RESUMO: O presente estudo tem como objetivo apresentar a recente alteração de entendimento da Advocacia-Geral da União acerca da obrigatoriedade da manifestação jurídica nas contratações de pequeno valor pela Administração Pública Federal.
PALAVRAS-CHAVE: dispensa, licitação, pequeno valor, manifestação jurídica, desnecessidade.
A Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ao instituir as normas para licitações e contratos da Administração Pública, autorizou a dispensa de licitação em várias hipóteses, ainda que possível a competição. São circunstâncias peculiares que aconselham a contratação direta, desde que preenchidos os requisitos previstos em lei.
Dentre as hipóteses de dispensa elencadas na Lei nº 8.666/93, no que interessa ao presente estudo, convém destacar aquelas previstas nos incisos I e II do seu artigo 24, abaixo transcritos:
Art. 24. É dispensável a licitação:
I - para obras e serviços de engenharia de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso I do artigo anterior, desde que não se refiram a parcelas de uma mesma obra ou serviço ou ainda para obras e serviços da mesma natureza e no mesmo local que possam ser realizadas conjunta e concomitantemente;
II - para outros serviços e compras de valor até 10% (dez por cento) do limite previsto na alínea "a", do inciso II do artigo anterior e para alienações, nos casos previstos nesta Lei, desde que não se refiram a parcelas de um mesmo serviço, compra ou alienação de maior vulto que possa ser realizada de uma só vez;
Nesses casos, o legislador entendeu que, em função do pequeno valor financeiro envolvido, não se justificaria a realização de um procedimento licitatório pela Administração. Sobre o tema, o professor Marçal Justen Filho[1] assevera:
A pequena relevância econômica da contratação não justifica gastos com uma licitação comum. A distinção legislativa entre concorrência, tomada de preços e convite se filia não só à dimensão econômica do contrato. A lei determinou que as formalidades prévias deverão ser proporcionais às peculiaridades do interesse e da necessidade pública. Por isso, tanto mais simples serão as formalidades e mais rápido o procedimento licitatório quanto menor for o valor a ser despendido pela Administração Pública.
Depreende-se, pois, que, nessas hipóteses, em razão do pequeno valor envolvido, a legislação autoriza que se reduzam as formalidades prévias às contratações pela Administração Pública. Nesse sentido, uma questão há bastante tempo controversa e objeto de posicionamentos discordantes, não somente no âmbito da Advocacia-Geral da União, mas também em toda a Administração Pública Federal, dizia respeito à necessidade ou não de manifestação jurídica previamente à dispensa de licitação pela Administração Pública.
Com efeito, a Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, ao instituir a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União, previu expressamente, no seu artigo 11, o seguinte:
Art. 11 - Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:
a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade, ou decidir a dispensa, de licitação. (g.n.)
Ao interpretar a aplicação do artigo 11, VI, “b”, acima transcrito, os órgãos da Advocacia-Geral da União vinham entendendo, em sua maioria, pela obrigatoriedade da emissão de parecer jurídico nos casos de dispensa de licitação previstos nos incisos I e II do artigo 24 da Lei nº 8.666/93. Pelo entendimento majoritário dentro da AGU, o artigo 11, VI, “b”, da Lei Complementar nº 73/93 não autorizava uma interpretação mais restrita de modo a dispensar a prévia manifestação jurídica em alguns processos de dispensa de licitação. Exemplo disso é o Parecer nº 010/2012/DECOR/CGU/AGU, de 7 de fevereiro de 2012, aprovado pelo Despacho do Consultor-Geral da União nº 0495/2012, de 27 de abril de 2012, cuja conclusão foi no sentido de se exigir o prévio parecer jurídico nos processos de dispensa por pequeno valor.
A própria Procuradoria-Geral Federal, órgão vinculado à Advocacia-Geral da União e responsável pelo assessoramento jurídico prestado às autarquias e fundações públicas federais, editou, no ano passado, em 26 de agosto de 2013, a Portaria nº 526, com o objetivo de estabelecer diretrizes gerais para o exercício das atividades de consultoria e assessoramento jurídico prestadas às autarquias e fundações públicas federais. A citada portaria estabeleceu o que segue, no seu artigo 6º:
Art. 6º Serão objeto de análise jurídica prévia e conclusiva:
I - minutas de editais de licitação, de chamamento público e instrumentos congêneres;
II - minutas de contratos e de seus termos aditivos;
III - atos de dispensa e inexigibilidade de licitação, inclusive quando se tratar das situações previstas nos incisos I e II do artigo 24 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993;
IV - minutas de convênios, instrumentos congêneres e de seus termos aditivos;
V - minutas de termos de ajustamento de conduta, de termos de compromisso e instrumentos congêneres.
Parágrafo único. O disposto no caput deste artigo não afasta a obrigatoriedade de análise jurídica prévia estabelecida em legislações específicas, decretos, atos normativos editados pelas próprias autarquias e fundações públicas federais assessoradas, neste caso com prévia anuência do órgão de execução da Procuradoria-Geral Federal que detenha a competência prevista no artigo 3º desta Portaria, ou em outros atos normativos aplicáveis. (g.n.)
Vê-se, portanto, que o ato normativo publicado pela Procuradoria-Geral Federal instituiu de modo expresso que seria objeto de análise jurídica, prévia e conclusiva, os atos de dispensa e inexigibilidade de licitação, inclusive aqueles que tratassem das situações previstas nos incisos I e II do artigo 24 da Lei nº 8.666/93. Naquele momento, a controvérsia parecia resolvida, ao menos no âmbito da Procuradoria-Geral Federal.
Contudo, recentemente, em 26 de fevereiro de 2014, em sentido contrário, o Advogado-Geral da União, com o objetivo de uniformizar o entendimento sobre o tema, emitiu a Orientação Normativa nº 46, cujo teor segue abaixo colacionado:
Orientação Normativa nº 46, de 26 de fevereiro de 2014.
O Advogado-Geral da União, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I, X, XI e XIII do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o que consta do Processo nº 00400.010069/2012-81, resolve expedir a presente orientação normativa, de caráter obrigatório a todos os órgãos jurídicos enumerados nos arts. 2º e 17 da Lei Complementar nº 73, de 1993.
Somente é obrigatória a manifestação jurídica nas contratações de pequeno valor com fundamento no art. 24, I ou II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, quando houver minuta de contrato não padronizada ou haja, o administrador, suscitado dúvida jurídica sobre tal contratação. Aplica-se o mesmo entendimento às contratações fundadas no art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, desde que seus valores subsumam-se aos limites previstos nos incisos I e II do art. 24 da lei nº 8.666, de 1993.
Luís Inácio Lucena Adams
Percebe-se, então, que, a partir da edição da Orientação Normativa nº 46, passou a não ser mais obrigatória, na Administração Pública Federal, a emissão de manifestação jurídica nas contratações de pequeno valor com fundamento no artigo 24, I ou II, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, desde que não haja a necessidade de formalização de contrato ou haja minuta de contrato padronizada. Por outros termos, havendo a necessidade de se celebrar um contrato e não havendo minuta padronizada, a obrigatoriedade da manifestação jurídica permanece, assim como persiste a possibilidade de remessa dos autos ao órgão jurídico nos casos de dúvida jurídica sobre a contratação.
Verifica-se, ainda, que, de acordo com a Orientação Normativa AGU nº 46, a regra também se aplica às contratações por inexigibilidade, previstas no artigo 25 da Lei nº 8.666/93, desde que seus valores pertençam aos limites fixados nos incisos I e II do art. 24.
Ao que parece, portanto, a Advocacia-Geral da União se rendeu ao entendimento pelo qual a desnecessidade de se exigir formalidades prévias às contratações de pequeno valor compreende também, na maioria das vezes, a desnecessidade da emissão de prévia manifestação pelo órgão jurídico. É de se ressaltar que um forte argumento nesse sentido é o de que o parágrafo único do artigo 38 da Lei nº 8.666/93 só se refere às minutas de editais de licitação, contratos, acordos, convênios e ajustes, quando trata do prévio exame e aprovação pela assessoria jurídica da Administração Pública. Aliás, essa é a razão pela qual ainda se exige a prévia manifestação jurídica quando há a necessidade de se celebrar um contrato e não existe minuta padronizada no órgão. Além disso, alega-se que a ausência da remessa dos autos ao órgão jurídico para a análise dos processos de dispensa por pequeno valor está em consonância com o princípio da eficiência.
Como a grande parte das contratações de pequeno valor pela Administração Pública ocorre sem a formalização de um instrumento contratual, com fundamento no artigo 62 da Lei nº 8.666/93, que admite sua substituição por outros instrumentos hábeis, como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço, consequentemente, a partir da edição da Orientação Normativa AGU nº 46, a larga maioria das contratações de pequeno valor pela Administração Pública Federal é realizada sem uma prévia análise e manifestação do seu órgão de assessoramento jurídico.
Desta forma, o novo entendimento da Advocacia-Geral da União, a nosso sentir, por um lado, acelera o procedimento da contratação de pequeno valor pela Administração, tendo em vista que elimina uma fase do procedimento da contratação, a remessa dos autos para análise e manifestação do órgão jurídico, o que vai ao encontro do que reza o princípio da eficiência, inserido no artigo 37 da Constituição Federal. Por outro lado, a ausência da análise e manifestação do órgão jurídico nesses casos preocupa, pois pode acarretar em uma série de contratações decorrentes de processos mal instruídos ou, até mesmo, contratações ilegais, o que atenta contra os princípios da legalidade e moralidade, previstos no artigo 37 da Constituição Federal, além do princípio da economicidade, previsto no artigo 70 da Carta Magna.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Advocacia-Geral da União. Orientação Normativa nº 46, de 26 de fevereiro de 2014. Disponível em http://www.agu.gov.br/page/atos/detalhe/idato/1184009. Acesso em 15 de maio de 2014.
BRASIL. Advocacia-Geral da União. Parecer nº 010/2012/DECOR/CGU/AGU, de 7 de fevereiro de 2012. DISPENSA DE LICITAÇÃO. ART. 24, I E II, DA LEI Nº 8.666/93. NECESSIDADE DE PARECER JURÍDICO. ART. 11, V E VI, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 73/93. Considera-se obrigatória a emissão de parecer jurídico nos casos de dispensa de licitação previstos nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/93. Divulgado pelo Memorando Circular-Eletrônico nº 14/2012-DEPCONSU/PGF/AGU, de 8 de maio de 2012. Disponível em http://www.agu.gov.br/page/content/detail/id_conteudo/251826. Acesso em 15 de maio de 2014.
BRASIL. Advocacia-Geral da União. Procuradoria-Geral Federal. Portaria nº 526, de 26 de agosto de 2013. Disponível em http://www.agu.gov.br/page/atos/detalhe/idato/984974. Acesso em 15 de maio de 2014.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 15 de maio de 2014.
BRASIL. Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993. Institui a Lei Orgânica da Advocacia-Geral da União e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp73.htm. Acesso em 15 de maio de 2014.
BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8666cons.htm. Acesso em 15 de maio de 2014.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo: Dialética, 2012.
[1] Justen Filho, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 15 ed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 335.
Procurador Federal, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Michell Laureano. Desnecessidade de manifestação jurídica em processos que tratem de dispensa de licitação com fulcro nos incisos I e II do art. 24 da Lei nº 8.666/1993 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39392/desnecessidade-de-manifestacao-juridica-em-processos-que-tratem-de-dispensa-de-licitacao-com-fulcro-nos-incisos-i-e-ii-do-art-24-da-lei-no-8-666-1993. Acesso em: 23 dez 2024.
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