Resumo: propõe-se uma reflexão sobre a conciliação, como fórmula alternativa de resolução de conflitos, no contexto dos dispositivos do projeto de novo Código de Processo Civil.
Palavras-chave: conciliação; jurisdição; tutela judicial; conflito.
Constatada a incapacidade da jurisdição, enquanto função estatal, de resolver os conflitos instalados no seio da sociedade, desponta a necessidade de se lançar mãos de meios alternativos de solução das divergências.
Vedada, em regra, a autotutela, salvo raríssimas exceções – desforço imediato, penhor legal e retenção de benfeitorias, v.g. – a autocomposição destaca-se como um meio de solução de conflitos muito prestigiado nos discursos do Judiciário, merecendo lugar na legislação processual, como ocorre na Consolidação das Leis do Trabalho, nas leis que instituem os Juizados Especiais e regulam o procedimento nesse microssistema jurídico e, agora, no projeto de novo Código de Processo Civil.
Processualistas mais otimistas consideram a autocomposição como a forma de resolução de conflitos intrínseca à própria condição humana:
A autocomposição é um fenômeno natural e inerente à natureza humana, pois o homem busca espontaneamente a harmonia social mediante salutar convivência, evitando conflitos e compondo os existentes. A solução amigável é sempre tentada, seja em decorrência desse aspecto da natureza humana, seja em virtude da frustação com a atividade estatal (CALMON FILHO: 2010, p. 8).
Com a devida vênia, não é tão fácil acreditar nessa predisposição do ser humano em resolver amistosamente as divergências com seus semelhantes. Fosse assim, não teríamos um sistema judiciário quase que inviabilizado, diante das incontáveis ações que o assoberbam.
A busca de uma solução alternativa para a resolução do conflito, antes de ser algo inerente à personalidade humana, como uma vocação para amistosidade, consubstancia-se em inegável tentativa de escapar da famigerada morosidade judicial.
O Código de Processo Civil projetado possui disposições expressas sobre formas alternativas – em relação à prestação jurisdicional, não obstante algumas se efetivarem no bojo do processo judicial – para a resolução de conflitos.
Assim é que o art. 3º que reproduz a garantia constitucional de que não será excluída da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito, mas prevê, em seus parágrafos, que é admitida a composição do litígio por arbitragem, na forma que dispuser a lei específica, e que o Estado promoverá sempre que possível a solução consensual dos conflitos, bem como que a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, ainda que no curso do processo judicial.
Ainda, há um tópico específico – capítulo V do Título I do Livro I do CPC – que trata da audiência de conciliação, nos seguintes termos:
CAPÍTULO V
DA AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO
Art. 335. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação com antecedência mínima de trinta dias, devendo ser citado o réu com pelo menos vinte dias de antecedência.
§ 1º O conciliador ou mediador, onde houver, atuará necessariamente na audiência de conciliação, observando o disposto neste Código, bem como as disposições da lei de organização judiciária.
§ 2º Poderá haver mais de uma sessão destinada à mediação e à conciliação, não excedentes a dois meses da primeira, desde que necessárias à composição das partes.
§ 3º A intimação do autor para a audiência será feita na pessoa de seu advogado.
§ 4º A audiência não será realizada:
I – se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual;
II – no processo em que não se admita a autocomposição.
§ 5º O autor deverá indicar, na petição inicial, seu desinteresse na autocomposição, e o réu, por petição, apresentada com dez dias de antecedência, contados da data da audiência.
§ 6º Havendo litisconsórcio, o desinteresse na realização da audiência deve ser manifestado por todos os litisconsortes.
§ 7º A audiência de conciliação pode realizar-se por meios eletrônicos.
§ 8º O não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado.
§ 9º As partes devem estar acompanhadas por seus advogados ou defensores públicos.
§ 10. A parte poderá constituir representante, devidamente credenciado, com poder para transigir.
§ 11. A transação obtida será reduzida a termo e homologada por sentença.
§ 12. A pauta das audiências de conciliação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de vinte minutos entre o início de uma e o início da seguinte.
Numa análise do dispositivo transcrito percebe-se, de pronto, um possível entrave a uma solução amigável para o conflito levado à apreciação do Judiciário, qual seja: para se tentar a conciliação das partes é necessário que não se esteja diante de “caso de improcedência liminar do conflito”. Ocorre que, não obstante a tentativa de se conferir um fim sumário ao processo – não se está dizendo que tal se afigura correto – não é difícil imaginar que muitas apelações serão interpostas em face de tal decisão, frustrando-se, dessa forma, a tentativa do legislador de obrigar as partes a percorrer a fase conciliatória. Se o que se pretende é a promoção da cultura conciliatória, melhor seria que a etapa fosse franqueada às partes, para que manifestassem seu interesse na medida, em todas as demandas, não sendo suprimida em razão da oportunidade de se proferir uma sentença liminar.
Por outro lado, há previsão que não será realizada audiência de conciliação, quando ambas as partes manifestarem, de forma expressa, que não possuem interesse na composição consensual, ou nos casos em que o processo não admitir a autocomposição. Duas dúvidas exsurgem da leitura dos respectivos dispositivos: 1) se apenas uma das partes manifestar seu desinteresse na conciliação, ainda assim será designada a audiência? 2) quais são os processos que não admitem autocomposição? Uma resposta a tais indagações é necessária, na medida em que “o não comparecimento injustificado do autor ou do réu à audiência de conciliação é considerado ato atentatório à dignidade da justiça e será sancionado com multa de até dois por cento da vantagem econômica pretendida ou do valor da causa, revertida em favor da União ou do Estado”.
Parece completamente despropositada a designação de audiência conciliatória quando uma das partes manifesta expressamente sua intenção cabal de não celebrar acordo. A designação do ato, em tal situação, somente contribuirá para o desnecessário e indesejável prolongamento do processo, haja vista a realização de uma etapa inútil.
Noutro giro, o interesse público defendido nas causas em que a Fazenda Pública é parte não impede a realização de acordos judiciais. Mas também não há, por óbvio, uma discricionariedade ampla nas mãos do advogado público para celebrar toda e qualquer espécie de avença. Na prática, muitas vezes não será possível identificar, prima facie, quais os processos em que o Poder Público seja parte podem ser objeto de transação judicial. Por outro lado, ainda que o órgão jurídico de representação judicial da entidade pública manifeste a impossibilidade de autocomposição nos processos que tenham por objeto determinada tese jurídica, caso a parte contrária não manifeste seu desinteresse no ato, deverá, obrigatoriamente, ser designada audiência de conciliação? Não teremos, na hipótese, uma fase desnecessária e descabida, que só contribui para o prolongamento irracional do processo?
A imposição da conciliação, por meio da positivação de procedimentos específicos, não contribui em nada para a marcha célere do processo.
Talvez fosse mais adequado, visando favorecer a prática da conciliação, sem, contudo, retardar o andamento do processo, retirar a previsão de uma audiência autônoma de conciliação, para incluir a oportunidade de resolução do conflito por meio de transação no âmbito da audiência de instrução, como preliminar do ato consecutivo, isto é, a produção da prova oral, quando frustrada a tentativa inaugural da autocomposição. Parece paradoxal, mas creio que aqui tem vez o clichê às vezes o menos é mais.
De qualquer forma, é preciso ter em conta que a solução para o problema da judicialização exacerbada, depende, em larga escala, de uma mudança cultural dos jurisdicionados e de determinados agentes de setores da sociedade, tais como as instituições financeiras, as operadoras de plano de saúde, as companhias telefônicas, e, mesmo, em alguns casos, o próprio Estado. Afinal, como nos é lembrado por Calmon de Passos, a tutela judicial deveria ser um remédio a ser ministrado em situações excepcionais, cabendo à comunidade manter a saúde do corpo social por meio da educação cívica. Fecho esse ensaio com uma citação do inigualável jurista:
“Esquecemo-nos de que o Direito é um medicamento com que procuramos restabelecer a saúde da convivência social. Ele não evidencia nenhuma excelência, antes, em ordem diretamente proporcional a sua importância e institucionalização, atesta o fracasso social. É a impotência dos homens, mediante suas instituições não-estatais, para prevenir e solucionar os conflitos oriundos de sua convivência, que impõe a utilização dos mecanismos jurídicos de que a tutela jurisdicional é a última e mais representativa expressão. A presença do jurista – doutrinador, postulador ou julgador – denuncia a vitória da doença no corpo social, como a do médico comunica a vitória da doença no corpo biológico. Feliz o corpo que precisa pouco de médicos. Feliz a sociedade que precisa pouco de juristas. O que ocorreu em nossos dias, entretanto, foi o oposto. A nossa perda de perspectiva nos levou à apologia da doença e do doutor, ao invés de cuidarmos da sua profilaxia e prevenção.” (CALMON DE PASSOS: 2007, p. 10).
Eis o ponto que merece uma reflexão.
Referências
CALMON DE PASSOS, J.J. Tutela Constitucional da Liberdade. In: Ações Constitucionais. Org. Alexandre Cruz. Campinas: Millennium, 2007.
CALMON FILHO, Petrônio. O conflito e os meios de sua solução. Material da 1ª aula da disciplina Fundamentos do Direito Processual Civil, ministrada no curso de especialização televirtual em Direito Processual Civil – Uniderp/IBDP/Rede LFG, 2010.
Procurador Federal. Bacharel em Direito e em Ciências Contábeis<br>Especialista em Direito Público e em Direito Processuaà l Civil. MBA em Gestão Pública.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RORIZ, Rodrigo Matos. A Conciliação no Código de Processo Civil Projetado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 abr 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/38995/a-conciliacao-no-codigo-de-processo-civil-projetado. Acesso em: 23 dez 2024.
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