Com vistas a atender os princípios da Seguridade Social descritos no artigo 194 da Constituição Federal de 1988, relativos à universalidade da cobertura e do atendimento e equidade na forma de participação no custeio, foi promulgada, em 05 de julho de 2005, a Emenda Constitucional nº 47, que entre outros temas, conferiu nova redação ao artigo 201 da CF/88, dispondo:
“Art. 201(...)
§ 12. Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo.
§ 13. O sistema especial de inclusão previdenciária de que trata o § 12 deste artigo terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social."
Seis anos após a emenda, foi editada a Medida Provisória nº 529/2011, que concedeu a possibilidade de recolhimento reduzido aos microempreendedores individuais. Na análise da referida Medida Provisória pelo Congresso Nacional, que acabou por ser convertida na Lei nº 12.470/2011, a benesse fiscal foi estendida também para uma nova classe de segurados então criada, os segurados facultativos de baixa renda.
Eis o quanto dispôs a lei em questão:
“Art. 21. A alíquota de contribuição dos segurados contribuinte individual e facultativo será de vinte por cento sobre o respectivo salário-de-contribuição. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999).
§ 2o No caso de opção pela exclusão do direito ao benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, a alíquota de contribuição incidente sobre o limite mínimo mensal do salário de contribuição será de: (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
I - 11% (onze por cento), no caso do segurado contribuinte individual, ressalvado o disposto no inciso II, que trabalhe por conta própria, sem relação de trabalho com empresa ou equiparado e do segurado facultativo, observado o disposto na alínea b do inciso II deste parágrafo; (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
II - 5% (cinco por cento): (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
b) do segurado facultativo sem renda própria que se dedique exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencente a família de baixa renda. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 3o O segurado que tenha contribuído na forma do § 2o deste artigo e pretenda contar o tempo de contribuição correspondente para fins de obtenção da aposentadoria por tempo de contribuição ou da contagem recíproca do tempo de contribuição a que se refere o art. 94 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, deverá complementar a contribuição mensal mediante recolhimento, sobre o valor correspondente ao limite mínimo mensal do salário-de-contribuição em vigor na competência a ser complementada, da diferença entre o percentual pago e o de 20% (vinte por cento), acrescido dos juros moratórios de que trata o § 3o do art. 5o da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996.
§ 4o Considera-se de baixa renda, para os fins do disposto na alínea b do inciso II do § 2o deste artigo, a família inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - CadÚnico cuja renda mensal seja de até 2 (dois) salários mínimos. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)
§ 5o A contribuição complementar a que se refere o § 3o deste artigo será exigida a qualquer tempo, sob pena de indeferimento do benefício. (gn)
A lei, portanto, traçou quatro condicionantes para o enquadramento do segurado como facultativo de baixa renda:
1 – Não possuir renda própria;
2 – ser considerado “do Lar”, isto é, exercer trabalho doméstico dentro de sua própria residência;
3 – ser de família cuja renda seja de até 2 salários-mínimos; e
4- Estar inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais – CadÚnico.
Na prática, para que haja a fruição dos efeitos dessa benesse fiscal, os recolhimentos feitos como facultativo de baixa renda passam por uma validação escalonada. Essa validação envolve a Receita Federal do Brasil, que cuida e administra os recolhimentos em Guia da Previdência Social - GPS, o Ministério do Desenvolvimento Social e combate à Fome, que gerencia do Cadastro Único de Programas Sociais do Governo Federal e o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, que concederá eventual benefício previdenciário.
A primeira forma de validação é a verificação objetiva da inscrição do beneficiário no denominado CadÚnico.
Nos termos do Decreto nº 6.135/2007, o Cadastro Único para Programas Sociais - CadÚnico é o instrumento de identificação e caracterização socioeconômica das famílias brasileiras de baixa renda, obrigatoriamente utilizado para seleção de beneficiários e integração de programas sociais do Governo Federal voltados ao atendimento desse público.
Estando confirmada a condição de inscrito no CadÚnico por parte do beneficiário, há a verificação do correto recolhimento da contribuições previdenciárias por intermédio da Guia da Previdência Social - GPS.
Como determina a Lei nº 12.470/2011, a alíquota da contribuição é de 5% (cinco por cento), calculado pelo salário-mínimo federal.
É importante destacar que esses recolhimentos só são validados após a checagem da inscrição do beneficiário no CadÚnico.
Nas hipóteses em que houve o recolhimento de contribuição previdenciária como facultativo de baixa renda, o segurado dispõe de duas opções: Pedir a restituição dos valores recolhidos perante da Receita Federal ou recolher uma diferença de 6% (seis por cento) do salário-mínimo federal para se igualar aos segurados facultativos convencionais.
Cumprida as duas etapas precedentes, vale dizer, confirmação de inscrição no CadÚnico e efetivo recolhimento da contribuição pós inscrição, esses recolhimentos passam a constar no Cadastro Nacional de Informações Sociais - CNIS, sistema esse que registra, entre outros dados, os recolhimentos efetivados para fins de apuração da qualidade de segurado e carência.
Quando o segurado facultativo de baixa renda requer algum dos benefícios a que faz jus essa classe de segurados, inicia-se as verificações relativas à questão da aferição da renda pessoal e familiar do interessado, bem como a configuração do mesmo como “Do Lar”.
Essas verificações são feitas levando em conta as informações repassadas ao INSS por empresas e pelos próprios contribuintes, mais especificamente por declarações de cunho tributário entregues às autoridades fazendárias.
Nessa etapa são analisados dados de GFIP, GPS, DARF e RAIS, que indicam se o segurado possuía ou possui vínculo empregatício, se foi ou é prestador de serviço e se obteve ou não renda em concomitância com o recolhimento reduzido de 5%.
Todas essas verificações precisam também ser feitas com todos os membros componentes do grupo familiar a fim de identificar se a família possui renda até dois salários-mínimos.
As Agências da Previdência Social também devem analisar se a pessoa interessada possui Carteira de Trabalho, bem como deve analisar outros documentos relativos a pessoa requerente do benefício, com vistas a caracterizá-la com segurança como real destinatária da cobertura previdenciária em questão.
Não se encontrando vínculos empregatícios para o segurado, nem a indicação de que o mesmo realize ou realizou atividade econômica remunerada, presume o INSS a condição de “Do Lar” do interessado.
Cumprida todas as exigências legais, poderá o segurado usufruir dos seguintes benefícios pagos pela Previdência Social: aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez, auxílio-doença, salário-maternidade, pensão por morte e auxílio-reclusão.
Para finalizar, todavia, é importante tecer dois comentários sobre a definição dos destinatários do benefício, ou seja, o segurado que exerça a atividade de “do Lar”.
Primeiramente, vale registrar que “do Lar” não se confunde com empregados domésticos.
Como se percebe pela leitura do artigo 21, inciso II, alínea “b” da Lei nº 8.212/91, houve a restrição ao benefício para os segurados que não possuem renda e que trabalham exclusivamente dentro da sua própria casa, ocupando-se das nobres, mas poucos valorizadas atividades de cozinhar, limpar o lar, lavar e passar roupas e cuidar dos filhos, entre tanto outros afazeres.
Essa classe de segurado diferem-se radicalmente dos empregados domésticos, visto que estes, apesar das similaridades de funções, exercem atividade remunerada, com vínculo empregatício e, via de regra, na casa de seus empregadores. Pertencem, pois, a outra classe de segurados, vale dizer, a dos segurados obrigatórios da Previdência Social.
Outro ponto que merece atenção é acerca de eventual restrição de gênero do beneficiário. Teria a lei limitado esse benefício apenas às mulheres?
Apesar de toda a abordagem feminista dada a questão pelo Governo Federal, não há restrição legal acerca da fruição do benefício por homens, desde que esses atendam, por óbvio, a todas as exigências legais.
Ademais, diante da igualdade de gênero prevista no texto constitucional, em seu artigo 5ª, reforçada pela isonomia dispensada no artigo 201, parágrafo 12, essa restrição obviamente seria violadora de direitos e garantias fundamentais e jamais prevaleceria.
Assim, não obstante a prática mostrar que esses benefícios irão beneficiar mais as mulheres que, até hoje, exercem em maior proporção a condição de donas de casa, não há impedimentos algum para os homens dedicados exclusivamente ao lar, sendo possível a eles usufruir da benesse fiscal e previdenciária.
De todo exposto, nota-se que a criação da classe de segurado facultativo de baixa renda foi um importante avanço no sentido da ampliação da cobertura previdenciária em nosso país. A alteração normativa permitiu abranger um nicho da população que, por uma série de fatores culturais e econômico, encontra bastante dificuldade de inserção no mercado de trabalho e, portanto, de gozar de proteção previdenciária.
O instituto, desde que não desnaturado por futuras legislações ou mesmos por assistencialismo judicial, travestido de um inconstitucional pseudoativismo de toga, pode ser uma forma de dar condição digna para considerável parte da população carente de nosso país.
Procuradora Federal atuante na Procuradoria-Seccional Federal em Santos. Exerceu a chefia de divisão de ações prioritárias, bem como a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos, ambas da Procuradoria-Geral Federal; atuou como tutora do Curso de Especialização em Direito Público da Universidade de Brasília-UNB/CEAD em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União-EAGU e pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Carina Bellini. Segurado Facultativo de Baixa Renda: linhas gerais sobre a nova classe de segurado criada pela Lei nº 12.470/2011 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39083/segurado-facultativo-de-baixa-renda-linhas-gerais-sobre-a-nova-classe-de-segurado-criada-pela-lei-no-12-470-2011. Acesso em: 23 dez 2024.
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