INTRODUÇÃO.
No sistema adotado pela Constituição Federal brasileira de 1988, que traz como direito fundamental o princípio da igualdade, as contratações com o Poder Público, em regra, são precedidas de procedimento licitatório que garanta oportunidade de condições de todo contratarem com a Administração Pública.
Uma vez feita a licitação e contratado o objeto licitado, o ideal seria que o contrato transcorresse sem a necessidade de ajustes. Todavia, nem sempre é o que ocorre, surgindo, muitas das vezes, a necessidade de ajustes no decorrer da execução do contrato, permitindo a lei que o contrato sofra alterações para permitir a execução plena do objeto com justa remuneração.
Essas hipótese são minuciosamente definidas em lei, sendo que abordaremos nas linhas a seguir.
DESENVOLVIMENTO
Consoante mandamento constitucional, com as ressalvas específicas feitas pelo legislador, “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”, (inciso XXI do artigo 37 da Constituição federal de 1988).
Ao que se verifica da disposição em questão, a regra é a de que os contratos com a Administração Pública somente se afiguram legítimos se precedidos de regular procedimento licitatório que assegure igualdade de competição a todos que desejem contratar com o poder público.
Essa regra tem como última rátio atender o Princípio da Igualdade ou Isonomia, cuja previsão está especificada no artigo 3º da lei 8.666/93, inciso XXI acima citado e, de forma mais abrangente, no artigo 5º, caput, ambos da Constituição Federal de 1988.
Isso porque o Princípio da Igualdade ou Isonomia, umbilicalmente ligado com o Princípio da Impessoalidade - previsto no caput do 2º artigo citado -, impõe à Administração Pública o dever de dar oportunidade de disputar o certame a quaisquer interessados que, desejando dele participar, possam oferecer as indispensáveis condições de garantia para cumprir, com eficácia e eficiência, os encargos previstos para a execução da obra ou do fornecimento de bens ou de serviços.
Neste contexto, o objetivo de todo procedimento licitatório é a contratação da proposta mais vantajosa para a Administração Pública; o procedimento deve resultar, sempre, no melhor negócio; e, por melhor negócio, entenda-se a aquisição do melhor e mais adequado produto ou serviço pelo menor preço possível.
Feito estes primeiros registros, uma vez realizado o procedimento licitatório e assinado o contrato entre o Estado-Administração e um particular, visando à execução de obras ou serviços, cada uma das partes possui interesses diferentes e até certo ponto opostos.
Enquanto a Administração pretende ver realizado o objeto contratado, dentro dos parâmetros inicialmente traçados unilateralmente por ela própria (buscando a satisfação de um interesse público), o particular tem por desiderato principal o recebimento do valor do pagamento pelos serviços prestados.
Dentro dessa equação de interesses, regidas pelo edital respectivo e cláusulas contratuais que devem estar de acordo com o edital, a regra seria que o objeto contratado fosse executado tal qual o previsto inicialmente.
Essa regra mais se justifica quando se observa que a lei nº 8.666/93 apenas permite a realização de licitação pela Administração Pública após a elaboração do Projeto Básico e do Projeto executivo, exatamente com a função de se estabelecer, previamente, os serviços e valores necessários para a correta execução do objeto contratado.
Todavia, diante da complexidade que envolvem as obras públicas, principalmente aquelas de grande porte, vários são os fatores que gravitam em torno destas obras que podem reclamar uma alteração na concepção original traçada, sendo, então, necessário se promover alguma alteração no contrato originalmente pactuado.
Nesse sentido, ensina Cretella Júnior (Licitações e contratos do Estado, 1999, Forense):
“Em todo contrato administrativo, existem cláusulas de duas naturezas: as cláusulas econômicas e as cláusulas regulamentares do serviço, da obra, do fornecimento. As primeiras são inalteráveis unilateralmente, porque fixam a remuneração e os direitos do contratante perante a Administração e estabelecem o equilíbrio financeiro a ser mantido durante a execução financeira do contrato; as segundas, - as regulamentares –, são mutáveis unilateralmente pela Administração, conforme as exigências do interesse público que o contrato visa a atender”.
O dispositivo legal que autoriza a modificações nos contratos administrativos é o artigo 65 da Lei 8666/93.
As alterações contratuais de que ora se cuida podem ocorrer unilateralmente pela Administração ou por acordos das partes, consoante incisos I e II do artigo 65 da Lei 8666/9.
No entanto, a prática do ato de alteração contratual deve ser devidamente justificada pela Administração pública, explicitando principalmente os fatos que fundamentam a eventual alteração, bem como analisando expressamente a vantagem para a Administração e as demais alternativas disponíveis.
Isso mais se justifica porque as alterações quase sempre trazem a reboque acréscimos nos preços inicialmente contratados e o acréscimo no valor inicial contratado é situação excepcional no contrato, fugindo ao trâmite ordinário esperado pela Administração. O valor estabelecido inicialmente em tese é suficiente e adequado para a execução dos serviços contratados.
Caso tenha havido algum motivo que transformou tal realidade, deve este motivo ficar devidamente esclarecido pela autoridade competente, que justificará a necessidade de acréscimo e apontará esta como a melhor alternativa para a proteção do interesse público, afirmando ainda se tal adicional é suficiente para a plena execução do objeto contratado nos padrões de desempenho estabelecidos inicialmente.
De todo caso, uma vez preenchidos os requisitos legais, permite-se alteração nos contratos administrativos conforme a seguir, que podem ocorrer unilateralmente ou por acordo das partes.
Em qualquer caso, as alterações somente podem ocorrer por meios de aditivos, um vez que, se o ajuste principal obedeceu aos requisitos formais e foi firmado instrumento contratual, todas as alterações produzidas em suas cláusulas originárias seguem a mesma sorte.
A propósito, veja-se o magistério de Jorge Ulisses Jacoby:
Considera-se alteração contratual toda e qualquer modificação no objeto contratado e demais disposições a ele relacionadas no regime de execução, no prazo, no valor ou forma de pagamento do contrato e na garantia financeira oferecida. E, ainda, todas as alterações devem visar à melhoria das condições contratuais e ao suprimento das necessidades do órgão (FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. O gestor do contrato e alterações das cláusulas contratuais. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 4, n. 46, out. 2005)
Quando a alteração for efetivada de forma unilateral pela administração, deve estar fundamentada numa necessidade de modificação do projeto ou das especificações, tendo como objetivo uma melhor adequação técnica dos seus objetivos ou quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, sendo que, nestes casos, há limites a serem observado, ou seja, quando se tratar de serviços ou compras, o limite é de até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos (§ 1º do
Com relação as alterações unilaterais, deve-se registrar que, havendo aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial, consoante § 6º do art. 65.
Isso porque no momento em que é firmado o contrato, surge uma equação econômico-financeira que expressa a correspondência entre os serviços prestados e a retribuição financeira, equação esta que deve ser mantida durante toda a execução do contrato.
Essa proteção jurídica assegurada pela obrigação de manter o equilíbrio econômico-financeiro permite a adequação do contrato a qualquer tempo, não havendo prazo mínimo e deve ocorrer sempre que houver rompimento da equação inicial.
Se por um lado a Lei permite que os contratos firmados sejam unilateralmente modificados pela Administração Pública, em claro acolhimento do Princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, por outro prevê modificações em razão de modificação da equação econômica e financeira fixada entre a prestação e a contraprestação, estabelecendo a constante e obrigatória manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicialmente pactuado.
Essas modificações contratuais por acordos das partes poderão ocorrer quando conveniente a substituição da garantia de execução; necessidade de modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento, em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; e quando necessária a modificação da forma de pagamento.
Nesta última hipótese, a alteração deve estar calcada numa imposição de circunstâncias supervenientes, devendo-se manter o valor inicial atualizado, sendo, também, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço (inciso, II, alínea c).
Outra modificação contratual permitida pela legislação é aquela motivada pela necessidade de se restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento.
Essa hipótese, assim como aquela prevista no § 6º do art. 65, visto linhas acima, também tem como objetivo a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, e, nesta hipótese, somente se permite quando ocorrerem fatos imprevisíveis, ou, se previsíveis, forem de consequências incalculáveis e retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual (inciso, II, alínea d).
Essa hipótese se justifica porque, se de um lado, o poder público objetiva contratar a proposta mais vantajosa, por outro, uma vez efetivada a contração, a execução do objeto contratado deve ocorrer mediante uma equação econômica financeira que corresponda a justa remuneração da obra ou serviço, não sendo lícito, portanto, que a administração exija a execução de um objeto contratado que imponha prejuízos àqueles com quem contrata.
Essa alteração é denominada de equilíbrio econômico financeiro do contrato e, como registrado, tem como fundamento a ocorrências de fatos supervenientes ao contrato, imprevistos, imprevisíveis ou previsíveis e, a toda evidência, com consequências originalmente não calculadas que alterem substancialmente o ajuste inicialmente firmado, conforme determina o art. 65, inciso II, da Lei de Licitações.
O Reequilíbrio Econômico-Financeiro do contrato, qual se evidencia, é figura excepcional, somente tendo cabimento na hipótese acima transcrita.
Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 2008 12º Edição. P. 717, Dialética), ao tratar do tema, enuncia:
“A equação econômico-financeira se delineia a partir da elaboração do ato convocatório. Porém, a equação se firma no instante em que a proposta é apresentada. Aceita a proposta pela Administração, está consagrada a equação econômico-financeira dela constante. A partir de então, essa equação está protegida e assegurada pelo direito”.
A outra forma de preservar o equilíbrio econômico financeiro dos contratos administrativos é o reajustamento, e não se confunde de forma alguma com o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato stricto sensu pois têm fundamentos distintos.
O reajustamento e tem como fundamento retratar a variação efetiva do custo de produção, nos termos do artigo 40 inciso XI da lei 8.666/93, e não é necessário a ocorrência de qualquer fato novo, ou seja, faz-se uma atualização relativo a período já decorrido dos preços pactuados, cujo objetivo é a recomposição dos custos dos serviços corroídos pela inflação, dentro dos índices esperados. A propósito, vejamos o dispositivo legal que cuida do assunto:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:
(...)
XI - critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a adoção de índices específicos ou setoriais, desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela.
No reajustamento dispensa-se aditivo contratual, podendo o reajuste ser feito por apostilhamento conforme autorização do artigo.
O reajustamento de preços, portanto, é um mecanismo que busca uma adequação financeira de modo que o contrato, com o decorrer do tempo, mantenha-se sempre equilibrado financeiramente e protegido contra a desvalorização provocada pela depreciação inflacionária.
CONCLUSÃO:
Portanto, do quanto visto linhas acima, o desejável seria que, uma vez licitado e contratada determinada obra ou serviço, a execução do objeto ocorresse tal qual o originalmente pactuado.
Todavia, nem sempre é o que ocorre, podendo contrato sofrer alterações nos termos da lei, sempre que sobrevier algum fato ou circunstância que reclame essa alterações.
Bibliografia:
(Licitações e contratos do Estado, 1999, Forense):
Cretella Júnior, José. Licitações e Contratos do Estado. 2a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
Fernandes, Jorge Ulisses Jacoby. O gestor do contrato e alterações das cláusulas contratuais. Fórum de Contratação e Gestão Pública – FCGP, Belo Horizonte, ano 4, n. 46, out. 2005.
Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativo, São Paulo: Editora Dialética 12º Ed, 2008.
Mello, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros Editores, 26ª Ed, 2007.
Pos-graduado em direito público pela UnB. Bacharel em direito pela Universidade de Fortaleza/UNIFOR. Vasta experiência na advocacia privada. Foi Defensor Público no Estado do Ceará após aprovação em Concurso Público. Foi também aprovado em concurso público para o cargo de Defensor Público da Defensoria Pública do Estado de Sergipe, não tendo assumido o cargo devido a aprovação para o mesmo cargo na Defensoria Pública do Estado do Ceará. Aprovado no Concurso Público para a Advocacia Geral da União para o cargo de Procurador Federal. Atualmente é Procurador Federal responsável pela coordenação de Consultoria da Procuradoria Geral Federal Especializada do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes/DNIT, na Cidade de Brasília/DF.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, José Alves de. Contratos Administrativos. Alterações possíveis e Equilíbrio Econômico Financeiro. Considerações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 abr 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39078/contratos-administrativos-alteracoes-possiveis-e-equilibrio-economico-financeiro-consideracoes. Acesso em: 27 dez 2024.
Por: Benigno Núñez Novo
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
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