Resumo: Cuida-se a presente análise de abordagem acerca da inexistência de previsão normativa a possibilitar a outorga de autorização de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia às cooperativas.
Palavras-Chave: Direito administrativo. Agência Reguladora. ANTAQ. Outorga. Navegação interior. Cooperativas. Impossibilidade.
Abstract: Take care to approach this analysis about the absence of legislative provision to allow the granting of authorization for the carriage of passengers, vehicles and cargo on inland waterways crossing the cooperatives.
Key-words: Administrative law. Regulatory Agency. ANTAQ. Grant. Inland navigation. Cooperatives. Impossibility.
Sumário: Introdução. I – Do poder normativo. 2 – Da Resolução n.º 1274-ANTAQ, de 3 de fevereiro de 2009. Conclusão. Bibliografia.
Introdução
Com efeito, de acordo com a Lei n.º 10.233/01[1], cabe à Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ a edição de normas relativas à prestação de serviços de transporte e à exploração da infraestrutura aquaviária e portuária.
O legislador ordinário também determinou a edição de ato normativo pela Agência, com o fim de disciplinar a autorização da espécie (art. 14, III, “e”)[2], que deverá contemplar, entre outros, (a) o objeto da autorização; (b) as condições para sua adequação às finalidades de atendimento ao interesse público, à segurança das populações e à preservação do meio ambiente; (c) as condições para anulação ou cassação; (d) sanções pecuniárias[3].
Veja-se, ainda, o disposto no art. 29 da Lei 10.233/2001:
Art. 29. Somente poderão obter autorização, concessão ou permissão para prestação de serviços e para exploração da infraestrutura de transporte doméstico pelos meios aquaviário e terrestre as empresas ou entidades constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País, e que atendam aos requisitos técnicos, econômicos e jurídicos estabelecidos pela respectiva Agência.
1. Do poder normativo.
José dos Santos Carvalho Filho, em obra importante sobre o direito administrativo, conceitua o poder regulamentar como:
“a prerrogativa conferida à Administração Pública de editar atos gerais para complementar as leis e permitir a sua efetiva aplicação, A prerrogativa, registre-se, é apenas para complementar a lei; não pode, pois, a Administração alterá-la a pretexto de estar regulamentando, Se o fizer, cometerá abuso de poder regulamentar, invadindo a competência do Legislativo. Por essa razão, o art. 49, V, da CF, autoriza o Congresso Nacional a sustar atos normativos que extrapolem os limites do poder de regulamentação.”[4].
Assim, o poder regulamentar representa uma prerrogativa de direito público, conferida aos órgãos que têm a incumbência de gestão dos interesses públicos, de sorte que, executando atividades típicas da Administração Pública, as agências reguladoras também detém poder regulamentar.
Consoante já ressaltado, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários guarda competência pra regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de transporte Aquaviários e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária, nos termos da Lei n.º 10.233/01.
2. Da ausência de previsão para outorga às cooperativas na Resolução n.º 1274-ANTAQ, de 3 de fevereiro de 2009.
Neste cenário normativo, e em atenção aos dispositivos supramencionados, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários elaborou a Resolução n.º 1274 – ANTAQ, de 3 de fevereiro de 2009, por meio da qual aprovou a norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia.
A Resolução n.º 1274-ANTAQ, conforme se infere dos seus dispositivos, não disciplinou a possibilidade de outorga às cooperativas.
Sem embargo, de fato, a Lei n.º 10.233/2001 não restringiu a titularidade de outorga apenas às “empresas”. Todavia, a estrutura literal do art. 29 induz ao entendimento de que esta deve ser a regra, ante a repercussão do regime especial, que responsabiliza o operador pelos danos originários de sua conduta, e a dificuldade de impor tais danos a entidades, sem fins lucrativos, como ocorre com as cooperativas.
A propósito, a Lei n.º 5.746/71, que trata das cooperativas e suas características, dispõe:
Art. 3º Celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.
Art. 4º As cooperativas são sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados, distinguindo-se das demais sociedades pelas seguintes características:
I - adesão voluntária, com número ilimitado de associados, salvo impossibilidade técnica de prestação de serviços;
II - variabilidade do capital social representado por quotas-partes;
Art. 79. Denominam-se atos cooperativos os praticados entre as cooperativas e seus associados, entre estes e aquelas e pelas cooperativas entre si quando associados, para a consecução dos objetivos sociais.
Parágrafo único. O ato cooperativo não implica operação de mercado, nem contrato de compra e venda de produto ou mercadoria.
Art. 80. As despesas da sociedade serão cobertas pelos associados mediante rateio na proporção direta da fruição de serviços.
Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei.
A cooperativa, deste modo, é uma entidade peculiar, voltada para a obtenção de proveito comum, resultante da organização de bens e serviços, sem a finalidade de lucro. Tem, portanto, caráter tipicamente associativo e, assim, não é entidade preordenada à economia de mercado perante terceiros.
Tais características foram devidamente analisadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários, por ocasião da regulamentação da outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia, tendo a ANTAQ, na esfera de sua competência e após juízo de conveniência e oportunidade, entendido que o deferimento de outorga às cooperativas, seria nefasto ao interesse público.
Advirta-se que são os princípios que garantam o cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas que devem guiar a atuação da Agência[5], e não a mera garantia de acesso a pessoas e entidades que não tenham condições de responder pelos seus atos na operação do serviço e tampouco suportar todos os ônus decorrentes da prestação do serviço.
Neste contexto, sobressai nítido que a ausência de previsão de outorga às cooperativas é razoável, pois preserva o interesse público.
Não é demasia lembrar que, nos termos do art. 37, §6º, CRFB/88, as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. É, pois, a consagração da responsabilidade objetiva.
Ressalte-se, outrossim, que a Lei n.º 9.432/97, ao disciplinar o transporte aquaviário, notadamente naquilo que tange ao afretamento de embarcações, qualificou como EBN – empresa brasileira de navegação – apenas as empresas que tenham sido devidamente autorizadas pelo órgão competente (art. 2º, V[6]).
Gize-se, por oportuno, que, embora tenha buscado a reestruturação do serviço de transporte aquaviário, a Lei n.º 10.233/2001 não teve o condão de afastar as regras estabelecidas pela Lei n.º 9.432/97, de modo que inexistindo autorização pelo órgão competente, não há que se falar em qualificação como EBM e, assim, autorização de outorga.
Conclusão
À vista do cenário acima descortinado, conclui-se pela impossibilidade de outorga de autorização para prestação de serviço de transportes de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia às cooperativas, ante a ausência de previsão legal e regulamentar.
Bibliografia
AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Aprova a norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia. Resolução n.º 1274-ANTAQ, de 3 de fevereiro de 2009. Disponível em: http://www.antaq.gov.br/Portal/Legislacao_Resolucoes.asp?Tipo=Interior#ancora1274
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
BRASIL. LEI FEDERAL n.º 9.432/1997, de 8 de janeiro de 1997. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9432.htm
BRASIL. LEI FEDERAL n.º 10.233/2001, de 05 de junho de 2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10233.htm
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. até a Lei n.º 12.587, de 3-1-2012. – São Paulo: Atlas, 2012.
[1] Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação:
IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores;
XXV - celebrar atos de outorga de concessão para a exploração da infraestrutura aquaviária, gerindo e fiscalizando os respectivos contratos e demais instrumentos administrativos;
[2] Art. 14. Ressalvado o disposto em legislação específica, o disposto no art. 13 aplica-se conforme as seguintes diretrizes: (Redação dada pela Lei nº 12.815, de 2013)
I – depende de concessão:
(...)
e) o transporte aquaviário;
[3] Art. 44. A autorização, ressalvado o disposto em legislação específica, será disciplinada em regulamento próprio e será outorgada mediante termo que indicará: (Redação dada pela Lei nº 12.815, de 2013)
I – o objeto da autorização;
II – as condições para sua adequação às finalidades de atendimento ao interesse público, à segurança das populações e à preservação do meio ambiente;
III – as condições para anulação ou cassação;
V - sanções pecuniárias. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.217-3, de 4.9.2001)
[4]FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. até a Lei n.º 12.587, de 3-1-2012. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 44
[5] Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos Transportes Terrestre e Aquaviário:
(...)
II – regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a:
a) garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;
[6]Art. 2º Para os efeitos desta Lei, são estabelecidas as seguintes definições:
(...)
V - empresa brasileira de navegação: pessoa jurídica constituída segundo as leis brasileiras, com sede no País, que tenha por objeto o transporte aquaviário, autorizada a operar pelo órgão competente;
Procurador Federal. Especialista em Ciências Criminais e pós-graduando em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Henrique Viana Bandeira. Da impossibilidade de outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia às cooperativas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39318/da-impossibilidade-de-outorga-de-autorizacao-para-prestacao-de-servico-de-transporte-de-passageiros-veiculos-e-cargas-na-navegacao-interior-de-travessia-as-cooperativas. Acesso em: 23 dez 2024.
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