RESUMO: Com a conformação constitucional conferida à competência tributária do ISSQN, percebe-se que apenas os serviços tributáveis dão ensejo à incidência dessa espécie de imposto. Parte-se do entendimento de que o contrato de franquia consiste em uma cessão de direitos de marca em que o franqueador transmite aos franqueados conhecimentos específicos para a disposição de produtos ou serviços no mercado consumidor, não podendo, portanto, ser conformado como obrigação de fazer e, por conseguinte, serviço tributável. Assim, afronta o texto constitucional dispositivo normativo que prevê a incidência do ISSQN nos contratos de franquia, já que se trata de uma cessão de direitos e não de serviço tributável.
Palavras-chaves: Franquia; impostos sobre serviço; competência tributária; serviço tributável; cessão de de direitos
OS CONTRATOS DE FRANQUIA E SUA INCLUSÃO NA LISTA ANEXA DA LEI COMPLEMENTAR 116/2003
O Dec-Lei 406/68, que disciplinava a exação municipal do ISSQN, não havia incluído em sua lista anexa, a atividade do franchising. Porém, em 2003, com a publicação da LC 116/03, que dispõe atualmente sobre o ISSQN, inclui, em sua lista anexa, no item 17.08, a atividade de franquia.
Interessante notar, todavia, que a discussão acerca da possibilidade de incidência do ISSQN no franchising havia antes mesmo da inclusão pela atual lei complementar. Isto porque os Municípios alegavam que o franchising tratava-se de uma locação de bens móveis. Paulo de Barros Carvalho (CARVALHO, 2006, pag. 65) assim recorda:
A imposição do recolhimento desse imposto ocorria mediante introdução de dispositivos nas legislações municipais, estendendo o conceito de locação de bens móveis para albergar a atividade da franquia
Quando se imaginava, então, que essa discussão já estava pacificada em face de reiteradas decisões do STJ, a exemplo do REsp 222.246/MG, Rel. Min. José Delgado, DJU 04-09-2000, eis que a LC n° 116/03 ressurgiu a discussão acerca da tributação do ISSQN na atividade de franquia, ao incluir expressamente esta atividade na lista de serviços tributáveis.
Assim, na realidade, a intenção do legislador complementar foi conferir aos Municípios a possibilidade de instituir, arrecadar e fiscalizar o ISSQN sobre os pagamentos de royalties recebidos pelos franqueadores, já que se trata da remuneração paga a estes pelos franqueados.
Conforme as lições de Paulo de Barros Carvalho, é possível identificar em uma dada regra-matriz de incidência tributária, seus critérios material, temporal, especial e quantitativo.
O critério material contido na regra-matriz de incidência tributária identifica-se pelo verbo. No caso, o verbo prestar, ínsito ao critério material de incidência do ISSQN, é apropriado para abarcar o franchising? Conquanto se admita que o verbo prestar possa vir acompanhado de uma atividade que não seja serviço, a reposta até que poderia ser afirmativa.
Porém, o verbo prestar, nos estritos limites definidos pela Constituição (art. 156, inciso III) jamais poderá ser objeto de plasticidade para albergar aquilo que não seja naturalmente serviço. Esta é uma exigência constitucional traduzida pela rigidez das competências tributárias que não autoriza o legislador infraconstitucional a moldar conceitos de Direito Privado.
Portanto, não se é autorizado a dar plasticidade ao verbo prestar para que se contenha em seu complemento aquilo que não seja serviço. Significa dizer que só se presta serviço e não cessão de direitos, que é o cerne da atividade do franchising.
Por oportuno, convém registrar, a par das lições de Orlando Gomes, o conceito de serviço como sendo o dispêndio do trabalho humano, técnico ou intelectual, periódico ou de prazo indeterminado, dotado de conteúdo econômico, com ou sem a utilização de equipamentos ou instrumentos, consistente em uma obrigação de fazer, em favor de terceiro, que pactua com o prestador para que este lhe dê uma solução adequada e específica para determinado caso, seja com a finalidade de criação, melhoramento, expansão, reparação ou extinção. (GOMES apud BARRETO, 2005, pag. 43).
De modo análogo, apenas para reforçar esse entendimento, registre-se a Súmula Vinculante n° 31 do Supremo Tribunal Federal que veda a incidência de ISS sobre a locação de bens móveis, em razão de que a locação de bens móveis não pode ser considerada serviço tributável.
De toda sorte, para se prosseguir na construção de um possível desenho da regra-matriz de incidência do ISSQN, no tocante à atividade do franchising, passe-se ao exame dos critérios temporal e espacial.
Pelo critério temporal, o art. 116 do CTN define que se reputa ocorrido o fato quando se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios tratando-se de situação de fato e, na hipótese de tratar-se de situação jurídica, esta esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.
Complementa Aires Barreto, ao escrever sobre o critério temporal do ISSQN:
Para bem equacionar essa importante questão é mister ter presente que os faots suscetíveis de dar origem à incidência do ISS precisam ser desdobrados em fracionáveis e não fracionáveis. Essa bipartição é crucial porque se o fato for fracionável, o aspecto temporal pode ser tido por completado quando da ultimação de cada fração. Se invesamente, não puder ser secionado este imposto só se tornará exigível quando da integral conclusão do fato (BARRETO, 2005, p. 301).
Conforme esse entendimento, a atividade do franchsing seria, supostamente, admitida como de prestação fracionada, posto que a base de cálculo do ISSQN sobre o franchsing seria o recebimento dos royalties pelos franqueadores, que é devido mensalmente.
A ressalva que se faz constante ao critério temporal esboçado pela LC 116/03 é no sentido de que o pagamento na forma de royalties não traduz uma contraprestação em face de um serviço fracionado, até mesmo porque é impossível cogitar que, sendo uma prestação de serviço fracionado, a cessão de direitos de uso de marca ou patentes fosse secionada. Significa dizer, o franqueador não poderá jamais ceder de forma fracionada seus direitos, que devem ser transmitidos ao franqueado em sua completude.
Além disso, seria uma tarefa incomensurável tentar fixar o momento da execução do serviço de franchising, visto que de serviço não se trata.
Assim, o critério temporal já é suficiente para demonstrar a impossibilidade de se admitir cessão de direitos com prestação de serviço.
No tocante ao critério espacial, a regra emanada pela própria LC 116/03 é no sentido de adotar o estabelecimento do suposto prestador já que a atividade do franchising não se enquadra numa das hipóteses de exceção (local da prestação do serviço) do art. 3° dessa Lei Complementar.
De modo que, se admitidno como pressuposto o estabelecimento do prestador, o ISSQN devido deveria ser cobrado pelo Município no qual é domiciliado, neste caso, o franqueador.
O critério espacial não aduz críticas aprofundadas, ao ponto que se passa ao exame do prescritor da regra-matriz de incidência, que compreende os critérios pessoal e quantitativo.
O critério pessoal tem o condão de revelar o aspecto subjetivo da relação jurídica tributária. Concernente ao franchising, o sujeito ativo seria o Município onde estaria domiciliado o franqueador e este seria o sujeito passivo.
De fato, é no critério quantitativo onde residem as críticas mais contundentes. Como já exposto anteriormente, o critério quantitativo compreende a alíquota e a base de cálculo do tributo. Apesar de, na alíquota, não haver muito o que se discutir, a definição da base de cálculo do ISSQN aplicável a atividade de franquia, torna-se uma tarefa confusa e com tantas impropriedades que, por si só, já seriam suficientes para não cogitar a possibilidade de incidência do ISSQN nas atividades do franchising.
Isto porque as formas remuneratórias do contrato de franquia são os royalties, o FPP (Fundo de propaganda e promoção) e a taxa inicial de filiação.
Assim, cabem os seguintes questionamentos: a taxa inicial de filiação e o FPP deveria ser incluídos na base de cálculo do ISS? Mais: seria possível dissociar as despesas decorrentes do contrato de franquia sem desconstituir a autonomia do negócio jurídico? E a mais fundamental das perguntas: pode a base de cálculo do ISS admitir valores advindos daquilo que não seja serviço tributável? Para esta última, outra resposta não seria admissível se não fosse pela sua negativa.
Com raciocínio similar, Paulo de Barros Carvalho, elucida: ”andou bem o legislador (...) ao enunciar, no art. 7°, que a ‘base de cálculo do imposto é o preço do serviço’. Sem que haja preço, ou seja, valor correspondente à remuneração do serviço prestado, inadmissível falar-se em tributação pelo ISS”( CARALHO, 2006, p. 76).
Tantos questionamentos são possíveis para tentar enquadrar a atividade de franquia na base de cálculo do ISS que por si só já impossibilitariam a exação municipal, vez que incerteza, a imprecisão e as dúvidas solapam a noção de certeza e precisão que deve conter nas normas tributárias.
De qualquer modo, tendo em vista a hipótese frustrada de adequar a atividade do franchising no bojo da regra-matriz de incidência do ISS, conforme a dicção do item 17.08 da lista anexa da LC 116/03, que autoriza o Município a instituir, arrecadar e fiscalizar tal imposto, conclui-se a) pelo não enquadramento, no critério material, de atividade que não seja propriamente serviço, visto que se trata de cessão de direitos; b) pela indefinição relativa à fixação do critério temporal; e c) pela impossibilidade de individualizar parte da remuneração no tocante a um dever específico para sustentar a base de cálculo.
Portanto, no critério material, já se denota claramente uma inconstitucionalidade, pois o texto constitucional obriga que o ISS incida somente em prestação de serviços, não em cessão de direitos.
No aspecto temporal e quantitativo, especificadamente a base de cálculo, a tarefa de sua determinação é inviável, posto que revela incerteza, não sendo possível defini-los com clareza no âmbito da regra-matriz de incidência do ISS aplicável à atividade do franchsing.
Desse modo, propugna pela inconstitucionalidade da sujeição do franchising à tributação municipal através do ISSQN.
O ART. 110 DO CTN E A VEDAÇÃO DE ALTERAÇÃO, PELA LEI TRIBUTÁRIA, DE CONTEÚDO, ALCANCE E CONCEITOS DE INSTITUTOS DE DIREITO PRIVADO
O Direito Tributário não é ramo isolado do Direito, até mesmo porque este é uno. Assim, o aplicador necessita de soluções integrativas para sanar as lacunas. Nesse mister, o legislador elegeu os princípios gerais do Direito Privado como um recurso integrativo, conforme dispõe o art. 109 do CTN:
Art. 109. Os princípios gerais do direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários.
Este dispositivo denota que, apesar de os efeitos tributários serem passíveis de alteração, a essência, isto é, o conceito dos institutos de direito privado jamais podem ser modulados pelo legislador tributário a fim de modificá-los. Essa assertiva é confirmada com bastante clareza pelo art. 110 do CTN.
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance dos institutos de direito privado utilizados, expressa ou implicitamente pela Constituição Federal, pela Constituição dos Estados ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.
Assim, devem ser preservados os institutos de direito privado em sua estrutua intacta na legislação tributária, muito embora, os efeitos decorrentes de sua própria natureza possam ser modulados pelo legislador.
Recorra-se, oportunamente, às doutas lições de Paulo de Barros Carvalho:
(...) a liberdade de que desfruta o legislador tributário para disciplinar os efeitos jurídicos inerentes aos tributos encontra um obstáculo poderoso e definitivo: É-lhe vedada a possibilidade de alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado (...) (CARVALHO, 2007, pag. 106).
Nesse mesmo sentido, Hugo de Brito Machado é enfático ao afirmar que se um conceito jurídico, legal ou doutrinário, é utilizado no texto constitucional, nem o legislador nem o interprete poderão alterá-lo (MACHADO, 2004, p. 118)
A ALTERAÇÃO DO ALCANCE E DO CONCEITO DOS CONTRATOS DE FRANQUIA PELA LEI COMPLEMENTAR 116/03
É premissa fundamental do art. 156, inciso II da Constituição Federal que o ISSQN incida exclusivamente sobre serviços. Esta premissa é de inafastável observância para o legislador infraconstitucional que, na oportunidade de tratar de assuntos que dizem respeito ao ISS, jamais pode exorbitar daquilo que seja serviços para fins de tributação.
Assim, a LC 116/03 deve contemplar a diretiva de que o ISSQN incidirá exclusivamente sobre serviços tributáveis.
É inequívoco, portanto, que ao incluir o franchising na lista anexa de serviço tributável, o legislador complementar alterou o alcance e o conteúdo dos contratos de franquia com vistas a fazer incidir o ISS.
Moldar o franchising, ao caracterizá-lo como prestação de serviço, significa violação ao princípio interpretativo consubstanciado no art. 110 do CTN que, no caso, traduz uma diretiva de interpretação que deveria proibir que se incluísse o franchising em uma lista de serviço tributável.
O franchising consiste prioritariamente em um negócio jurídico de cessão de direitos de uso de marca não podendo ser caracterizado como prestação de serviço, já que não é obrigação de fazer, mas obrigação de dar, a exemplo de uma locação de bens móveis.
Pondera-se, contudo, que no franchising já obrigações de naturezas distintas, incluindo, desse modo, as de fazer e as de não fazer. Porém, tratam0se de obrigações que compõe atividades-meio para a atividade-fim, que é a cessão de direitos.
Portanto, se a lei complementar descaracterizou o comando constitucional de que só incide ISS sobre serviços, ao incluir, no item 17.08, os contratos de franquia em sua lista anexa, logo, além de violar o art. 156, inciso III da Constituição Federal, feriu o princípio interpretativo previsto no art. 110 do CTN.
Por fim, cabe apenas registrar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral da matéria no Recurso Extraordinário n° 603.136, afirmando-se “percebo que a qualificação como serviço de atividade que não ostenta ess categoria jurídica implicaria violação frontal à matriz constitucional do imposto, havendo, pois, questão constitucional em debate.”
CONCLUSÃO
O desenho da regra-matriz de incidência do ISSQN abrange tantos os critérios material, temporal, espacial, quantitativo e pessoal, reforçando que a possibilidade de incidência do ISS estaria circunscrita apenas a serviços tributáveis.
Desse modo, é possível afirmar a impossibilidade de incidência do ISSQN sobre os contratos de franquia.
A conseqüência lógica desta afirmativa desemboca no pleito de inconstitucionalidade do dispositivo 17.08 da lista anexo da Lei Complementar n 116/03, que dispõe sobre a inclusão do franchising na lista de serviços tributáveis pelo Município, posto que fere a regra prevista no art. 156, inciso III da CF/88.
Ainda, além de inconstitucional, a referida exação municipal deve ser considerada ilegal, pois fazendo-se incidir o ISS sobre a atividade de franchising estar-se-ia a alterar a essência do próprio contrato de franquia, instituto de direito privado consistente em uma cessão de direitos.
Portanto, além de inconstitucional, por ofensa ao art. 156, inciso III da CF, a previsão de exação do ISS sobre contratos de franquia é ilegal, por violar o art. 110 do CTN.
BIBLIOGRAFIA
BARRETO. Ayres F. ISS na Constituição e nas Leis. 2 ed. São Paulo: Dialética. 2005
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília. DF. Senado, 1988.
BRASIL. Lei Complementar 116/03. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/Ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp116.htm>
BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm
CARVALHO. Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 19 ed. São Paulo. Saraiva. 2007
MACHADO. Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 25 ed. São Paulo. Malheiros. 2005
Advogado. Pós Graduado em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Osvaldo Teles Lobo. Impossibilidade de incidência do ISSQN nos contratos de franquia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39431/impossibilidade-de-incidencia-do-issqn-nos-contratos-de-franquia. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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