1. INTRODUÇÃO
A Lei nº 8.112/90, que fixa o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, prevê em seu art. 132 as hipóteses em que cabível a aplicação da pena de demissão, que é aplicável em razão da ocorrência de infrações funcionais que ensejam maior vulneração aos princípios da moralidade e da probidade.
O presente trabalho tem por pretensão abordar a possibilidade de interposição do recurso hierárquico pelo servidor penalizado nos termos da Lei nº 8.112/90 ao presidente da República em face da decisão do Ministro de Estado que aplica a pena de demissão àquele, e, consequentemente, analisar a admissibilidade ou não do mencionado recurso.
2. DESENVOLVIMENTO
Segundo o art. 141 da Lei nº 8.112/90, no âmbito do Poder Executivo Federal, a aplicação da pena de demissão seria, em tese, atribuição do Presidente da República. Contudo, por meio do Decreto nº 3.035/1999, especificamente seu art. 1º, I, esta atribuição foi delegada aos Ministros de Estado e ao Advogado-Geral da União, ficando vedada sua subdelegação, salvo no caso do Ministro da Educação, aos dirigentes máximos das instituições federais de ensino vinculadas ao ministério.
Logo, tem-se que, a despeito do previsto no art. 141 da Lei nº 8.112/90, no âmbito do Poder Executivo Federal, é possível a aplicação da pena de demissão pelos Ministros de Estado e pelo Advogado-Geral da União aos servidores que lhes são subordinados.
Quando do advento de referido decreto, exsurgiram críticas, asseverando-se, em síntese, que a demissão de servidores não se encontra no rol de atividades delegáveis pelo Presidente da República (art. 84, parágrafo único, CRFB/88), assim como tal delegação deveria ter ocorrido por meio de lei.
Entretanto, à luz da Constituição Federal de 1988, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que a delegação dada pelo Decreto nº 3.035/99 não fere nenhuma normal legal ou constitucional, uma vez que a atribuição de prover cargos públicos (art. 84, inciso XXV, primeira parte, CRFB/88) abrange também a de desprovê-los, a qual, portanto, também é suscetível de delegação a Ministro de Estado, como autoriza o parágrafo único do art. 84 da Carta Magna.
Nas palavras do Ministro Luiz Fux, “a atribuição do Presidente da República de provimento de cargos públicos pode, por força da redação expressa do texto constitucional, ser delegada. A contrario sensu, nos termos do que já decidido por esta Corte Suprema, o ato de demissão, que acarreta o esvaziamento do cargo público, movimento contrário ao de preenchimento, também pode ser delegado. O permissivo da delegação a Ministro de Estado quanto ao provimento de cargo vago abrange, ainda que tacitamente, a delegação do ato de demissão” (RMS 24194, Rel. Min Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 13/09/2011, DJe-193, divulgado em 06.10.2011).
A delegação neste caso, além de estar em consonância com o ordenamento pátrio, como já asseverou a Corte Suprema, é também desejável, uma vez que assegura maior rapidez e objetividade às decisões, situando-as na proximidade dos fatos, além de impedir a inviabilização do trabalho da Presidência da República, não sendo razoável a concentração em uma autoridade dos processos administrativos disciplinares que culminem em pena de demissão de todos os servidores públicos do Poder Executivo Federal.
Cumpre consignar que o Superior Tribunal de Justiça também entende pela possibilidade da delegação em tela em razão do previsto nos incisos IV e VI do art. 84 da Carta Magna, com fundamento também nos arts. 11 e 12 do Decreto nº 200/67[1].
Em razão desta delegação, surge outra questão a ser enfrentada pelo administrador e tribunais pátrios: é possível a interposição de recurso hierárquico da decisão do Ministro de Estado (aqui também entendido o Advogado-Geral da União) que demite o servidor público?
O Superior Tribunal de Justiça possui julgados no sentido do cabimento de recurso hierárquico ao Presidente da República nos casos de aplicação de penalidades aos servidores públicos federais por ato de Ministros de Estado, valendo citar o MS 10224/DF, Ministro Relator Celso Limongi, DJ em 23.03.2010; o MS 15131/DF, Ministro Relator Humberto Martins, DJe em 22.06.2010; o MS 10254/DF, Ministro Relator Hélio Quaglia Barbosa, julgado em 22.03.2006.
Todavia, não é esta a posição que prevalece na Administração Pública Federal.
Conforme a Apostila de Texto “Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar (PAD) – Formação de Membros de Comissões” da Controladoria Geral da União (item 5.1.2 – Pedido de Reconsideração e Recurso Hierárquico): “Acrescente-se que a delegação de competência do Presidente da República aos Ministros de Estado, por meio do Decreto n. 3035, de 27/04/99, obsta o reexame, por parte daquela superior autoridade delegante, das decisões ministeriais. Não faz sentido a autoridade que delegou competência acerca da apreciação de determinada matéria vir a ser provocada a se manifestar sobre esse assunto em grau recursal: o recurso hierárquico deve ser apreciado pela autoridade superior à delegante. Como, no caso, a autoridade delegante já é a mais alta em sede administrativa, tem-se que a possibilidade de recurso hierárquico, em sentido lato, da decisão ministerial, restringe-se a pedido de reconsideração a esta autoridade delegada”.
Neste mesmo sentido, leciona Mauro Roberto Gomes de Mattos [2]: “Todavia, não caberá recurso das decisões proferidas por delegação de competência do Presidente da República aos Ministros de Estado, por meio do decreto nº 3.035/1999. Ou seja, o Presidente da República não despachará o recurso hierárquico contra a decisão tomada por delegação de seus Ministros de Estado, porquanto eles despacharam como se fossem a aludida Autoridade máxima. A insatisfação do servidor, quanto à decisão ministerial ensejará a possibilidade da interposição do pedido de reconsideração, para a mesma Autoridade responsável pela prolação da decisão que se pretende reformar”.
Vale mencionar que a Portaria CGU nº 335, de 30/05/06, a qual regulamenta o sistema de correição no Poder Executivo Federal, em seu art.15, §3º, ao elencar as hipóteses de recurso administrativo, não prevê recurso em caso de decisão ministerial, o que somente reforça a posição da Administração Pública Federal no sentido de não admitir tal recurso.
Com o devido respeito aos que adotam posicionamento contrário, tem-se incabível o recurso hierárquico ao Presidente da República contra decisão proferida pelos Ministros de Estado nesses casos, uma vez que, pelo fato de serem tomadas por força de delegação, possuem natureza jurídica de decisão proferida pelo próprio Presidente da República. Logo, adotando-se entendimento contrário, estar-se-ia possibilitando a interposição de recurso à autoridade que prolatou a própria decisão guerreada, o que descaracteriza a natureza de recurso.
Em razão de tal delegação, eventual recurso deveria ser destinado à autoridade hierarquicamente superior ao delegante, o que, no caso em tela, não seria possível, uma vez que o Presidente da República é a autoridade máxima no âmbito do Poder Executivo Federal. No ponto, o autor José dos Santos Carvalho Filho [3] leciona que “se o ato fosse praticado pelo delegante, o recurso interposto contra ato seu seria apreciado por outra autoridade, certamente de nível hierárquico mais elevado. Mas como foi praticado pelo agente delegado, é preciso saber para qual autoridade deve dirigir-se eventual recurso. Por lógica, a autoridade julgadora do recurso deve ser a mesma que julgaria o ato se fosse praticado pelo delegante, pois que, afinal de contas, o delegado está agindo em nome próprio por autorização do delegante”.
Importante observar que o entendimento citado acima em sentido contrário, adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, é justificado pela necessidade de se atender o contraditório e a ampla defesa, possibilitando o duplo grau de julgamento. Porém, como se observa dos precedentes, não se analisa o fato de as decisões serem proferidas por força de delegação presidencial (Decreto nº. 3.035/99), apenas mencionando-se a aplicação do art. 104 e seguintes da Lei nº 8.112/90 ao caso, em razão da omissão de previsão de recurso no capítulo destinado ao processo administrativo disciplinar.
Entende-se, data máxima vênia, que tal entendimento não justifica a possibilidade de se veicular recurso ao Presidente da República. Caso houvesse o julgamento pelo Presidente da República, conforme preconizado pelo art. 141, I, da Lei nº 8.112/90, de igual modo não se instauraria uma segunda instância em eventual recurso, haja vista inexistir autoridade superior, e, portanto, revisora, cabendo apenas o pedido de reconsideração, o que já é previsto na esfera dos Ministros de Estado e do Advogado-Geral da União.
Por fim, não se pode olvidar que, ao possibilitar a interposição de recurso hierárquico ao Presidente da República, esvazia-se a razão da delegação veiculada pelo Decreto nº 3.035/99, uma vez que se atribuirá a uma única autoridade a decisão sobre procedimentos envolvendo servidores de toda a Administração Pública Federal.
3. CONCLUSÃO
Assim, considerando que as decisões tomadas pelos Ministros de Estado por força do Decreto nº 3.035/99 foram despachadas como se fossem pelo Presidente da República e que, caso tomadas pelo próprio Presidente, não se instauraria nova instância para reexame, ante a inexistência de autoridade hierarquicamente superior, entende-se, de igual forma, pela inadmissibilidade do recurso hierárquico em face da decisão do Ministro de Estado ou do Advogado-Geral da União que aplica a pena de demissão a servidor público federal, admitindo-se somente o pedido de reconsideração, a ser apreciado pelo próprio ministro na qualidade de autoridade julgadora.
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 118.
MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de Direito Administrativo Disciplinar. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 765/766.
5. NOTAS
[1] MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. DEMISSÃO. ATO DELEGADO A MINISTRO DE ESTADO. POSSIBILIDADE. NULIDADE DA PORTARIA DE INSTAURAÇÃO DO PROCESSO. INOCORRÊNCIA. PORTARIA DEMISSÓRIA SUFICIENTEMENTE MOTIVADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NA APLICAÇÃO DA PENALIDADE ADMINISTRATIVA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. A Lei nº 8.112/90, na letra do seu artigo 141, inciso I, efetivamente declara ser da competência do Presidente da República, entre outras, a aplicação da penalidade de demissão de servidor, competência essa, contudo, delegável, como previsto no artigo 84, incisos IV e VI, e parágrafo único, da Constituição da República e nos artigos 11 e 12 do Decreto-lei nº 200/67. (...) 12. Ordem denegada. (MS 8.259/DF, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/11/2002, DJ 17/02/2003, p. 219).
[2] MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Tratado de Direito Administrativo Disciplinar. 2ª edição revista, atualizada e ampliada. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo Federal. 2ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
ADVOGADA DA UNIÃO JUNTO À ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO COM EXERCÍCIO EM BRASÍLIA/DF E PÓS-GRADUANDA EM DIREITO PELA UNIVERSIDADE ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO - UERJ. EX PROCURADORA DO MUNICÍPIO DE SÃO GONÇALO/RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DANTAS, Aline Cardoso Dória. Da inadmissibilidade do recurso hierárquico ao Presidente da República em face da decisão do Ministro de Estado que aplica pena de demissão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39569/da-inadmissibilidade-do-recurso-hierarquico-ao-presidente-da-republica-em-face-da-decisao-do-ministro-de-estado-que-aplica-pena-de-demissao. Acesso em: 23 dez 2024.
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