INTRODUÇÃO
A criação das agências reguladoras marcou a implementação do Estado Regulador e tem origem muito no reconhecimento das deficiências do Estado tradicional em atender as demandas sociais. Neste artigo, será traçado um breve histórico do contexto norte americano que culminou no surgimento das agências reguladoras. Será retratada a desconfiança dos juristas gerada pela quebra de paradigma da concepção tradicional da separação dos poderes, acompanhada, por outro lado, da ampla aceitação dessas instituições independentes pela sociedade, cansada da burocracia que até então dava o tom da administração pública.
O SURGIMENTO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS
De início, é importante ter em mente que as agências reguladoras caracterizam-se por possuírem função híbrida, é dizer, ao mesmo tempo exercem a função executiva, normativa e judicial (julgamento dos processos administrativos, regidos pela Lei nº 9.784, de 1999).
Com efeito, pode-se afirmar que as agências reguladoras quebraram o paradigma da concepção tradicional da separação dos poderes, que trazia uma percepção estanque e rígida de funções atribuídas a cada poder. À medida que foram sendo criadas as agências reguladoras para cuidarem dos mais diversos campos dos serviços públicos no país – telefonia, energia elétrica, transportes terrestres, petróleo, etc. – o poder executivo, no caso, a administração direta, teve reduzido o seu campo de poder administrativo-executivo.
Historicamente, os Estados Unidos foram o primeiro país a criar instituições equivalentes às agências reguladoras, no início do século XIX. Mais especificamente, em 1887, o Interstate Commerce Act representou um marco para o começo de uma nova gestão pública naquele país. Isso porque, por meio dele, passou-se a fixar regras de práticas tarifárias das companhias ferroviárias, proibindo discriminações e abusos e especialmente, foi criada uma autoridade independente especial chamada Interstate Commerce Comission. Esta nova instituição criada por meio do ato citado, além do poder de criar regramentos, estava encarregada de executar as medidas por ela mesma criada e de regular o setor ferroviário, o que rompia, significativamente, com o paradigma clássico da separação dos poderes (ROSANVALLÓN, p: 119-122).
À época, o contexto histórico e social vivido nos Estados Unidos nos idos dos anos de 1880, de um Estado Federal fragilizado e em crise de legitimidade, levou à necessidade da criação de instituições fortes e autônomas ao poder executivo, para que passassem a administrar os serviços públicos essenciais à população, a exemplo do ferroviário. Ademais, havia a necessidade de que essa instituição criada fosse muito competente, a ponto de resolver as questões tarifárias do serviço, aprovar regras, e fixar normas, o que demandava um conhecimento técnico específico, o qual não detinha a administração pública (ROSANVALLÓN, p: 120). Nesse contexto, também se percebeu a necessidade de criação de regras mais maleáveis, com processo de edição e aprovação mais simples e célere, a ponto de atender mais imediatamente à demanda da sociedade, o que se contrapunha à realidade burocrática até então vigente na administração pública (ROSANVALLÓN, p: 123).
Pode-se dizer, assim, que a Interstate Commerce Comission serviu como verdadeiro modelo paradigmático ao surgimento de novas instituições independentes de regulação nos Estados Unidos, tais como a Federal Comunications Commission, a Securities and Exchange Comission e a National Labor Relations Board ((ROSANVALLÓN, p: 124). Em comum, essas instituições tinham as seguintes características: a subtração das pressões políticas, independência ao poder executivo, imparcialidade, capacidade de implementar políticas públicas, cuja duração ia além do período do mandato eletivo, e a adoção de medidas coerentes e técnicas, tendo em vista a composição por membros expertos, com conhecimento técnico (ROSANVALLÓN, p: 125).
Por apresentar tais características, a consequência foi a ampla aceitação dessas instituições independentes pela sociedade, cansada da burocracia que até então dava o tom da administração pública. Ademais disso, pode-se afirmar que historicamente a desconfiança no Poder Executivo, influenciado fortemente pela conjuntura e aspectos políticos e partidários, foi fundamental para o surgimento e ao desenvolvimento dessas novas autoridades (ROSANVALLÓN, p: 127).
Com efeito, o sucesso norte americano com a experiência das instituições independentes logo chegou à Europa, onde também foram criadas. Outrossim, a necessidade de regulação mais específica e técnica dos serviços públicos se espalhou por outros Estados, o que levou à criação das autoridades independentes em diferentes países, além dos Estados Unidos (ROSANVALLÓN, p: 125-126).
Contudo, a propagação dessas instituições levou invariavelmente ao questionamento de sua legitimidade, uma vez que eram compostas por membros não eleitos pelo povo, que não eram escolhidos pela sociedade, diferentemente do que acontecia na administração burocrática que antes predominava. Nesse ponto, importa destacar que desde a criação dessas autoridades de regulação nos Estados Unidos surgiu um questionamento acerca da constitucionalidade desses organismos. Elas foram surgindo e sendo criadas, sem que em paralelo a isso houvesse a devida teorização e conformação constitucional. A verdade é que, os constitucionalistas norte americanos as consideravam anomalias jurídicas, que não se enquadravam no ordenamento vigente (ROSANVALLÓN, p: 129).
De outra banda, os cidadãos se mostravam cada vez mais confiantes nas instituições independentes do que nos partidos políticos ou no Executivo para implementação de soluções em favor dos interesses sociais. Essas novas autoridades criadas se mostraram, perante a sociedade, mais objetivas e mais imparciais, o que afinal lhes conferia uma legitimidade maior que as autoridades eleitas. Nesse ponto, para ilustração e melhor compreensão, importa transcrever o seguinte trecho do texto “La legitimidad democrática”:
En un registro cercano, otras investigaciones destacaron que los ciudadanos claramente confiaban más en las asociaciones que en los partidos políticos para proponer soluciones a favor del interés general. Por su parte, los importantes trabajos de Tom Tyler en psicología social destacaron fuertemente la centralidad del comportamiento imparcial en la aprehensión social de la legitimidad de una administración. De esta manera, las instituciones percibidas como las más objetivas, las más imparciales si se quiere, son consideradas como las más aptas para servir al bien común. Esos datos permiten comprender que, aunque electas, las instancias pueden ser consideradas menos legítimas que otras que no fueron sometidas a la misma prueba de estabelecimiento. Esos hechos invitan precisar las razones por las cuales a las autoridades independientes se les puede reconocer un carácter intrínsecamente democrático. Sólo con esa condición la revolución silenciosa constituída por su desarrollo puede, en efecto, ser verdaderamente comprendida. (ROSANVALLÓN, p:133-134).
Com efeito, o que se extrai de mais relevante do texto supra transcrito é a legitimidade conferida às instituições independentes pelos próprios cidadãos, por meio de uma diferente perspectiva, que não aquela conhecida e institucionalizada por meio do processo eleitoral, mas sim decorrente da conduta imparcial e objetiva na prestação da administração.
Deste modo, se por um lado havia certa desconfiança diante do surgimento desses novos organismos da administração, por serem, até então, imprevistos nos ordenamentos jurídicos, de outro, havia a receptividade e a confiança da sociedade, que lhes conferia, em última análise, legitimidade.
CONCLUSÃO
O presente artigo traça um breve histórico do contexto norte americano que culminou no surgimento das agências reguladoras. Foi retratada a desconfiança dos juristas gerada pela quebra de paradigma da concepção tradicional da separação dos poderes, acompanhada, por outro lado, da ampla aceitação dessas instituições independentes pela sociedade, cansada da burocracia que até então dava o tom da administração pública.
Desde a criação das agências reguladoras nos Estados Unidos surgiu um questionamento acerca da constitucionalidade e da legitimidade desses organismos. Contudo, os cidadãos se mostravam cada vez mais confiantes nas instituições independentes do que no Executivo para implementação de soluções em favor dos interesses sociais. Essas novas autoridades criadas se mostraram perante a sociedade mais objetivas e mais imparciais, o que afinal lhes conferia uma legitimidade maior que as autoridades eleitas.
REFERÊNCIAS
ROSANVALLÓN, Pierre. La legitimidade democrática. Imparcialidad, reflexividad, proximidad. Buenos Aires: Manatial.
Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal Especializada da Anatel. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Júlia de Carvalho. O surgimento das Agências Reguladoras: breve histórico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39304/o-surgimento-das-agencias-reguladoras-breve-historico. Acesso em: 23 dez 2024.
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