As contribuições de melhoria, espécie tributária surpreendentemente pouco utilizada em um país com graves deficiências de infraestrutura, mas de elevado ímpeto arrecadatório como o Brasil, traz consigo uma série de discussões jurídicas acerca de todos os seus pontos constitutivos.
Um ponto que clama especial atenção se refere à questão da possibilidade ou não de um órgão público ser o sujeito passivo das contribuições de melhoria. É exatamente sobre esse tema é que o presente estudo se debruçará.
As contribuições de melhoria, normativamente tratada como uma espécie tributária autônoma, prevista constitucionalmente no artigo 145, inciso III, da Carta da República, é melhor detalhada no artigo 81 do Código Tributário Nacional (CTN), que determina:
“Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.”
Pela leitura do artigo 81 do CTN, percebe-se prioristicamente não haver uma definição direta acerca do sujeito passivo do tributo. Infere-se da inteligência do comando legal em questão que a contribuição de melhoria pode ser instituída para fazer frente ao custo de uma obra pública que acarreta valorização de um imóvel.
Portanto, diante da descrição do fato gerador, conclui-se que a sujeição passiva em relação as contribuições de melhoria decorre da titularidade do imóvel valorizado por uma determinada obra pública.
Surge, portanto, a questão: Um ente público, cujo determinado bem tenha sido valorizado em razão de obra pública executada por um outro ente público, poderia ser sujeito passivo desse tributo?
Para o esclarecimento dessa questão, é de grande valia o instituto da imunidade recíproca, consagrado no artigo 150, inciso VI, da Constituição Federal, que preceitua:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
Como é possível perceber, a imunidade recíproca pensada pelo constituinte, apesar de tratar de patrimônio de ente público, restringiu o seu alcance a apenas uma espécie tributária, a saber, os impostos.
Conforme explanado acima, sendo a contribuição de melhoria uma espécie normativamente autônoma de tributo, e tendo o texto constitucional expressamente se referido a impostos, não há como entender ser um imóvel público imune a contribuições de melhoria regularmente instituídas por outra pessoa jurídica de direito público.
Entretanto, apesar do texto constitucional não ter previsto a imunidade, o Decreto-Lei nº 195, de 24 de fevereiro de 1967, recepcionado pela Constituição da República de 1988 com status de lei complementar, restringiu a hipótese de incidência do tributo à valorização de imóvel de propriedade privada. Eis o comando legal em questão:
“Art 2º Será devida a Contribuição de Melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas:
I - abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas;
II - construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos;
III - construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido inclusive tôdas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema;
IV - serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública;
V - proteção contra sêcas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificação e regularização de cursos d’água e irrigação;
VI - construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem;
VII - construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos;
VIII - aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico.”
Como se percebe da clareza do texto do Decreto-Lei, não há dúvidas da não incidência de contribuições de melhoria para imóvel de propriedade pública. A grande questão que ainda está em debate é se, de fato, a Constituição de 1988 teria recepcionado o referido diploma normativa.
Alguns juristas pátrios, como Sacha Calmon Navarro Coelho, sustentam que o Decreto-Lei não poderia jamais ser recepcionado pois foi revogado tacitamente pela Emenda nº 23 de 01/12/1983, que alterando o texto constitucional então vigente, teria alterado substancialmente a contribuição de melhoria tratada no Decreto-Lei nº195/67. Assim, o Decreto-Lei teria caducado. Assim se pronuncia o eminente professor da Universidade Federal de Minas Gerais:
“O decreto lei nº 195/67 caducou antes da Constituição de 1988. É que este diploma legal regulava, com caráter de lei complementar, uma contribuição de melhoria baseada no critério valorização, como previsto na constituição de 1967 e na Emenda nº 1/69. Ocorre que em 1983 a Emenda Constitucional nº 23 de 01/12, a chamada emenda Passos Porto, alterou fundamentalmente o tipo de contribuição de melhoria existente, optando pelo critério custo. A redação passou a ser a seguinte. Poderiam as pessoas políticas instituir: Contribuição de melhoria arrecada dos proprietários de imóveis beneficiados por obras públicas, que terá como limite total a despesa realizada. Duas alterações introduziu a emenda em relação ao texto anterior: (a) substitui-se a expressão “imóveis valorizados” por imóveis beneficiados e (b) omitiu-se a expressão “tendo como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado”.[1]
Entretanto, essa não é a posição dominante na doutrina.
A maior parte dos estudiosos em Direito Tributário, e principalmente a corrente mais atual, entende que as disposições do Código Tributário Nacional sobre a contribuição de melhoria, além do próprio Decreto-Lei nº 195/67, foram integralmente recepcionados pela Constituição de Federal de 1988, afastando a ideia de que os mesmos estariam tacitamente revogados pelo Emenda nº 23/83, conhecida como Emenda Passos Porto.
Hugo de Brito Machado é direto em afirmar:
“... continuam em vigor as disposições do Código Tributário Nacional e do Decreto-lei nº 195, o que de pronto afasta a possibilidade de instituição de contribuição de melhoria sem valorização imobiliária.” (Curso de Direito Tributário, 12ª edição, Malheiros, 1997, p. 328)
Essa corrente defende a recepção do Decreto-Lei 195/67, sustentando que as alterações introduzidas pela Emenda Passos Porto não alteraram o substrato básico do tributo previsto na Constituição Federal de 1967 e sua Emenda nº 01/69.
As alterações feitas pela Emenda nº 23/83 foram apenas para buscar maior simplificação na forma do cálculo do tributo, porquanto a essência da contribuição de melhoria teria permanecido intacta, razão pela qual o Decreto-Lei nº 195/67 teria sido aplicado sem maiores questionamentos durante toda a vigência da Constituição Federal de 1967.
Assim, não tendo sido revogado tacitamente o Decreto-Lei acima referenciado durante a vigência do texto constitucional anterior, com a promulgação da atual Carta Política houve a recepção do Decreto, já que suas disposições sobre o tributo não conflitam com a Lei Maior.
Diante da análise de todo o exposto, é possível concluir que não há possibilidade normativa para fazer incidir contribuição de melhorias sobre bens públicos, uma vez que o Decreto-Lei nº 195/67, devidamente recepcionado pela Constituição Federal de 1988, não incluiu dentro do campo de incidência do tributo os imóveis de propriedade de entes públicos, sendo, portanto, ilegal eventuais exigências tributárias nesse sentido.
Procuradora Federal atuante na Procuradoria-Seccional Federal em Santos. Exerceu a chefia de divisão de ações prioritárias, bem como a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos, ambas da Procuradoria-Geral Federal; atuou como tutora do Curso de Especialização em Direito Público da Universidade de Brasília-UNB/CEAD em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União-EAGU e pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Carina Bellini. Considerações acerca da impossibilidade de órgãos públicos figurarem como sujeitos passivos de contribuições de melhoria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 abr 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39072/consideracoes-acerca-da-impossibilidade-de-orgaos-publicos-figurarem-como-sujeitos-passivos-de-contribuicoes-de-melhoria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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