RESUMO: Este artigo objetiva analisar as relações entre o saber jurídico e o papel da universidade na construção de um conhecimento dialético através da ressignificação do espaço da sala de aula e do estudo formal. Ao longo da exposição abordaremos uma proposta que visa unir o saber teórico e o saber prático através de projetos que transformem o ensino jurídico e permitam ao estudante e futuro aplicador do direito o contato essencial com a comunidade e o desenvolvimento de capacidades fundamentais a um jurista como a sensibilidade.
Palavras-chave: universidade; estudo do direito; projetos de extensão; hermenêutica jurídica; direito achado na rua.
INTRODUÇÃO
Por que estudar direito? Em qual contexto ele deve se localizar? O direito deve ou não ser separado de outras formas do saber? Qual o papel da universidade? Como podemos descrever o perfil de um trabalhador do direito competente? Como reformular o estudo do direito? Essas são apenas algumas questões que merecem uma reflexão mais acurrada e que serão trabalhadas ao longo deste artigo.
DESENVOLVIMENTO
O estudo do direito nos dias de hoje é muito mais dinâmico do que no passado. Antigamente - e por antigamente não se exclui por total o atualmente - o direito era visto como estático e suas decisões, portanto, eram tidas como unívocas e incontestáveis. Sob esse ângulo, seria discutível, portanto, o papel da universidade na construção do conhecimento. Se o conhecimento fosse um saber “fechado” seria estranho pensar então no papel da universidade como o espaço primordial de movimentação, questionamento e (des)construção de ideias.
Hoje em dia, sabemos que o direito como um todo está inserido em um contexto muito maior do que apenas seu contexto normativo. Ele pressupõe uma pluralidade e se insere em um contexto social, moral, histórico, político, antropológico, etc. e deve ser analisado, levando-se em conta toda essa complexidade através de uma visão que abranja tudo o que o permeia. A compreensão em relação aos fatos concretos surge a partir do conhecimento da realidade baseado na análise dos fundamentos fornecidos pelas ciências afins. O estudo do direito pressupõe uma dialética entre o direito (“dever-ser”), e os fatos da vida (“como é”). O Direito aplicado seria a vivência dessa dialética.
Todos esses fatores que influenciam e que cercam o direito são essenciais para a construção de um saber critico que possua diversos ângulos de visão e não apenas um; um direito com possibilidade de diversas análises, aberto à plurissignificação. A hermenêutica jurídica, sob esse ponto de vista, adquire extrema importância. Kelsen classifica em seu texto “Teoria Pura do Direito” duas formas distintas de interpretação: a interpretação realizada pelos aplicadores do Direito e a realizada por pessoas privadas e, especificamente, pela ciência jurídica. Esta seria uma interpretação não autêntica na medida em que não cria Direito. Somente a interpretação feita pelos aplicadores do Direito seria, portanto, autêntica e verdadeiramente criadora de Direito. Kelsen também expõe sua opinião acerca dessa interpretação no seguinte fragmento (Kelsen, 1991, p. 245):
Quando o Direito é aplicado por um órgão jurídico, este necessita de fixar o sentido das normas que vai aplicar, tem de interpretar estas normas. A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo de aplicação do Direito.
Warat propõe que o conhecimento crítico do direito surge como uma tentativa de rever os valores epistemológicos relacionado às verdades dogmáticas. O Direito não deve ser somente razão e também não pode ser reduzido apenas às experiências. Ele deve evitar que a visão restrita apenas às experiências gerem um subjetivismo exacerbado; em contrapartida uma visão voltada unicamente para a razão cairia em uma ilusão juridica. Luís Alberto Warat explicita essa ideia quando faz a seguinte afirmação (Warat, 1993, p. 49):
É importante ressaltar que o deslocamento epistemológico não deve ser realizado nem pela supremacia da razão sobre a experiência, tampouco da experiência sobre a razão, mas sim, pelo primado da política sobre ambas. Portanto, a análise das verdades jurídicas exige a explicitação das relações de for;ca, que formam domínios de conhecimento e sujeitos como efeitos do poder e do próprio conhecimento.
O Direito positivista - sua redução apenas ao seu caráter normativo - vem sendo substituido por um Direito neoconstitucionalista em que os princípios são postos em primeiro lugar. A visão positivista do Direito torna-se perigosa e gera uma deficiência na medida em que a aplicação do direito passa a ser uma simples tipificação de casos. Esse problema é exemplificado por Bistra Stefanova através de uma parábola em que há a comparação entre um jurista e um médico, ambos mais interessados, segundo Bistra: “em tipificar fatos como doenças e crimes do que em entrar em contato com as verdadeiras preocupações dos 'pacientes'” (Apostolova, 1999) .
Uma das caracteristicas essenciais na formação, não digo só universitária como também humana, seria a habilidade de se posicionar no lugar de outra pessoa completamente diferente, sendo capaz de compreender suas motivações. Bistra sintetiza essa característica a partir da afirmação: “a habilidade de compreender a ação do outro pelo prisma da sua singularidade e diferença”(Apostolova, 1999). Bistra ressalta, ainda, a contribuição da literatura na formação de profissionais do direito na medida em que a leitura é capaz de desenvolver a habilidade de, por intermédio da fantasia, ser capaz de compreender e se emocionar tornando-se um profissional mais humano e, consequentemente, mais competente.
O Direito não está preso em uma redoma, e muito pelo contrário, está presente em diversas situações que vivenciamos no nosso dia-a-dia. A corrente jurídica do “Direito achado na rua” é extremamente válido e exemplifica o pluralismo jurídico em que as próprias normas da sociedade importam mais que as normas da Constituição. Nesse contexto de vivenciar outras realidades, torna-se extremamente pertinente a inserção de projetos de extensão no curriculo acadêmico. A possibilidade de imersão em um contexto social completamente diverso torna-se uma experiência ímpar tanto do ponto de vista do conhecimento quanto da transformação pessoal dos envolvidos. Essas experiências são capazes de gerar aptidões que se manteriam adormecidas dentro de uma sala de aula.
Os projetos de extensão contribuem para uma formação completa a partir do momento que o individuo torna-se capaz de enchergar os outros como seres igualmente capazes de contribuir para a formação do conhecimento, Através dessas experiências o participante passa a enchergar aquela realidade com uma visão crítica e sobre os vários ângulos que formam o todo.
Entretanto, esse tipo de projeto deve fugir da visão assistencialista que busca perpetuar a situação dos “assistidos”. O filme de Sergio Bianchi, “Quanto vale ou é por quilo”? retrata com muita clareza o mercado da filantropia que transforma os que deveriam ser “ajudados” em simples mercadorias. Darcy Ribeiro expressa ideia similar quando coloca que o discurso das classes dominantes, por diversas vezes, é também uma forma de manter o status quo e a miséria no Brasil (Darcy, 1986).
CONCLUSÃO
Pelo exposto, é indispensável a discussão a respeito do papel social da universidade. Todo o capital público investido em universidades espera ter um retorno através do conhecimento gerado pelos que ali estudam. Mas será que é só isso? Será que as oportunidades desiguais conferidas às pessoas não acabam afastando-as da universidade e contribuindo para a manutenção de um sistema injusto e do status quo? Essas são apenas algumas questões que nos levam a refletir novamente sobre o papel e influência da universidade na coletividade. A universidade também tem a função social para com aqueles que não tiveram a mesma oportunidade de compor esse grupo. Temos a responsabilidade de reverter parte do nosso conhecimento em prol da sociedade.
REFERÊNCIAS
LYRA FILHO, Roberto. Por que estudar Direito, hoje? Brasília: Edições Nair, 1984,04/04
RIBEIRO, Darcy. Universidade para quê? Brasília: Editoria Universidade de Brasília, 1986.
APOSTOLOVA, Bistra Stefanova. Perfil e Habilidades do Jurista: razão e sensiblidade. Notícia do Direito Brasileiro, Brasília, 1999.
WARAT, Luiz Alberto(1993): ‘O senso comum teórico dos Juristas’. Introdução Crítica ao Direito. Série Direito Achado na Rua(vo. 1). Brasília: UnB, pp.101-104
KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo, Martins Fontes, 1991(1960)
WARAT, Luiz Alberto; CABRIADA, Gustavo Perez. Os quadrinhos puros do direito. Impreso na Argentina por Angra Impresiones.
QUANTO VALE ou é por quilo? Direção: Sérgio Bianchi. Rio de Janeiro:
Agravo Produções Cinematográficas, Riofilme, 2005. 1 DVD (104 minutos).
Estudante de Direito na Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARRETTO, Fernanda Miranda e Silva Mattos. O papel da universidade e o saber crítico do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39114/o-papel-da-universidade-e-o-saber-critico-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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