Resumo: O presente trabalho visa a análise e o estudo de um instituto existente no nosso ordenamento jurídico pátrio em vigor, qual seja, a desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias. Portanto, serão observados os requisitos e as teorias que são hodiernamente sustentadas pela doutrina e pela jurisprudência brasileiras para a sua configuração. Serão também demonstrados os seus aspectos processuais, com a sua finalidade e objetivos, na sua efetiva aplicação ao caso concreto.
Pessoa Jurídica – Sociedades Empresárias - Personalidade Jurídica - Desconsideração – Teoria da Desconsideração - Aspectos Processuais – Direito Brasileiro.
Abstract: This paper aims to review and study by an institute in our existing legal system homeland in force, which is the disregard of legal personality of companies entrepreneurs. Therefore, the requirements are observed and the theories that are today sustained by the Brazilian doctrine and the case law for their configuration. They will also be demonstrated their procedural aspects, with its purpose and goals in its effective application to the case.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. PERSONALIDADE JURÍDICA DAS SOCIEDADES 3. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS 4. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA 4.1 CONCEITO 4.2 TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR 5. ASPECTOS PROCESSUAIS DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO 6. A DESCONSIDERAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 7. CONCLUSÃO 8. REFERÊNCIAS.
1. Introdução
Inicialmente, cumpre-se destacar, que, a personalidade é considerada a qualidade inerente da pessoa, seja ela física (natural) ou jurídica, que a torna titular de direitos e de obrigações, participante efetiva do ordenamento jurídico, autônomo e responsável pela prática de seus atos.
Por conseguinte, o instituto da pessoa jurídica é uma técnica de separação patrimonial. Os membros dela não são os titulares dos direitos e obrigações imputados à pessoa jurídica. Tais direitos e obrigações formam um patrimônio distinto do correspondente aos direitos e obrigações imputados a cada membro da pessoa jurídica.
A pessoa jurídica é um dos mais importantes institutos jurídicos já criados, porém, nem sempre atendeu às finalidades a que se destinava originalmente, quando de sua concepção. Tal fato gerou uma reação que permite excepcionalmente desconsiderar a sua personalidade jurídica e, assim, afastando sua autonomia patrimonial.
Neste contexto, a partir do registro na Junta Comercial competente, em um determinado Estado-Federado, dos atos constitutivos da pessoa jurídica que irá formar a sociedade empresária, verificamos o exato momento em que esta adquire a sua personalidade jurídica própria, assim, não confundindo seus deveres e suas obrigações com a dos seus sócios.
Portanto, como a personalidade da sociedade e do sócio não se confundem, os bens particulares dos sócios, em princípio, não respondem pelas dívidas adquiridas pela sociedade empresária.
Em contrapartida, apesar dos inúmeros progressos advindos da conjugação de esforços pelo homem na luta do crescimento e desenvolvimento de seus empreendimentos, a pessoa jurídica pode trazer malefícios que podem importar num elevado teor de dano.
Isso pode se dar de diversas formas, como verificamos no dia a dia, vez que a empresa jurídica pode ser fachada para atividades, no campo penal, como a lavagem de capitais ou a evasão de dívidas e nos demais campos do direito, dar margem a fraudes contra credores, simulações, constituição irregular de sociedade, atos jurídicos eivados de dolo, contratos leoninos, exploração da atividade econômica abrangendo atividades que envolvam o monopólio e o trust, além de dar ensejo a fugir da malha fina realizada pela Receita Federal.
Então, o abuso da personalidade jurídica é o uso da sua realidade para valer-se da proteção à personalidade jurídica dos sócios, pois os atos praticados pelo ente somente irão absorver os bens que integralizam o capital da pessoa jurídica, assim a personalidade funcionava como uma tutela à insolvência fraudulenta. Essa lacuna foi suprimida pela legislação e pela jurisprudência, abrangendo a responsabilização dos sócios quando gerarem fraudes a credores e danos em virtude de confusão patrimonial ou desvio de função.
É a partir daí que podemos verificar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias, também conhecida pela doutrina como a “Teoria da Penetração”, que visa a responsabilização patrimonial dos sócios, respondendo, portanto, diretamente com seus próprios bens em casos que praticou atos ilícitos em nome da pessoa jurídica.
2. Personalidade Jurídica das sociedades
O contrato de sociedade é celebrado entre pessoas quando elas desejarem obrigar-se reciprocamente para contribuir, com bens e serviços, para o exercício de atividade econômica, bem como partilharem, entre si, dos resultados.
A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos.
A aquisição da personalidade jurídica implica o começo da existência legal das pessoas jurídicas de direito privado. A personalidade capacita a pessoa jurídica para ser sujeito de direitos e obrigações, portanto, passando a ter personalidade distinta da de seus sócios.
Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, pela extensão dos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica para responder por certas e determinadas relações de obrigações, que nessa hipótese configura-se caso de desconsideração da personalidade jurídica.
A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica não deve redundar no fim da autonomia patrimonial das sociedades, adverte Luíza Rangel de Moraes (“A empresa no terceiro milênio – aspectos jurídicos”. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 69). O afastamento da personalidade jurídica só deve ser viabilizado quando restar provado o abuso em sua utilização, pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial, com o objetivo de alcançar os bens particulares dos sócios.
A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica dispensa a propositura de ação autônoma. Uma vez verificados os pressupostos de incidência, a desconsideração pode ser concedida incidentalmente no próprio processo de execução.
3. Sociedades empresárias
As sociedades empresárias nascem do encontro de vontade das pessoas que têm o interesse de constituí-las sendo assim chamadas doutrinariamente de "affectio societatis" (sociedade de pessoas), regidas pelo princípio de direito do "pactum est duorum consensus atque convenio" (o pacto é o consenso ou convenção de dois), bem como da pluralidade de sócios (para que haja uma sociedade deve haver mais de um sócio).
Porém, não é requisito único a vontade das pessoas de tornarem-se sócias devem, pois, elencar em um contrato escrito algumas determinações para levar este a registro, como visto anteriormente, a fim de regularizar a sociedade empresarial e valer-se da proteção legal.
Neste contexto o nosso ordenamento jurídico determina alguns requisitos de validade do contrato social, são eles : agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, itens estes elencados nos arts. 104 do Código Civil.
Assim, agente capaz será àquele que tiver pleno exercício de atividades civis, ou seja, na forma do Novo Código Civil será o maior de 18 (dezoito) anos. Ao menor há uma corrente jurisprudencial que permite a sua admissão como sócio desde que não tenha este poderes de administração ou gerência da sociedade, devendo, mais ser assistido ou representado, e, ainda, deverá sempre o menor ter sua quota de Capital totalmente integralizada.
Objeto lícito quer dizer que o ramo de atividade explorada pela sociedade empresária deve ser permitido pela lei, não se admite a constituição de sociedades empresárias para a exploração de atividade ilegal. Lembrando que além de lícito o objeto da sociedade empresária deve ser possível de determinação, não podendo, por exemplo, constituir-se uma sociedade empresária para a exploração comercial de coisas indeterminadas.
Por fim, quando o texto legal salienta a forma, quer retratar se o contrato sempre deverá ser escrito, porém poderá ser elaborado na forma de instrumento particular ou não, neste último caso, portanto, deverá ser elaborado na forma de instrumento público.
Além dos pressupostos mencionados que retratam a generalidade cabível a qualquer ato jurídico, são necessários outros tantos requisitos para a formalização da sociedade empresária, ou seja, todos os sócios devem participar da formação do capital social e a partilha do lucro ou prejuízo, que deve ser feita na forma pactuada no contrato social.
É da essência do contrato de constituição de sociedade empresária a participação nos lucros perdas por cada um dos sócios, sendo vedada a atribuição da totalidade a apenas um deles. Ocorrendo tal fato, estaremos diante de uma sociedade leonina.
O bojo do contrato social deverá prever as normais que disciplinarão a relação social das partes, onde todas as situações costumeiramente ocorridas numa relação social estejam previstas, não devendo, pois adotar-se contratos padronizados pois cada sociedade tem um aspecto de relacionamento social diverso da outra, devendo pois, manter-se as cláusulas obrigatórias e diligenciar diretamente com todos os sócios a discussão das demais cláusulas que regerão àquela união societária, até para minimizar as controvérsias e ainda, diminuir as constantes alterações contratuais.
Por fim, quanto a forma, o contrato social deve ser escrito, mormente por instrumento particular, podendo ser a empresa constituída por instrumento público, pela vontade das partes. Porém, há no Novo Código Civil a possibilidade de prova do mesmo por via testemunhal, ou outra prova pertinente, desde que prevista no nosso ordenamento jurídico pátrio.
4. Desconsideração da personalidade jurídica
A lei reconhece a pessoa jurídica como um importantíssimo instrumento para o exercício da atividade empresarial, não a transformando, porém num dogma intangível. A personalidade jurídica das sociedades deve ser usada para propósitos legítimos e não deve ser pervertida. Todavia, caso tais propósitos sejam desvirtuados, não se pode fazer prevalecer o dogma da separação patrimonial entre a pessoa jurídica e os seus membros.
Desvirtuada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio, o que leve a estender os efeitos das obrigações da sociedade. Assim, os sócios ficam inibidos de praticar atos que desvirtuem a função da pessoa jurídica, pois caso o façam não estarão sob o amparo da autonomia patrimonial.
Nesta esteira, ainda que as definições sejam perigosas, neste particular, é importante destacar uma, assim formulada: a desconsideração da personalidade jurídica é a retirada episódica, momentânea e excepcional da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, a fim de estender os efeitos de suas obrigações à pessoa de seus sócios ou administradores, com o fim de coibir o desvio da função da pessoa jurídica, perpetrada pelos mesmos.
4.1 Conceito
A pessoa jurídica é entendida na doutrina como o ente coletivo oriundo da reunião de pessoas, a que o Direito outorga personalidade jurídica, que lhe permite atuar na vida social como um novo sujeito de direitos.
Observa-se que a validade do instituto fica condicionada ao pressuposto do cumprimento do fim jurídico a que este se destina, de modo que se justifica a consideração deste instituto apenas enquanto dele se utilize corretamente.
Como artifício de obstaculizar as atividades de subversão dos fins para os quais se instituiu a pessoa jurídica, e no propósito de fortalecer o próprio instituto, foi concebida a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica. Através desta, permite-se que o Poder Judiciário despreze a autonomia patrimonial existente entre a sociedade e os sócios, responsabilizando-os pela obrigação assumida, sem, entretanto, afetar os interesses restantes que gravitam ao redor da pessoa jurídica.
Pode-se conceituar desconsideração da personalidade jurídica como o afastamento da personalidade jurídica de uma sociedade para buscar corrigir atos que atinjam-na, comumente em decorrência de manobras fraudulentas de um de seus sócios. Não se trata, porém, de suprimir, extinguir ou tornar nula a sociedade desconsiderada. Apresenta-se como uma fase momentânea ou casuística durante a qual a pessoa física do sócio pode ser alcançada, como se a pessoa jurídica não estivesse existindo.
Diz-se, então, que através da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica não se destrói a pessoa jurídica, que continua a existir, sendo desconsiderada apenas no caso concreto. Assim, a constituição da pessoa jurídica não produz efeitos apenas no caso em julgamento, permanecendo válida e inteiramente eficaz para todos os outros fins.
Assim, atualmente, desconsidera-se a personalidade jurídica para atingir o patrimônio pessoal de seus sócios quando a sociedade é utilizada como instrumento para a fraude e abuso de direito.
Diante do exposto, o objetivo da Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica é exatamente possibilitar a coibição da fraude, sem comprometer o próprio instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos de seus membros. Em outros termos, a teoria tem o intuito de preservar a pessoa jurídica e sua autonomia enquanto instrumentos jurídicos indispensáveis à organização da atividade econômica, sem deixar ao desabrigo terceiros vítimas de fraude.
4.2 Teoria Maior e Teoria Menor
A teoria maior da desconsideração da pessoa jurídica corrobora todos os assentamentos feitos até o momento, bem como consagra o princípio da autonomia patrimonial e defende o próprio instituto da pessoa jurídica, dando-lhe plena validade sempre que houver o devido respeito à legalidade
Em outras palavras, pela teoria maior o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela.
Assim é que, sem maiores delongas, pode-se afirmar que o Código Civil adotou essa teoria no tratamento do instituto, ao determinar, em seu artigo 50, a averiguação da existência de fraude e/ou abuso de direito, além das hipóteses de confusão patrimonial.
Não há que se falar em desconsideração da pessoa jurídica quando o sócio puder ser responsabilizado diretamente pelo dano causado, ou seja, quando a autonomia patrimonial não impede a imputação da responsabilidade do seu componente, não existe desconsideração.
A responsabilização, portanto, difere da desconsideração, pois, naquela não há sujeito oculto, cabendo ao próprio sócio e/ ou administrador responder pelo ato, enquanto, nesta, o beneficiário se oculta através da personificação da pessoa jurídica para atingir e imputar o ilícito à pessoa que, de fato, o praticou.
Além disso, é bom que se repita que a desconsideração da pessoa jurídica somente tem o condão de afastar a personalidade da mesma, sem causa extinção e/ou despersonalização lato sensu, e somente ocorre em relação ao sócio fraudador se assim puder se dividir os componentes da mesma.
Ou seja, acaso algum dos sócios tenha sido único responsável e beneficiário por uma das hipóteses de despersonalização, apenas contra ele será desconsiderada a pessoa jurídica para ter os bens diretamente atacados, sem que isso atinja, reflexamente, os demais sócios.
Por óbvio, a dificuldade concreta de se comprovar que somente parte do quadro societário foi responsável pela interposição da autonomia contratual com a finalidade de causar dano ou se beneficiar, acaba por tornar a possibilidade aventada muito ocasional.
Ainda dentro dos limites da teoria maior, é importante ressaltar que desconsideração não pode ser confundida com responsabilidade dos administradores da sociedade, tendo em vista que, além dos sócios, os diretores e gerentes também podem incorrer numa das hipóteses subjetivas de desconsideração, ou fraude ou abuso de direito.
Enfim, a teoria maior pode ser definida como aquela defensora dos princípios da legalidade e respeito às formalidade necessárias para a retirada da personalidade da pessoa jurídica , a fim de evitar a prática de fraudes e abusos de direito, além, da hipótese objetiva, da confusão patrimonial.
Nesta esteira, seja porque mais polêmica, seja porque mais próxima do que se realiza, hodiernamente, nos tribunais trabalhistas, a teoria menor é de suma importância para o desenvolvimento do presente estudo e seu entendimento se faz necessário.
Assim é que, como não poderia deixar de ser, até por sua nomenclatura, a teoria menor apresenta posicionamento extremo oposto da teoria maior, desligando-se de formalismos e esquecendo, inclusive, da necessária legalidade para atingir o patrimônio dos sócios.
Ao aceitar a utilização desta teoria o magistrado ganha poder discricionário para utilização da teoria da despersonalização da pessoa jurídica ante o simples inadimplemento de obrigação, abrindo espaço para o princípio da oportunidade.
Seguindo a lógica inversa da teoria maior, se esta acaba por consagrar e dar validade ao instituto da pessoa jurídica, pois veda sua desconsideração como regra, a teoria menor acaba por tornar o instituto inócuo, levando em conta a maneira irrestrita com que possibilita o ataque ao patrimônio dos sócios.
Forçoso concluir que a utilização da teoria menor é conflitante com os princípios que norteiam a própria desconsideração da pessoa jurídica, e o resultante ataque ao patrimônio dos sócios não pode ser entendido de outra forma se não com responsabilização subsidiária, não se devendo falar em desconsideração, por conseqüência.
5. Aspectos processuais da teoria da desconsideração
A desconsideração da personalidade jurídica trata-se de um poder que é expressamente outorgado ao juiz, condicionado ao requerimento da parte ou do Ministério Público, e cuja utilização não atingirá situações processuais já constituídas ou direitos processuais adquiridos, mas, sim, implicará a constituição de novas situações jurídicas. A doutrina, porém, se divide: uma corrente entende ser necessário um processo cognitivo autônomo para aplicar o princípio da desconsideração da personalidade jurídica, a fim de garantir os princípios da ampla defesa e do contraditório, ao passo que a outra entende ser possível apenas por simples despacho.
A desconsideração da personalidade jurídica visa anular ato fraudulento ou abusivo, o qual deve ser provado em juízo. Ocorre que, nos casos de responsabilização por abuso ou fraude praticados em relações de consumo, impera a inversão do ônus da prova, em face de dois princípios, o da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor e da responsabilidade objetiva do fornecedor de bens ou serviços. Nesses casos, é o fornecedor que deverá provar que a culpa pelo defeito ou fato do produto ou do serviço é exclusiva do consumidor ou de terceiro, ou que o defeito não existe, ou que não efetuou o serviço ou não colocou o produto no mercado (arts. 12, § 3º e 14, § 3º do CDC).
A doutrina entende ser inadmissível, apesar de todo o caráter protecionista do CDC, a desconsideração da personalidade jurídica em tutela antecipada, eis que o instituto possui caráter semelhante aos processos cautelares, o que permite, portanto, a concessão de medida liminar.
O que se defende, com efeito, é que o juiz, perante um caso concreto em que fique comprovada a prática de atos fraudulentos, de descumprimento de obrigações, de atos ilícitos por pessoas que aproveitam a vantagem da limitação da responsabilidade da pessoa jurídica, deve desconsiderar a personalidade jurídica, embora esta permaneça íntegra para os seus legítimos objetivos.
6. A desconsideração no direito brasileiro
Logo que se tornou teoricamente conhecida a doutrina da desconsideração, passou-se a pesquisar a legislação brasileira para que nela fossem encontrados dispositivos que autorizassem a quebra da separação entre a pessoa jurídica e a pessoa dos sócios. Essa incessante busca poderia ter como fundamento o fato de que num sistema positivista como o nosso àquela época tinha-se a impressão de que enquanto não se tivesse um dispositivo legal a legitimar a utilização da teoria, esta não poderia ser manejada.
Foi assim que se passou a afirmar que o art 134, VII e 135, II do Código Tributário Nacional e o art. 2o § 2o da Consolidação das Leis Trabalhistas, seriam contemplativos da doutrina desconsiderante. Esta assertiva não obteve total adesão, vez que muitos doutrinadores passaram a defender a tese deque as referidas normas não dispunham acerca da genuína disregard. No que pertine ao CTN, não há indícios acerca da enunciação da teoria na hipótese, porquanto a única conseqüência que poderia ser retirada daquele dispositivo diria respeito à possibilidade de em certas circunstâncias imputar-se ao sócio a responsabilidade por uma dívida da pessoa jurídica, o que por si só não acarreta a aplicação da referida teoria.
Quanto à previsão do art. 2o, §2o da CLT, trata-se de mera enunciação de solidariedade no referente aos débitos trabalhistas, não havendo, in casu, qualquer desconsideração episódica de personalidade.
Também a previsão do art. 10 do decreto 3708/19, que regulava as Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada, e dos arts. 116 e 117 da Lei das Sociedades Anônimas (lei 6404/76), foram consideradas como enunciadoras da desconsideração da personalidade jurídica. Deve-se esclarecer, contudo, que tais disposições nada tem a ver com a tese da disregard, eis que somente visavam responsabilizar diretamente aqueles que exorbitassem dos poderes que lhes foram confiados, tratando-se de verdadeira responsabilização por atos próprios.
Conclusivamente, deve-se afirmar que nenhum daqueles dispositivos que pretensamente diriam respeito à desconsideração assim devem ser considerados. Este fato é conseqüência de uma não compreensão ou de uma compreensão imperfeita acerca do instituto. Pelo simples fato de que a teoria do disregard tem por efeito ignorar, no caso em concreto, a personificação para buscar no patrimônio do sócio os bens que sejam suficientes para a responsabilização de seus próprios atos, fez com que qualquer imposição de responsabilidade direta dos sócios fosse, equivocadamente, considerada como ensejadora de desconsideração. Suprimiu-se a nota essencial da teoria, qual seja a fraude ou o abuso do instituto pessoa jurídica, desvirtuando e de certo modo retirando o prestígio e a verdadeira finalidade da técnica da desconsideração.
Até então tínhamos um esforço doutrinário e também jurisprudencial no sentido de enquadrar a doutrina da desconsideração nas normas já existentes. Em 1990 o legislador decide, com o intuito de promover uma proteção cada vez mais eficaz para o consumidor, normatizar expressamente a matéria. Infelizmente, perdeu-se a oportunidade de depurar o instituto e torná-lo verdadeiramente adequado às suas construções originárias.
As críticas ao caput do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor conduzem-se principalmente no sentido da ausência da estipulação da fraude como fato gerador da desconsideração, o que fortemente contraria o histórico da doutrina, e além disso, deve-se lembrar ainda que muitas das hipóteses elencadas no mesmo artigo, e infelizmente repetidas pelo legislador da lei 8884/94 já foram bem reguladas em outras disposições do direito societário, nada tendo a ver com a pura e genuína teoria da penetração.
Até mesmo a insolvência ou falência, desde que decorrentes de má-administração, foram consideradas como fundamento para a desestimação da personalidade jurídica. Conseqüentemente, ter-se-ia que o simples fato do fracasso de determinada empresa, independentemente de qualquer fraude, daria ensejo à desconsideração, penalizando cruelmente aquele que por circunstâncias outras, por vezes até ausência de competência ou de dom para a direção de negócios, viesse a falir ou se tornasse insolvente. Má administração nada tem a ver com a utilização da empresa como couraça para o locupletamento dos sócios.
Em termos práticos, os prejuízos sofridos pelos credores têm sido resgatados a partir da técnica da desconsideração quando configurada hipótese de prática abusiva e também, acompanhando o sentido objetivista que deflui do art. 50, Código Civil, quando prejuízos são causados em decorrência da não obediência aos fins da personalidade jurídica. Ou seja, o Código Civil, assim como outras leis brasileiras, cria uma nova estrutura para o instituto, cujas diretrizes básicas ainda se encontram em formação.
7. Conclusão
A utilização da pessoa jurídica para a efetivação de negócios que o homem sozinho dificilmente concretizaria, é fato muito importante, na medida em que contribui para o desenvolvimento do mercado, oportunizando também o incremento da distribuição de produtos e serviços.
A adoção da personalidade jurídica torna-se demasiadamente interessante, pois tem como um de seus principais efeitos a separação patrimonial, tornando a atividade negocial menos onerosa e arriscada.
No entanto, os abusos que foram verificados através da utilização desvirtuada do instituto mereceram correção, estando esta materializada na figura da desconsideração da personalidade jurídica, que objetiva a suspensão momentânea dos efeitos da separação patrimonial, fazendo com que os sócios ou acionistas que se utilizaram da pessoa jurídica para a consecução de finalidades escusas venham responder pessoalmente pelos seus atos.
Pelo exposto, observamos que, conquanto utilizada com prudência e parcimônia pelo magistrado, a desconsideração da personalidade jurídica é um importante instrumento à disposição dos titulares de direitos creditícios face a devedores contumazes. Sua aplicação, outrossim, geraria, como efeito secundário e mediato, a melhoria no ambiente geral de negócios, eis que, ante a real possibilidade de aplicação de sanção, coibiria práticas fraudulentas e temerárias por parte de sócios e administradores de sociedades empresárias.
8. Referências
COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito Comercial. 14ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2003.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro, vol. I. 18ª Ed. Saraiva. São Paulo. 2002.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil, vol. I. 3ª Ed. Atlas. São Paulo. 2003.
MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial.15.ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1991.
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial, volume I. 22.ª edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1995.
Pós-graduado em Direito Ambiental e Gestão Estratégica da Sustentabilidade pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP; Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador (UCSal).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TAVARES, Bruno Machado. Desconsideração da personalidade jurídica das sociedades empresárias Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39308/desconsideracao-da-personalidade-juridica-das-sociedades-empresarias. Acesso em: 23 dez 2024.
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