RESUMO: O artigo apresenta algumas breves considerações sobre os ônus do Contribuinte para a obtenção de regularidade fiscal quando possui débitos inscritos em dívida ativa e a possibilidade de recuperar o valor desembolsado do Estado, quando o crédito tributário enfim se mostrar originariamente indevido.
Introdução.
Uma das principais fontes de problemas para os contribuintes é a irregularidade fiscal, com a inscrição de débitos que lhe são imputados em dívida ativa. A impossibilidade de obter certidões negativas de débitos – ou positivas com efeitos de negativas – causa impactos diretos na atividade empresarial, pois, entre outras restrições, obsta participar em licitações, contratar financiamentos em instituições financeiras oficiais e a obter e/ou manter de incentivos fiscais. Por isso, a exigibilidade de créditos tributários é sempre origem de inúmeras adversidades.
Cobrança indevida, custos de garantias e a responsabilidade civil.
Depois de encerrado o processo administrativo, com o lançamento definitivo do tributo, a obtenção de regularidade fiscal pressupõe, em regra, decisão judicial que suspenda a exigibilidade do crédito tributário ou determine a expedição da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa – CPD-EN.
O Código Tributário Nacional não condiciona a regularidade fiscal à garantia do crédito tributário, mas, na prática, o Poder Judiciário em geral exige-a, seja em processos de conhecimento ou cautelares, sob a forma de caução, seja em execuções fiscais nas quais converte-se em penhora.
A experiência demonstra ainda que, para efeitos de regularidade fiscal, e até pronunciamento do Judiciário, pouco importa se o tributo é ou não efetivamente devido. A presunção de liquidez e certeza do débito inscrito em dívida ativa (art. 3º da Lei nº 6.830/80)[i] transfere para o Contribuinte o ônus de provar a ilegitimidade da exação, somente afastada por decisão judicial que a declare indevida. A matéria, inclusive, foi objeto de decisão do Superior Tribunal de Justiça:
“No processo de execução fiscal, é ônus do executado, por meio de embargos, fazer prova da existência de eventual circunstância que afaste a presunção de legitimidade que se reveste o título executivo”. (AgRg no Ag 1423062/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 17/12/2012)
Não fosse o suficiente, os órgãos jurisdicionais, em especial o Superior Tribunal de Justiça, firmaram jurisprudência no sentido de que, salvo situações excepcionais, apenas o depósito judicial do valor do tributo ou a prestação de fiança bancária/seguro garantia (art. 206 do CTN c/c art. 9º, II da Lei nº 6.830/80 e/ou art. 656, §2º, do CPC)[ii] são aptos para garantir o débito e permitir a regularidade fiscal do contribuinte. O posicionamento é exemplificado no seguinte aresto:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC. RESOLUÇÃO STJ N.º 08/2008. EXECUÇÃO FISCAL. SUBSTITUIÇÃO DE BEM PENHORADO POR PRECATÓRIO. INVIABILIDADE.
1. "O crédito representado por precatório é bem penhorável, mesmo que a entidade dele devedora não seja a própria exeqüente, enquadrando-se na hipótese do inciso XI do art. 655 do CPC, por se constituir em direito de crédito" (EREsp 881.014/RS, 1ª Seção, Rel. Min. Castro Meira, DJ de 17.03.08).
2. A penhora de precatório equivale à penhora de crédito, e não de dinheiro.3. Nos termos do art. 15, I, da Lei 6.830/80, é autorizada ao executado, em qualquer fase do processo e independentemente da aquiescência da Fazenda Pública, tão somente a substituição dos bens penhorados por depósito em dinheiro ou fiança bancária.
4. Não se equiparando o precatório a dinheiro ou fiança bancária, mas a direito de crédito, pode o Fazenda Pública recusar a substituição por quaisquer das causas previstas no art. 656 do CPC ou nos arts. 11 e 15 da LEF.
5. Recurso especial representativo de controvérsia não provido. Acórdão sujeito à sistemática do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ n.º 08/2008. (REsp 1090898/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 31/08/2009)
A garantia de débitos tributários por meio de depósito judicial por vezes prejudica o próprio exercício da atividade econômica. A imobilização da quantia acompanha-se de um elevado custo de oportunidade e em algumas situações é incompatível com a continuidade da empresa, particularmente quando significativo o valor do tributo. Por isso, na maior parte dos casos, opta-se pelo o oferecimento de carta fiança ou seguro-fiança em garantia ao pagamento do débito tributário.
Nada obstante, a utilização desses instrumentos cria para o contribuinte o ônus de remunerar a instituição financeira ou a seguradora por fornecê-lo, proporcionalmente ao valor garantido e ao tempo de tramitação do processo. Deste modo, a obtenção da regularidade fiscal é acompanhada de um custo que, por vezes, é significativo, seja porque assumido por longo período, seja em razão do montante do tributo discutido. Enfim, a controvérsia surge quando um tributo, depois, é declarado indevido e, assim, que o custo foi suportado em razão de uma dívida que não deveria ser cobrada.
Neste caso, uma vez declarado indevido o tributo, com decisão judicial favorável ao Contribuinte, há fundamentos que justificam o direito de reparação pelos ônus da sujeição à cobrança. O ordenamento jurídico nacional garante ao prejudicado ressarcir-se de todos os prejuízos diretos e imediatos originado dela, entre os quais as despesas incorridas para manter a regularidade fiscal durante o trâmite do processo, inclusive a remuneração da instituição financeira ou seguradora. Dessarte, é o que se conclui da Constituição Federal.
De fato, nestas hipóteses, a questão é de responsabilidade civil do Estado, cuja caracterização funda-se no art. 37, §6º, da Constituição Federal[iii], e que, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, possui como requisitos: a) o próprio dano (na espécie, a despesa com a garantia); b) a ação administrativa (aqui, a cobrança de tributo indevido), e; c) o nexo de causalidade (o vínculo de causa e efeito entre a cobrança indevida e a assunção da despesa).
Nessa modalidade de responsabilidade civil em pauta não se avalia culpa – se o erro da Administração Pública foi ou não justificável, ou se a legitimidade da exação era ou não controversa nos Tribunais – de modo que somente a culpa exclusiva do Contribuinte, o caso fortuito, a força maior, o fato de terceiros ou da natureza são capazes de afastá-la, total ou parcialmente. Nesta linha, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região:
ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. COBRANÇA INDEVIDA. AJUIZAMENTO DE EXECUÇÃO FISCAL. ERRO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. CARACTERIZADO O NEXO ETIOLÓGICO. DANOS MATERIAIS E MORAIS. -Trata-se de ação de rito ordinário, ajuizada por ELEGÂNCIA INFANTIL BABY LTDA ME, em face da UNIÃO FEDERAL, na qual objetiva a condenação da Ré ao pagamento de indenização por danos materiais correspondente aos valores cobrados indevidamente nos autos das Execuções Fiscais nos 2002.50.01.006024-1 (R$ 78.921,71) e 2004.50.01.009873-3 (R$ 5.710,11), no total de R$ 84.631,82, em dobro, que perfaz o montante de R$ 169.263,64, bem como por danos morais na quantia a ser arbitrada por este juízo. -Inicialmente, a questão prévia suscitada pela recorrente, concernente à prescrição, inacolhível a mesma, na medida em que, a teor do princípio actio nata, ocorreu a configuração da lesão no ano de 2008, com a extinção das execuções fiscais, quando se declinaram as razões, do cancelamento das CDA's, na forma do artigo 26, da Lei nº 6.830/80, pelo que a distribuição desta demanda em 2010, o foi de forma atempada; sendo, portanto, inadequados, em sede de responsabilidade civil, os termos iniciais declinados, por inobservância do princípio declinado. - A responsabilidade civil do Estado que, hodiernamente, vem fulcrada no artigo 37, § 6º, da Carta Magna, impõe-se, que haja um dano, uma ação administrativa, aqui entendida como conduta comissiva, ou omissiva, sendo esta última calcada em uma específica falta de serviço, traduzida em um dever jurídico, e uma possibilidade fática de atuar, e que entre ambos exista um nexo de causalidade, informado pela teoria do dano direto, e imediato (STF RE 130764, DJ 7/8/92).A Suprema Corte tem estabelecido os seguintes requisitos, para a configuração da mesma, a saber: a) o dano; b) ação administrativa; c) e o respectivo nexo causal; esclarecendo que a mesma pode ser excluída, total, ou parcialmente, por culpa da vítima (STF, RE 178806, DJ 30/6/95), bem como pelo caso fortuito , ou força maior (STF, RE 109615, DJ 2/8/96), ou por fato de terceiros ou da natureza (STJ, REsp 44500, DJ 9/9/02). -Diante da análise percuciente dos autos, a meu juízo não merece guarida os argumentos da apelante, eis que na hipótese enfocada, não há como negar o erro da Administração, na medida que a própria Receita Federal reconheceu o equívoco e cancelou as CDAs, sendo, portanto, cobrado dívida indevida pela União, com o ajuizamento das execuções fiscais, restando, assim, caracterizado o nexo-etiológico entre a conduta da União e o dano suportado pela parte autora, como bem delineado na decisão de piso. -Com efeito, no que tange aos danos morais, correta sua fixação, na medida que há que orientar-se o órgão julgador pelos critérios sugeridos pela doutrina e pela jurisprudência, com razoabilidade, valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida, notadamente à situação econômica atual e às peculiaridades de cada caso. Assim sendo, atento que a fixação do valor do dano moral tem duplo conteúdo, de sanção e compensação, entendo ser o valor arbitrado proporcional ao caso, razão pela qual deve o mesmo ser mantido. -Recurso desprovido. (AC 201050010050153, Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::12/07/2012 - Página::218.)
Conclusão.
Portanto, sempre que verificada a cobrança de tributo indevido, por causa da qual o Contribuinte é onerado com a assunção de despesas para manter a própria regularidade junto à Fazenda Pública, há sim margem para ressarcir-se delas. O ordenamento jurídico não permite que os custos sociais da cobrança de tributos sejam suportados individualmente por particulares; ao revés, a responsabilidade civil do Estado, nas circunstâncias apresentadas, é a forma para reparti-la por toda a sociedade.
Referências:
BRASIL. Tribunal de Regional Federal da 2ª Região. AC 201050010050153, Desembargador Federal POUL ERIK DYRLUND, TRF2 - OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, E-DJF2R - Data::12/07/2012 - Página::218.[iv]
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg no Ag 1423062/DF, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/12/2012, DJe 17/12/2012.
_______________________________. REsp 1090898/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 12/08/2009, DJe 31/08/2009.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União de 05.10.1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ConstituicaoCompilado.htm. Acesso: 20 de maio de 2014.
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial da União de 31.10.1966. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm. Acesso: 20 de maio de 2014.
BRASIL. Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial da União de 17.01.1973. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5869.htm. Acesso: 20 de maio de 2014.
BRASIL. Lei n° 6.830, de 22 de setembro de 1980. Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências. Diário Oficial da União de 24.9.1980. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso: 20 de maio de 2014.
[i] Art. 3º - A Dívida Ativa regularmente inscrita goza da presunção de certeza e liquidez.
[ii] CTN:
“Art. 206. Tem os mesmos efeitos previstos no artigo anterior a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa”.
Lei de Execuções Fiscais:
“Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá: [...] II - oferecer fiança bancária;”
Código de Processo Civil:
“Art. 656. A parte poderá requerer a substituição da penhora: [...]§ 2o A penhora pode ser substituída por fiança bancária ou seguro garantia judicial, em valor não inferior ao do débito constante da inicial, mais 30% (trinta por cento)”.
[iii] “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Advogado na Área Tributária da Petrobras S.A. Sócio do Escritório Ribeiro, Cardoso e Chaves Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Pós-Graduado em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas - FGV. Pós-Graduando em Gestão Tributária pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC/RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MACHADO, Marcelo Cardoso de Almeida. Crédito tributário indevido, despesas com regularidade fiscal e responsabilidade civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39448/credito-tributario-indevido-despesas-com-regularidade-fiscal-e-responsabilidade-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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