, porque não, novas interpretações de sua utilização, a fim de que esta possa se expandir e chegar aos pontos nevrálgicos da gestão da coisa pública no Brasil e, com isso, atingir sua efetiva finalidade.
12. Referências Bibliográficas
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[1] Almeida, Gregório Assagra de. Direito processual coletivo brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. p.
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[2] ALVIM NETTO, José Manoel de Arruda. Instrumentos constitucionais direcionados à proteção dos direitos coletivos: ação civil pública e ação popular. in Panorama atual das tutelas individual e coletiva, estudos em homenagem ao professor Sergio Shimura. São Paulo, Saraiva, 2011, p. 152
[3] ALVIM, Eduardo Arruda. Noções Gerais sobre o Processo das Ações Coletivas, Artigo acessado em http://arrudaalvimadvogados.com.br/pt/artigos/10.asp?id=artigos&lng=pt acessado em 08/03/12
[4] Meirelles. Hely Lopes. Mandado de segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de
Injunção, “Habeas Data”. 20a Edição atualizada por Arnoldo Wald. São Paulo: Malheiros, 1.998, p.
114.
[5] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 3a ed. São Paulo: Saraiva, 2.006,p. 848/849
[6] NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional. São Paulo: Editora RT, 2006, p. 139/140
[7] MORAES. Alexandre de. Direito Constitucional. 19a ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 167
[8] SILVA, José Afonso da. Ação popular constitucional. Doutrina e Processo. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007
[9] MANCUSO, Rodolfo de Camargo, Ação Popular, 5ª ed, RT, 2003, p.231
Advogada em São Paulo, Mestranda em Direito Processual Civil pela PUC SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PRADO, Luciana Mellario do. Ação Popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 abr 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38843/acao-popular. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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