Resumo: Cuida-se a presente análise de abordagem acerca da inexistência de atribuição da ANTAQ para suspensão de acordo bilateral firmado com Estados estrangeiros.
Palavras-Chave: Direito administrativo. Acordo bilateral. Estado estrangeiro. Agência Reguladora. ANTAQ.
Abstract: Take care to approach this analysis about the lack of attribution ANTAQ for suspension of bilateral agreement with foreign states.
Key-words: Administrative law. Bilateral agreement. Foreign state. Regulatory Agency. ANTAQ.
Sumário: INTRODUÇÃO. I – DO DECRETO N.º 99.040, DE 06 DE MARÇO DE 1990. 2 – DA AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA PARA DENÚNCIA DE ACORDOS BILATERAIS PELA ANTAQ. CONCLUSÃO. BIBLIOGRAFIA.
Introdução
Com efeito, de acordo com a Lei n.º 10.233/01[1], a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ possui a atribuição de representar o Brasil junto aos organismos internacionais de navegação e em convenções, acordos e tratados sobre transporte aquaviários, observadas as diretrizes do Ministro de Estado dos Transportes e as atribuições específicas dos demais órgãos federais; além de supervisionar a participação das empresas brasileiras e estrangeiras na navegação de longo curso, em cumprimento a tratados, convenções, acordos e outros instrumentos internacionais dos quais o Brasil seja signatário.
Todavia, o feixe de atribuições acima mencionado não induz necessariamente à competência da Agência Nacional de Transportes Aquaviários para suspensão de acordos bilaterais firmados com outros Estados estrangeiros.
1. Do Decreto n.º 99.040, de 06 de março de 1990.
O Decreto n.º 99.040, que promulgou o Acordo sobre Transportes Marítimos entre a República Federativa do Brasil e a República da Argentina, estabelece que:
“ARTIGO III
1. As mercadorias oriundas dos portos brasileiros e destinados aos portos argentinos, e vice-versa, serão obrigatoriamente transportadas em navios de bandeira nacional das Partes Contratantes, com participação, em partes iguais, na totalidade dos fretes gerados.” (grifo nosso).
O item 5 do referido artigo, ao conceituar os navios de bandeira nacional, aduz:
“5. Para os efeitos do disposto no item 1 deste Artigo, são considerados navios de bandeira nacional os navios próprios dos armadores autorizados e os navios nacionais ou estrangeiros por eles afretados, com autorização concedida pelas respectivas autoridades de uma ou outra das Partes Contratantes, para a execução dos serviços de transporte marítimo contemplados no presente Acordo.”(grifo nosso).
No exercício do seu poder normativo, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários editou a Resolução n.º 2922-ANTAQ, que disciplina o afretamento de embarcação por empresa brasileira de navegação para o transporte de carga no tráfego de longo curso e para a liberação do transporte de carga prescrita à bandeira brasileira por empresa de navegação estrangeira, que, em seu artigo 5º, afirma:
“Art. 5º A empresa brasileira de navegação de longo curso poderá obter autorização para afretar embarcação estrangeira, para realizar o transporte de carga prescrita, nas seguintes hipóteses:
I - por viagem, no todo ou em parte, ou por tempo para uma única viagem:
a) quando constatada a inexistência ou indisponibilidade de embarcações de bandeira brasileira, do tipo e porte adequados para o transporte pretendido;
b) quando constatado que as ofertas para o transporte pretendido não atendem aos prazos consultados ou que as condições ofertadas não sejam compatíveis com o mercado.
II - por tempo, a casco nu ou por viagem, no todo ou em parte, ou por tempo para uma única viagem, em substituição a embarcação em construção no País, em estaleiro brasileiro, com contrato em eficácia, enquanto durar a construção, até o limite da tonelagem de porte bruto contratada.” (grifo nosso).
Neste cenário normativo, percebe-se que, constatada a inexistência ou indisponibilidade de embarcações de bandeira brasileira, cabe à ANTAQ deferir autorizações para afretamento de embarcação estrangeira, observando, como não poderia deixar de ser, nos casos envolvendo portos brasileiros e argentinos, a disciplina trazida no Decreto n.º 99.040.
2. Da ausência de competência para denúncia de acordos bilaterais pela ANTAQ.
O problema que se coloca diz respeito àquelas hipóteses em que a autoridade argentina, ao arrepio do acordo bilateral firmado entre o Brasil e a Argentina, impede o carregamento de carga no porto argentino.
Há quem sustente que, em obediência ao princípio da reciprocidade, a ANTAQ deveria, de igual forma, impedir o carregamento de carga no porto brasileiro.
Sem razão, contudo.
Isto porque, a adoção do mesmo expediente pela ANTAQ não encontra respaldo no Decreto n.º 99.040 - que é, diga-se, de observância cogente pela Agência -, e, tampouco, em outro normativo legal.
Sobreleva anotar, ainda, que o princípio da legalidade é diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Vale dizer, qualquer atividade administrativa deve, inelutavelmente, ser autorizada por lei.
A celebração, denúncia ou suspensão de tratado, acordo ou convenção internacional é de competência privativa do Presidente da República, conforme o determinado pelo art. 84, VIII, da Constituição da República Federativa do Brasil.
Tais atos se configuram, assim, como atos políticos, pois são produzidos por agentes da cúpula diretiva do país, tendo a competência determinada pela Constituição.
“Esses atos não são propriamente administrativos, mas atos de governo. Seu fundamento se encontra na Constituição, e por tal motivo não têm parâmetros prévios de controle. Por outro lado, são esses os atos que permitem a condução das políticas, das diretrizes e das estratégias do Governo. Ausentes quaisquer standards predeterminados para limitá-los, os atos políticos comportam maior discricionariedade para os governantes, facultando-lhes a todo o tempo um leque aberto de possibilidades de ação, sendo todas legítimas”.[2]
Nesta senda, a possível denúncia do acordo bilateral, ou modificação do mesmo, é, assim, ato de soberania nacional, que poderá implicar em uma gama de outras consequências na relação dos países envolvidos, podendo somente ser avaliada a sua viabilidade e necessidade pelo órgão competente, fugindo à esfera de atuação da ANTAQ tais procedimentos, tendo em conta a ausência de previsão legal para tanto.
O próprio Decreto n.º 99.040 estabelece que os contratantes – no caso, a República Federativa do Brasil e a República da Argentina – poderão propor modificações ao Acordo, por meio de comunicação diplomática, in verbis:
“ARTIGO XIII
(...)
Qualquer das Partes Contratantes poderá solicitar, mediante comunicação diplomática, reunião para propor modificações ao presente Acordo, a qual deverá iniciar-se dentro de um prazo de sessenta (60) dias, a contar da data de recepção do respectivo pedido, e realizar-se no território da Parte Contratante à qual foi solicitada.” (grifo nosso)
Por seu turno, no que toca à denúncia do acordo, o Decreto n.º 99.040 estabelece:
“ARTIGO XIV
(...)
Cada uma das Partes Contratantes poderá, a qualquer momento, denunciar o presente Acordo. A denúncia terá efeito noventa (90) dias após a data de recepção da notificação, por nota diplomática correspondente.” (grifo nosso)
Registre-se, por oportuno, que a ANTAQ não detém atribuição para tais atos diplomáticos, exatamente por causa da soberania nacional envolvida no ato e no impacto generalizado nas relações postas entre os países pactuantes, sendo descabido que a Agência, ou mesmo as autoridades impetradas, sejam compelidas a materializar o pedido da exordial.
Conclusão
À vista do cenário acima descortinado, conclui-se, portanto, que, ainda que autoridade argentina negue vigência à autorização emitida pela ANTAQ, não permitindo o embarque de carga em seu território, não cabe à Agência Nacional de Transportes Aquaviários suspender o acordo bilateral firmado entre os dois países.
Bibliografia
AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES AQUAVIÁRIOS. Aprova a norma para outorga de autorização para prestação de serviço de transporte de passageiros, veículos e cargas na navegação interior de travessia. Resolução n.º 2922-ANTAQ, de 4 de junho de 2013. Disponível em: http://www.antaq.gov.br/Portal/Legislacao_Resolucoes.asp?Tipo=Maritima#ancora2922
Aragão, Alexandre Santos de. Curso de direito administrativo – Rio de Janeiro: Forense, 2012.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
BRASIL. LEI FEDERAL n.º 10.233/2001, de 05 de junho de 2001. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10233.htm
Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. até a Lei n.º 12.587, de 3-1-2012. – São Paulo: Atlas, 2012.
DE MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 22ª edição. São Paulo, Malheiros, 2006.
[1] Art. 27. Cabe à ANTAQ, em sua esfera de atuação:
X – representar o Brasil junto aos organismos internacionais de navegação e em convenções, acordos e tratados sobre transporte aquaviário, observadas as diretrizes do Ministro de Estado dos Transportes e as atribuições específicas dos demais órgãos federais;
XII – supervisionar a participação de empresas brasileiras e estrangeiras na navegação de longo curso, em cumprimento aos tratados, convenções, acordos e outros instrumentos internacionais dos quais o Brasil seja signatário;
[2] Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. rev., ampl. e atual. até a Lei n.º 12.587, de 3-1-2012. – São Paulo: Atlas, 2012, p. 606.
Procurador Federal. Especialista em Ciências Criminais e pós-graduando em Direito Processual Civil.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Henrique Viana Bandeira. Da inexistência de atribuição da ANTAQ para suspensão do Acordo sobre Transportes Marítimos entre a República Federativa do Brasil e a República da Argentina Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39482/da-inexistencia-de-atribuicao-da-antaq-para-suspensao-do-acordo-sobre-transportes-maritimos-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-da-argentina. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.