1. INTRODUÇÃO
Muito se tem discutido acerca da função social da propriedade. Tais discussões, motivadas pela incorporação de novos valores à Constituição Federal de 1988, e, após, pela consagração destes pelo Código Civil, culminaram com a inevitável revisão do conceito de propriedade.
O movimento a que se denominou de Neoconsticionalismo foi o propulsor dessas mudanças. Foi ele quem proporcionou a incorporação explícita de valores e opções políticas na nossa Lei Maior, precipuamente aqueles relacionados à promoção da dignidade da pessoa humana.
Também, foi a partir deste movimento que a Constituição passou a ser encarada não mais como um documento essencialmente político, sem força normativa, a exemplo das constituições liberais, que resumiam a sua função a mera garantidoras das liberdades dos indivíduos. Agora, a Carta Magna é vista como verdadeira norma jurídica, que vincula a todos, entes públicos ou particulares.
O presente estudo objetiva aprofundar esses importantes temas, destacando, inclusive, a consagração dessas novas ideias pelos tribunais brasileiros.
2. NEOCONSTITUCIONALISMO
Tendo em vista a influência que exerceu, e vem exercendo, sobre o estudo das normas constitucionais, torna-se cogente a análise do novo momento pelo qual passa o constitucionalismo, o qual é chamado por muitos estudiosos de Neoconstitucionalismo.
Segundo Luís Roberto Barroso, três marcos fundamentais – um histórico, um teórico e outro filosófico – lastrearam a mudança de paradigma ocorrida na doutrina e jurisprudência nas últimas décadas, possibilitando uma nova percepção da Constituição e de seu papel na interpretação jurídica em geral[1].
Relata o supracitado autor que, na Europa Continental, o constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália, consistiu o marco histórico do novo Direito Constitucional, uma vez que foi a partir dele que se produziu uma nova forma de organização política: o Estado Democrático de Direito, preocupado com a melhoria das condições de vida do seu povo.
No Brasil, mais tardiamente, foi a Constituição Federal de 1988 que propiciou o desenvolvimento desse novel pensamento, pois promoveu a superação de um regime autoritário suportado, por décadas, por toda a população, e propiciou o surgimento de um sentimento constitucional, baseado na respeitabilidade à Lei Maior.
Como marco filosófico, aclama o doutrinador para o pós-positivismo, que realiza a confluência de duas grandes correntes de pensamento: o jusnaturalismo e o positivismo. A primeira, que fundava a lei na razão e que se transformou na filosofia natural do Direito, acreditava em princípios de justiça universalmente válidos.
Por ter sido considerado metafísico e anticientífico, o jusnaturalismo, no final do século XIX, foi sendo suplantado pelas ideias advindas do positivismo jurídico, o qual, sob a influência da objetividade científica, equiparou o Direito à lei, distanciando-lhe da filosofia e de discussões como legitimidade e justiça.
Ocorre que, ao final da Segunda Guerra, quando então barbaridades foram perpetradas sob o manto da proteção da legalidade, a ética e os valores começaram a se incorporar ao estudo do Direito, iniciando-se, dessa feita, a decadência do positivismo puro.
O pós-positivismo, como evolução dessas correntes, busca, de acordo com os ensinamentos de Barroso, ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafísicas[2]. Ainda segundo o autor:
No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção, incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana[3].
O marco teórico do neoconstitucionalismo, por sua vez, segundo o autor, é composto por três grandes transformações: o reconhecimento de força normativa à Constituição; a expansão da jurisdição constitucional; e o desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação da Lei Fundamental.
A Constituição, antes vista como um documento essencialmente político, cujas propostas para serem concretizadas ficavam à mercê da liberdade de conformação do legislador ou da discricionariedade da Administração, não se atribuindo ao Poder Judiciário nenhum papel de natureza relevante, passou a ser encarada como verdadeira norma jurídica, dotada de juridicidade e imperatividade, vinculando, portanto, a todos, entes públicos e particulares, na consecução de seus objetivos.
A expansão da jurisdição constitucional ocorreu com a superação do modelo de hegemonia do Poder Legislativo. Tal fato ocorreu em razão da positivação, nas Cartas Magnas, dos direitos fundamentais, os quais passaram a ficar imunes ao processo político majoritário, ficando a proteção deles a cargo do Judiciário, que passou a exercer o controle de constitucionalidade dos atos legislativos através das criadas Cortes Constitucionais.
Quanto ao desenvolvimento de uma nova dogmática da interpretação constitucional, leciona Barroso que a doutrina passou a atentar para a insuficiência das técnicas de interpretação jurídica tradicionais quando utilizadas com o intuito de desvendar a vontade constitucional.
Assim, erigiram-se como premissas: a) a ideia de que a solução dos problemas jurídicos nem sempre se encontrava no relato abstrato do texto normativo, somente sendo possível a produção da resposta adequada, muitas vezes, à luz do caso concreto; b) a noção de que o juiz participa do processo de criação do Direito, complementando o trabalho do legislador, na medida em que atribui sentido para as cláusulas abertas e realiza escolhas entre as soluções possíveis previstas na lei.
Ana Paula de Barcellos, em artigo publicado na Revista Diálogo Jurídico[4], sintetiza as características específicas do neoconstitucionalismo em dois grupos: um que congrega elementos metodológico-formais e outro que reúne elementos materiais.
A normatividade da Constituição, a sua superioridade em relação ao restante das normas jurídicas e a sua centralidade no sistema jurídico, são as três noções sobre as quais se lastreia o neoconstitucionalismo, sob o ponto de vista metodológico-formal.
De acordo com a mencionada autora, apesar de essas ideias serem compartilhadas extensamente pela atual doutrina e jurisprudência, falta uma real otimização na concretização das mesmas, sendo imprescindível a elaboração de técnicas jurídicas que possam ser utilizadas na praxe do Direito.
Já sob o ponto de vista material, menciona Ana Paula de Barcellos que o neoconstitucionalismo é caracterizado por dois elementos. O primeiro deles consiste na incorporação explícita de valores e opções políticas, gerais e específicas, nas Cartas Magnas, principalmente aqueles ligados à promoção da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais.
Ao longo do século XX, os textos constitucionais, conforme já ressaltado, sofreram grandes transformações. Como resultado do conflito entre as teses Liberalistas e Intervencionistas, as Constituições, que antes eram responsáveis apenas pela disposição organizacional do Estado, passaram a enriquecer o seu conteúdo normativo, regulando não somente o aspecto político, mas agregando e incorporando aos seus preceitos o conjunto dos anseios sociais e econômicos.
Essa mudança de conteúdo ocorreu em razão de uma reação forte a regimes políticos autoritários e fascistas, que, aproveitando-se dos ideais implantados pelo Iluminismo, cometeram graves violações aos direitos humanos.
Superados tais regimes, introduziram-se nos textos constitucionais elementos relacionados a valores e a opções políticas fundamentais, pretendendo-se que os mesmos formassem um consenso mínimo a ser observado pelas maiorias, principalmente porque, como normas jurídicas, passaram a ser dotados de força normativa vinculante, condicionando todas as iniciativas do Poder Público. Esse consenso mínimo, por estar positivado, estaria protegido da discricionariedade da política ordinária, de maneira que quaisquer grupos políticos estariam a ele atrelados.
Assim, do plano do ser passou-se ao do dever-ser, na medida em que foram consolidadas, nas leis maiores, as idéias dominantes na sociedade, conflitantes ou não, na tentativa de direcionarem o futuro dos respectivos Estados.
Um dos desafios do novo constitucionalismo é, segundo Ana Paula de Barcelos, o desenvolvimento de uma dogmática específica capaz de conferir eficácia jurídica aos aludidos elementos normativos.
O segundo elemento que caracteriza a nova fase do constitucionalismo, do ponto de vista material, envolve a questão da expansão dos conflitos, específicos e gerais, entre as várias opções normativas e filosóficas existentes dentro do próprio texto constitucional.
Os conflitos específicos, conforme os ensinamentos da mencionada autora:
[...] se explicam, em boa medida, pelo reflexo, nos textos constitucionais, de diferentes pretensões, que necessitam conviver e harmonizar-se em uma sociedade plural como a contemporânea. Sua configuração envolve, frequentemente, colisões reais ou aparentes, entre diferentes comandos constitucionais, dotados de igual hierarquia, cada qual incidindo sobre determinada situação de fato e postulando uma situação jurídica diversa. Assim, direitos fundamentais – elementos centrais dos sistemas constitucionais contemporâneos – parecem entrar em choque em muitas circunstâncias[5].
O conflito geral vivenciado pelo neoconstitucionalismo, por sua vez, resume-se no debate entre os defensores do substancialismo e do procedimentalismo. Acreditam os primeiros que cabe à Constituição impor ao cenário político um conjunto de decisões valorativas, consideradas essenciais e consensuais.
Crendo, porém, que o papel constitucional se resume apenas a garantir o funcionamento adequado do sistema de participação democrática, restando à maioria de cada momento histórico a definição de seus valores e opções políticas, os procedimentalistas afirmam que uma geração não poderia impor à seguinte as suas próprias convicções.
Os defensores do procedimentalismo, porém, admitem que o funcionamento da democracia exige a observância de certas condições, que consistem em opções materiais ligadas a valores, sem as quais não haveria uma deliberação minimamente consciente, eis que garantidoras dos direitos fundamentais.
Ressalta Ana Paula de Barcellos que o debate entre essas duas correntes encontra-se longe de ser apenas uma discussão acadêmica, influenciando a concepção do aplicador do Direito sobre o sentido e extensão do texto constitucional. Isso porque, ao se adotar os pensamentos substancialistas, inclinar-se-á a desenvolver um controle de constitucionalidade mais rigoroso e abrangente das normas e atos estatais. Seguindo-se, todavia, a doutrina procedimentalista, realizar-se-á um controle mais fraco das decisões dos Poderes Públicos.
Foi sob esses influxos que muitos autores passaram a voltar a sua atenção ao estudo das normas constitucionais, tendo em vista a importância que passaram a exercer sobre toda a sociedade.
3 A MUDANÇA DO CONCEITO DE PROPRIEDADE
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A previsão da função social da propriedade é um exemplo da incorporação explícita de valores e opções políticas na Constituição Federal de 1988, constituindo exemplo de princípio diretamente relacionado à promoção da dignidade da pessoa humana e aos direitos fundamentais.
Na época do surgimento do Constitucionalismo moderno, precisamente no séc. XVIII, sob a influência da Revolução Francesa e da Independência dos Estados Unidos, o Estado, fulcrado nas ideias liberais, resumia a sua função a mero garantidor das liberdades do indivíduo. Era ele um mero espectador da vida social e econômica do País. Na Constituição que o regia, constavam apenas normas que detalhavam a estrutura e o funcionamento da máquina pública, e ainda aquelas que se preocupavam com o indivíduo, isoladamente considerado. A regulação das relações sociais, como se pode perceber, não foi objeto de preocupação do Constituinte.
O surgimento da doutrina socialista motivou a reformulação da estrutura das Constituições. Os intensos ataques ao modo de produção capitalista e seu caráter destrutivo e explorador fizeram surgir o constitucionalismo social.
O Estado de Bem-estar Social, novo modelo de governo adotado por muitos países, veio caracterizado por textos fundamentais constituídos de regras de natureza social e econômica. Assim, além de normas disciplinadoras da organização estatal e do indivíduo isoladamente, passaram-se a constar, nas Constituições, dispositivos preocupados com a sociedade e com o seu desenvolvimento.
O Estado, dessa feita, assumiu a responsabilidade de oferecer ao seu povo um mínimo de condições para viver com dignidade. As Cartas Magnas passaram a vincular o Poder Público a prestações positivas, ligadas ao oferecimento de serviços de saúde, educação, saneamento, moradia etc.
Do plano do ser partiram as Constituições para o do dever ser, eis que objetivavam consolidar em seu texto o plexo das ideias dominantes, conflitantes ou não, na tentativa de direcionar o futuro de seus respectivos Estados.
Foi a partir deste contexto que o conceito de propriedade teve que passar por uma necessária revisão, dissociada das ideias individualistas e egoístas que regeram a legislação por um longo período.
3.2 O CONCEITO TRADICIONAL DE PROPRIEDADE
Tradicionalmente, com base na legislação privada, afirma-se que o direito de propriedade é o direito de usar, gozar, usufruir e dispor de um determinado bem, e de reavê-lo de quem quer que injustamente o possua.
O Código Civil de 1916, em seu art. 524, dispunha que:
Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.
Orlando Gomes definiu a propriedade como um direito complexo, que poderia ser conceituado a partir de três critérios básicos: o sintético, o analítico e o descritivo.
Em relação ao critério sintético, menciona que a propriedade é a submissão de uma coisa, em todas as suas relações jurídicas, a uma pessoa.
Analiticamente, leciona que o direito de propriedade relaciona-se com o direito de usar, fruir, dispor e alienar a coisa.
Por fim, em relativamente ao critério descritivo, afirma que a propriedade é um direito complexo, absoluto, perpétuo e exclusivo, pelo qual uma coisa está submetida à vontade de uma pessoa, sob os limites da lei[6].
Maria Helena Diniz, por sua vez, define a propriedade como sendo “o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar, dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como reivindicá-lo de quem injustamente o detenha”[7].
Assim, tem-se como características do direito de propriedade:
a) Direito complexo: é complexo, pois corresponde à soma das três faculdades (usar, gozar e dispor) e do direito de reaver a coisa em poder de terceiros.
b) Direito absoluto, em regra: de acordo com essa característica, pode o proprietário desfrutar da coisa como bem lhe aprouver, vendê-la, reformá-la e até destruí-la. Sucede que, em razão da incorporação de novos valores ao nosso ordenamento, como o da função social, esse absolutismo vem sofrendo relativização, não mais sendo permitido o uso egoístico da propriedade. Não é por outro motivo que o art. 1.228, § 2o, enuncia que “são defesos os atos que não traduzem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem”. É absoluto, também, pois pode ser exercido contra todos (efeito erga omnes).
c) Direito exclusivo: dispõe o art. 1.231 do Código Civil que “a propriedade presume-se plena e exclusiva até prova em contrário”. A presunção é, portanto, de que determinada coisa não pode pertencer a mais de um indivíduo, solvo as hipóteses de copropriedade e condomínio.
d) Direito Perpétuo: o direito de propriedade existirá, independentemente do seu exercício, enquanto não sobrevier causa modificativa ou extintiva. A propriedade, saliente-se, não se extingue pelo não uso do dono, mas pelo uso de terceiro.
e) Elasticidade: a propriedade pode ser contraída ou dilatada, quanto ao seu exercício, a depender da adição ou retirada dos seus atributos.
f) Direito Fundamental: o art. 5o da Constituição Federal, já no caput, e também no inc. XXII, assegura a todos o direito à propriedade. Sabendo-se que o art. 60, §4º, do mesmo diploma alça os direitos e garantias individuais à cláusula pétrea, conclui-se, portanto, pela intangibilidade do direito em estudo.
3.3 A MUTAÇÃO DO CONCEITO DE PROPRIEDADE IMPULSIONADA PELO NEOCONSTITUCIONALISMO
O conceito tradicionalmente proposto para a propriedade, diante do fenômeno do Neoconstitucionalismo, teve que ser submetido a uma necessária revisão.
A atual concepção de que o sistema jurídico é uno e que deve a Constituição ocupar lugar central, fez surgir a doutrina do Direito Civil Constitucional. Superou-se, desta forma, com a ajuda da Teoria do Diálogo das Fontes, a dicotomia entre direito público e privado, cujos objetos, estudados isoladamente, relacionavam-se, respectivamente, com a defesa da ordem e segurança e com a garantia da liberdade e igualdade.
Gustavo Tepedino, ao se debruçar sobre o tema, apresenta três princípios básicos do Direito Civil Constitucional[8].
O primeiro deles relaciona-se com um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, qual seja, a dignidade da pessoa humana. De acordo com esse super preceito, deve o indivíduo ser respeitado pela comunidade e pelo Estado, o qual deve lhe assegurar direitos e prerrogativas que lhes permita uma vida digna.
O segundo almeja a solidariedade social, que consiste um dos objetivos da República Brasileira (art. 3º, inc. I, CF/88), sendo também prevista no art. 170 da Lei Maior, quando menciona que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”.
O último traduz-se na ideia de isonomia. Não aquela formal, prevista nas constituições liberais, mas aquela ligada à concepção material, trazida pelo grande pensador Aristóteles (a lei deve tratar de maneira igual os iguais, e de maneira desigual os desiguais).
O art. 1.228 do Código Civil de 2002, já sob os influxos dos novos valores constitucionais, ao prever o direito de propriedade, apresentou redação diversa do antigo art. 524, dispondo que:
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. (grifos nossos).
Flávio Tartuce, em seu Manual de Direito Civil, assevera que o dispositivo colacionado apresenta diferenças substanciais em relação ao art. 524 do CC/16, uma vez que “não há mais a previsão de direitos relativos ao uso, fruição e disposição da coisa, mas sim de faculdades jurídicas, o que foi feito no sentido de abrandar o sentido legal. Ainda, segundo este autor:
a expressão direito somente foi mantida para a vindicação do bem, por meio da ação petitória. Pode-se afirmar que essa alteração conceitual demonstra, pelo menos em parte, o rompimento do caráter individualista da propriedade, que prevalecia na visão anterior, pois a supressão da expressão direitos faz alusão à substituição de algo que foi, supostamente, absoluto no passado, o que não mais ocorre atualmente[9].
No entanto, foi o § 1o do art. 1.228 do Código Civil que apresentou uma das mais importantes inovações. Atendendo às normas insculpidas nos arts. 5o, inc. XXIII, 170, inc. III, e 186 da Constituição Federal, enuncia o citado parágrafo que:
Art. 1.228
§ 1º o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
De acordo com os ensinamentos de Flávio Tartuce, à luz das novas disposições constitucionais e legais, “é possível dizer que a função social pode se confundir com o próprio conceito de propriedade, diante de um caráter inafastável de acompanhamento...”. E continua, “a propriedade deve sempre atender aos interesses sociais, ao que almeja o bem comum, evidenciando-se uma destinação positiva que deve ser dada à coisa”.
Em consonância com essas ideias, a função social passar a fazer parte do próprio conceito de propriedade, podendo-se, inclusive, negar a titularidade deste direito a quem não a cumpre.
Saliente-se que a função social não se apresenta como uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as conhecidas restrições administrativas, que atuam externamente àquele direito. O princípio da função social passa a integrar o próprio conteúdo do direito.
Deste modo, pode-se afirmar que quem não cumpre com a função social não possui o domínio, não tendo sequer legitimidade para ajuizar uma ação reivindicatória.
Diante desses novos influxos, Flávio Tartuce, juntamente com José Fernando Simão, conceitua a propriedade, afirmando que:
A propriedade é o direito que alguém possui em relação a um bem determinado. Trata-se de um direito fundamental, protegido no art. 5º, inc. XXII, da Constituição Federal, mas que deve sempre atender a uma função social, em prol de toda a coletividade. A propriedade é preenchida a partir dos atributos que constam do Código Civil de 2002 (art. 1.228), sem perder de vista outros direitos, sobretudo aqueles com substrato constitucional.[10]
Gilmar Mendes, em sua obra “Curso de Direito Constitucional”, leciona que:
O conceito de propriedade sofreu profunda alteração no século passado. A propriedade privada tradicional perdeu muito do seu significado como elemento fundamental destinado a assegurar a subsistência individual e o poder de autodeterminação como fator básico da ordem social. Como observado por Hesse, a base da subsistência e do poder de autodeterminação do homem moderno não é mais a propriedade privada em seu sentido tradicional, mas o próprio trabalho e o sistema previdenciário e assistencial instituído e gerido pelo Estado. Essa evolução fez com que o conceito constitucional de direito de propriedade se desvinculasse, pouco a pouco, do conteúdo eminentemente civilístico de que era adotado[11].
Sucede que, sendo a propriedade um direito fundamental e, por consequência, cláusula pétrea, não pode ser vulnerada ou limitada de forma desarrazoada ou desproporcional.
Adverte Gilmar Ferreira Mendes que:
“(...) o legislador dispõe de uma relativa liberdade na definição do conteúdo da propriedade e na imposição de restrições. Ele deve preservar, porém, o núcleo essencial do direito de propriedade, constituído pela utilidade privada, e, fundamentalmente, pelo poder de disposição. A vinculação social da propriedade, que legitima a imposição de restrições, não pode ir ao ponto de colocá-la, única e exclusivamente, a serviço do Estado ou da comunidade.[12]” (grifos originais).
A própria Constituição Federal, após garantir o direito de propriedade, anuncia que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” (art. 5, LIV).
É por isso que não está o Poder Público dispensado da obrigação de respeitar, quando do exercício do seu poder de expropriação, as normas constitucionais e ordinárias que protegem os indivíduos contra o arbítrio estatal.
3.4 A CONSAGRAÇÃO DO NOVO CONCEITO DE PROPRIEDADE PELOS TRIBUNAIS.
Os tribunais pátrios, embebidos pelos novos ideais, vêm adotando o novo conceito apresentado em suas decisões. Vejamos:
O Tribunal de Justiça Paulista, diante de um conflito entre ocupantes de um loteamento na zona urbana da Cidade de São Paulo e os titulares dos registros dos respectivos terrenos, episódio que ficou conhecido como “o caso da Favela Pullman”, já orientado pelo critério da utilidade social e reconhecendo a força normativa da Constituição Federal, complementou o trabalho do legislador, fazendo uma releitura do Código Civil de 1916, decidindo que:
O atual direito positivo brasileiro não comporta o pretendido alcance do poder de reivindicar atribuído ao proprietário pelo art. 524 do CC. A leitura de todos os textos do CC só pode se fazer à luz dos preceitos constitucionais vigentes. Não se concebe um direito de propriedade que tenha vida em confronto com a Constituição Federal, ou que se desenvolva paralelamente a ela. As regras legais, como se sabe, se arrumam de forma piramidal. Ao mesmo tempo em que manteve a propriedade privada, a CF a submeteu ao princípio da função social (arts. 5º, XXII e XXIII; 170, II e III; 182, 2º; 184; 186; etc.). Esse princípio não significa apenas uma limitação a mais ao direito de propriedade, como, por exemplo, as restrições administrativas, que atuam por força externa àquele direito, em decorrência do poder de polícia da Administração. O princípio da função social atua no conteúdo do direito. Entre os poderes inerentes ao domínio, previstos no art. 524 do CC (usar, fruir, dispor e reivindicar), o princípio da função social introduz um outro interesse (social) que pode não coincidir com os interesses do proprietário. Veja-se, a esse propósito, José Afonso da Silva, 'Direito Constitucional Positivos', 5ª ed., p. 249/0, com apoio em autores europeus). Assim, o referido princípio torna o direito de propriedade, de certa forma, conflitivo consigo próprio, cabendo ao Judiciário dar-lhe a necessária e serena eficácia nos litígios graves que lhe são submetidos. (...) 10 - No caso dos autos, o direito de propriedade foi exercitado, pelos autores e por seus antecessores, de forma anti-social. O loteamento - pelo menos no que diz respeito aos nove lotes reivindicandos e suas imediações - ficou praticamente abandonado por mais de 20 (vinte) anos; não foram implantados equipamentos urbanos; em 1973, havia árvores até nas ruas; quando da aquisição dos lotes, em 1978/9, a favela já estava consolidada. Em cidade de franca expansão populacional, com problemas gravíssimos de habitação não se pode prestigiar tal comportamento de proprietários. O jus reivindicandi fica neutralizado pelo princípio constitucional da função social da propriedade. Permanece a eventual pretensão indenizatória em favor dos proprietários, contra quem de direito. (grifos originais). (Apelação Cível n. 212.726-1-4 - São Paulo. j. em 16.12.1994)
Inconformados com a decisão da Corte Estadual, os autores da ação reivindicatória recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, o qual, conforme se extrai da leitura da ementa abaixo transcrita, confirmou a decisão a quo, apontando a relatividade do caráter absoluto da propriedade.
CIVIL E PROCESSUAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. TERRENOS DE LOTEAMENTO SITUADOS EM ÁREA FAVELIZADA. PERECIMENTO DO DIREITO DE PROPRIEDADE. ABANDONO. CC, ARTS. 524, 589, 77 E 78. MATÉRIA DE FATO. REEXAME. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA N. 7-STJ.
I. O direito de propriedade assegurado no art. 524 do Código Civil anterior não é absoluto, ocorrendo a sua perda em face do abandono de terrenos de loteamento que não chegou a ser concretamente implantado, e que foi paulatinamente favelizado ao longo do tempo, com a desfiguração das frações e arruamento originariamente previstos, consolidada, no local, uma nova realidade social e urbanística, consubstanciando a hipótese prevista nos arts. 589 c/c 77 e 78, da mesma lei substantiva.
II. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial” - Súmula n. 7-STJ.
III. Recurso especial não conhecido.
(REsp 75659/SP, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 21/06/2005, DJ 29/08/2005, p. 344)
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, fazendo jus ao seu mister de guardião da Constituição Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2213, sobrelevando o princípio da socialidade e em defesa dos compromissos assumidos constitucionalmente pelo Estado na ordem econômica e social, reconheceu legítima intervenção estatal no domínio privado quando não cumprida a função social:
E M E N T A: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - A QUESTÃO DO ABUSO PRESIDENCIAL NA EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS - POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS DA URGÊNCIA E DA RELEVÂNCIA (CF, ART. 62, CAPUT) - REFORMA AGRÁRIA - NECESSIDADE DE SUA IMPLEMENTAÇÃO - INVASÃO DE IMÓVEIS RURAIS PRIVADOS E DE PRÉDIOS PÚBLICOS - INADMISSIBILIDADE - ILICITUDE DO ESBULHO POSSESSÓRIO - LEGITIMIDADE DA REAÇÃO ESTATAL AOS ATOS DE VIOLAÇÃO POSSESSÓRIA - RECONHECIMENTO, EM JUÍZO DE DELIBAÇÃO, DA VALIDADE CONSTITUCIONAL DA MP Nº 2.027-38/2000, REEDITADA, PELA ÚLTIMA VEZ, COMO MP Nº 2.183-56/2001 - INOCORRÊNCIA DE NOVA HIPÓTESE DE INEXPROPRIABILIDADE DE IMÓVEIS RURAIS - MEDIDA PROVISÓRIA QUE SE DESTINA, TÃO-SOMENTE, A INIBIR PRÁTICAS DE TRANSGRESSÃO À AUTORIDADE DAS LEIS E À INTEGRIDADE DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA - ARGÜIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE INSUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADA QUANTO A UMA DAS NORMAS EM EXAME - INVIABILIDADE DA IMPUGNAÇÃO GENÉRICA - CONSEQÜENTE INCOGNOSCIBILIDADE PARCIAL DA AÇÃO DIRETA - PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR CONHECIDO EM PARTE E, NESSA PARTE, INDEFERIDO. POSSIBILIDADE DE CONTROLE JURISDICIONAL DOS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS (URGÊNCIA E RELEVÂNCIA) QUE CONDICIONAM A EDIÇÃO DE MEDIDAS PROVISÓRIAS. ... RELEVÂNCIA DA QUESTÃO FUNDIÁRIA - O CARÁTER RELATIVO DO DIREITO DE PROPRIEDADE - A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE - IMPORTÂNCIA DO PROCESSO DE REFORMA AGRÁRIA - NECESSIDADE DE NEUTRALIZAR O ESBULHO POSSESSÓRIO PRATICADO CONTRA BENS PÚBLICOS E CONTRA A PROPRIEDADE PRIVADA - A PRIMAZIA DAS LEIS E DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO. - O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. - O acesso à terra, a solução dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem elementos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto - enquanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade - reflete importante instrumento destinado a dar conseqüência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. - Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade (...).(ADI 2213 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2002, DJ 23-04-2004 PP-00007 EMENT VOL-02148-02 PP-00296)
De acordo com o art. 184 da Constituição Federal de 1988, compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social.
O artigo 186 do mesmo diploma preleciona que:
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I aproveitamento racional e adequado;
II utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
Da análise deste dispositivo, percebe-se que a função social da propriedade rural somente será cumprida quando atendidos, de forma simultânea, todos os requisitos do art. 186. Assim, não basta ser a propriedade produtiva para que fique imune à ação expropriatória do Estado, é preciso que todos os requisitos elencados pelo Lei Maior sejam atendidos.
Não foi outro o entendimento do STF:
"A própria Constituição da República, ao impor ao poder público o dever de fazer respeitar a integridade do patrimônio ambiental, não o inibe, quando necessária a intervenção estatal na esfera dominial privada, de promover a desapropriação de imóveis rurais para fins de reforma agrária, especialmente porque um dos instrumentos de realização da função social da propriedade consiste, precisamente, na submissão do domínio à necessidade de o seu titular utilizar adequadamente os recursos naturais disponíveis e de fazer preservar o equilíbrio do meio ambiente (CF, art. 186, II), sob pena de, em descumprindo esses encargos, expor-se a desapropriação-sanção a que se refere o art. 184 da Lei Fundamental." (MS 22.164, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 30-10-95, DJ de 17-11-95).
No caso em tela, a Suprema Corte exige o respeito à preservação e equilíbrio do meio ambiente, possibilitando a desapropriação-sanção daquela propriedade que desrespeita somente o requisito ambiental.
O STF, entretanto, reafirma que a propriedade é um direito fundamental e que, por isso, não pode ser vulnerado sem que sejam observadas as disposições normativas que consagram o devido processo legal.
(...) O ESBULHO POSSESSÓRIO - MESMO TRATANDO-SE DE PROPRIEDADES ALEGADAMENTE IMPRODUTIVAS - CONSTITUI ATO REVESTIDO DE ILICITUDE JURÍDICA. - Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta daqueles que - particulares, movimentos ou organizações sociais - visam, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de prédios públicos e de imóveis rurais, a constranger, de modo autoritário, o Poder Público a promover ações expropriatórias, para efeito de execução do programa de reforma agrária. - O processo de reforma agrária, em uma sociedade estruturada em bases democráticas, não pode ser implementado pelo uso arbitrário da força e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que se cuide de imóveis alegadamente improdutivos, notadamente porque a Constituição da República - ao amparar o proprietário com a cláusula de garantia do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) - proclama que "ninguém será privado (...) de seus bens, sem o devido processo legal" (art. 5º, LIV). - O respeito à lei e à autoridade da Constituição da República representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil ideológico que ostentem), quer por iniciativa do Estado, ainda que se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta, depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária observância dos princípios e diretrizes que estruturam o ordenamento positivo nacional. - O esbulho possessório, além de qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como ato criminoso (CP, art. 161, § 1º, II; Lei nº 4.947/66, art. 20). - Os atos configuradores de violação possessória, além de instaurarem situações impregnadas de inegável ilicitude civil e penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas, quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da declaração expropriatória. Precedentes. (...) O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões inconstitucionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da República. (...) Precedentes (RTJ 179/35-37, v.g.). (ADI 2213 MC, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/04/2002, DJ 23-04-2004 PP-00007 EMENT VOL-02148-02 PP-00296)
2. CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que as alterações na teoria da constituição, impulsionadas pelo Neoconstitucionalismo, - o qual colocou a Carta Maior no centro do ordenamento jurídico, dotando-a de superioridade e força normativa vinculante-, provocou uma obrigatória releitura sobre consagrados institutos do Direito, dentre estes o da propriedade.
A arraigada ideia civilista, de cunho liberal, sobre o direito de propriedade foi aos poucos cedendo aos ideais coletivos, relacionados com a efetivação do princípio da dignidade da pessoa humana e alçados a valores superiores pela Constituição Federal de 1988.
O princípio da função social, que nasceu na Carta Magna vigente e foi, também, contemplado no Código Civil de 2002, impôs a adoção de um novo conceito para a propriedade.
Doutrina e jurisprudência avançadas, debruçando-se sobre o tema, passaram a entender que a função social não é mais uma limitação ao direito de propriedade, mas, sim, um instituto que passa a integrar o seu próprio conteúdo. Deste modo, pode-se negar o domínio àquele que não cumpre os requisitos apresentados pela Constituição como necessários ao atendimento da função social.
À vista da jurisprudência colacionada e do estudo apresentado, é de concluir-se, na doutrina de Leon Duguit, citado por Flávio Tartuce, que “a propriedade já não é o direito subjetivo do indivíduo, mas uma função social a ser exercida pelo detentor da riqueza[13]”.
3. REFERÊNCIAS
BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, no 15, março, 2007. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em:< http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito >.
DINIZ. Maria Helena. Código Civil anotado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/4 ed. Ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Método.2013.
TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. In: Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
[1] BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em:< http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito >.
[2] BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito. O triunfo tardio do direito constitucional no Brasil. Disponível em:<http://jus.com.br/artigos/7547/neoconstitucionalismo-e-constitucionalizacao-do-direito >. p.3
[3] Ibidem, p.03.
[4] BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, no 15, março, 2007. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br>
[5] BARCELLOS, Ana Paula de. Neoconstitucionalismo, direitos fundamentais e controle das políticas públicas. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de Atualização Jurídica, no 15, março, 2007. Disponível em <http://www.direitopublico.com.br> p. 5.
[6] GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19. ed. Atualizador: Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 109.
[7] DINIZ. Maria Helena. Código Civil anotado. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.848.
[8] TEPEDINO, Gustavo. Premissas metodológicas para a constitucionalização do Direito Civil. In: Temas de Direito Civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004. P 1-22.
[9] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Método.2013.p.852
[10] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Método.2013.p.851
[11] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/4 ed. Ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 467.
[12] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional/4 ed. Ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009. pág. 483
[13] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. 3 ed. São Paulo: Método.2013.p.858.
Analista Judiciário do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, Especialista em Direito do Estado.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DIAS, Mariana Dattoli Gouveia. A revisão do conceito de propriedade em decorrência dos influxos do neoconstitucionalismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39432/a-revisao-do-conceito-de-propriedade-em-decorrencia-dos-influxos-do-neoconstitucionalismo. Acesso em: 23 dez 2024.
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