O direito processual brasileiro é ramo do Direito que busca cada vez mais objetivar a situação jurídica posta em juízo, sendo os princípios da economia processual, celeridade e efetividade norteadores da sistemática atual para a consecução da justiça.
E justamente visando essa maior celeridade e efetividade processual, notadamente nas chamadas ações repetitivas, o legislador ordinário (Lei n° 11.277/2006) acrescentou ao diploma processual civil o artigo 285-A do Código de Processo Civil, in literis:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
A princípio, a redação é genérica e permite que o juiz de primeiro grau, com o intuito de otimizar o procedimento e evitar delongas judiciais, dispense a citação do réu e já profira sentença de improcedência em processo que discuta matéria unicamente de direito idêntica a casos análogos, já decididos por aquele juízo, reproduzindo o interior teor da decisão paradigma, não sendo suficiente a mera menção às sentenças anteriormente prolatadas.
Em outras palavras, a legislação em apreço busca pôr fim a demandas repetitivas perante um mesmo juízo, o que acarretará uma maior agilidade tanto a esse processo, com entendimento consolidado pelo juízo, bem como a outros processos que exigem uma análise mais detalhada e individualizada do operador do direito.
Com isso, pode-se dizer que se estabeleceu um procedimento diverso e invertido, na medida em que após a petição inicial haverá a prolação de uma sentença de improcedência, com o ato de citação do réu somente após decisão judicial, já para apresentação de contra-razões a eventual recurso interposto pelo autor. Portanto, nesse procedimento não há que se falar em ato citatório com o intuito de apresentar contestação.
No entanto, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça[1] decidiu que o magistrado não pode julgar ação improcedente, utilizando a regra do artigo 285-A do Diploma Processual Civil, quando o fundamento da decisão for contrário à jurisprudência consolidada nos Tribunais, sob pena de o objetivo da lei não ser alcançado, uma vez que ao invés de o processo ser finalizado, aumentará a litigiosidade com o inconformismo da parte vencida.
O entendimento do Superior Tribunal de Justiça acabou restringindo o alcance da lei da forma como foi redigida, ao não permitir que o juízo de primeiro grau finalize o processo com sentença de improcedência divergente da jurisprudência consolidada dos Tribunais.
De fato, a observação do Tribunal Superior é plausível e merece a atenção do operador do direito, uma vez que se deve levar em consideração o objetivo do legislador, que no caso em análise certamente foi a aplicação e observância dos princípios da celeridade, da economia processual e da efetividade do processo.
Todavia, mesmo sendo princípios norteadores, importante enfrentar o seguinte: o julgamento de quantos casos idênticos permite a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil e o que é jurisprudência consolidada pelos Tribunais e quais Tribunais?
São questões que ainda terão de ser enfrentadas pela jurisprudência, mas, a princípio, deve-se predominar o bom senso do julgador de primeiro grau, a fim de ponderar que deve haver um mínimo razoável de sentenças proferidas no mesmo sentido, consideradas casos idênticos, a ensejar a aplicabilidade do procedimento invertido do artigo 285-A do Código de Processo Civil.
Já se posicionou sobre o assunto Costa Machado[2], ao dizer que não basta a existência de uma única causa idêntica já sentenciada, visto que o texto legal utiliza a exigência no plural, ao dispor “outros casos idênticos”, de modo que é necessário ao menos duas demandas já decididas no mesmo sentido para que possa ser aplicado o referido dispositivo legal.
A respeito desse tema, o Superior Tribunal de Justiça também se manifestou nesse sentido, possibilitando a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil “se o juízo sentenciante tiver proferido mais de uma sentença sobre a mesma matéria”[3].
No concernente ao que deve ser considerada jurisprudência consolidada pelos Tribunais e quais Tribunais, a princípio, parece que se deve levar em consideração a jurisprudência dos Tribunais Superiores e, portanto, Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça.
Entretanto, no REsp 1279570[4], o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “Deve ser afastada a aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil quando o entendimento do juízo de Primeira Instância estiver em desconformidade com orientação pacífica de Tribunal Superior ou do Tribunal local a que se encontra vinculado.” (gn)
Portanto, o Superior Tribunal de Justiça, sem qualquer previsão legislativa nesse sentido, consolidou entendimento de não aplicação do artigo 285-A do Código de Processo Civil quando o entendimento do juízo a quo for contrário à jurisprudência não apenas dos Tribunais Superiores, mas também do Tribunal local a que se encontra vinculado.
No que tange ao que deve ser considerado jurisprudência consolidada, o Superior Tribunal de Justiça não aprofundou o assunto com relação à aplicabilidade do artigo 285-A do CPC, no entanto, em decisão proferida em sede da Reclamação 4858, definiu que jurisprudência consolidada são: “(i) precedentes exarados no julgamento de Recursos Especiais em controvérsias repetitivas (artigo 543-C do CPC); ou (ii) enunciados de Súmula da jurisprudência desta Corte”. Portanto, para o referido Tribunal Superior, não basta qualquer julgamento reiterado.
Na verdade, o importante é buscar o que o referido Tribunal quis dizer ao restringir a aplicabilidade do artigo 285-A do Código de Processo Civil. E o que se pretendeu foi garantir a certeza e a previsibilidade do direito, porquanto os jurisdicionados baseiam suas opções e pretensões não apenas na legislação em vigor, mas também nos precedentes dos Tribunais, em especial das Cortes Superiores.
De outro lado, também já foi objeto de discussão na jurisprudência pátria, se estaria implicitamente exigido no artigo 285-A do CPC que, além das transcrições das sentenças paradigmas anteriormente proferidas, seria necessário também a juntada de cópia dessas sentenças para verificação da coincidência entre o seu conteúdo e o que foi reproduzido no corpo da decisão, em observância ao princípio constitucional da fundamentação das decisões judiciais.
O Superior Tribunal de Justiça manifestou-se pela desnecessidade de juntada de cópia de decisões paradigmas[5], uma vez que exigir a juntada dessas sentenças implica em criar requisito não previsto na lei ordinária, sendo suficiente a transcrição do inteiro teor.
Por fim, cumpre destacar que o Supremo Tribunal Federal[6] já decidiu, em controle de constitucionalidade difuso, de que é indevida a alegação de inconstitucionalidade do artigo 285-A do Código de Processo Civil, sob o fundamento de que, não obstante a supressão da citação inicial, permanece a possibilidade do contraditório e da ampla defesa e, portanto, está em observância ao preceito do devido processo legal, atendendo a eficácia da prestação jurisdicional.
Desse modo, sendo constitucional o artigo 285-A do Código de Processo Civil, o Superior Tribunal de Justiça o interpretou de uma forma restritiva, exigindo que o magistrado somente se utilize do procedimento ali contido se a sua decisão não contrariar a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores e do Tribunal a ele vinculado, porquanto somente assim haverá o cumprimento do objetivo da lei, que é o de buscar uma maior celeridade e economicidade processual.
[1] REsp 1109398/MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 1.8.2011.
[2] in “Código de Processo Civil Interpretado, 2008, p. 604.
[3] AGRGRO 200800142772. Relator: Min. João Otávio de Noronha, Quarta Turma; DJE DATA:03/05/2010
[4] REsp 1279570; Relator: Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, Segunda Turma, DJE DATA:17/11/2011.
[5] REsp 1086991; Ministro: SIDNEI BENETI; Terceira Turma, DJE DATA:06/09/2011 RMDCPC VOL.:00044 PG:00110
[6] AI 798128 AgR, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 20/03/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-074 DIVULG 16-04-2012 PUBLIC 17-04-2012
Procuradora Federal atuante na Procuradoria-Seccional Federal em Santos. Exerceu a chefia de divisão de ações prioritárias, bem como a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos, ambas da Procuradoria-Geral Federal; atuou como tutora do Curso de Especialização em Direito Público da Universidade de Brasília-UNB/CEAD em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União-EAGU e pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Carina Bellini. Da aplicabilidade do artigo 285-A do Código de Processo Civil pelos Tribunais Superiores Pátrios Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 abr 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38864/da-aplicabilidade-do-artigo-285-a-do-codigo-de-processo-civil-pelos-tribunais-superiores-patrios. Acesso em: 23 dez 2024.
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