I) Introdução
Há algum tempo tem sido discutida, no Poder Judiciário, a questão atinente à aplicabilidade do artigo 20, da Lei nº 10.522/2002, aos créditos das autarquias e fundações públicas federais.
Tal celeuma até então instaurada prejudicava o prosseguimento das execuções fiscais ajuizadas por tais entes públicos, na medida em que alguns juízos vinham aplicando referido dispositivo legal para determinar o arquivamento do feito sem baixa na distribuição, o que inviabilizava a cobrança do crédito até a superação do piso estabelecido naquele preceito.
Foi necessário, então, que o Superior Tribunal de Justiça, enquanto órgão responsável pela interpretação definitiva da legislação infraconstitucional, consolidasse seu entendimento a respeito do assunto por meio do Recurso Especial nº 1.343.591, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 543-C, do Código de Processo Civil.
A decisão proferida pelo STJ afigura-se bastante relevante para a pretensão executiva das autarquias e fundações públicas federais, permitindo o prosseguimento da cobrança judicial dos mais diversos créditos de sua titularidade e que, muitas vezes, ficavam aguardando o julgamento de recursos nos Tribunais em face de decisões de primeiro grau que determinavam o arquivamento sem baixa das execuções fiscais.
II) Desenvolvimento
Dispõe o artigo 20, da Lei nº 10.522/2002, que:
“Art. 20. Serão arquivados, sem baixa na distribuição, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, os autos das execuções fiscais de débitos inscritos como Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
§ 1o Os autos de execução a que se refere este artigo serão reativados quando os valores dos débitos ultrapassarem os limites indicados.
§ 2o Serão extintas, mediante requerimento do Procurador da Fazenda Nacional, as execuções que versem exclusivamente sobre honorários devidos à Fazenda Nacional de valor igual ou inferior a R$ 1.000,00 (mil reais).
§ 3o O disposto neste artigo não se aplica às execuções relativas à contribuição para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço.
§ 4o No caso de reunião de processos contra o mesmo devedor, na forma do art. 28 da Lei no 6.830, de 22 de setembro de 1980, para os fins de que trata o limite indicado no caput deste artigo, será considerada a soma dos débitos consolidados das inscrições reunidas.”
Há entendimento anterior do Superior Tribunal de Justiça no sentido da aplicabilidade do art. 20, da Lei nº 10.522/2002, aos créditos dos Conselhos de Fiscalização Profissional, conforme ementa a seguir transcrita:
“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA. EXECUÇÃO FISCAL. DÉBITO INFERIOR A R$ 10.000, 00. ARQUIVAMENTO DO FEITO, SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. AGRAVO IMPROVIDO.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.111.982/SP, Relator Ministro Castro Meira, publicado no DJe de 25/5/2009, submetido à sistemática do artigo 543-C do Código de Processo Civil (recursos repetitivos), firmou o entendimento de que a execução fiscal relativa a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) deve ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição, devendo ser reativados se os valores dos débitos vierem a ultrapassar tal limite, como resulta da letra do artigo 20 da Lei nº 10.522/2002.
2. Agravo regimental improvido.” (STJ. 1ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 945.488/SP. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Publicado no DJ de 26/11/09).
A partir da análise do inteiro teor da referida decisão, é possível entrever que o ministro relator consignou a aplicação indiscriminada de tal entendimento às autarquias e fundações públicas federais:
“Averbe-se, em remate, que o dispositivo legal invocado aplica-se às autarquias tais como a ora recorrente, como se depreende, ad exemplum, das recentes decisões monocráticas proferidas nesta Corte Superior de Justiça, todas envolvendo Conselhos Regionais de atividades profissionais: REsp nº 1.160.789/SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, in DJe 29/10/2009; REsp nº 1.039.881/SP, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 4/3/2009; REsp nº 1.089.568/SP, Relator Ministro Castro Meira, in DJe 18/2/2009; REsp nº 1.003.174/SP, Relator Ministro Humberto Martins, in DJe 15/4/2008; REsp nº 1.039.528/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, in DJe 14/4/2008 e REsp nº 969.369/SP, Relator Ministro José Delgado, in DJ 30/8/2007” (STJ. 1ª Turma. AgRg no AgRg no REsp 945.488/SP. Rel. Min. Hamilton Carvalhido. Publicado no DJ de 26/11/09).
No mesmo sentido, há entendimento dos Tribunais Regionais Federais, conforme excertos a seguir colacionados, dentre outros:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. DÉBITO DE PEQUENO VALOR. ARQUIVAMENTO DO FEITO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO (LEI Nº 10.522/2002, ART. 10). AUTARQUIAS. APLICABILIDADE. ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL PACIFICADA.
I – A orientação jurisprudencial já consolidada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça, inclusive, sob o regime de recursos repetitivos, é no sentido de que “as execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei 10.522/02, com a redação conferida pelo artigo 21 da Lei 11.033/04” (REsp 1111982/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009), aí inseridas os executivos fiscais movidos pelas autarquias federais, como no caso.
II – Encontrando-se a decisão agravada em sintonia com esse entendimento, poderá o Relator negar seguimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do CPC.
III – Agravo regimental desprovido.” (TRF-1. 8ª Turma. AGA 0063073-29.2010.4.01.0000/TO. Rel. Des. Fed. Souza Prudente. Publicado no DJ de 15/04/2011).
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. MULTA ADMINISTRATIVA. IBAMA. REMISSÃO. LEI Nº 11.941/09. PEQUENO VALOR. ARQUIVAMENTO DO FEITO, SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. JULGAMENTO PELO STJ SOB OS AUSPÍCIOS DO RECURSO REPETITIVO. EXTENSÃO DO ENTENDIMENTO ÀS AUTARQUIAS. PRECEDENTES DESTA CORTE. 1. A sentença reconheceu, ex officio, a remissão do débito (art. 14 da Lei nº 11.941/09) e extinguiu a execução fiscal (art. 794, II, do CPC). 2. "O débito de natureza não tributária, embora de titularidade do IBAMA, por ser inscrito em Dívida Ativa da União pelo IBAMA e cobrado em execução fiscal, é considerado como crédito da Fazenda Pública, pois o IBAMA é autarquia federal, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, integrante do Poder Executivo Federal" (AC 544105/SE, Rel. Des. Federal Francisco Barros Dias, DJe 26/07/2012). 3. O colendo STJ (REsp nº 1111982/SP, em recurso repetitivo), decidiu que "as execuções fiscais relativas a débitos iguais ou inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) devem ter seus autos arquivados, sem baixa na distribuição. Exegese do artigo 20 da Lei 10.522/02, com a redação conferida pelo artigo 21 da Lei 11.033/04". 4. Os Conselhos Profissionais, por serem autarquias federais, gozam dos privilégios e das vantagens concedidas à Fazenda Pública (art. 8º da LEF), possuindo prerrogativa de executar judicialmente os seus créditos, nos moldes da Lei nº 6.830/80. Aos referidos Conselhos aplica-se o disposto no art. 20 da Lei n° 10.522/2002. 5. A Primeira Turma do colendo STJ estendeu a aplicação do aludido dispositivo legal aos Conselhos de Fiscalização Profissional: ‘Averbe-se, em remate, que o dispositivo legal invocado [art. 20 da Lei n° 10.522/2002] aplica-se às autarquias tais como a ora recorrente, como se depreende, ad exemplum, das recentes decisões monocráticas proferidas nesta Corte Superior de Justiça, todas envolvendo Conselhos Regionais de atividades profissionais: REsp 1.160.789/SP, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, in DJe 29/10/2009; REsp 1.039.881/SP, Relator Ministro Luiz Fux, in DJe 4/3/2009; REsp 1.089.568/SP, Relator Ministro Castro Meira, in DJe 18/2/2009; REsp 1.003.174/SP, Relator Ministro Humberto Martins, in DJe 15/4/2008; REsp 1.039.528/SP, Relator Ministro Francisco Falcão, in DJe 14/4/2008 e REsp 969.369/SP, Relator Ministro José Delgado, in DJ 30/8/2007’ (voto no AgRg no AgRg no REsp 945488/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJe 26/11/2009). 6. Precedentes desta Corte Regional. 7. Tratando-se, portanto, de execução fiscal de crédito inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), o feito de ser arquivado, sem baixa na distribuição, com fundamento no art. 20 da Lei nº 10.522/2002. 8. Apelação parcialmente provida para apenas determinar que os autos fiquem arquivados, porém sem baixa na distribuição.” (TRF-5. 3ª Turma. AC 543081. Autos nº 00026231720124059999. Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro. Publicado no DJ de 11/10/2012).
Contudo, tal entendimento não merece prosperar, conforme os fundamentos delineados a seguir.
De imediato, não se pode confundir a União com as autarquias e fundações públicas federais, entes estes integrantes da Administração Indireta.
O dispositivo legal em comento não engloba indiscriminadamente todos os créditos pertencentes à Fazenda Pública Federal, mas apenas aqueles referentes à Fazenda Nacional, inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.
A expressão Fazenda Nacional abrange apenas a União, enquanto a Fazenda Pública possui acepção mais ampla, abarcando todas as pessoas jurídicas de direito público[1], conforme o art. 41, do Código Civil:
“Art. 41. São pessoas jurídicas de direito público interno:
I - a União;
II - os Estados, o Distrito Federal e os Territórios;
III - os Municípios;
IV - as autarquias, inclusive as associações públicas;
V - as demais entidades de caráter público criadas por lei.
Parágrafo único. Salvo disposição em contrário, as pessoas jurídicas de direito público, a que se tenha dado estrutura de direito privado, regem-se, no que couber, quanto ao seu funcionamento, pelas normas deste Código.”
Assim, se o legislador infraconstitucional delimitou a aplicabilidade do art. 20, da Lei nº 10.522/2002, aos créditos inscritos em dívida ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, não caberia ao intérprete aplicar analogicamente esse dispositivo para os créditos das autarquias e fundações públicas federais.
Especificamente quanto à impossibilidade de extinção de ações de pequeno valor sob o fundamento de que se trata de uma faculdade da Administração Pública, o Superior Tribunal de Justiça já havia consolidado seu entendimento, conforme dicção da súmula nº 452, que assim prevê:
“A extinção das ações de pequeno valor é faculdade da Administração Federal, vedada a atuação judicial de ofício.”
Esse entendimento sumulado não se aplica à situação objeto de estudo, pois o art. 20, da Lei nº 10.522/2002, trata da possibilidade de arquivamento da execução fiscal, sem baixa na distribuição, até que o crédito exequendo suplante o piso de R$ 10.000,00 (dez mil reais), ao passo que o verbete supratranscrito se refere especificamente à extinção de ações de pequeno valor.
Por certo, não cabe ao Poder Judiciário substituir a Administração Pública na avaliação da conveniência e oportunidade de promover a cobrança judicial dos seus créditos, não se justificando, sob qualquer enfoque, a aplicação do art. 20, da Lei nº 10.522/2002.
Ao se admitir a aplicação analógica desse preceito legal, o Poder Judiciário imiscuiria em esfera de competência absolutamente estranha à função judicante, ofendendo, desse modo, o princípio da separação de poderes, tão caro ao Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, a natureza da regra inserta no art. 20, da Lei nº 10.522/2002, acarreta a conclusão de que esse dispositivo legal deve ser interpretado restritivamente, não se devendo cogitar de sua aplicação aos entes da Administração Pública Federal Indireta.
A respeito da inaplicabilidade do art. 20, da Lei nº 10.522/2002, às autarquias e fundações públicas federais, colacionam-se alguns precedentes a seguir:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. PEQUENO VALOR. ARQUIVAMENTO DO FEITO SEM BAIXA NA DISTRIBUIÇÃO. AUTARQUIAS. APLICAÇÃO DO ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. IMPOSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO LITERAL. ART. 111, I, CTN. 1.A norma que veicula benefício fiscal deve ser interpretada restritivamente (art. 111, I, do CTN). 2.A norma do art. art. 20 da Lei n. 10.522/2002 prevê arquivamento sem baixa na distribuição de débitos cobrados em execução fiscal pela Procuradoria da Fazenda Nacional de valor inferior a R$ 10.000,00 e tal disposição não alcança débitos cobrados pelas autarquias federais. Precedente. 3.Agravo de instrumento provido.” (TRF-1. 8ª Turma. AG 200901000648096. Rel. Juiz Federal conv. Cleberson José Rocha. Publicado no DJ de 06/05/2011).
“ADMINISTRATIVO. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. REQUISITOS DA LEI Nº 6.830/80 PREENCHIDOS. INOCORRÊNCIA DE CERCEAMENTO DE DEFESA. CAUSA DE PEQUENO VALOR. LEI Nº 9.464/97 E LEI Nº 10.522/2002. I. Os embargos à execução têm natureza jurídica de ação incidental, cujo objetivo é a desconstituição parcial ou total do título executivo e, tendo a Certidão de Dívida Ativa presunção de certeza e liquidez, nos precisos termos do art. 3º, da Lei 6.830/80, incumbe ao embargante o ônus da prova, no tocante à desconstituição do título executivo. II. A partir do exame na Certidão da Dívida Ativa é nitidamente possível identificar cada item da exigência legal de inscrição do débito (artigo 2º, parágrafo 6º, da LEF), não se vislumbrando nos presentes autos, vício que possa levar a nulidade processual. III. Não há que se falar em cerceamento de defesa, quando observado o devido processo legal. IV. A Lei nº 9.469/97 não autoriza ao Judiciário a extinguir o processo nas causas de valor inferior a R$ 1.000,00 (mil reais), porém condiciona a extinção à autorização do Advogado-Geral da União ou dos dirigentes máximos das autarquias, das fundações e das empresas públicas federais. V. A Lei 10.522/2002, que impõe o arquivamento sem baixa na distribuição de execuções fiscais de débitos inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais), aplica-se apenas a Divida Ativa da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, o que não é o caso dos autos, cujo exequente é o IBAMA. VI. Apelação improvida.” (TRF-5. 4ª Turma. AC 499.930. Autos nº 200983080017025. Rel. Des. Fed. Margarida Cantarelli. Publicado no DJ de 15/07/2010).
A controvérsia jurisprudencial instaurada, além de causar insegurança jurídica, prejudicava o prosseguimento das execuções fiscais ajuizadas pelos entes da Administração Pública Federal Indireta, na medida em que alguns juízos vinham aplicando o dispositivo legal em comento para determinar o arquivamento do feito, sem baixa na distribuição, o que inviabilizava a cobrança do crédito até a superação do piso estabelecido naquele preceito, em patente prejuízo aos cofres das autarquias e fundações públicas federais.
Dada a divergência instaurada nos tribunais pátrios, foi necessária, então, a definição da celeuma no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do Recurso Especial nº 1.343.591, julgado sob o rito do art. 543-C, do Código de Processo Civil, assim decidiu:
“DIREITO PÚBLICO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. EXECUÇÃO FISCAL. ARQUIVAMENTO. ART. 20 DA LEI N. 10.522/2002. IBAMA. AUTARQUIA FEDERAL. PROCURADORIA-GERAL FEDERAL. INAPLICABILIDADE.
1. Ao apreciar o Recurso Especial 1.363.163/SP (Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 30/9/2013), interposto pelo Conselho Regional de Corretores de Imóveis do Estado de São Paulo - CRECI - 2ª Região, a Primeira Seção entendeu que a possibilidade de arquivamento do feito em razão do diminuto valor da execução a que alude o art. 20 da Lei n. 10.522/2002 destina-se exclusivamente aos débitos inscritos como Dívida Ativa da União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.
2. Naquela assentada, formou-se a compreensão de que o dispositivo em comento, efetivamente, não deixa dúvidas de que o comando nele inserido refere-se unicamente aos débitos inscritos na Dívida Ativa da União pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional ou por ela cobrados, de valor consolidado igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais).
3. Não se demonstra possível, portanto, aplicar-se, por analogia, o referido dispositivo legal às execuções fiscais que se vinculam a regramento específico, ainda que propostas por entidades de natureza autárquica federal, como no caso dos autos.
4. Desse modo, conclui-se que o disposto no art. 20 da Lei n. 10.522/2002 não se aplica às execuções de créditos das autarquias federais cobrados pela Procuradoria-Geral Federal.
5. Recurso especial provido para determinar o prosseguimento da execução fiscal. Acórdão submetido ao regime estatuído pelo art. 543-C do CPC e Resolução STJ 8/2008.” (STJ. 1ª Seção. REsp 1.343.591/MA. Rel. Min. Og Fernandes. Publicado no DJ de 18/12/2013).
No que tange aos Conselhos de Fiscalização Profissional, o Superior Tribunal de Justiça já havia firmado entendimento, sob o rito do art. 543-C, do CPC, no sentido da inaplicabilidade do art. 20, da Lei nº 10.522/2002 para aquelas entidades, conforme ementa a seguir:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. CONSELHOS DE FISCALIZAÇÃO PROFISSIONAL. DÉBITOS COM VALORES INFERIORES A R$ 10.000,00. ARQUIVAMENTO SEM BAIXA. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGO 20, DA LEI 10.522/02. INAPLICABILIDADE. LEI 12.514/11. PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO, SUJEITO AO REGIME DO ARTIGO 543-C, DO CPC.
1. Recurso especial no qual se debate a possibilidade de aplicação do artigo 20 da Lei 10.522/02 às execuções fiscais propostas pelos Conselhos Regionais de Fiscalização Profissional.
2. Da simples leitura do artigo em comento, verifica-se que a determinação nele contida, de arquivamento, sem baixa, das execuções fiscais referentes aos débitos com valores inferiores a R$ 10.000,00 (dez mil reais) destina-se exclusivamente aos débitos inscritos como dívida ativa da União, pela Procuradoria da Fazenda Nacional ou por ela cobrados.
3. A possibilidade/necessidade de arquivamento do feito em razão do valor da execução fiscal foi determinada pela Lei 10.522/02, mediante critérios específicos dos débitos de natureza tributária cuja credora é a União, dentre os quais os custos gerados para a administração pública para a propositura e o impulso de demandas desta natureza, em comparação com os benefícios pecuniários que poderão advir de sua procedência.
4. Não há falar em aplicação, por analogia, do referido dispositivo legal aos Conselhos de Fiscalização Profissional, ainda que se entenda que as mencionadas entidades tenham natureza de autarquias, mormente porque há regra específica destinada às execuções fiscais propostas pelos Conselhos de Fiscalização Profissional, prevista pelo artigo 8º da Lei n. 12.514/2011, a qual, pelo Princípio da Especialidade, deve ser aplicada no caso concreto.
5. A submissão dos Conselhos de fiscalização profissional ao regramento do artigo 20 da Lei 10.522/02 configura, em última análise, vedação ao direito de acesso ao poder judiciário e à obtenção da tutela jurisdicional adequada, assegurados constitucionalmente, uma vez que cria obstáculo desarrazoado para que as entidades em questão efetuem as cobranças de valores aos quais têm direito.
6. Recurso especial provido. Acórdão sujeito ao regime do artigo 543-C, do CPC.” (STJ. 1ª Seção. REsp 1.363.163/SP. Rel. Min. Benedito Gonçalves. Publicado no DJ de 30/09/2013).
Não se pode desconsiderar as especificidades de várias autarquias e fundações públicas federais, em relação as quais, inobstante possuam créditos abaixo do piso estipulado pelo art. 20, da Lei nº 10.522/2002, a cobrança de tais valores afigura-se de suma importância para a consecução de suas atividades.
Em outros casos, tem-se que os créditos de tais entes da Administração Indireta decorrem de multas aplicadas no exercício de poder de polícia, as quais possuem relevante caráter punitivo e pedagógico, o que justifica a estipulação de pisos próprios de cobrança para as autarquias e fundações públicas federais, respeitando-se, deste modo, as suas peculiaridades.
Nesse sentido, é de bom alvitre mencionar que a Lei nº 9.469/97 autoriza a dispensa de cobrança de créditos de pequeno valor da União e das autarquias e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração e cobrança, ressalvados justamente os créditos consubstanciados em Dívida Ativa da União e os processos em que a União seja autora, ré, assistente ou opoente cuja representação judicial seja atribuída à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, como se extrai do seu artigo 1º-A:
“Art. 1º-A. O Advogado-Geral da União poderá dispensar a inscrição de crédito, autorizar o não ajuizamento de ações e a não-interposição de recursos, assim como o requerimento de extinção das ações em curso ou de desistência dos respectivos recursos judiciais, para cobrança de créditos da União e das autarquias e fundações públicas federais, observados os critérios de custos de administração e cobrança.
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica à Dívida Ativa da União e aos processos em que a União seja autora, ré, assistente ou opoente cuja representação judicial seja atribuída à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.”
A aludida autorização legal trata-se de típico poder discricionário, cuja regulamentação compete ao Advogado-Geral da União que, por sua vez, editou a Portaria AGU nº 377/2011, na qual restou previsto, no caso das autarquias e fundações públicas federais, que:
“Art. 3º. Os órgãos da Procuradoria-Geral Federal ficam autorizados a não efetuar a inscrição em dívida ativa, a não propor ações, a não interpor recursos, assim como a desistir das ações e dos respectivos recursos, quando o valor total atualizado de créditos das autarquias e fundações públicas federais, relativos a um mesmo devedor, for igual ou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais).
§1º. A autorização prevista no caput não se aplica aos créditos originados de multas decorrentes do exercício do poder de polícia, hipóteses nas quais o limite referido será de R$ 500,00 (quinhentos reais).
§2º. A exceção prevista no §1º somente se aplicará enquanto a Procuradoria-Geral Federal não tiver concluído a implantação de outros procedimentos e diligências extrajudiciais destinados à cobrança e recuperação do crédito, nos termos de regulamentação própria.
§3º. Não deverão ser ajuizadas execuções fiscais para cobrança de créditos abaixo dos limites previstos no caput e, enquanto aplicável, no § 1º.
§4º. Para fins de cálculo dos limites estabelecidos no caput e no §1º, incluem-se os valores devidos a título de encargos legais.
§5º. O disposto neste artigo não se aplica à representação da União delegada à Procuradoria-Geral Federal nos termos do inciso II do §3º do art. 16 da Lei nº 11.457, de 16 de março de 2007, caso em que será observado o disposto em ato próprio do Ministro da Fazenda.”
Assim, foi conferida autorização à Procuradoria-Geral Federal para não efetuar a inscrição em dívida ativa, não propor ações, não interpor recursos, assim como desistir das ações e dos respectivos recursos, quando o valor total atualizado de créditos das autarquias e fundações públicas federais, relativos a um mesmo devedor, for igual ou inferior a R$ 5.000,00 (cinco mil reais), salvo se o crédito for originado de multa decorrente do exercício do poder de polícia, hipótese na qual o limite referido será de R$ 500,00 (quinhentos reais).
III) Conclusão
Muito se discutiu no âmbito do Poder Judiciário a respeito da aplicabilidade do artigo 20, da Lei nº 10.522/2002, aos créditos das autarquias e fundações públicas federais.
O entendimento jurisprudencial ora consagrava a aplicação do aludido dispositivo legal aos entes da Administração Pública Federal Indireta, ora inadmitia a utilização daquele preceito quando se tratasse de créditos das autarquias e fundações públicas federais.
O Superior Tribunal de Justiça, enquanto órgão responsável pela interpretação definitiva da legislação infraconstitucional, consolidou seu entendimento sobre o assunto nos autos do Recurso Especial nº 1.343.591, julgado sob a sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 543-C, do Código de Processo Civil, consignando a impossibilidade de aplicação do artigo 20, da Lei nº 10.522/2002, aos créditos das autarquias e fundações públicas federais, decisão esta que retrata uma interpretação mais consentânea com a ratio legis, conforme os fundamentos expostos acima.
IV) Referências bibliográficas
- ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 12ª edição. São Paulo: RT, 2009.
- CAMPOS, Gustavo Caldas Guimarães de. Execução Fiscal e Efetividade. 1ª Edição. Editora Quartier Latin, 2009.
- CUNHA, Leonardo José Carneiro. A Fazenda Pública em Juízo. 6ª ed., São Paulo: Dialética, 2008.
- PACHECO, José da Silva. Comentários à Lei de Execução Fiscal. 12ª Edição. Editora Saraiva, 2009.
- PORTO, Édson Garin. Manual de Execução Fiscal. 2ª Edição. Editora Livraria do Advogado, 2012.
Procurador Federal. Especialista em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Gustavo D' Assunção. A inaplicabilidade do artigo 20, da Lei Nº 10.522/2002, aos créditos das autarquias e fundações públicas federais à luz do entendimento do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 maio 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39094/a-inaplicabilidade-do-artigo-20-da-lei-no-10-522-2002-aos-creditos-das-autarquias-e-fundacoes-publicas-federais-a-luz-do-entendimento-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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