Introdução
O presente trabalho propõe uma reflexão sobre a real natureza da penalidade administrativa, mais precisamente a multa simples, por infração à legislação ambiental, à luz, tanto da jurisprudência quanto da Lei Federal 9605/98.
Desenvolvimento
Desde longa data, prevalece o posicionamento doutrinário segundo o qual as penalidades administrativas decorrentes de infrações ambientais seriam, todas elas, de natureza objetiva, ou seja, dispensar-se-ia a demonstração do elemento subjetivo da prática de uma infração administrativa para que se pudesse impor tais penalidades.
Nada obstante, o tema é tratado pela Lei Federal 9605/98. Vale analisar mais detidamente o seu artigo 72. Veja-se:
Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, observado o disposto no art. 6º:
I - advertência;
II - multa simples;
III - multa diária;
IV - apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;
V - destruição ou inutilização do produto;
VI - suspensão de venda e fabricação do produto;
VII - embargo de obra ou atividade;
VIII - demolição de obra;
IX - suspensão parcial ou total de atividades;
X – (VETADO)
XI - restritiva de direitos.
§ 1º Se o infrator cometer, simultaneamente, duas ou mais infrações, ser-lhe-ão aplicadas, cumulativamente, as sanções a elas cominadas.
§ 2º A advertência será aplicada pela inobservância das disposições desta Lei e da legislação em vigor, ou de preceitos regulamentares, sem prejuízo das demais sanções previstas neste artigo.
§ 3º A multa simples será aplicada sempre que o agente, por negligência ou dolo:
I - advertido por irregularidades que tenham sido praticadas, deixar de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha;
II - opuser embaraço à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
§ 4° A multa simples pode ser convertida em serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente.
§ 5º A multa diária será aplicada sempre que o cometimento da infração se prolongar no tempo.
§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta Lei.
§ 7º As sanções indicadas nos incisos VI a IX do caput serão aplicadas quando o produto, a obra, a atividade ou o estabelecimento não estiverem obedecendo às prescrições legais ou regulamentares.
§ 8º As sanções restritivas de direito são:
I - suspensão de registro, licença ou autorização;
II - cancelamento de registro, licença ou autorização;
III - perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais;
IV - perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito;
V - proibição de contratar com a Administração Pública, pelo período de até três anos.
Conforme se pode verificar, no art. 72, §3º, o dispositivo é expresso em atrelar a incidência da multa às hipóteses que haja dolo ou negligência. Em outras palavras, exige sim demonstração de elemento subjetivo para a imposição dessa espécie de penalidade.
Mas isso não é tudo. O mesmo dispositivo é claro ao estipular outros requisitos, quais sejam, (i) tenha o agente sido advertido por irregularidades que tenham sido praticadas e tenha deixado de saná-las, no prazo assinalado por órgão competente do SISNAMA ou pela Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha; ou (ii) tenha o agente criado obstáculo à fiscalização dos órgãos do SISNAMA ou da Capitania dos Portos, do Ministério da Marinha.
Parece ser bastante claro o dispositivo ao criar duas circunstâncias para incidência da multa simples: o não atendimento tempestivo à advertência prévia para sanar irregularidade e resistência à fiscalização, mas em ambos os casos impõe presença de dolo ou negligência.
Até bem pouco tempo, em que pese a clareza do dispositivo acima analisado, os Tribunais pátrios não entendiam desse modo, insistindo em dispensar o elemento subjetivo, sem, contudo, indicar que razões de convencimento permitiriam afastar a aplicação da regra.
Ocorre que, rompendo com este entendimento majoritário, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão unânime, nos seguintes termos:
AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. MULTA APLICADAADMINISTRATIVAMENTE EM RAZÃO DE INFRAÇÃO AMBIENTAL. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA EM FACE DO ADQUIRENTE DA PROPRIEDADE. ILEGITIMIDADE PASSIVA. MULTA COMO PENALIDADE ADMINISTRATIVA, DIFERENTE DA OBRIGAÇÃO CIVIL DE REPARAR O DANO.
1. Trata-se, na origem, de embargos à execução fiscal ajuizado pelo ora recorrente por figurar no polo passivo de feito executivo levado a cabo pelo Ibama para cobrar multa aplicada por infração ambiental.
2. Explica o recorrente - e faz isto desde a inicial do agravo de instrumento e das razões de apelação que resultou no acórdão ora impugnado - que o crédito executado diz respeito à violação dos arts. 37 do Decreto n. 3.179/99, 50 c/c 25 da Lei n. 9.605/98 e 14 da Lei n. 6.938/81, mas que o auto de infração foi lavrado em face de seu pai, que, à época, era o dono da propriedade.
3. A instância ordinária, contudo, entendeu que o caráter propter rem e solidário das obrigações ambientais seria suficiente para justificar que, mesmo a infração tendo sido cometida e lançada em face de seu pai, o ora recorrente arcasse com seu pagamento em execução fiscal.
4. Nas razões do especial, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 3º e 568, inc. I, do Código de Processo Civil (CPC) e 3º, inc. IV, e 14 da Lei n. 6.938/81, ao argumento de que lhe falece legitimidade passiva na execução fiscal levada a cabo pelo Ibama a fim de ver quitada multa aplicada em razão de infração ambiental.
5. Esta Corte Superior possui entendimento pacífico no sentido de que a responsabilidade civil pela reparação dos danos ambientais adere à propriedade, como obrigação propter rem, sendo possível cobrar também do atual proprietário condutas derivadas de danos provocados pelos proprietários antigos. Foi essa a jurisprudência invocada pela origem para manter a decisão agravada.
6. O ponto controverso nestes autos, contudo, é outro. Discute-se, aqui, a possibilidade de que terceiro responda por sanção aplicada por infração ambiental.
7. A questão, portanto, não se cinge ao plano da responsabilidade civil, mas da responsabilidade administrativa por dano ambiental.
8. Pelo princípio da intranscendência das penas (art. 5º, inc. XLV, CR88), aplicável não só ao âmbito penal, mas também a todo o Direito Sancionador, não é possível ajuizar execução fiscal em face do recorrente para cobrar multa aplicada em face de condutas imputáveis a seu pai. 9. Isso porque a aplicação de penalidades administrativas não obedece à lógica da responsabilidade objetiva da esfera cível (para reparação dos danos causados), mas deve obedecer à sistemática da teoria da culpabilidade, ou seja, a conduta deve ser cometida pelo alegado transgressor, com demonstração de seu elemento subjetivo, e com demonstração do nexo causal entre a conduta e o dano.
10. A diferença entre os dois âmbitos de punição e suas consequências fica bem estampada da leitura do art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, segundo o qual "[s]em obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo [entre elas, frise-se, a multa], é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade".
11. O art. 14, caput, também é claro: "[s]em prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias
à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da
qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]".
(...)
15. Recurso especial provido.(REsp 1.251.697/PR, 2ª Turma, Min. Rel. Mauro Cambell Marques, julgado 12/04/2012, DJe 17/04/2012)
Conclusão
Em que pese a prevalência do entendimento doutrinário e jurisprudencial no sentido de a responsabilidade administrativa ser de natureza objetiva, parece haver se iniciado nova discussão sobre o tema.
Outrossim, espera-se que os Tribunais Superiores se debrucem sobre o tema em cotejo com a regra do art. 72, §3º da Lei 9605/98, pois revela-se inadmissível o atropelo da norma sem que declare as razões de convencimento.
Advogada na Área Ambiental da Petrobras S.A.. Graduada em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Pós-Graduanda em Direito Contencioso pelo IBMEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Araiana Mascarenhas Baleeiro. Natureza da multa administrativa, no caso de infração ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39573/natureza-da-multa-administrativa-no-caso-de-infracao-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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