RESUMO: O texto analisa as teorias que se desenvolveram acerca da aplicabilidade do Mandado de Injunção após a promulgação da Constituição Federal de 1988, ou seja, se o instrumento apresenta aplicabilidade imediata ou se depende de norma que o regulamente.
Muito embora o mandado de injunção seja um instrumento criado pelo legislador constituinte com o claro objetivo de aplacar os efeitos nefastos da omissão legislativa e resguardar a supremacia da Constituição ante a inércia do legislador infraconstitucional[1], a primeira das questões levantadas sobre ele cuidou de refletir exatamente a respeito do momento em que o instrumento poderia ser aplicado, se de imediato ou após edição de lei que lhe regulamentasse, notadamente, os aspectos processuais.
Assim sendo, não faltou quem defendesse o desacerto de carecer de norma regulamentadora o instrumento que foi concebido precisamente para conferir efetividade aos direitos até então desamparados à conta do silêncio legislativo[2].
A doutrina mais consequente, por seu turno, tratou de rechaçar a possibilidade de a norma instituidora do mandado de injunção ser inserida dentre as de eficácia limitada. Neste sentido, escreveu Sérgio Bermudes:
“Seria incoerente condicionar-se o exercício de uma ação, concebida para dar consistência a direitos, liberdades e prerrogativas dependentes de regulamentação, à expedição de normas que disponham sobre os respectivos processo e procedimento. O mandado de injunção foi posto no elenco dos direitos e garantias fundamentais, exatamente, para assegurar a efetividade de direitos que a carta política não quis se esvaziassem de conteúdo prático pela falta de norma regulamentadora. Por isso, seria absurdo negar imediata eficácia ao mandado com o inaceitável pretexto de que não existem mecanismos para a sua atuação” [3].
Com efeito, a autoaplicabilidade do mandado de injunção é questão elementar de bom senso, tanto mais quando não se olvida a preocupação do constituinte de 88 em garantir ampla efetividade aos preceitos da Constituição, ao positivar o princípio da aplicabilidade imediata dos direitos e garantias fundamentais[4] e consagrar instrumentos de controle da inércia do Poder Público (mandado de injunção e ação direta de inconstitucionalidade por omissão) nunca antes dispostos nas ordens jurídicas precedentes.[5]
Sobre mencionado princípio, poder-se-ia questionar alguma incoerência entre seus próprios termos e os direitos cuja aplicabilidade a Constituição mesma faz depender de norma ulterior. A este respeito, José Afonso da Silva elucida:
“Então, em face dessas normas, que valor tem o disposto no art. 5º que declara todas de aplicação imediata? Em primeiro lugar, significa que elas são aplicáveis até onde possam, até onde as instituições ofereçam condições para seu atendimento. Em segundo lugar, significa que o poder judiciário, sendo invocado a propósito de uma situação concreta nelas garantida, não pode deixar de aplicá-las, conferindo ao interessado o direito reclamado, segundo as instituições existentes.”
Por mais essas razões é que se reafirma a autoaplicabilidade da ação injuntiva. Acrescente-se, a propósito, que a questão foi ventilada, por óbvio, no primeiro mandado de injunção que coube ao Supremo decidir, oportunidade em que se firmou o entendimento seguinte, in verbis:
“Assim fixada a natureza jurídica desse mandado, é ele, no âmbito da competência desta Corte - que está devidamente definida pelo art. 102, I, q - , autoexecutável, uma vez que, para ser utilizado, não depende de norma jurídica que o regulamente, inclusive quanto ao procedimento, aplicável que lhe é analogicamente o mandado de segurança, no que couber. Questão de ordem que se resolve no sentido da autoaplicabilidade do mandado de injunção nos termos do voto do relator” [6].
De mais a mais, em 1990 sobreveio a Lei 8.038 que, relativamente à competência do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, ordenou fossem observadas, no mandado de injunção, enquanto não editada legislação específica, as normas do mandado de segurança, no que coubesse[7].
Se é de se observar, assim, o rito daquela garantia, caberá ao legitimado comprovar, de plano, a titularidade do direito e a inviabilidade decorrente da ausência de norma regulamentadora[8].
Outrossim, entende Hely Lopes Meirelles que a observância do rito mencionado rende ensanchas à possibilidade de se pedir medida liminar,
“desde que haja possibilidade de dano irreparável se se aguardar a decisão final da Justiça. Se tal medida é cabível para a defesa de direito individual ou coletivo amparado por lei ordinária, com mais razão há de ser para proteger os direitos e prerrogativas constitucionais asseguráveis pelo mandado de injunção, desde que ocorram os pressupostos do fumus boni juris e do periculum in mora” [9].
Contudo, malgrado entendimento do ilustre administrativista, o Supremo Tribunal Federal tem reiteradamente decidido pela impossibilidade de se implementar liminar em mandado de injunção[10]. Mera consequência lógica desse posicionamento é o não cabimento de agravo regimental contra despacho que indefere a medida acauteladora, assim como o ajuizamento de ação cautelar para obter, relativamente a mandado de injunção, a concessão de liminar[11].
Por derradeiro, cumpre anotar que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados aprovou em dezembro próximo passado o substitutivo ao projeto de lei 6.002/90, destinado a regulamentar o instrumento injuncional, e, na oportunidade, foi expressamente prevista a impossibilidade de concessão de liminar em sede de mandado de injunção.
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[1] Preceitua o art. 5°, LXXI, do texto constitucional: “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.
[2] Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Notas sobre o mandado de injunção, In: Repertório IOB de Jurisprudência, out. de 1988, p. 297, apud Luís Roberto Barroso, BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 248.
[3] BERMUDES, Sérgio. O Mandado de Injunção. In: RT, no. 642, abr. 1989, p. 25.
[4] Dispõe a Constituição, em seu §1º do art. 5º: “As normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.
[5] Adhemar Ferreira Maciel acrescenta: “a intenção do constituinte, não resta dúvida, foi a de conferir ao mandado de injunção aplicabilidade imediata. Tanto assim que o projeto ‘B’ suprimiu a expressão ‘na forma da lei’ do Projeto ‘A’”. (Mandado de Injunção e Inconstitucionalidade por Omissão. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília, no. 101, jan./mar. 1989).
[6] MI 107-DF, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ 133/11.
[7] BARROSO, Luís Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas: Limites e Possibilidades da Constituição Brasileira. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
[8] STF AgR-MI 2.195.
[9] MEIRELLES, HeIy Lopes. Mandado de Segurança, Ação Popular.... 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 244.
[10] STF MI 283 e MI 542.
[11] STF AgR-AC 124.
Procuradora Federal. Membro da Advocacia-Geral da União. Atuou como responsável pela Procuradoria Federal Especializada da FUNAI em Dourados/MS e na Consultoria da sede da Funai em Brasília. Atualmente atua na Procuradoria Seccional Federal em Campina Grande/PB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VILLOTA, Karine Martins de Izquierdo. Da autoaplicabilidade do mandado de injunção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 maio 2014, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39451/da-autoaplicabilidade-do-mandado-de-injuncao. Acesso em: 23 dez 2024.
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