Resumo: O artigo jurídico objetiva explanar sobre a concepção de Teoria da Sociedade proposta por Leonel Severo da Rocha, assim como dialogar a idéia de risco do autor à idéia de ruptura proposta por Hannah Arendt e apresentar alguns pressupostos da Teoria de Niklas Luhmann.
Palavras-Chave: Estado. Sociedade. Filosofia analítica. Hermenêutica. Pragmática. Ruptura. Risco. Luhmann.
Sumário: 1. Introdução. Da Teoria do Direito à Teoria da Sociedade- algumas reflexões. 2. A idéia de ruptura e de risco na sociedade atual. 3. Consideraçoes Finais. A inviabilidade do consenso. Referências Bibliográficas.
1. Introdução. Da Teoria do Direito à Teoria da Sociedade- algumas reflexões
Leonel Severo Rocha, no capítulo “Da teoria do direito à teoria da sociedade” em Teoria do Direito e do Estado, tem como objetivo mapear as principais teorias jurídicas da atualidade conforme sua matriz epistemológica e posicioná-las ante o problema da cientificidade e de suas implicações sociais.
Segundo o autor, há uma mudança de foco nos estudos, não mais se estrutura em critérios sintático-semânticos e em pressupostos epistemológicos - como ocorre nas tentativas de formação de uma “ciência do direito” - pois, o que ocorre hoje é um redimensionamento, o Direito visto por critérios pragmáticos, saindo de uma perspectiva em suma estrutural para uma perspectiva funcionalista crítica, onde o Direito tem função social.[1]
O autor propõe uma “teoria de sociedade” que permita a ligação entre prática e teoria e aspectos tanto internos como externos das teorias jurídicas, uma teoria “apta para pensar o direito como componente de uma estrutura social, na qual a interação com o tipo de Estado é muito importante” [2]. Sendo a “teoria da sociedade” o foco mais importante, é considerada a superior não apenas por considerar a existência de uma complexidade social mais ampla, mas “por ser a única apta para analisar simultaneamente os três níveis da semiótica, com predominância do nível pragmático e suas conexões com o social, graças a suas perspectiva sistêmica”. Assunto que será abordado em tópico específico.
A abordagem metodológica do autor abrange os três níveis de semiótica de CARNAP. [3] Essa divisão de semiótica é adotada como técnica meramente didática, pois a ênfase será dada na teoria da sociedade. A semiótica considera a sintaxe, que estuda a estrutura formal da linguagem por meio de análise, a semântica, que avalia o sentindo das falas relacionadas com a realidade e a pragmática, voltada as proferências discursivas. A questão das matrizes epistemológicas serão divididas em tópicos: a Filosofia Analítica, a Hermenêutica, a Pragmática.
1.1 Filosofia Analítica
De acordo com a perspectiva de Leonel Severo da Rocha, a Filosofia Analítica é também conhecida como teoria geral do direito. Ela é observada em autores neo-positivistas, que observam a ciência do direito como algo distinto ao seu objeto, na qual não se confunde lei e direito, como o que se observa em autores positivistas legalistas. De acordo com essa perspectiva os autores abordados na filosofia analítica “postulam uma ciência do direito alicerçada em proposições normativas que descrevem sistematicamente o objeto direito”. [4]
Um dos seus expoentes é Hans Kelsen, autor que, baseado no dualismo kantiano, do ser e dever ser, parte do dever ser para construir sua teoria pura, enfatizando os juízos de valor e os aspectos lógicos, deixando em segundo plano os suportes fáticos de conhecimento[5]. Apesar de adotar uma teoria pura, que separa ciência do direito, que é a meta-linguagem e direito, que é a linguagem objeto. ROCHA observa que KELSEN, em contraponto ao que muitos críticos exaltam, considera como inevitável a complexidade do mundo. No entanto, o que se verifica é que o autor vislumbra como essencial ao cientista a construção de um objeto separado de influências.
O ideal de pureza implica em separar o conhecimento jurídico, do direito natural, da metafísica, da moral, da ideologia e da política. Por isso, Kelsen tem como uma de suas diretrizes epistemológicas basilares, o dualismo kantiano, entre ser e dever ser, que reproduz a oposição entre juízos de realidade e juízos de valor. Kelsen, fiel a tradição relativista do neo-kantismo de Marburgo, optou pela construção de um sistema jurídico centrado unicamente no mundo do dever ser. Tal ênfase acarretou a superestimação dos aspectos lógicos constitutivos da teoria pura, em detrimento dos suportes fáticos do conhecimento. [6]
Na teoria pura, a relação entre norma jurídica e ciência, visualiza em seu primeiro momento a norma jurídica como um sistema de interpretar o mundo, relevando o conteúdo prescritivo, pois “um fato só é jurídico se for conteúdo da norma” [7] e, em um segundo momento, busca descrever a estrutura das normas de forma neutra. A norma jurídica se transforma de meta-linguagem em linguagem objeto, tornando a ciência do direito a meta-linguagem. O normativismo kelseniano inaugurou uma perspectiva de dinâmica do Direito, contudo, foi Norberto Bobbio, autor também neo-positivista, quem aplicou a metodologia da filosofia analítica às teses do normativismo de KELSEN.
BOBBIO visa uma “teoria da reconstrução hermenêutica das regras”, o que significa a proposta de tradução em linguagem jurídica da linguagem do legislador. [8] Considera dois campos de ação da filosofia analítica: da estrutura interna e relação entre as regras e a “teoria dos conceitos fundamentais”.
Desta forma a importância dos pensadores dessa matriz é considerada devido à construção de um estatuto científico para o Direito, no entanto, é bastante limitada politicamente, adotando uma visão de neutralidade. O Estado é visto como “Policial” não como “Interventor”. [9] Somado a ênfase em aspectos descritivos e estruturais do direito, a matriz não possibilita o pensamento em uma complexidade social mais ampla. [10]
1.2 Hermenêutica
Centrada na preocupação com a interpretação de textos, colocando a enunciação como centro de discussões, a hermenêutica é vista como uma derivação crítica da filosofia analítica [11], pois esta já se volta as instituições sociais e é mais receptiva ao Estado interventor.
Para HART, um dos autores positivistas e representantes da hermenêutica do âmbito jurídico, o direito não necessita de definições filosóficas, pois é um acontecimento cultural constituído pela linguagem[12]. A preocupação da jurisprudência é, para ele, ao contrário de BOBBIO, a de “explorar as relações essenciais que existem entre o direito e a moralidade, a força e a sociedade (...) Na realidade, ela consiste em explorar a natureza de uma importante instituição social”[13].
RAZ critica a posição de HART de pretender enaltecer o uso da linguagem normativa para que se compreenda a normatividade do direito. [14] Já DWORKIN, assim como HART, considera que o direito é relacionado à moral e à justiça, porém critica a postura adotada por HART ao contestar a existência de uma “textura aberta” que possibilita ao juiz manifestar livremente seu poder no direito. Para DWORKIN, “o direito sempre proporciona uma boa resposta” [15], que faz com que “a decisão se harmonize melhor possível com a jurisprudência anterior e ao mesmo tempo a atualize (justifique) conforme a moral política da comunidade” [16].
A concepção de Estado da Hermenêutica é portanto mais atual que a da filosofia analítica, voltando-se para as instituições sociais e abrindo-se já para o Estado interventor. Entretanto, num certo sentido, esta matriz, já bastante prescritiva, é normativa (...) Embora possa-se dizer que Dworkin possui uma teoria da interpretação, capaz de avançar além do positivismo e do utilitarismo.[17]
1.3 Pragmática
Para ROBLES, a pragmática sistêmica possui dois planos que estão relacionados aos processos de criação e aplicação do direito, um extra-sistemático que é objeto do poder constituinte, o outro intra-sistemático que é objeto dos órgãos da ordem jurídica e dos cidadãos. A linguagem do jurista é para ele dividida em três tipos: a do legislador, de quem cria o direito, é geral e abstrata direcionada a ordenar o Estado e é objeto da teoria da legislação; a dos órgãos jurisdicionais e administrativos, da decisão concreta, direcionada a relacionar a norma abstrata com a realidade e a das partes, que é um ponto de vista com objetivo de persuadir dentro do diálogo do processo, é objeto da teoria da argumentação. [18]
LUHMANN analisa a teoria dos sistemas de Parsons [19]. Indo além da matriz analítica e hermenêutica, LUHMANN redefine direito como “a estrutura de um sistema social que se baseia na generalização congruente de expectativas comportamentais normativas” [20]. Assim, a função do Direito estaria centrada na eficiência seletiva, na escolha de expectativas de comportamento que podem ser generalizadas e harmonizadas em diversas dimensões. Essa “generalização congruente” significa coerência na redução das dimensões: temporal, social e prática. Para ele o direito, por mais que seja abordado na forma de uma estrutura, é dinâmico, pois visa mitigar a “complexidade das possibilidades de ser no mundo” [21], assim como “o direito não é um primariamente um ordenamento coativo, mas sim um alívio para as expectativas”. [22]
A Pragmática, principalmente devido a teoria sistêmica de LUHMANN, é vista por ROCHA como a que possibilita a construção de uma nova teoria do direito, pois reflete sobre um Estado interventor, inserido em uma sociedade complexa e contingente.[23]
1.4 Teoria da Sociedade
A Teoria da Sociedade é vista como uma tentativa de abordar aspectos da Filosofia Analítica, da Hermenêutica e da Pragmática em um contexto social.
Miguel Reale é ressaltado por tratar o direito como uma experiência histórica e cultural. Ferraz Junior, por considerar o direito como um modelo tridimensional que envolve fato, valor e norma, assim como Emil Lask propôs. Dessa forma buscar-se-ia superar a oposição entre ser e dever ser por meio do mundo da cultura.[24] LUHMANN alcança local de destaque, pois propõe uma teoria de sociedade que busca explicar a sociedade como um sistema social.
Sob este título ROCHA também aborda as propostas de reformulação, como por exemplo, a perspectiva de interpretação – de Aulius Aarnio, de ver o “racional como razoável” [25] -, ou a de introdução de aspectos da lógica modal – de Von Wright-, nos estudos da filosofia analítica. O autor ressalta que o primeiro possibilitaria a aproximação do campo analítico ao hermenêutico.
Mac Cormick introduz a noção de hermenêutica como fato institucional:
O direito em ação deve evidentemente ser acionado pela mediação de visões politicamente controvertidas de um Estado ideal. O direito em repouso é, entretanto, um compromisso sempre temporário entre visões opostas (...)É um fato institucional. [26].
Dessa forma, observa-se que as derivações da analítica e da hermenêutica convergem em “perspectivas pragmáticas de caráter institucional” [27], como os “fatos institucionais” de MacCormick e WEINBERGER.
Como Leonel Severo da Rocha explana, depreende-se de sua abordagem que a Teoria do Direito depende, na atualidade, de uma Teoria de sociedade [28], pois assim seriam apontados avanços na questão da racionalidade do direito e da sociedade.
Retorna-se então as considerações sobre a visão luhmanniana de sociedade como sistema social, na qual ocorre uma evolução social vista como possível devido a comunicação. A comunicação dependeria de diversos aspectos, no entanto, a idéia decisiva seria a de diferenciação dos sistemas dentro da sociedade. A questão da racionalidade seria questionada pelo pensamento de DE GIORGI e LUHMANN, pois, para estes autores, o “risco” deve ser introduzido como categoria fundamental para a compreensão da concepção de sociedade.
O risco coloca a importância de uma nova “racionalidade” para tomada das decisões nas sociedades complexas, redefinindo a filosofia analítica, a hermenêutica e a pragmática jurídica, numa teoria da sociedade mais realista. [29]
O risco é visto como decisivo em sociedades complexas, pois desta forma não mais se permite uma decisão segura, por outro lado, o risco mostra-se como uma reflexão sobre as possibilidades de decisão. [30] A sociedade moderna encontrar-se-ia então em um paradoxo, pois “possui condições de controlar as indeterminações, ao mesmo tempo, não cessa de produzi-las”. [31]
Em um último momento, o autor relaciona a questão democrática à teoria da sociedade, de forma que as sociedades cada vez mais complexas manter-se-iam inseridas no paradoxo do risco. O pensar sobre a democracia, a política e o direito condizem com a uma anterior proposta do autor de elaborar uma “cultura política” que possibilite a ascensão de uma estrutura não-totalitária. Dessa forma a teoria da sociedade de LUHMANN toma papel preponderante, pois por meio dela se permite a comunicação, a reflexão crítica sobre técnicas jurídico-dogmáticas, voltando-se para um “controle democrático da produção dos mecanismos procedimentais e decisórios do direito (...) A invenção democrática é a possibilidade da tomada de decisões sempre diferentes, inserindo a sociedade no paradoxo comunicativo do risco”. [32]
2. A idéia de ruptura e de risco na sociedade atual.
A função crítica do Direito por meio de juízos reflexivos, tão buscada pela filósofa Hannah Arendt é, em ROCHA formulada pela vinculação da idéia de risco à teoria sistêmica de LUHMANN e à democracia. Assim se fundamenta a concepção de ARENDT de ruptura:
A ruptura tem como marco definitivo o totalitarismo enquanto forma de governo e dominação baseada no terror e na ideologia, cujo ineditismo as categorias clássicas do pensamento político não captam e cujos “crimes” não podem ser julgados pelos padrões morais usuais, nem punidos dentro do quadro de referência dos sistemas jurídicos tradicionais [33].
Ruptura esta sugerida como forma de mostrar a falta de razoabilidade do mundo, de possíveis previsões ou sugestões, que ocasionaram a quebra dos paradigmas anteriores, que proporcionaram uma ruptura com a tradição. Assim a ruptura possibilitaria uma esfera de constante insegurança, pois nada mais seria previsível. ROCHA, por outro lado, enfatiza a idéia de risco das sociedades modernas, risco que se tornaria decisivo para a compreensão de uma nova concepção de sociedade. Como exemplifica utilizando DE GIORGI:
Risco não é uma condição existencial do homem, muito menos uma categoria ontológica da sociedade moderna e tão pouco o resultado perverso do trabalho da ciência, da tecnologia ou da economia. Risco é um caráter de decisões, uma modalidade da construção de estruturas através do necessário tratamento das contingências. [34]
Desta forma, assim como a ruptura, o risco coloca uma nova forma de questionar a razoabilidade hoje. O que ROCHA acrescenta em relação à autora é que o risco considera a complexidade social ampla e pode, em parte, ser determinado por meio da teoria sistêmica de LUHMANN, pois nesta teoria, o Direito é “a estrutura de um sistema social que se baseia na generalização congruente de expectativas comportamentais normativas” [35]. , ou seja, o que aqui se busca é aliviar as expectativas, a partir de uma escolha seletiva que proporcione uma diminuição de possibilidades em uma sociedade complexa e contingente. Segundo LUHMANN:
O homem vive em um mundo constituído sensorialmente, cuja relevância não é inequivocamente definida através do seu organismo. Desta forma o mundo apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências e ações, em contraposição ao seu limitado potencial em termos de percepção, assimilação de informação e ação atual e consciente. Cada experiência concreta apresenta um conteúdo evidente que remete a outras possibilidades que são ao mesmo tempo complexas e contingentes. Com complexidade queremos dizer que sempre existem mais possibilidade do que se pode realizar. Por contingência entendemos o fato de que as possibilidades apontadas para as demais experiências poderiam ser diferentes das esperadas (...) Em termos práticos, complexidade significa seleção forçada, e contingência significa perigo de desapontamento e necessidade de assumir riscos. [36]
Assim, Leonel Severo da Rocha, com a concepção de risco, diminui a perspectiva de imprevisibilidade da ruptura. Como LUHMANN sugere:
O comportamento social em um mundo altamente complexo e contingente exige a realização de reduções que possibilitem expectativas comportamentais recíprocas e que são orientadas a partir das expectativas sobre tais expectativas. [37]
O problema da ruptura não seria de forma alguma negado, mas aliado à concepção de risco. Assim como Hannah Arendt sugere, o Direito torna-se sinônimo de transformação. ROCHA preocupa-se, como já observado, com a vinculação de LUHMANN e a teoria sistêmica e DE GIORGI e o risco em uma sociedade democrática. De que forma se relacionariam? Para o autor, a idéia de risco se relaciona a idéia de uma invenção democrática de Claude LeFort [38].
2. A inviabilidade do consenso. Considerações Finais
Dessa forma, para a pretensão de ROCHA de estruturar uma nova “cultura política”, é considerado fundamental o repensar sobre a Democracia, a Política e o Direito, para que assim se possa propiciar a compreensão da lei, do saber e do poder nas sociedades complexas.[39] A crítica feita à técnica jurídico-dogmática é reflexo de juízo reflexivo – tão buscado por LAFER e ARENDT – de “uma concepção sociológica centrada na teoria da sociedade”.
Como observa Luigi Pannarale, citado por Cristiano Paixão:
Na sociedade moderna – na qual é impossível pensar numa programação preventiva de todos os problemas que podem se apresentar -, também o direito investiga novas soluções, recorrendo a novos casos, instabilidade, conflitos. A mutabilidade do Direito torna-se uma condição de sua própria existência. [40]
A concepção da mutabilidade do Direito confere uma percepção de transformação, de busca do Direito dentro do próprio Direito inserido na sociedade, não mais em um paradigma pressuposto. A teoria da sociedade proposta por Leonel Severo da Rocha diferenciar-se-ia das teorias jurídicas criticadas por Hannah Arendt, pois o autor manifesta a importância da crítica e da reflexão.
O autor aponta uma teoria de sociedade em que o risco seja visto como uma das formas de refletir dentro de uma sociedade complexa e contingente. Dessa forma, ARENDT e ROCHA dialogam, apesar das distâncias em tempo e em metodologia de abordagem.
A necessidade de reconhecimento do risco é bem explicada em uma observação do jurista Luis Alberto Warat, que ressalta a importância da autonomia, do risco, da transformação:
Claro que, para existir autonomia e um recíproco reconhecimento das diferenças, é imprescindível renunciar ao mito de uma sociedade perfeita, na qual as relações sociais são pacíficas e transparentes, os conflitos e desigualdades sociais totalmente eliminados e homens todos bons, fraternos e solidários. Para que exista autonomia e reconhecimento das diferenças, teremos que aceitar o caráter inacabado e indeterminável das relações sociais, dado que elas em cada instante, se refazem de um modo imprevisível. Temos que nos aceitar como integrantes de uma sociedade produtora de discursos ambíguos, indeterminados, de uma sociedade que precisa assumir sua radical criatividade e o caráter indeterminado da sua história. Temos que nos aceitar formando parte de uma sociedade que deve deixar de lado os seus medos antes suas divisões e seus conflitos constituintes.[41]
Jürgen Habermas veio a enfatizar as relações autor-destinatário, pelas quais se sugere que as leis devem ser feitas por quem será por elas conduzido. (HABERMAS, 2002) Ressalta-se, deste modo, uma perspectiva de agir comunicativo, no qual a comunicação se apresente como um alicerce de inclusão do outro, das minorias, em contraponto à idéia de que a maioria deveria ser detentora do poder.
A história mostrou que há a necessidade de proteger toda e qualquer minoria. A Alemanha Nazista exemplificou, de forma cruel e amarga, que a vontade da maioria é capaz de servir de pressuposto para realização de ações genocidas. O que se verifica, contudo, é que a decisão é um problema enaltecido na contemporaneidade, a filósofa Hannah Arendt veio a sugerir que se deve pensar para que se compreenda o significado histórico e social de eventos e se possa contrapor idéias à pretensões totalizantes capazes de suprimir a singularidade dos indivíduos. Propõe a autora a retomada de um espaço público no qual exista e se reconheça a autonomia do julgar, do querer e do pensar em relação à cognição, de forma que assim se possibilite a formulação de juízos reflexivos, e não determinantes, incapazes de possibilitar a liberdade de ação. A falta de reflexão se apresenta como o espelho de uma realidade que considera os indivíduos não como participantes, mas como meros espectadores do mundo.
Ronald Dworkin considera que o Direito baseado em princípios seria uma forma de assegurar os direitos das minorias. Para este autor, a igualdade e a liberdade devem sempre se apresentar como conceitos vazios, preenchidos no caso concreto, único e irrepetível, utilizando-se como base uma pauta de valores elencados pela sociedade.
Niklas Luhmann relaciona sociedade à comunicação, de forma que se sugere que cada sistema social possuiria um código, ou seja, a cada sistema caberia o exercício de funções específicas. Vale ressaltar que o autor não prega uma pureza do Direito, muito pelo contrário, ele reconhece a complexidade da nossa sociedade atual e os vínculos entre as mais diversas áreas. Contudo, observa que quando um argumento político, em busca de um “bem geral”, invade-se a esfera do Direito, existindo uma corrupção de código: os direitos das minorias não são protegidos.
Para Niklas Luhmann, se o objeto da sociologia é a observação da realidade social, a descrição do mundo, então seu objeto primordial deve ser o problema da complexidade social: nunca é possível estar seguro acerca da coincidência com os outros indivíduos no experimentar e no agir. O mundo apresenta ao homem uma multiplicidade de possíveis experiências e ações, em contraposição ao seu limitado potencial em termos de percepção, assimilação de informação e ação atual e consciente.
A construção de sentido para o homem vincula-se a incapacidade de realizar todas as possibilidades que o mundo oferece. Neste contexto se encontra a ideia de complexidade, seleção forçada, indução de ordem e preferências. O objetivo do sistema é a redução da sua complexidade. (LUHMANN apud PAIXÃO, 2002, p. 202)
Há na teoria luhmanniana a idéia de mutabilidade do Direito, pela qual o risco deve ser assumido como essencial para que se possibilitem novas perspectivas e o reconhecimento e efetivação de princípios fundamentais.
Um fator que diferencia a Teoria dos Sistemas Sociais luhmanniana de outras teorias sociológicas é que o fato de a sociedade moderna ser tão complexa torna muito simplista a descrição, esclarecimento e justificação da sociedade com fundamento em um único mecanismo e aspecto, que é o que acontece na teoria de Pierre Bourdieu (capital simbólico) e em Michel Foucalt (poder), por exemplo (NEVES, 1995). Não há um sistema ou mecanismo social no qual se tenha uma posição privilegiada para a observação e explicação da sociedade, é uma sociedade sem centro e sem vértice.
A comunicação dependeria de diversos aspectos, no entanto, a idéia decisiva seria a de diferenciação dos sistemas dentro da sociedade. A questão da racionalidade foi questionada pelo pensamento de LUHMANN, pois, para este autor, o “risco” deve ser introduzido como categoria fundamental para a compreensão da concepção de sociedade. Conforme observa Leonel Severo da Rocha:
O risco coloca a importância de uma nova “racionalidade” para tomada das decisões nas sociedades complexas, redefinindo a filosofia analítica, a hermenêutica e a pragmática jurídica, numa teoria da sociedade mais realista. (ROCHA, 1994, p. 79)
O risco é visto como decisivo em sociedades complexas, pois desta forma não mais se permite uma decisão segura, por outro lado, o risco mostra-se como uma reflexão sobre as possibilidades de decisão. A sociedade moderna encontrar-se-ia então em um paradoxo, pois “possui condições de controlar as indeterminações, ao mesmo tempo, não cessa de produzi-las”. (ROCHA, 1994, p. 79)
Para ROCHA, as sociedades cada vez mais complexas manter-se-iam inseridas no paradoxo do risco. O pensar sobre a democracia, a política e o direito condizem com a proposta deste autor de elaborar uma “cultura política” que possibilite a ascensão de uma estrutura não-totalitária.
Dessa forma a teoria da sociedade de LUHMANN toma papel preponderante, pois por meio dela se permite a comunicação, a reflexão crítica sobre técnicas jurídico-dogmáticas, voltando-se para um “controle democrático da produção dos mecanismos procedimentais e decisórios do direito (...) A invenção democrática é a possibilidade da tomada de decisões sempre diferentes, inserindo a sociedade no paradoxo comunicativo do risco”. (ROCHA, 1994, p. 81)
Ressalta Luigi Pannarale, citado por Cristiano Paixão:
Na sociedade moderna – na qual é impossível pensar numa programação preventiva de todos os problemas que podem se apresentar -, também o direito investiga novas soluções, recorrendo a novos casos, instabilidade, conflitos. A mutabilidade do Direito torna-se uma condição de sua própria existência. (PANNARALE apud PAIXÃO, 2002, p. 236)
A concepção da mutabilidade do Direito confere uma percepção de transformação, de busca do Direito dentro do próprio Direito inserido na sociedade, não mais em um paradigma pressuposto. As normas variam com o processo histórico de desenvolvimento de um ordenamento sempre mais complexo da sociedade, quando a sociedade se transforma, novas normas substituem aquelas que se tornam obsoletas.
Em face da diversidade de expectativas, interesses e valores da sociedade moderna (diferente de Habermas, que fala na busca de consenso, por exemplo), Luhmann interpreta os procedimentos eleitoral, legislativo e judicial do Estado de Direito como mecanismos de seleção, filtragem e imunização das influencias contraditórias do ambiente sobre o sistema político e jurídico.
Leonel Severo da Rocha assim conclui seu posicionamento:
concordamos com LUHMANN e DE GIORGI, no sentido de que a pesquisa jurídica deve ser dirigida para uma nova concepção de sociedade centrada no postulado de que o risco é uma das categorias fundamentais para a sua compreensão.
A concepção de “sociedade de risco” torna ultra-passada toda a sociologia clássica voltada seja para a segurança social, seja a um conflito de classes determinado dialeticamente; como também torna utópica a teoria da ação comunicativa livre e sem amarras. O risco coloca a importância de uma nova “racionalidade” para tomada das decisões nas sociedades, redefinindo a filosofia analítica, a hermenêutica e a pragmática jurídicas, numa teoria da sociedade mais realista.
Marcelo Neves destaca que é exatamente essa impossibilidade de consenso em face de valores e interesses que torna os procedimentos democráticos do Estado de Direito, que implicam o principio da legalidade, não apenas como uma exigência sistêmico-funcional, mas também como uma imposição ética da sociedade moderna. Os procedimentos do Estado de Direito, nessa perspectiva, não servem à construção do consenso jurídico-político em torno de valores e interesses.
É no âmbito de um Estado de Direito democrático que se constrói um espaço público de legalidade, cujos procedimentos estão abertos aos mais diferentes modos de agir e vivenciar políticos, admitindo inclusive os discursos minoritários como probabilidades de transformação de conteúdo da ordem jurídica, desde que mantidas as regras procedimentais do jogo. (NEVES, 1995, p. 97)
Referências Bibliográficas
ARENDT, Hannah. A condição Humana. 10 ed. São Paulo: Forense Universitária, 2001.
LAFER, Celso. A ruptura e o paradigma da Filosofia do Direito – os limites da lógica do razoável. In: ______. A reconstrução dos Direitos Humanos – um diálogo com o pensamento de Hannah Arendt. 1ª reimpressão. São Paulo: Companhia de Letras, 1991. (p. 80-114)
NEVES, Marcelo. Luhmann, Habermas e o Estado de Direito. V Congresso de Filosofia. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ln/n37/a06n37.pdf
PAIXÃO, Cristiano. Modernidade, tempo e direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.
ROCHA, Leonel Severo. Da teoria do direito à teoria da sociedade. In: ROCHA, Leonel Severo (org.) Teoria do Direito e do Estado. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1994.
WARAT, Luis Alberto “A fantasia jurídica da igualdade. Democracia e Direitos Humanos numa pragmática de singularidade”. In: Epistemologia e Ensino do Direito: O Sonho acabou. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.
[1] ROCHA (1994: 66)
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[31] ROCHA (1994: 79). A questão do controle estaria relacionada a função do direito “ao proteger expectativas, o direito nos libera da exigência de aprender através das frustrações e de nos ajustarmos a elas.” LUHMANN apud PAIXÃO (2002: 205)
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[40] PANNARALE apud PAIXAO (2002: 236)
[41] WARAT (2004: 328)
Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília-UnB. Pós-graduada pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (FESMPDFT).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KILIAN, Kathleen Nicola. Da teoria do direito à teoria da sociedade: sociedade e riscos constitutivos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39433/da-teoria-do-direito-a-teoria-da-sociedade-sociedade-e-riscos-constitutivos. Acesso em: 23 dez 2024.
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