RESUMO: O estudo traz ínsito em sua análise a questão de aparente conflito normativo entre as disposições da Resolução 1.274-ANTAQ, de 03 de fevereiro de 2009, que trata da norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia; e a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997 – LESTA, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências. Com abordagem simples e direta o estudo se foca na comprovação da inexistência do ventilado conflito aparente de norma e fundamenta suas colocações nos artigos pertinentes da Constituição Federal e dispositivos infraconstitucionais como as leis e resoluções normativas.
ABSTRACT: The study brings in its analysis of the issue normative apparent conflict between the provisions of Resolution 1.274-ANTAQ of February 3, 2009, which is the standard for granting authorization to provide transportation service for passengers, vehicles and cargo in waterway crossings, and Law 9.537 of December 11, 1997 - LESTA, which regulates the safety of maritime traffic in waters under national jurisdiction and other matters. With simple and straightforward approach to the study focuses on proving the absence of apparent conflict ventilated standard bases and their placements in the relevant articles of the Constitution and devices as infra laws and normative resolutions.
PALAVRAS-CHAVE: DIREITO ADMISTRATIVO; DIREITO MARÍTIMO; CONFLITO APARENTE DE NORMAS; LEI 10.233/2011; LEI 9.357/1997; RESOLUÇÃO 1.274/2009-ANTAQ; SEGURANÇA NA NAVEGAÇÃO.
KEY-WORDS: ADMINISTRATIVE LAW; MARITIME LAW; APPARENT CONFLICT OF STANDARDS; LAW 10.233/2011; LAW 9.357/1997; RESOLUTION 1.274/2009-ANTAQ; SAFETY IN NAVIGATION.
SUMÁRIO: I-) INTRODUÇÃO. II-) DO PODER REGULAMENTAR DA ANTAQ E DAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS DO COMANDO DA MARINHA DO BRASIL (AUTORIDADE MARÍTIMA). III-) CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO.
Por vezes muito se discute, no âmbito do poder normativo das Agências Reguladoras, a invasão nas competências de outros órgãos no mister regulatório de cada uma das Agências, quando da edição de alguma Resolução sobre áreas afetas a mais de um órgão do setor público.
Caso interessante é o que ocorre entre a Resolução 1.274-ANTAQ, de 03 de fevereiro de 2009 - recentemente alterada pela Resolução n.º 3.284-ANTAQ, de 13 de fevereiro de 2014 -, que trata da norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia; e a Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997 – LESTA, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências.
Numa leitura desatenta e sem o aprofundamento necessário para a correta exegese do caso em apreço, pode-se crer que há uma invasão de competência da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ nas atribuições outorgadas legalmente à Autoridade Marítima. Entretanto, como será demonstrado no decorrer deste excerto, é apenas aparente o conflito de atribuições ventilado, haja vista que os dois normativos convivem harmonicamente no mundo jurídico, cabendo a análise de cada um deles no âmbito de suas especificidades, seguindo os princípios basilares da hermenêutica jurídica.
DO PODER REGULAMENTAR DA ANTAQ E DAS ATRIBUIÇÕES LEGAIS DA AUTORIDADE MARÍTIMA.
A Lei nº 9.537, de 11 de dezembro de 1997 – LESTA, que dispõe sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional e dá outras providências, cuida de delegar à autoridade marítima a proteção da segurança do tráfego aquaviário.
Esclarecedora a norma estampada no art. 3º, da Lei n.º 9.537/97. Veja-se, ippisis litteris:
Art. 3º Cabe à autoridade marítima promover a implementação e a execução desta Lei, com o propósito de assegurar a salvaguarda da vida humana e a segurança da navegação, no mar aberto e hidrovias interiores, e a prevenção da poluição ambiental por parte de embarcações, plataformas ou suas instalações de apoio.
Assim, por opção do legislador ordinário, está assegurada à autoridade marítima a salvaguarda da segurança da navegação no transporte aquaviário.
A Constituição da República Federativa do Brasil, por seu turno, em seus artigos 174 e 175, instituiu os limites da intervenção estatal nas atividades econômicas e nos serviços públicos, instituindo a regulação estatal como sistema de intervenção no domínio econômico, criando a regulação como corolário das atividades, obrigando o setor público e indicando o setor privado em seus negócios:
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Com isso, cabe ao Estado interferir no mundo econômico regulando os diversos mercados e setores, visando sempre e impreterivelmente o incentivo, planejamento e a organização das relações e atividades econômicas no âmbito nacional, bem como a prestação de um serviço público adequado, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores.
Dando continuidade às diretrizes traçadas pela Constituição da República Federativa do Brasil, e em estrito cumprimento às determinações constitucionais, o legislador pátrio promulgou a Lei n.º 10.233/2001, que dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes, e dá outras providências, cujo teor dos arts. 20, 27 e 28 abaixo descritos traz algumas das atribuições e objetivos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ. Observe-se:
Art. 20. São objetivos das Agências Nacionais de Regulação dos Transportes Terrestre e Aquaviário:
II – regular ou supervisionar, em suas respectivas esferas e atribuições, as atividades de prestação de serviços e de exploração da infra-estrutura de transportes, exercidas por terceiros, com vistas a:
a) garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas;
Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação:
IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária, garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores;
Art. 28. A ANTT e a ANTAQ, em suas respectivas esferas de atuação, adotarão as normas e os procedimentos estabelecidos nesta Lei para as diferentes formas de outorga previstos nos arts. 13 e 14, visando a que:
I – a exploração da infra-estrutura e a prestação de serviços de transporte se exerçam de forma adequada, satisfazendo as condições de regularidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na prestação do serviço, e modicidade nas tarifas;
Sendo assim, há expressa menção legal sobre a competência da ANTAQ em cuidar da segurança da navegação, sempre respeitando os limites e competências da autoridade marítima.
Essa coexistência pacífica entre a ANTAQ e a Autoridade Marítima é óbvia e também foi prevista pela própria lei, o que nos faz crer que, de fato, não há uma competência excludente de atuação, mas sim concorrente, de modo que a ANTAQ e a Autoridade Marítima poderão se imiscuir na atividade, cada uma com foco em suas atividades preponderantes, como bem assevera o §2º do art. 27 da Lei 10.233/2001:
(...)
§ 2o A ANTAQ observará as prerrogativas específicas do Comando da Marinha e atuará sob sua orientação em assuntos de Marinha Mercante que interessarem à defesa nacional, à segurança da navegação aquaviária e à salvaguarda da vida humana no mar, devendo ser consultada quando do estabelecimento de normas e procedimentos de segurança que tenham repercussão nos aspectos econômicos e operacionais da prestação de serviços de transporte aquaviário.
Destarte, explicitado que a Lei trouxe atribuições tanto à ANTAQ quanto à Autoridade Marítima, é possível inferir que a atuação dos dois órgãos deve ser orquestrada no sentido de que a ANTAQ se preocupe com a segurança da navegação para fins de aferir e exigir a boa e adequada prestação do serviço de transporte aquaviário (delegado pela União), enquanto que a Autoridade Marítima deverá exercer suas atividades em relação à segurança na navegação no que tange à defesa nacional, à segurança da navegação aquaviária e à salvaguarda da vida humana no mar, consoante alhures demonstrado pelos textos legais trazidos à baila.
Desta forma, cumprindo as determinações legais e constitucionais citadas no corpo deste estudo, foi que a ANTAQ, usando de seu poder regulamentar, editou a Resolução 1.274-ANTAQ, que em seu bojo tratou de penalizar as Empresas Brasileiras de Navegação que descumprissem alguns itens de segurança voltados à segurança na prestação do serviço público, que nada mais é que o transporte aquaviário de passageiros, cujo conteúdo, por pertinente, transcrevo abaixo, e que não colide com as normas e competências da Autoridade Marítima, no que tange à defesa nacional, à segurança da navegação aquaviária e à salvaguarda da vida humana no mar:
Art. 23. São infrações:
(...)
III – operar com embarcação não discriminada no termo de autorização (Multa de até R$ 1.000,00);
VI – deixar de utilizar pessoal corretamente uniformizado e identificado nas atividades que impliquem contato permanente com o público (multa de até R$ 1.000,00);
(...)
XV – deixar de prestar aos usuários as informações quanto aos procedimentos a serem seguidos nas situações de emergência (Multa de até R$ 2.000,00);
XVI – deixar de manter as embarcações em tráfego em condições de adequado atendimento às necessidades de higiene e de conforto dos usuários (Multa de até R$ 2.000,00);
XVII – deixar de manter na embarcação os documentos de porte obrigatório, definidos pelos órgãos competentes (Multa de até R$ 2.000,00);
XVIII – deixar de prestar o serviço autorizado em conformidade com os padrões estabelecidos de regularidade, continuidade, eficiência, segurança. Atualidade, atendimento ao interesse público, generalidade, pontualidade, conforto, cortesia na prestação dos serviços, modicidade nos preços e nos fretes, e preservação do meio ambiente (multa de até R$ 2.000,00);
(...)
XXIII – transportar os usuários dentro dos veículos ou em local inapropriado (multa de até R$ 3.000,00);
XXIV – deixar de disponibilizar equipamentos e acessórios de segurança, em quantidade suficiente para passageiros e tripulantes, com acesso facilitado e devidamente sinalizado, conforme determinação da Autoridade Marítima (multa de até R$ 3.000,00);
XXV - permitir que funcionários trabalhem sob efeito de bebida alcoólica ou qualquer substância tóxica durante a prestação do serviço (Multa de até R$ 5.000,00);
XXVI – transportar cargas e passageiros fora dos locais destinados ou em desacordo com as normas da Autoridade Marítima (Multa de até R$ 5.000,00);
XXVII – transportar passageiro além da capacidade da embarcação definida pela Autoridade Marítima (Multa de até R$ 5.000,00);
(...)
XXXII – executar os serviços em desacordo com as condições operacionais estabelecidas no termo de autorização (multa de até R$ 5.000,00);
XXXIII– executar os serviços sem observância da legislação, das normas regulamentares ou dos acordos internacionais de que o Brasil seja signatário (Multa de até R$ 5.000,00);
(...)
XXXVIII – operar embarcação que não atenda às exigências estabelecidas no art. 13 (Multa de até R$ 5.000,00)”.
XLIII – prestar o serviço de transportes aquaviário de que trata esta Norma sem autorização da ANTAQ (multa de até R$ 200,000,00).CONCLUSÃO.
À vista do cenário acima descortinado, resta evidente que não há conflito de atribuições entre as atuações da ANTAQ e da Autoridade Marítima, já que cada ente atua dentro de suas atividades específicas, seguindo as prescrições legais, de modo que forçoso concluir que os dispositivos legais pertinentes à matéria estão em plena harmonia e que não precisam se excluir na sua atuação ou existência.
Isto porque, a abordagem da regulamentação da ANTAQ é pertinente à segurança na navegação na prestação do serviço de transporte aquaviário e a atuação da Autoridade Marítima visa à defesa nacional, à segurança da navegação aquaviária e à salvaguarda da vida humana no mar.
Bibliografia
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Procurador Federal. Especialista em Ciências Criminais e pós-graduando em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Henrique Viana Bandeira. Da Segurança da Navegação à luz da Lei n.º 9.537/1997 e da Lei n.º 10.233/2001 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39434/da-seguranca-da-navegacao-a-luz-da-lei-n-o-9-537-1997-e-da-lei-n-o-10-233-2001. Acesso em: 23 dez 2024.
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