Resumo: O presente trabalho volta-se a uma análise sucinta acerca do princípio da eficiência, identificando-o como marco para a implantação de um modelo de Administração Pública Gerencial no Direito brasileiro, esboçando as posições doutrinárias e jurisprudenciais sobre o tema.
PALAVRAS–CHAVE: Administrativo. Princípio da eficiência. Administração Pública Gerencial.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. DESENVOLVIMENTO; 2.1. O ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO E O MODELO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL; 2.2. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA; 2.2.1. BASE CONSTITUCIONAL. 2.2.2. CONCEITO; 2.2.3. CONTEÚDO; 3. CONCLUSÃO; 4. BIBLIOGRAFIA.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho busca analisar o princípio da eficiência sob diferentes aspectos, identificando-o como paradigma para o rompimento do modelo de administração pública burocrático e a consolidação de um novo Direito Administrativo, modernizado, reflexo das transformações marcantes na ordem econômica, política e social do Estado contemporâneo.
Por oportuno, convém esclarecer o sentido que se busca emprestar à expressão “Administração Pública Gerencial”. Refere-se como Administração Gerencial um modelo de Administração Pública compatível com a nova ordem mundial globalizada, marcada por uma crescente diminuição do intervencionismo estatal que marcou o Século XX, bem como voltada à ampliação de parcerias entre o setor público e o privado.
Tal modelo de gestão foi implementado por meio das Emendas Constitucionais nº 19 e 20, que empreenderam uma verdadeira Reforma Administrativa no Estado brasileiro.
A concepção de Administração Gerencial possui o escopo não de enfraquecer o Estado, mas sim de fortalecê-lo, intensificando ainda mais as raízes do regime democrático, de forma a garantir a estabilidade econômica e o desenvolvimento sustentado.
É com base em tais premissas que se passa ao estudo do princípio da eficiência, sua base normativa, seu conteúdo e suas nuances, a permitirem a sua identificação como postulado da Administração Pública Gerencial.
2. DESENVOLVIMENTO
2.1. O ESTADO SOCIAL E DEMOCRÁTICO E O MODELO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL
O Estado contemporâneo, diante da nova ordem econômica inaugurada no fim do Século XX, teve que deixar de lado as amarras da burocracia, que obstaculizavam o pleno exercício da atividade administrativa, e passou a assumir uma feição moderna, livre dos vícios do clientelismo político e dos entraves excessivos provocados por uma gestão da máquina pública pouco (ou nada) eficiente.
Esse processo de (re)estruturação do Estado foi possível, contudo, em virtude de uma mudança substancial dos modelos econômicos, que abandonaram o ultrapassado padrão do liberalismo, dando lugar ao Estado Social e Democrático, executor das prestações de serviços coletivos essenciais e fomentador da atividade econômica.
É nesse contexto que surge a concepção do modelo da Administração Pública Gerencial, voltado precipuamente a garantir o papel regulador do Estado, a recuperação de sua capacidade financeira e administrativa e o aumento da “governabilidade”, que é a capacidade política do governo de intermediar interesses e garantir legitimidade frente ao administrado.
De acordo com Bresser Pereira, ex-Ministro da Administração e da Reforma Administrativa e principal idealizador do modelo de Administração Gerencial brasileiro, trata-se de “uma nova forma de gestão da coisa pública, mais compatível com os avanços tecnológicos, mais ágil, descentralizada, mais voltada para o controle de resultados do que o controle de procedimentos, e mais compatível com o avanço da democracia em todo o mundo, que exige uma participação cada vez mais direta da sociedade na gestão pública”[1].
Reclama-se do Estado, cada vez mais, a otimização do seu agir e a condução em termos adequados à realização dos fins colimados pela sociedade. Questiona-se a omissão no agir e, até mesmo, a qualidade do agir estatal. Não pode o Estado descuidar de atuar com eficiência, justificando os recursos que extrai da sociedade com resultados socialmente relevantes.
É inserido nessa nova dinâmica que se apresenta não apenas relevante, como também necessário, o modelo de gestão consubstanciado na Administração Gerencial, de forma a adaptar-se aos reclamos do Estado Social e Democrático, a serem alcançados mediante a incorporação de valores indissociáveis a essa nova realidade, traduzidos pelo princípio da eficiência, que ganha papel de destaque nessa fase de redefinição das estruturas estatais.
2.2. O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA
2.2.1. BASE CONSTITUCIONAL
Diz-se que o princípio da eficiência ingressou no ordenamento constitucional brasileiro a partir da EC-19/98, que o introduziu expressamente no art. 37 da CF/88 como princípio geral da Administração Pública.
Contudo, impende asseverar que a redação original da Constituição Federal de 1988 já contemplava de maneira expressa o princípio da eficiência, mencionando-o em diversos dispositivos.
Assim, a sua enunciação expressa no caput do art. 37 da CF/88 somente se justifica se emprestarmos a tal postulado um significado antes não alcançado pela ordem constitucional então vigente.
E é justamente sob o aspecto da Administração Gerencial que o princípio da eficiência deve ser analisado após a EC-19/98, refletindo os valores que se buscou alcançar com a Reforma Administrativa do Estado, vale dizer, a inovação no tratamento de estruturas e métodos de gestão da coisa pública e mecanismos mais eficazes de controle da atuação estatal.
Com efeito, foi com a Reforma Administrativa operada pela Emenda nº 19/98 que o princípio da eficiência foi alçado a nível de princípio fundamental da Administração Pública, a nortear, juntamente com os demais princípios indicados no caput do art. 37 da CF/88, a conduta do administrador e a gestão da coisa pública.
A inclusão da eficiência entre os princípios fundamentais da Administração Pública leva à conclusão de que tal postulado deve ser entendido e aplicado de maneira associada aos demais princípios insertos no caput do art. 37 da CF/88, quais sejam, os da legalidade, impessoalidade, moralidade e proporcionalidade.
A percepção isolada e absoluta do postulado da eficiência pode levar a distorções indesejáveis e extremamente perigosas, daí porque deve ser entendido como componente da própria legalidade, percebida sob um ângulo material, e não apenas formal.
2.2.2. CONCEITO
Como o legislador constitucional não se preocupou em conceituar o princípio da eficiência, coube à doutrina e à jurisprudência desempenhar essa tarefa.
De acordo com a clássica lição de Hely Lopes Meirelles:
“Dever de eficiência é o que impõe a todo agente público de realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. É o mais moderno princípio da função administrativa, que já não se contenta em ser desempenhada apenas com legalidade, exigindo resultados positivos para o serviço público e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade e de seus membros.”[2]
Esse é o sentido clássico que a doutrina emprestou ao princípio da eficiência.
Contudo, tal conceituação não se mostra suficiente para expressar o real significado do postulado após a Reforma Administrativa do Estado operada pelas Emendas Constitucionais nº 19 e 20.
Atualmente, o conceito de eficiência está relacionado à noção de Administração Gerencial, consubstanciando-se em princípio fundamental a orientar a Administração Pública no sentido de atender o cidadão na exata medida de suas necessidades, de forma ágil, mediante utilização racionalizada dos recursos públicos, oportunizada por uma organização interna adequada a tal desiderato.
É com base em tal conceito que se pode alcançar o real conteúdo do princípio da eficiência, a ser evidenciado a seguir.
2.2.3. CONTEÚDO
Da análise de seu conceito, acima exposto, depreende-se que o princípio da eficiência é pluridimensional, não devendo, jamais, ser reduzido a uma mera busca pela eficácia, nem a uma simples economicidade no uso dos recursos públicos.
A propósito, não se deve confundir a eficácia com o princípio da eficiência. Entende-se por eficácia a consecução dos resultados pretendidos, com o mínimo de dispêndio possível, enquanto que a eficiência, embora pressuponha a eficácia administrativa, não se limita a ela. Com efeito, a eficácia se contém na eficiência.
Feita a distinção, cumpre analisar o real conteúdo do princípio da eficiência.
Hodiernamente, o dever de eficiência imposto ao Estado possui três dimensões: a) idoneidade da ação; b) racionalidade no uso dos meios; c) satisfatoriedade dos resultados.
Não basta que o Estado cumpra suas finalidades impostas por lei. É necessário que a prestação seja idônea para alcançar o fim colimado, atendendo o cidadão na exata medida de sua necessidade, mediante uso racional dos recursos públicos.
É esse o atual sentido do princípio da eficiência, de acordo com a nova concepção da atividade administrativa do Estado, relacionada ao modelo de Administração Pública Gerencial, que foi incorporado pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio das Emendas Constitucionais nº 19 e 20.
Importa consignar, por oportuno, que o princípio da eficiência, sob esse viés, fortalece o chamado controle a posteriori de resultados, possibilitando a aferição da qualidade do serviço prestado.
Muda-se o foco: aspectos meramente formais são deixados de lado, ao passo em que o resultado obtido com o serviço público realizado ganha maior destaque.
Contudo, convém advertir que há, ainda, alguns entraves à completa realização do postulado da eficiência, eis que o modelo de gestão administrativa brasileiro mostra-se incipiente, esbarrando em certos obstáculos que impedem o alcance de um estágio mais avançado de Administração Gerencial, a maior parte deles ligados aos recursos humanos.
É aí que surgem importantes discussões acerca da estrutura organizacional do Estado brasileiro e das amarras que ainda impedem a excelência dos serviços prestados por entes estatais, como, por exemplo, o número insuficiente de servidores para acompanhar a demanda excessiva dos administrados, as formas de avaliação de desempenho dos servidores, o problema inerente às funções de confiança e, até mesmo, a garantia de estabilidade aos servidores públicos.
3. CONCLUSÃO
A Reforma Administrativa operada pelas Emendas Constitucionais nº 19 e 20, de 1998, serviu para adequar o ordenamento jurídico brasileiro à nova ordem econômica, impondo à Administração Pública uma atuação compatível com o Estado Social e Democrático, atrelada à concepção de Administração Gerencial, rompendo, ao menos em tese, a tão consolidada burocracia estatal.
Surge, então, como paradigma desse processo de re-estruturação da organização administrativa do Estado brasileiro, o postulado da eficiência, alçado ao nível de princípio fundamental da Administração Pública, servindo como elemento norteador da proposta de recuperação da capacidade financeira do Estado e, até mesmo, de redefinição dos institutos democráticos.
Destarte, a nova percepção do postulado da eficiência e o seu atual papel de protagonismo no Direito Administrativo contemporâneo impôs significativa mudança na forma de gestão da coisa pública, inaugurando uma nova ordem social e democrática, com efetivos mecanismos de controle da atuação estatal.
Contudo, a Reforma Administrativa brasileira ainda é tímida. A completa realização do princípio da eficiência esbarra em entraves estruturais, notadamente no que diz respeito à defasagem do número de servidores públicos, às pouco profícuas avaliações de desempenho, a garantia de estabilidade aos servidores públicos e o problema relacionado às funções de confiança.
Assim sendo, afigura-se essencial um amplo debate sobre o tema, de forma a verificar o real estágio de desenvolvimento do modelo de Administração Pública brasileiro, analisando-se os reais avanços e identificando os entraves à concretização de um modelo ideal de Administração Gerencial.
4. BIBLIOGRAFIA
BRESSER PEREIRA, Luiz C. Reforma do Estado para a Cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo, Brasília: 34/ ENAP, 1998.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Lumen Iuris, 17ª edição, 2007, p. 265–281.
DI PIETRO, Maria S. Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 15ª edição, 2003.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 10ª edição, 2006.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 21 ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 90.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 22ª edição, 2007.
MODESTO, Paulo. Notas para um Debate sobre o Princípio Constitucional da Eficiência. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, nº. 2, maio, 2001. Disponível em: . Acesso em: 02 de abril de 2014.
[1] BRESSER PEREIRA, Luiz C. Reforma do Estado para a Cidadania: a reforma gerencial brasileira na perspectiva internacional. São Paulo, Brasília: 34/ ENAP, 1998.
[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. 21. ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 20.
Advogada, Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Pós Graduanda em Direito Previdenciário pela UNIDERP - Universidade Anhanguera.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SARAIVA, Izabela Novaes. O princípio da eficiência como postulado da Administração Pública gerencial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39422/o-principio-da-eficiencia-como-postulado-da-administracao-publica-gerencial. Acesso em: 23 dez 2024.
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