O dispositivo em comento foi introduzido no Código de Processo Civil pela lei n. 11.277/06, o qual dispõe:
Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo-se o teor da anteriormente prolatada.
§ 1o Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.
§ 2o Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.
Em primeiro lugar, importante apontar duas grandes inovações do artigo em questão: 1. A possibilidade de reconhecimento da improcedência prima facie, resultando em um julgando com resolução do mérito fora das hipóteses do artigo 269 do CPC; 2. A possibilidade de juízo de retratação pelo Magistrado, como já o fazia com o indeferimento puro e simples da inicial (artigo 296 do CPC).
O artigo 285-A permite que o Juiz reconheça a improcedência do pedido e sequer determine a citação do réu, ato que se revela desnecessário em virtude da impertinência óbvia do pedido. Trata-se de decisão que analisa o mérito da causa e fica, portanto, sujeita ao manto da coisa julgada material.
No que tange ao princípio do contraditório, Fredie Didier Júnior1 leciona que este “fica garantido pelo efeito regressivo da apelação contra a sentença, que permite ao magistrado retratar-se, após ouvir as razões do autor (artigo 296 e 285-A, parágrafo 1º, CPC). O juízo de retratação homenageia, também, o princípio da cooperação, pois permite que o magistrado “ouça” o que tem a dizer o autor sobre a questão”.
Como decorrência deste princípio, a aplicação da regra da improcedência prima facie deverá ser aplicada apenas em casos em que, evidentemente, de sua aplicação decorram consequências vantajosas não para os juízes de primeiro grau e dos tribunais, mas para o jurisdicionado2.
Quanto aos demais princípios indicados, não há falar em lesão aos seus ditames. Isto porque o julgamento improcedente prima facie é medida excepcional e que se subordina às seguintes condições: a)- preexistência no juízo de causas idênticas, com improcedência já pronunciada; b)- a matéria controvertida for unicamente de direito; c)- deve ser possível solucionar a causa superveniente com a reprodução do teor da sentença prolatada na causa anterior.
Conforme lição de Humberto Theodoro Júnior3:
A aplicação do art. 285-A, como se vê, só se presta para rejeitar a demanda, nunca para acolhê-la. Na rejeição, é irrelevante qualquer acertamento sobre o suporte fático afirmado pelo autor. A improcedência somente favorece o réu, eliminando pela res iudicata qualquer possibilidade de extrair o promovente alguma vantagem do pedido declarado sumariamente improcedente. Limitando-se ao exame da questão de direito da sucessão de causas idênticas, para a rejeição liminar do novo pedido ajuizado por outro demandante, pouco importa que o suporte fático afirmado seja verdadeiro ou não. Pode ficar de lado esse dado, porque no exame do efeito jurídico que dele se pretende extrair a resposta judicial será fatalmente negativa para o autor e benéfica para o réu.
De outra sorte, forçoso ressaltar que a razão de existir da regra trazida pela lei n. 11.277/06 é o princípio da economia processual, visando impedir que demandas manifestamente improcedentes se arrastem por anos nos Tribunais, os quais já se encontram atolados de processos, eliminando na raiz a questão.
Não há falar, de toda forma, em lesão à ampla defesa. Isso porque ao autor, cuja demanda foi julgada improcedente liminarmente, é oportunizado prazo para apresentação de apelação contra a sentença, sem contar que ao Juiz é facultado o juízo de retratação.
Ainda, quanto ao princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, no caso em questão há provocação e manifestação do Magistrado acerca do tema, sendo que, após a sentença, poderá o autor recorrer à superior instância, não podendo se cogitar em nulidade da prática pela aplicação da improcedência de plano.
Apresentada apelação contra a sentença de improcedência, faculta-se ao Relator do recurso a aplicação do artigo 557 do CPC. Neste sentido, Magno Federici Gomes e Letícia Drumond4:
Dessa forma, quando há correta efetivação de julgamento liminar de mérito, o relator poderá negar seguimento ao “recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior” (BRASIL, 1973, art. 557), após a efetivação do contraditório, inerente ao processamento da impugnação interna por excelência.
De outro lado, quando houver incorreta efetivação de julgamento liminar de mérito, estando, portanto, a decisão recorrida em manifesto confronto com entendimento majoritário do STF ou de tribunal superior, o relator poderá dar provimento ao recurso, de plano, hipótese esta que salvaguarda sobremaneira o primado do contraditório, posto que determina sua efetivação nas hipóteses que fogem à escorreita aplicação do novel art. 285-A do CPC.
Ainda que a grande maioria da doutrina entenda pela legalidade e constitucionalidade do artigo 285-A, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de inconstitucionalidade (ADIN n. 3.695-5), sob os argumentos de que a sua aplicabilidade feriria os princípios da igualdade, segurança jurídica, contraditório e devido processo legal.
Tal ação direta está pendente de julgamento. Porém, a Advocacia-Geral da União, em sua manifestação acerca da constitucionalidade da regra, o fez com base na ponderação de princípios vigentes no ordenamento processual brasileiro, vez que somente uma visão extremamente formalista poderia cogitar da inconstitucionalidade da possibilidade de declaração de improcedência de plano nos casos de demandas repetitivas.
Como bem exposto na manifestação, “o princípio do contraditório, que se admite ínsito ao processo, refere-se especificamente à possibilidade de ser informado e reagir aos atos desfavoráveis”, o que é perfeitamente respeitado pela regra do artigo 285-A, o qual não retira do autor a possibilidade de discutir a Justiça da decisão.
Ainda, importante ressaltar que o julgamento improcedente prima facie é uma faculdade do Juiz, o qual pode entender ser o caso de prosseguimento do feito em virtude da necessidade de dilação probatória, p. ex., ou, até mesmo, da modificação de seu entendimento quanto à matéria ventilada nos autos.
Na seara previdenciária, o artigo 285-A tem sido aplicado com bastante frequência nos processos que versam sobre a chamada “desaposentação”. Isto porque a maioria dos Tribunais (ressalvadas isoladas exceções), não abrem ao segurado a possibilidade de renunciar a um benefício que ele mesmo pleiteou para ver-lhe concedido outro que entende ser mais vantajoso, tudo em prejuízo do Poder Público.
Assim, os Juízes Federais têm aplicado o artigo em comento, julgando improcedentes os pedidos formulados com base na desaposentação, sendo raros os casos onde a parte autora não apresenta recurso de apelação já que a matéria é passível de interpretação diversa da vigente pelas Cortes Superiores.
Pois bem. Analisando o tema com base na teoria neo-institucionalista do processo, algumas ponderações devem ser feitas. Primeiramente, tal teoria entende que o processo é um procedimento qualificado pelo contraditório. Assim, ausente o contraditório, não se fala em processo.
Porém, não há como se negar que a maioria da doutrina segue a concepção de que o processo é um instrumento (teoria instrumentalista, em virtude das regras contidas nos artigos 154 e 244 do Código de Processo Civil, que prevê o fim a que se destina o processo e não a forma). Assim, não há que se condicionar a existência do processo à verificação do contraditório, o que resulta, portanto, à luz da teoria dominante, na constitucionalidade da regra trazida pela lei n. 11.277/06.
Se o processo atinge seu fim, independentemente da forma prescrita e sem prejuízo para as partes, não há falar em inconstitucionalidade. A exemplo desta premissa, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4a Região entendeu, em recente decisão:
3. Conforme asseverado pelo Tribunal de origem, muito embora o juízo de primeiro grau não tenha intimado previamente a exeqüente, não houve qualquer prejuízo para a Fazenda Pública na hipótese. Dessa forma, em não havendo prejuízo demonstrado pela Fazenda Pública, não há que se falar em nulidade da sentença, e nem, ainda, em cerceamento de defesa, o que se faz em homenagem aos princípios da celeridade processual, instrumentalidade das formas e pas des nullités sans grief. Precedentes.(AG - AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 0012114-36.2011.404.0000. Rel. Des. ÁLVARO EDUARDO JUNQUEIRA. J. 28.09.2011).
O aresto se refere especificamente às regras contidas nos artigos 154 e 244 do CPC no que tange à instrumentalidade, afastando, por completo, a teoria neo-institucionalista do processo.
Repita-se que a inovação legislativa não retirou do autor o direito ao contraditório e à ampla defesa, já que oportunizada a recorribilidade da decisão, sendo que, ato seguinte, caberá a citação do réu para tão-somente responder ao recurso interposto.
Desta forma, não há outra conclusão senão pela constitucionalidade da regra contida no artigo 285-A do Código de Processo Civil, vez que não resta caracterizada lesão aos princípios do contraditório, ampla defesa, segurança jurídica e/ou inafastabilidade do Poder Judiciário, já que a própria improcedência prima facie é manifestação deste Poder no que tange à matéria ventilada de reforma repetitiva e improcedente.
1. DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil. Volume 1. Editora Juspodivm. 11a edição. Salvador. 2010. P. 450.
2. MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. Editora RT. São Paulo. 2011. P. 286.
3. THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. 52a edição. Ed. Forense. São Paulo. 2011. P. 368.
4. GOMES, Magno Federici. DRUMOND, Letícia. A Efetividade a as Recentes Alterações Legislativas no Código de Processo Civil. 2a edição. Belo Horizonte. P. 151.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União. Especialista em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARANDA, Alexandre Lundgren Rodrigues. Do Artigo 285-A do CPC à luz dos princípios da segurança jurídica, do contraditório, da ampla defesa e do controle jurisdicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 abr 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38932/do-artigo-285-a-do-cpc-a-luz-dos-principios-da-seguranca-juridica-do-contraditorio-da-ampla-defesa-e-do-controle-jurisdicional. Acesso em: 23 dez 2024.
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