Resumo: O presente estudo tem por escopo analisar a possibilidade de extensão da imunidade tributária recíproca à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária - INFRAERO, mediante a correta compreensão da natureza jurídica de seus serviços, destacando-se, ao fim, as críticas que podem ser feitas ao julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo em Recurso Extraordinário 638.315 RG/BA.
Palavras-Chave: Direito Tributário – Imunidade – Empresa Pública – INFRAERO - Serviço Público – Infraestrutura Aeroportuária.
Sumário: Introdução. 1. Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – características gerais e natureza jurídica dos serviços prestados. 2. Inaplicabilidade do precedente firmado na ADPF 46. 3. Imunidade Tributária Recíproca e extensão às Empresas Públicas que prestam serviços públicos não exclusivos. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
As Varas de Execuções Fiscais da Justiça Federal têm sido palco de interessante discussão acerca da possibilidade de extensão da imunidade tributária recíproca prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal de 1988[1] à Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – INFRAERO.
De um lado, os municípios nos quais estão localizados os aeroportos administrados pela INFRAERO manifestam judicialmente a pretensão de cobrança de impostos de sua competência, principalmente o ISS, este que, segundo afirmam, deve incidir sobre os serviços aeroportuários prestados. Por outro lado, a INFRAERO, sob o fundamento de que presta serviço público à população, sustenta estar abarcada pela regra imunizante prevista no artigo 150, VI, a, da Constituição Federal de 1988.
O presente trabalho tem por finalidade, portanto, traçar os aspectos teóricos necessários para a construção de solução jurídico-científica adequada à querela em comento, de acordo com a natureza dos serviços prestados pela INFRAERO, realizando, para tanto, uma análise crítica do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal no Agravo em Recurso Extraordinário 638.315 RG/BA.
1. Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária – características gerais e natureza jurídica dos serviços prestados.
A INFRAERO é Empresa Pública Federal - personalidade jurídica de direito privado - cuja criação foi autorizada pela Lei n. 5.862/72[2], com objeto social expressamente delimitado em seu art. 2º, in verbis:
Art. 2º. A Infraero terá por finalidade implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária que lhe for atribuída pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República. (Redação dada pela Lei nº 12.462, de 2011)
Trata-se, em verdade, de hipótese de descentralização de serviço público, tendo em vista que o art. 21, XII, “c”, da CF/88 dispõe que compete à União, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária.
Diante de tal quadro normativo-constitucional, uma premissa deve ser imediatamente delimitada: a navegação aérea, aeroespacial e a infraestrutura aeroportuária são serviços públicos que podem ser prestadas por particulares, mediante autorização, concessão ou permissão da União. Portanto, a INFRAERO não presta o serviço de administração aeroportuária com exclusividade, muito menos sob o regime de privilégio. Prova disso é que, malgrado a INFRAERO seja responsável pela administração da maioria dos aeroportos brasileiros, existem aqueles que não estão sujeitos aos seus serviços, tais como os aeroportos de Lençóis, Teixeira de Freitas e Porto Seguro, todos localizados no Estado da Bahia, bem como o aeroporto de Juiz de Fora, em Minas Gerais, que são administrados pela SINART[3].
Diante de tal constatação, percebe-se claramente, data vênia, o equívoco perpetrado pelo Supremo Tribunal Federal[4] no julgamento do Recurso Extraordinário 363412, nos termos da ementa adiante transcrita:
E M E N T A. ... A INFRAERO, que é empresa pública, executa, como atividade-fim, em regime de monopólio, serviços de infra-estrutura aeroportuária constitucionalmente outorgados à União Federal, qualificando-se, em razão de sua específica destinação institucional, como entidade delegatária dos serviços públicos a que se refere o art. 21, inciso XII, alínea "c", da Lei Fundamental, o que exclui essa empresa governamental, em matéria de impostos, por efeito da imunidade tributária recíproca (CF, art. 150, VI, "a"), do poder de tributar dos entes políticos em geral. Conseqüente inexigibilidade, por parte do Município tributante, do ISS referente às atividades executadas pela INFRAERO na prestação dos serviços públicos de infra-estrutura aeroportuária e daquelas necessárias à realização dessa atividade-fim. O ALTO SIGNIFICADO POLÍTICO-JURÍDICO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA, QUE REPRESENTA VERDADEIRA GARANTIA INSTITUCIONAL DE PRESERVAÇÃO DO SISTEMA FEDERATIVO. DOUTRINA. PRECEDENTES DO STF. INAPLICABILIDADE, À INFRAERO, DA REGRA INSCRITA NO ART. 150, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO. - A submissão ao regime jurídico das empresas do setor privado, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributárias, somente se justifica, como consectário natural do postulado da livre concorrência (CF, art. 170, IV), se e quando as empresas governamentais explorarem atividade econômica em sentido estrito, não se aplicando, por isso mesmo, a disciplina prevista no art. 173, § 1º, da Constituição, às empresas públicas (caso da INFRAERO), às sociedades de economia mista e às suas subsidiárias que se qualifiquem como delegatárias de serviços públicos.
(RE 363412 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 07/08/2007, DJe-177 DIVULG 18-09-2008 PUBLIC 19-09-2008 EMENT VOL-02333-03 PP-00611 RTJ VOL-00206-01 PP-00407)
Para melhor compreensão do tema, deve-se afastar a malfadada idéia de que o traço diferenciador entre atividade econômica e serviço público é a finalidade lucrativa. Tal premissa é falsa.
Note-se que a possibilidade de autorização, concessão ou permissão da prestação de serviços públicos a particulares evidencia a viabilidade de intuito lucrativo na prestação de serviços públicos. Ou seja, o serviço público não é necessariamente gracioso em relação ao particular que o presta sob regime de autorização, concessão ou permissão, o que demonstra a possibilidade de concorrência neste setor, sendo exatamente por esta razão que o artigo 175 da CF/88[5] impõe a necessidade de licitação no caso de prestação de serviço público sob regime de concessão ou permissão.
No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello[6]:
Qualquer atividade (salvantes as de mera benemerência) e mesmo os serviços públicos mais típicos são suscetíveis de produzir lucro e de exploração lucrativa. Aliás, se não o fossem, não poderia existir a concessão de serviços públicos, pois o que nela buscam os concessionários é precisamente a obtenção de lucros com a exploração do serviço.
Diante do exposto, destaque-se que a atividade exercida pela INFRAERO não lhe foi atribuída com exclusividade, sendo possível que a infraestrutura aeroportuária seja administrada por empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, com fins lucrativos, não se tratando, portanto, de serviço público prestado sob o regime de privilégio[7].
2. Inaplicabilidade do precedente firmado na ADPF 46.
O julgamento da ADPF 46 constitui o principal precedente do STF acerca da possibilidade de extensão da imunidade tributária recíproca a Empresas Públicas. Todavia, os fundamentos que ensejaram a construção de tal precedente – atrelados especificamente ao serviço público postal – devem ser analisados de forma minudente e tutelar, justamente para que sejam evitadas comparações inapropriadas com situações aparentemente análogas, tal como a que constitui objeto do presente trabalho.
Nesse diapasão, ressalte-se que, na ADPF 46[8], restou consignado que o serviço postal não consubstancia atividade econômica, mas sim serviço público prestado com exclusividade sob regime de privilégio, razão pela qual a atividade postal seria imune de impostos, conforme artigo 150, VI, a, da CF/88. Os fundamentos da decisão devem ser claramente destacados, conforme ementa a seguir transcrita:
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI. 1. O serviço postal --- conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado --- não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empreendida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n. 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade. 8. Argüição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º desse ato normativo.
(ADPF 46, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 05/08/2009, DJe-035 DIVULG 25-02-2010 PUBLIC 26-02-2010 EMENT VOL-02391-01 PP-00020)
Um aspecto da decisão supracitada deve ser expressamente destacado: a concessão da imunidade aos Correios teve como fundamento a verdadeira premissa de que tal empresa pública presta serviço público em regime de privilégio, em caráter exclusivo, sem possibilidade de qualquer agente concorrencial. Nesta senda, Celso Antonio Bandeira de Mello[9], em seu tradicional Curso de Direito Administrativo, destaca a peculiaridade que caracteriza o serviço postal brasileiro, in verbis:
Há duas espécies de serviços que só podem ser prestados pelo próprio Estado, isto é, que não podem ser prestados por concessão, permissão ou autorização. São eles, o serviço postal e o correio aéreo nacional, como resulta do art. 21, X.
Isto porque, ao arrolar no art. 21 competências da União quanto à prestação de serviços públicos, menciona, nos incisos XI e XII (letras “a” a “f”) diversos serviços. A respeito deles esclarece que a União os explorará diretamente “ou mediante autorização, concessão ou permissão”. Diversamente, ao referir no inciso X ao serviço postal e ao correio aéreo nacional, não concedeu tal franquia. Assim, é visível que não quis dar o mesmo tratamento aos vários serviços que considerou.
Desta forma, tratando-se de serviço público prestado com exclusividade, seria mais adequado que a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - EBCT fosse constituída sob a forma de autarquia, todavia, quando da promulgação da Constituição Federal de 1988, a EBCT já existia como empresa pública, nos termos do Decreto-Lei n 509/69[10], tendo assim permanecido.
Por seu turno, a INFRAERO, ao contrário dos CORREIOS, presta serviço de natureza não exclusiva, tendo em vista que o artigo 21, XII, da CF/88 possibilita a prestação do serviço de infraestrutura aeroportuária sob o regime de autorização, concessão ou permissão. Constata-se, portanto, que o tratamento jurídico constitucional conferido ao serviço postal difere daquele dispensado ao serviço de infraestrutura aeroportuária, razão pela qual se pode afirmar que os fundamentos utilizados no julgamento da ADPF 46 não podem ser usados para estender a imunidade tributária recíproca à INFRAERO, não havendo espaço, portanto, para a adoção de solução resultante de analogia.
3. Imunidade Tributária Recíproca e extensão às Empresas Públicas que prestam serviços públicos não exclusivos.
Dentre outras limitações, a CF/88 impede os Entes Estatais de instituírem impostos entre si (art. 150, VI, a), fazendo surgir a chamada imunidade recíproca, que é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais ou dela decorrentes. Nestes termos preceitua o art. 150, VI, a, e §2º, da CF/88, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
...
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
A par disso, o §3º do art. 150 da CF/88 excepcionou a imunidade por extensão instituída no seu parágrafo antecedente – que, vale destacar, apenas beneficia as autarquias e as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público –, afastando-se a imunidade quando há contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas por parte dos usuários (art. 150, § 3º), in verbis:
§ 3º - As vedações do inciso VI, "a", e do parágrafo anterior não se aplicam ao patrimônio, à renda e aos serviços, relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis a empreendimentos privados, ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário, nem exonera o promitente comprador da obrigação de pagar imposto relativamente ao bem imóvel.
Assim, a imunidade recíproca constitucionalmente conferida às pessoas políticas, nos termos do art. 150, VI, a, da Lei Fundamental, decorre automaticamente dos princípios federativo e da isonomia, impedindo que uma crie embaraços à atuação da outra. De igual forma, simetricamente, a Constituição Federal atribuiu às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público – pessoas jurídicas de direito público, criadas pelos entes políticos para executar as atividades típicas da Administração Pública – a imunidade recíproca que vigora entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, limitando-a, contudo, ao patrimônio, renda e aos serviços vinculados às suas finalidades essenciais.
Nessa esteira de intelecção, impõe-se a conclusão no sentido de que as empresas estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista), pessoas jurídicas de direito privado, não estão imunes ao pagamento de impostos, seja quando prestam serviço público seja quando exercem atividade econômica. Essa é a regra.
Apenas excepcionalmente a imunidade tributária em comento é extensível a empresas estatais, tão-somente nas hipóteses em que prestem serviço público em caráter de exclusividade, sob regime de privilégio, tal como declarado pelo STF na já citada ADPF 46. E isso decorre justamente da constatação de que, se o serviço público é prestado com exclusividade, seria mais técnico descentralizar a sua prestação para uma autarquia, hipótese na qual a imunidade tributária incidiria por expressa disposição constitucional (art. 150, §2º da CF/88).
Desta forma, a caracterização de um dado serviço público como exclusivo é fundamental para compreensão da excepcional possibilidade de extensão da imunidade tributária recíproca à empresa estatal que o presta. Nestes termos, caso seja prestado sob regime de privilégio, tal como o serviço postal, é possível estender à empresa estatal respectiva a imunidade tributária em comento; caso contrário, a solução é exatamente a oposta. Todavia, constata-se que essa diferenciação teórica não foi levada em consideração pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Agravo em Recurso Extraordinário 638.315 RG/BA[11], conforme ementa adiante transcrita:
RECURSO. Extraordinário. Imunidade tributária recíproca. Extensão. Empresas públicas prestadoras de serviços públicos. Repercussão geral reconhecida. Precedentes. Reafirmação da jurisprudência. Recurso improvido. É compatível com a Constituição a extensão de imunidade tributária recíproca à Empresa Brasileira de Infraestrututa Aeroportuária – INFRAERO, na qualidade de empresa pública prestadora de serviço público.
(ARE 638315 RG, Relator(a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 09/06/2011, DJe-167 DIVULG 30-08-2011 PUBLIC 31-08-2011 EMENT VOL-02577-02 PP-00183 )
Ainda existem outros motivos para contrapor o precedente em referência, senão vejamos.
Além da Constituição Federal não ter estendido a imunidade dos impostos às empresas estatais, pois somente a assegurou, expressamente, aos entes políticos e às suas pessoas administrativas de direito público, ainda vedou que a referida imunidade alcance situações nas quais as pessoas beneficiadas explorem atividades econômicas regidas pelas normas aplicáveis aos empreendimentos privados ou, ainda, em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário dos seus serviços (art. 150, § 3º, CF).
Ora, ainda que se tome a atividade desempenhada precipuamente pela embargante como serviço público, não se pode olvidar que a legislação da qual decorre a sua instituição elenca as tarifas aeroportuárias como uma de suas fontes de receitas.
Constituindo a INFRAERO, a Lei n. 5.862/72 estabelece o seu objeto e as suas fontes de receita nos arts. 2º e 6º, in verbis:
Art. 2º A Infraero terá por finalidade implantar, administrar, operar e explorar industrial e comercialmente a infraestrutura aeroportuária que lhe for atribuída pela Secretaria de Aviação Civil da Presidência da República. (Redação dada pela Lei nº 12.462, de 2011)
Parágrafo único. Para cumprimento do objeto social da INFRAERO, fica autorizada: (Incluído pela Medida Provisória nº 551, de 2011)
I - a criação de subsidiárias pela INFRAERO; e (Incluído pela Medida Provisória nº 551, de 2011)
II - a participação da INFRAERO e de suas subsidiárias, minoritária ou majoritariamente, em outras sociedades públicas ou privadas. (Incluído pela Medida Provisória nº 551, de 2011)
Parágrafo único. Para cumprimento do objeto social da Infraero, fica autorizada: (Incluído pela Lei nº 12.648, de 2012)
I - a criação de subsidiárias pela Infraero; e (Incluído pela Lei nº 12.648, de 2012)
II - a participação da Infraero e de suas subsidiárias, minoritária ou majoritariamente, em outras sociedades públicas ou privadas. (Incluído pela Lei nº 12.648, de 2012)
Art. 6º Os recursos da INFRAERO serão constituídos de:
I - tarifas aeroportuárias arrecadadas nos aeroportos por ela diretamente administrados, com exceção daquelas relativas ao uso das comunicações e dos auxílios à navegação aérea em rota;
Il - verbas orçamentárias e recursos do Fundo Aeroviário a ela destinados pelo Ministério da Aeronáutica;
III - créditos especiais que lhe forem destinados;
IV - rendimentos decorrentes de sua participação em outras empresas;
V - produto de operações de crédito, juros e venda de bens patrimoniais ou de materiais inservíveis;
VI - recursos recebidos como retribuição pela prestação de assistência técnica, especializada ou admistrativa;
VII - recursos provenientes de outras fontes.
(grifos acrescidos)
Assim, quando há contraprestação ou pagamento dos usuários pela prestação de serviços públicos – o que ocorre sob a forma de tarifas ou preços –, com muito mais razão estará afastada a imunidade pleiteada pela INFRAERO, haja vista que, nas mesmas condições, nem as autarquias nem as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público podem invocar o referido benefício (art. 150, § 3º, CF).
Outrossim, além dos recursos decorrentes da cobrança de tarifa dos usuários da infraestrutura aeroportuária, é de conhecimento público que a INFRAERO desenvolve uma série de outras atividades que não podem ser descritas como serviços públicos, tais como a administração das concessões de uso de áreas no interior dos aeroportos brasileiros, com finalidade claramente comerciais, viabilizando a implementação dos denominados “aeroshoppings”.
Ademais, reitere-se que a simples possibilidade do serviço explorado pela embargante poder ser prestado por outra pessoa de direito privado, nos termos do art. 21, XII, CF, em razão de autorização, concessão ou permissão, evidencia o total descabimento da extensão da imunidade de impostos à INFRAERO, isto porque a concessão deste benefício à empresa estatal que presta os seus serviços em regime de concorrência com o particular acarretaria a quebra da isonomia e faria surgir uma flagrante concorrência desleal.
Nesta senda, alerte-se que a participação do setor privado na administração aeroportuária brasileira tem sido inclusive incentivada pelo Governo Federal. É o que evidencia os recentes e bem sucedidos leilões realizados para a concessão dos aeroportos de Guarulhos, Viracopos e Brasília[12].
Conclusão
Malgrado o Supremo Tribunal Federal venha consolidando a sua jurisprudência no sentido de que é compatível com a Constituição federal de 1988 a extensão de imunidade tributária recíproca à Empresa Brasileira de Infraestrututa Aeroportuária – INFRAERO, esta não parece ser a melhor solução a ser conferida à espécie, haja vista que a atividade exercida pela INFRAERO não lhe foi atribuída com exclusividade, sendo possível que a infraestrutura aeroportuária seja administrada por empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos, com fins lucrativos, não se tratando, portanto, de serviço público prestado sob o regime de privilégio.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
__________. Lei n. 5.862/72, de 12 de dezembro de 1972. Autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 dez. 1972.
__________. Decreto-lei n. 509/69, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 março 1969, retificado em 25 março 1969.
__________. Supremo Tribunal Federal. RE 363412 AgR. Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 07/08/2007.
__________. Supremo Tribunal Federal. ADPF 46. Rel. Min. MARCO AURÉLIO. Rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, julgado em 05/08/2009.
__________. Supremo Tribunal Federal. ARE 638315 RG. Rel. Min. Presidente, julgado em 09/06/2011.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 17ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2007.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 667.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009.
[1] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
[2] BRASIL. Lei n. 5.862/72, de 12 de dezembro de 1972. Autoriza o Poder Executivo a constituir a empresa pública denominada Empresa Brasileira de Infra-Estrutura Aeroportuária - INFRAERO, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 13 dez. 1972.
[3] http://www.sinart.com.br/negocio_aeroporto.php - Consulta em 01 de março de 2014.
[4] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE 363412 AgR. Rel. Min. CELSO DE MELLO, julgado em 07/08/2007.
[5] Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
[6] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Grandes Temas de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 306.
[7] Eros Roberto Grau, com habitual clareza, afirma que “monopólio é de atividade econômica em sentido estrito. Já a exclusividade da prestação dos serviços públicos não e expressão senão de uma situação de privilégio”. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 14ª ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 139.
[8] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF 46. Rel. Min. MARCO AURÉLIO. Rel. p/ acórdão Min. Eros Grau, julgado em 05/08/2009.
[9] MELLO, Celso Antônio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 667.
[10] BRASIL. Decreto-lei n. 509/69, de 20 de março de 1969. Dispõe sobre a transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos em empresa pública, e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 março 1969, retificado em 25 março 1969.
[11] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ARE 638315 RG. Rel. Min. Presidente, julgado em 09/06/2011.
[12] http://www.infraero.gov.br/index.php/transparencia/concessao.html - Consulta em 01 de março de 2014.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Servidor efetivo da Justiça Federal lotado no gabinete da Juíza Federal Substituta da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ABREU, Flávio Henrique de Oliveira. Imunidade Tributária Recíproca e INFRAERO - análise crítica da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39417/imunidade-tributaria-reciproca-e-infraero-analise-critica-da-jurisprudencia-do-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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