RESUMO: A defesa do consumidor, consagrada no artigo 5°, inciso XXXII e no artigo 170, inciso V, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, deve ser interpretada o mais amplamente possível. Vale dizer, portanto, que todo e qualquer método legalmente previsto pode ser utilizado para tutelar o consumidor, desde que, obviamente, sua utilização não seja unilateralmente imposta pelo fornecedor. Nesse sentido, verifica-se que a arbitragem poderá ser utilizada para dirimir os conflitos de consumo. No entanto, sua utilização, justamente porque buscará dirimir discussões evolvendo parte hipossuficiente, o consumidor, deverá amoldar-se a determinadas peculiaridades. Isso não implica, porém, numa conclusão apressada objetivando afastar a utilização da arbitragem na solução desses conflitos. Com efeito, conforme será apresentado neste breve arrazoado, a arbitragem de consumo, que é realidade em países estrangeiros, pode e deve ser utilizada na solução dos conflitos de consumo.
PALAVRAS CHAVE: Arbitragem. Conflito de consumo.
I - INTRODUÇÃO
A defesa do consumidor vem consagrada no artigo 5°, inciso XXXII e no artigo 170, inciso V, ambos da Constituição Federal de 1988. No campo da legislação ordinária, a defesa do consumidor encontra previsão precípua na Lei n° 7.347/85, que regula a ação civil pública e no Código de Defesa do Consumidor.
Conquanto referidos diplomas tenham – e ainda estejam – propiciado uma tutela efetiva do consumidor, cabe perquirir não apenas pela possibilidade de outro diploma também regular a defesa das relações de consumo, mas também se esse eventual outro diploma desempenharia relevante função nesse campo.
Nesse contexto, se considerado que o art. 6°, inc. VI, do Código de Defesa do Consumidor garante a efetiva prevenção ou reparação dos danos, morais e materiais, e se considerado que tal garantia pode ser alcançada de outras maneiras[1], sem olvidar que um dos princípios da Política Nacional das Relações Consumo capitulados no art. 4° do Código de Defesa do Consumidor versa sobre o incentivo à criação de instrumentos alternativos de solução dos conflitos de consumo, tem-se que a tutela das relações de consumo pode ser alcançada de outras maneiras, cabendo destaque à possibilidade da utilização da arbitragem.[2]
Regulada pela Lei n° 9.307/96, a arbitragem revelou-se um importante e eficaz método alternativo para a solução de conflitos não apenas porque o conflito há de ser dirimido por experts no assunto, mas também porque possui procedimento mais célere do que aquele inerente às demandas judiciais.
Conquanto na atualidade a arbitragem tenha sua importância reconhecida, uma análise histórica do instituto demonstra que a arbitragem enfrentou fortes resistências, seja porque permitia a conclusão de que a solução do conflito por particular refletiria retrocesso à época em que os conflitos eram dirimidos pelos particulares, seja em decorrência de uma visão, digamos, marxista, das soluções das controvérsias.[3]
Superada as primeiras resistências, atualmente é possível concluir ser a arbitragem relevante e eficaz método alternativo de solução de conflitos, que inclusive pode ser utilizado para a tutela das relações de consumo, desde que observadas algumas peculiaridades que serão oportunamente abordadas.
II – O PROCEDIMENTO E A SENTEÇA ARBITRAL
Regulada pela Lei n° 9.307/96, a arbitragem pode ser convencionada por todas as pessoas capazes de contratar, o que importa dizer que as pessoas, físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, públicas ou privadas, podem se valer da arbitragem para solução de conflitos.
Nesse contexto, verifica-se, simplesmente porque podem contratar, que os consumidores e fornecedores podem se valer da arbitragem para solucionar conflito de consumo. O conflito, ao seu turno, deverá versar sobre qualquer relação jurídica atinente a direitos patrimoniais disponíveis.
Assim, diversamente do quanto ocorre com a jurisdição estatal, que possui competência para conhecer de litígios de qualquer natureza, ao juízo arbitral somente haverá de ser dirimido conflito que verse sobre direitos patrimoniais disponíveis. Nesse sentido, são direitos patrimoniais aqueles cujo objeto pode ser avaliado pecuniariamente, sendo direitos disponíveis aqueles que podem ser objeto de transmissão a terceiro, ou seja, que possuem a característica de poder passar de uma pessoa para outra, sem prejuízo da possibilidade de sua regular fruição.[4]
Sob a ótica da Lei de Arbitragem, os direitos em referência, dentre os quais se enquadram os direitos objeto de relações de consumo, poderão ser tutelados pela via arbitral de duas maneiras: pela cláusula compromissória ou pelo compromisso arbitral.
Espécies do gênero convenção de arbitragem, a distinção entre essas espécies decorre da pretérita existência do conflito.[5] Assim, enquanto na cláusula compromissória (ou arbitral) o conflito ainda não existe, no compromisso arbitral o conflito é preexistente à arbitragem. Em outros termos, a distinção entre estas espécies é a de que a cláusula compromissória (ou arbitral) é estabelecida previamente, ou seja, antes do surgimento do conflito sendo que o compromisso arbitral, ao seu turno, é celebrado para dirimir uma pendencia já latente, sendo que ambas, cláusula e compromisso, excluem a jurisdição estatal.[6]
Interessante distinção, deve ser realizada entre as denominadas cláusulas compromissórias cheias e vazias.[7]
A cláusula compromissória cheia é aquela que contém os requisitos mínimos para que o procedimento arbitral possa ser instaurado, como, por exemplo, a forma de indicação dos árbitros e o local em que a arbitragem será realizada. Duas são as formas de cláusula compromissória cheia: a cláusula mediante a qual as partes pactuam todas as características para a instauração da arbitragem e a cláusula que apenas faz menção às regras procedimentais de determinada entidade especializada na solução de conflitos pela arbitragem.
A cláusula compromissória vazia, ao seu turno, é aquela em que as partes se obrigam a submeter o conflito ao juízo arbitral, sem estabelecer, todavia, as regras mínimas ao desenvolvimento da arbitragem. Em outros termos, será considerada vazia a cláusula compromissória que se limite a afirmar que qualquer dissenso decorrente de determinado negócio jurídico será dirimido por meio da arbitragem. Desta forma, com o surgimento do conflito, deverão as partes firmar compromisso arbitral fixando os parâmetros da arbitragem.
Assim, enquanto na cláusula compromissória cheia a arbitragem, quando do surgimento do conflito, possua requisitos mínimos para sua instauração, com a cláusula compromissória vazia existe apenas indicação da vontade das partes em submeter o dissenso à solução arbitral sendo que, surgido o dissenso, fixarão as partes os limites, parâmetros e regras da arbitragem.
Uma vez fixadas as características da arbitragem, terá início o procedimento arbitral, que também terá suas características delineadas pelas partes. Por óbvio que, em se tratando de arbitragem em relação de consumo, alguns parâmetros não poderão ser fixados pelas partes, vez que, nesses casos, a arbitragem deverá observar as prerrogativas e direitos inerentes ao consumidor, tal como ocorre nas demandas judiciais, preservando-se, portanto, dentre outras, a previsão da facilitação da defesa de seus interesses e as regras inerentes à inversão do ônus da prova.[8]
Feita essa ressalva, será o dissenso submetido ao juízo arbitral, cuja instituição ocorre com a aceitação, pelos árbitros, de tal incumbência.
Poderá ser nomeado árbitro, conforme artigo 13 da Lei n° 9.307/96, qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes. O número de árbitros haverá de ser ímpar, de modo que, existindo indicação de árbitros em números pares pelas partes, incumbirá aos árbitros a escolha de mais um árbitro, que inclusive funcionará como presidente da arbitragem e que poderá, caso julgue necessário, nomear um secretário, que será encarregado pelos atos processuais e suas respectivas comunicações, assim como pela organização dos autos e elaboração das atas das sessões e audiências.
Questionamento interessante diz respeito à obrigatoriedade da parte ser assistida por advogado no procedimento arbitral. Conquanto essa seja a regra no processo civil, com exceção à Lei n° 9.099/95, a presença do advogado na arbitragem não é obrigatória. E isso não apenas porque o art. 21, §3°, da Lei n° 9.307/96 faculta às partes a assistência por advogado, mas também porque a informalidade e a ausência de atos judiciais na arbitragem revelam a não obrigatoriedade da representação da parte por advogado.[9]
Uma vez iniciada a arbitragem, que, conforme anteriormente mencionado, ocorre com a aceitação, pelos árbitros, de tal encargo, deverá ser designada audiência de tentativa de conciliação, conforme dispõe o artigo 21, § 4°, da Lei n° 9.307/96. Interessante salientar que, inobstante a composição amigável da controvérsia deva nortear todo o procedimento arbitral, devendo ser perseguida em todo o curso do procedimento, essa primeira audiência de conciliação é obrigatória, sob pena de nulidade do procedimento arbitral, nulidade esta que deverá ser suscitada por uma das partes na primeira oportunidade que tiver para falar nos autos.[10]
Não obtida a conciliação, a arbitragem terá seguimento conforme as regras estipuladas pelas partes, que poderão fazer menção às regras de um órgão arbitral ou entidade especializada, facultando-se, ainda, a delegação dessas regras aos árbitros ou ao tribunal arbitral, sempre respeitados o contraditório, a isonomia, a imparcialidade dos árbitros e seu livre convencimento motivado. Se, todavia, o dissenso versar sobre relação de consumo, deverão ainda ser observados os princípios insculpidos pelo Código de Defesa do Consumidor.
Seguindo seu regular processamento e finalizada a fase instrutória, que se desenvolverá de acordo com os procedimentos estabelecidos pelas partes, seguirá a arbitragem seu regular desenvolvimento até o momento da sentença arbitral, que deverá ser proferida no prazo assinalado pelas partes ou, em sua ausência, no prazo de seis meses contado da instituição da arbitragem ou da eventual substituição do árbitro. Esse prazo, no entanto, poderá ser prorrogado pelas partes, desde que de comum acordo.
Tal como ocorre com a sentença judicial, deve a sentença arbitral conter relatório, fundamento e dispositivo, além de indicação da data e do local em que foi proferida. Também indicará a sentença arbitral a responsabilidade das partes sobre as custas e despesas processuais, além de eventual penalização por litigância de má-fé, respeitadas eventuais estipulações nesse sentido na convenção de arbitragem. Considerando que o procedimento arbitral comumente conta com três ou mais árbitros, o desfecho da arbitragem deverá seguir a decisão tomada pela maioria sendo que, na hipótese de dissenso, prevalecerá o voto do presidente do tribunal arbitral.
Contra a sentença arbitral, ato que coloca fim à arbitragem, poderão ser opostos embargos de declaração, que na Lei de Arbitragem recebe a denominação de pedido de esclarecimento, a serem apreciados no prazo de 10 dias. Transitada em julgado, passará a sentença arbitral a ostentar a natureza de título executivo judicial, podendo, todavia, ter sua eventual nulidade reconhecida pelo Poder Judiciário mediante provocação da parte no prazo de até 90 dias contados do recebimento da sentença arbitral pelas partes.
Uma vez proposta a ação declaratória no prazo de 90 dias, poderá a parte valer-se das hipóteses de anulação previstas no artigo 32, da Lei n° 9.307/96 e no artigo 475-L, do Código de Processo Civil. Se, no entanto, a parte não promover a ação declaratória no prazo anteriormente assinalado, poderá insurgir-se contra a sentença arbitral na hipótese da mesma vir a ser objeto de eventual cumprimento pelo vencedor do juízo arbitral. Nesse caso, todavia, não poderá a parte sucumbente na arbitragem valer-se das matérias do artigo 32, da Lei n° 9.307/96, devendo sua defesa limitar-se às matérias previstas no artigo 475-L, do Código de Processo Civil.
Do exposto, verifica-se que o juízo arbitral coloca-se ao lado do Poder Judiciário como um relevante e eficaz método de solução de conflitos, inclusive daqueles referentes às relações de consumo, conforme a seguir será demonstrado.
III – APLICABILIDADE DA ARBITRAGEM NAS RELAÇÕES DE CONSUMO
Conquanto uma análise açodada caminhe no sentido da impossibilidade das relações de consumo serem tuteladas pela via arbitral, seja em decorrência do direito tutelado, seja em virtude da possibilidade do instituto servir de mecanismo de opressão do consumidor, um estudo cauteloso do tema permite constatar que a resposta caminha em sentido contrário.[11]
A natureza da relação de consumo, tal como poderia afigurar-se em uma análise menos aprofundada do tema, não enseja, por si só, a conclusão pelo afastamento da arbitragem.[12]
Com efeito, se considerado que o art. 6°, inc. VI, do Código de Defesa do Consumidor garante a efetiva prevenção ou reparação dos danos, morais e materiais, e se considerado que tal garantia pode ser alcançada de outras maneiras, não parece razoável afastar a possibilidade de utilização da via arbitral para tutelar as relações de consumo, entendimento que é robustecido quando considerado que um dos princípios da Política Nacional das Relações Consumo capitulados no art. 4° do Código de Defesa do Consumidor versa sobre o incentivo à criação de instrumentos alternativos de solução dos conflitos de consumo.[13]
Alie-se ao quanto exposto o fato de que ao consumidor é lícito optar pelo afastamento do Poder Judiciário em favorecimento da solução arbitral para o dissenso de consumo.
A problemática, portanto, não reside na possibilidade ou impossibilidade do conflito de consumo ser dirimido pela via arbitral, mas sim de que forma, ou seja, se por meio da cláusula compromissória ou pelo compromisso arbitral poderá o dissenso de consumo ser solucionado pelo juízo arbitral.
O art. 51, inc. VII, do Código de Defesa do Consumidor, é bom frisar, não possui o condão de afastar a aplicação da arbitragem nas relações de consumo. Referido texto normativo funciona como balizador do tema, vez que obsta a instituição compulsória da arbitragem.
Assim, o que o texto normativo em referência impede é que seja prevista, de modo compulsório, a utilização da arbitragem antes do surgimento da controvérsia.[14] E isso porque a lei expressamente estipula ser vedada a utilização compulsória da arbitragem, o que parece supor a permissão pela utilização da arbitragem facultativa. Todavia, somente terá sentido prático uma cláusula compromissória que preveja a arbitragem com obrigatoriedade, daí porque, na sistemática do Código de Defesa do Consumidor, é a cláusula compromissória eivada de nulidade.
Assim, surgido o dissenso no curso da relação de consumo, podem as partes – fornecedor e consumidor – decidir que a controvérsia será dirimida pela arbitragem, desde que tal caminho não seja imposto ao consumidor.
Por obvio, a instituição da arbitragem deverá observar as prerrogativas e direitos inerentes ao consumidor, tal como ocorre nas demandas judiciais, preservando-se, portanto, dentre outras, a previsão da facilitação da defesa de seus interesses e as regras inerentes à inversão do ônus da prova, sendo inclusive permitido, desde que observadas as peculiaridades do Código de Defesa do Consumidor, decidir o dissenso pela equidade.[15]
Interessante consignar que a norma decorrente do art. 51, inc. VII, do Código de Defesa do Consumidor está em sintonia com a sistemática internacional de proteção do consumidor.
Nesse sentido, a Diretriz 93/13, da União Européia, que capitula as cláusulas abusivas nos contratos de consumo, estabelece, na letra q, do anexo ao § 3°, de seu art. 3° ser abusiva a cláusula que supra ou limite os mecanismos de defesa do consumidor.[16]
Questão interessante surge com a possibilidade da arbitragem também ser utilizada nas hipóteses dos consumidores por equiparação.
Disciplinados no artigo 29 do Código de Defesa do Consumidor, os consumidores por equiparação, pela própria dicção legal, são aquelas pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais e, de certa forma, atingidas por disposições contratuais.
Esses consumidores por equiparação, portanto, deverão receber o mesmo tratamento dispendido ao consumidor quando o assunto versar sobre práticas comerciais ou proteção contratual. Assim sendo, a mesma disciplina atribuída à arbitragem nos contratos de consumo deverá incidir na hipótese em que o dissenso atingir consumidores por equiparação, até mesmo porque esses consumidores por equiparação, não raras vezes, sequer figuram na relação contratual originária.[17]
Desta forma, é possível concluir que nas relações em que o consumidor for parte, o compromisso arbitral é permitido, devendo o juízo arbitral obedecer as regras do Código de Defesa do Consumidor sendo a cláusula compromissória, ao seu turno, proibida, em decorrência a expressa previsão do artigo 51, inciso VII, do Código de Defesa do Consumidor. Por fim, nas relações entre os consumidores por equiparação, ressalvado os balizados entendimentos sobre a aplicação do artigo 4°, § 2°, da Lei de Arbitragem, temos que o mesmo tratamento deve ser atribuído ao tema.
IV – CONCLUSÃO
Relevante, eficaz e célere mecanismo de solução de controvérsias, a arbitragem nem sempre foi bem vista. Todavia, em decorrência de suas notáveis colaborações com a necessária pacificação social, veio a arbitragem, com o passar do tempo, ganhando corpo, de modo que atualmente é largamente utilizada para dirimir conflitos de natureza societária e empresarial, existindo casos em que até a mesmo a clássica questão em torno da responsabilização civil é levada a seu conhecimento.
Conquanto o tema ainda seja incipiente na seara das relações de consumo, a instituição do juízo arbitral para dirimir os conflitos de consumo certamente consiste em importante mecanismo, que coaduna-se com os preceitos do Código de Defesa do Consumidor, além de permitir, em virtude do elevado conhecimento técnico dos árbitros, uma mais adequada, precisa e técnica solução do que aquelas prestadas por nossos Tribunais, infelizmente assoberbados com desumana carga de trabalho.
A possibilidade dos dissensos de consumo serem dirimidos pela arbitragem, portanto, mais do que um relevante método alternativo, releva-se uma realidade que, no entanto, merece ser iniciada e incentivada.
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Notas:
[1] Como, por exemplo, por meio da celebração de um termo de compromisso de conduta firmado no âmbito de um inquérito civil ou até mesmo nos autos de um procedimento preparatório perante o Ministério Público.
[2] Nesse sentido, Carlos Alberto Carmona é enfático: “As relações jurídicas de que trata o Código de Defesa do Consumidor podem ensejar instauração do juízo arbitral. O fato de a Lei 8.078/90 estabelecer princípios de incidência obrigatória não significa o afastamento da arbitragem como meio de solução de controvérsia entre fornecedor e consumidor: nada impedira, por exemplo, que um contrato de prestação de serviços seja objeto de decisão arbitral no que toca a seu cumprimento, validade, aplicação de multa, interpretação da extensão das obrigações assumidas pelos contratantes, entre tantos outros temas pertinentes ao campo das obrigações. Em outras palavras, o fato de estar-se no âmbito das relações de consumo não é motivo, por si só, para o afastamento da arbitragem. (Arbitragem e processo: um comentário à Lei n° 9.307/96. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Atlas, 2009 p. 52). Em igual sentido, leciona Eduardo Arruda Alvim: “Tenha-se, todavia, em conta, que o Código não impede a utilização de compromisso arbitral, que, ademais, se tem revelado como eficiente meio de solução dos litígios de consumo nos países desenvolvidos.” (Código do Consumidor Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 253).
[3] Nesse sentido, Pontes de Miranda asseverava que o juízo arbitral “(...) é primitivo, regressivo mesmo, a que pretendem volver, por atração psíquica a momentos pré–estatais, os anarquistas de esquerda e os de alto capitalismo.” (Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo : Editora Forense. 1977, tomo XV, p. 344).
[4] PEREIRA, Caio Mario. Instituições de direito civil. 5 ed. Rio de Janeiro : Forense. 1978. Vol. I, p. 53; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de direito privado. 4 ed. São Paulo : RT, 1983, t. V, p. 368.
[5] “Não importa, assim, se a cláusula arbitral ou compromissória é contemporânea ou posterior ao contrato. Importa, sim, para sua caracterização, que surja antes da existência de conflitos e contenha a obrigação das partes de submeter suas eventuais diferenças à solução dos árbitros, nos termos da Lei de Arbitragem.” (SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 4 ed. rev. atual. e atual. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 77).
[6] Antes da promulgação da Lei de Arbitragem, somente o compromisso arbitral afastava a jurisdição estatal, conforme artigo 301, inciso IX, do Código de Processo Civil em sua redação original.
[7] Essa distinção, por obvio, não existe no compromisso arbitral, vez que que ao surgir o conflito, as partes, já conhecedoras dos limites do dissenso, possuem condições de delimitar o âmbito de atuação da arbitragem.
[8] Nesse sentido, Adriano Perácio de Paula é categórico: “Porém, quando levada a dirimir controvérsia relativa a relação de consumo, a arbitragem há de considerar certos ângulos e pressupostos afetos propriamente a esta situação jurídica, que envolve de um lado o produtor ou prestador de serviços, e de outro lado, o consumidor que goza de certas prerrogativas e direitos impostergáveis nesta particular relação, tais como as contempladas especialmente no Código de Defesa do Consumidor.” (Da arbitragem nas relações de consumo in Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Claudia Lima Marques, Bruno Miragem (organizadores) São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, v. 6).
[9] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 4 ed. rev. atual. e atual. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 120:121. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário `a Lei n° 9.307/96. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Atlas, 2009, p. 299:302.
[10] SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Manual de arbitragem. 4 ed. rev. atual. e atual. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 119. Em sentido diverso, Carlos Alberto Carmona leciona: “O incentivo `a conciliação é, sem d’dúvida, louvável, mas talvez tivesse sido melhor que o legislador, no § 4° do artigo sob estudo, declarasse ser recomendável que o árbitro tentasse a conciliação, pois certamente não faltará quem sustente que a falta desta iniciativa do árbitro implique a nulidade do processo arbitral. A posição, já antecipo, é inaceitável, sendo certo que até mesmo no âmbito judicial a doutrina e a jurisprudência encaminharam-se no sentido de anotar que a falta da tentativa de conciliação a que se refere o art. 448 do Código de Processo Civil não pode levar `a anulação do processo. Por consequência, apesar da forma imperativa adotada pelo legislador (competirá ao árbitro tentar a conciliação), deve-se ler o § 4° em tela como mera sugestão ao árbitro, que pode segui-la ou não, de acordo com o que julgar conveniente.” (Arbitragem e processo: um comentário `a Lei n° 9.307/96. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Atlas, 2009, p. 303).
[11] Tanto é verdade que o Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos, idealizado com vistas a propiciar a concretização da efetividade da tutela dos direitos transindividuais previa a adoção da arbitragem, método extrajudicial de solução de controvérsias, de natureza contratual e jurisdicional, para a tutela dos interesses difusos e coletivos. Nesse sentido, os artigos 2º, §2º e 23, §1º, do Anteprojeto, disponível em http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/cpbc_versao24_02_2006.pdf
[12] Nesse sentido, leciona Eduardo Arruda Alvim: “Tenha-se, todavia, em conta, que o Código não impede a utilização de compromisso arbitral, que, ademais, se tem revelado como eficiente meio de solução dos litígios de consumo nos países desenvolvidos.” (Código do Consumidor Comentado. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 1995, p. 253).
[13] Nesse ponto cabe uma observação: à Administração Pública incumbe promover a adoção desses mecanismos, de modo que poderia (na verdade, deveria) criar a arbitragem estatal, a ser realizada, por exemplo, no âmbito do Procon.
[14] Nesse sentido, é o ensinamento do saudoso Professor Anotnio Junqueira de Azevedo: “Como adiantamos, a Lei de Arbitragem nada alterou no Código de Defesa do Consumidor, sobre os direitos do consumidor. Perante a lei protetiva, o quadro era, e é, pois, o seguinte: o compromisso entre consumidor e fornecedor, desde que sem abuso deste sobre aquele, é permitido; a cláusula compromissória, inversamente, tem presunção absoluta de abusividade e é proibida (art. 51, VII, CDC). No compromisso, o abuso é uma possibilidade, a ser examinada caso a caso; na cláusula compromissória, é uma certeza, legalmente determinada.” (A arbitragem e o direito do consumidor in Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Claudia Lima Marques e Bruno Miragem (organizadores). São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 931. Em sentido distinto, permitindo um maior alcance da solução arbitral dos conflitos de consumo, leciona Carlos Alberto Carmona: “Pode gerar impressão falsa o art. 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor, que tacha de abusivas as cláusulas que ‘determinem a utilização compulsória de arbitragem’: o dispositivo legal tem nítido caráter protetivo em relação ao consumidor, presumivelmente parte economicamente mais fraca na relação jurídica, evitando-se com isso que o fornecedor de bens e serviços possa impor solução arbitral nos contratos em geral. Não se admitiria, portanto, que um banco, por exemplo, ao celebrar contrato de abertura de crédito com seu cliente, introduzisse cláusula arbitral, eis que – presumiu o legislador – tal cláusula teria toda a possibilidade de ter sido imposta pelo contratante mais forte. Destacou-se, assim, a validade de uma cláusula compromissória em contrato que discipline relação de consumo, sem que isso signifique a impossibilidade de introduzir-se a arbitragem pela via do compromisso: surgida a controvérsia, podem as partes, de comum acordo, celebrar compromisso arbitral para submeter o dissenso à solução de árbitros.” (Arbitragem e processo: um comentário à Lei n° 9.307/96. 3 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo : Atlas, 2009 p. 53).
[15] Nesse sentido, Adriano Perácio de Paula é categórico: “Porém, quando levada a dirimir controvérsia relativa a relação de consumo, a arbitragem há de considerar certos ângulos e pressupostos afetos propriamente a esta situação jurídica, que envolve de um lado o produtor ou prestador de serviços, e de outro lado, o consumidor que goza de certas prerrogativas e direitos impostergáveis nesta particular relação, tais como as contempladas especialmente no Código de Defesa do Consumidor.” (Da arbitragem nas relações de consumo in Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Claudia Lima Marques, Bruno Miragem (organizadores) São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, v. 6). No mesmo sentido, é o ensinamento do saudoso Professor Antonio Junqueira de Azevedo: “Uma vez, porém, feito o compromisso, e válido porque, sem abuso do consumidor, a arbitragem que se segue terá, por sua vez, que ser decidida sem ferir as normas cogentes do Código de Defesa do Consumidor. Portanto, as regras da Lei de Arbitragem, sobre o compromisso – e estamos pensando exatamente nas que dão maior abertura para a decisão, como a possibilidade de decidir por equidade -, podem se aplicar, mas sempre dentro do limite das normas cogentes do Código de Defesa do Consumidor.” (A arbitragem e o direito do consumidor in Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Claudia Lima Marques, Bruno Miragem (organizadores) São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 931:932 v. 6).
[16] “1. Uma cláusula contratual que não tenha sido objecto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa-fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.
2. Considera-se que uma cláusula não foi objecto de negociação individual sempre que a mesma tenha sido redigida previamente e, consequentemente, o consumidor não tenha podido influir no seu conteúdo, em especial no âmbito de um contrato de adesão. O facto de alguns elementos de uma cláusula ou uma cláusula isolada terem sido objecto de negociação individual não exclui a aplicação do presente artigo ao resto de um contrato se a apreciação global revelar que, apesar disso, se trata de um contrato de adesão. Se o profissional sustar que uma cláusula normalizada foi objecto de negociação individual, caber-lhe-á o ónus da prova.
3. O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.
q) Suprimir ou entravar a possibilidade de intentar acções judiciais ou seguir outras vias de recurso, por parte do consumidor, nomeadamente obrigando-o a submeter-se exclusivamente a uma jurisdição de arbitragem não abrangida por disposições legais, limitando indevidamente os meios de prova à sua disposição ou impondo-lhe um ónus da prova que, nos termos do direito aplicável, caberia normalmente a outra parte contratante.”
[17] Entendimento diverso possuia o saudoso Professor Antonio Junqueira de Azevedo, para quem a arbitragem para consumidores por equiparação deveria seguir a orientação do artigo 4°, § 2°, da Lei n° 9.307/96: “Por outro lado, para não consumidores, a Lei de Arbitragem trouxe modificações ao próprio Código de Defesa do Consumidor. (...) Tendo em vista essa regra, a cláusula compromissória era também nula em contratos de adesão realizados entre não-consumidores, colocados em posição de desigualdade econômica. Agora, a nulidade deixa de ocorrer na forma ampla anteriormente determinada; será preciso ter em vista a regra específica do §2.° do art. 4.° da Lei de Arbitragem. Por essa regra, a cláusula compromissória terá eficácia, nos contratos de adesão, se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem, ou se manifestar sua concordância em documento anexo. A mesma disposição também considera válida a cláusula compromissória, se, redigida em negrito, o aderente puser sua assinatura, ou se puser visto, especialmente para ela.” (A arbitragem e o direito do consumidor in Direito do consumidor: tutela das relações de consumo. Claudia Lima Marques, Bruno Miragem (organizadores) São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 932 v. 6).
Mestrando em Direitos Difusos e Coletivos na PUC/SP. Bolsista CAPES.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KUNDRAT, Vitor Luis Artioli. Arbitragem nas relações de consumo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 maio 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39320/arbitragem-nas-relacoes-de-consumo. Acesso em: 23 dez 2024.
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