RESUMO: A ideia do presente trabalho consiste em analisar se a previsão disposta no art. 20, inciso XII, do Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infraestrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, anexo à Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001, de 24 de novembro de 1999, coaduna-se com o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988. Importante ressaltar a postura do advogado público na análise desse conflito, em interpretação que dê eficácia ao dispositivo sem que ofenda o texto constitucional.
Palavras-Chave: Compartilhamento de infraestrutura; contratos; conflitos; solução extrajudicial; Regulamento Conjunto; interpretação.
SUMÁRIO: Introdução; 1. O art. 20, inciso XI, Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001, de 24 de novembro de 1999; 2. A Importância da Advocacia Pública Consultiva. Desafogamento do Poder Judiciário; 3. O art. 20, XI da Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001/1999 frente ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988; 4. Conclusão; Referências Bibliográficas.
Introdução
Trata o presente artigo de analisar o disposto no art. 20, inciso XI do Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infraestrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, anexo à Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001, de 24 de novembro de 1999, e sua compatibilidade com o art. 5º, inciso XXXV da Constituição Federal de 1988, passando pelas considerações que devem permear o advogado público na análise dessa incompatibilidade.
1. O art. 20, inciso XI, Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001, de 24 de novembro de 1999.
A preocupação acerca da possibilidade de exigência de estabelecimento de foro e modo para solução extrajudicial de divergências contratuais em contratos de compartilhamento de infraestrutura advém, exatamente, dos termos do art. 20, inciso XI do Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infraestrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, anexo à Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001, de 24 de novembro de 1999.
Nos termos de tal dispositivo, a cláusula é classificada como essencial e sua ausência impede a homologação do contrato de compartilhamento de infraestrutura por parte da Agência Reguladora competente, seja ela a ANATEL, a ANP ou a ANEEL, nos termos do art. 16 do Regulamento citado[1].
Nesse passo, cumpre colacionar o teor do artigo:
Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001/1999
Art. 20. O contrato de compartilhamento de infra-estrutura deverá dispor, essencialmente, sobre: (...)
XI – foro e modo para solução extrajudicial das divergências contratuais; (...)
A partir do dispositivo em tela, pergunta-se se seria legítimo à Agência Reguladora competente recusar a homologação do contrato de compartilhamento em vista de ausência da previsão de foro e modo para solução extrajudicial de divergências contratuais. Em suma, indaga-se se a Administração Pública teria legitimidade para impor às partes a previsão contratual de solução extrajudicial das divergências contratuais, ainda que o disposto no art. 20, inciso XI, do Regulamento Conjunto referido assim determinasse.
2. A Importância da Advocacia Pública Consultiva. Desafogamento do Poder Judiciário.
Para a análise do tema em comento, considerando-se que ele envolve três Agências Reguladoras (ANATEL, ANEEL e ANP), detentoras de natureza jurídica autárquica, devemos, de início, realçar a competência de uma Procuradoria Federal Especializada, órgão da Advocacia-Geral da União, e de seus membros, a quem compete o assessoramento jurídico das autarquias e fundações federais:
Art. 10. À Procuradoria-Geral Federal compete a representação judicial e extrajudicial das autarquias e fundações públicas federais, as respectivas atividades de consulta e assessoramento jurídicos, a apuração de liquidez e certeza dos créditos, de qualquer natureza, inerentes às suas atividades, inscrevendo-os em dívida ativa, para fins de cobrança amigável ou judicial.
§ 1º. No desempenho das atividades de consultoria e assessoramento, à Procuradoria-Geral Federal aplica-se, no que couber, o disposto no art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 10 de fevereiro de 1993.
LC nº 73/93
Art. 11. Às Consultorias Jurídicas, órgãos administrativamente subordinados aos Ministros de Estado, ao Secretário-Geral e aos demais titulares de Secretarias da Presidência da República e ao Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, compete, especialmente:
I - assessorar as autoridades indicadas no caput deste artigo;
II - exercer a coordenação dos órgãos jurídicos dos respectivos órgãos autônomos e entidades vinculadas;
III - fixar a interpretação da Constituição, das leis, dos tratados e dos demais atos normativos a ser uniformemente seguida em suas áreas de atuação e coordenação quando não houver orientação normativa do Advogado-Geral da União;
IV - elaborar estudos e preparar informações, por solicitação de autoridade indicada no caput deste artigo;
V - assistir a autoridade assessorada no controle interno da legalidade administrativa dos atos a serem por ela praticados ou já efetivados, e daqueles oriundos de órgão ou entidade sob sua coordenação jurídica;
VI - examinar, prévia e conclusivamente, no âmbito do Ministério, Secretaria e Estado-Maior das Forças Armadas:
a) os textos de edital de licitação, como os dos respectivos contratos ou instrumentos congêneres, a serem publicados e celebrados;
b) os atos pelos quais se vá reconhecer a inexigibilidade ou decidir a dispensa de licitação.
Além disso, desenvolvem-se atividades de conciliação e arbitramento, cujo objetivo é o de resolver administrativamente os litígios entre a União, autarquias e fundações, evitando, assim, a provocação do Poder Judiciário.
São responsáveis pelo exercício das atividades consultivas os Advogados da União, os advogados integrantes do Quadro Suplementar, os Procuradores da Fazenda nacional e os Procuradores Federais, cada qual na sua respectiva área de atuação.
No exercício dessas importantes funções, sobressai a atuação que tem o dever da formatação jurídico-constitucional, às políticas públicas, de forma a preservar os direitos e garantias fundamentais do cidadão e, em última análise, prevenir o surgimento de litígios e disputas jurídicas[2].
Com isso, percebe-se que uma das funções atribuídas às Procuradorias Federais consiste na prevenção de surgimento de litígios e disputas judiciais, contribuindo, assim, para o tão sonhado “desafogamento” do Poder Judiciário. Tais parâmetros, portanto, devem ser considerados pelo procurador federal que atua junto às autarquias e fundações públicas federais nas análises dos processos que seguem para sua análise, inclusive daqueles que envolvem o tema em estudo.
3. O art. 20, XI da Resolução Conjunta ANATEL/ANEEL/ANP nº 001/1999 frente ao art. 5º, XXXV, da Constituição Federal de 1988.
Em primeiro lugar, é de se denotar que a disposição contida no artigo 20, inciso XI, do Regulamento Conjunto para Compartilhamento de Infra-Estrutura entre os Setores de Energia Elétrica, Telecomunicações e Petróleo, anexo à Resolução Conjunta nº 001, de 24 de novembro de 1999, traduz finalidade nobre e que deve ser encorajada pelas autoridades administrativas, incentivando a solução extrajudicial de conflitos.
Existem, todavia, outras questões a serem comentadas. Isso porque o art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, descreve que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito. Trata-se do princípio da inafastabilidade da jurisdição. Com efeito, sobre o tema, assevera Dirley da Cunha Jr. e Marcelo Novelino[3] que:
O direito de acesso à justiça (princípio da inafastabilidade da apreciação jurisdicional) foi ampliado pela Constituição de 1988, de forma a abranger não apenas a via repressiva (“lesão”), mas também a via preventiva (“ameaça a direito”).
Quanto ao ponto, Marinoni destaca que, “quando a norma fala em lesão e em ameaça a direito, obviamente está se referindo a afirmação de lesão e de ameaça a direito, uma vez que, quando se invoca a jurisdição, afirma-se um direito”.[4]
Tal direito individual, dirigido ao legislador, traduz-se na garantia de acesso à jurisdição e na universalidade do Poder Judiciário. Exatamente por ser endereçado ao legislador, entende-se que a Constituição não impediu a exclusão de litígios da apreciação do Judiciário por parte das pessoas às quais tal direito fora assegurado. De fato, se à parte é possível transacionar em torno de seus direitos disponíveis, inclusive desistindo de ação já proposta, não se visualiza óbice à pessoa, seja ela física ou jurídica, de abrir mão desse mesmo direito disponível, mediante convenção de arbitragem. Assim é que se fala em direito de ação, e não em dever de ação.
Com base nesse argumento, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da Lei nº 9.307/96 (Lei da Arbitragem). Segundo o Excelso Pretório, não há, nessa Lei, ofensa ao princípio da inafastabilidade do controle judicial, pois nada impede à pessoa, física ou jurídica, de exercer o direito de transigir a respeito de direitos disponíveis. Observe-se, porém, que, ocorrendo causa de nulidade na convenção de arbitragem ou na própria sentença arbitral, pode a parte socorrer-se da tutela jurisdicional. Ou seja, referida Lei só não foi declarada inconstitucional porque não instituiu a arbitragem em termos obrigatórios:
1.Sentença estrangeira: laudo arbitral que dirimiu conflito entre duas sociedades comerciais sobre direitos inquestionavelmente disponíveis - a existência e o montante de créditos a título de comissão por representação comercial de empresa brasileira no exterior: compromisso firmado pela requerida que, neste processo, presta anuência ao pedido de homologação: ausência de chancela, na origem, de autoridade judiciária ou órgão público equivalente: homologação negada pelo Presidente do STF, nos termos da jurisprudência da Corte, então dominante: agravo regimental a que se dá provimento,por unanimidade, tendo em vista a edição posterior da L. 9.307, de 23.9.96, que dispõe sobre a arbitragem, para que, homologado o laudo, valha no Brasil como título executivo judicial. 2. Laudo arbitral: homologação: Lei da Arbitragem: controle incidental de constitucionalidade e o papel do STF. A constitucionalidade da primeira das inovações da Lei da Arbitragem - a possibilidade de execução específica de compromisso arbitral - não constitui, na espécie, questão prejudicial da homologação do laudo estrangeiro; a essa interessa apenas, como premissa, a extinção, no direito interno, da homologação judicial do laudo (arts. 18 e 31), e sua conseqüente dispensa, na origem, como requisito de reconhecimento, no Brasil, de sentença arbitral estrangeira (art. 35). A completa assimilação, no direito interno, da decisão arbitral à decisão judicial, pela nova Lei de Arbitragem, já bastaria, a rigor, para autorizar a homologação, no Brasil, do laudo arbitral estrangeiro, independentemente de sua prévia homologação pela Justiça do país de origem. Ainda que não seja essencial à solução do caso concreto, não pode o Tribunal - dado o seu papel de "guarda da Constituição" - se furtar a enfrentar o problema de constitucionalidade suscitado incidentemente (v.g. MS 20.505, Néri). 3. Lei de Arbitragem (L. 9.307/96): constitucionalidade, em tese, do juízo arbitral; discussão incidental da constitucionalidade de vários dos tópicos da nova lei, especialmente acerca da compatibilidade, ou não, entre a execução judicial específica para a solução de futuros conflitos da cláusula compromissória e a garantia constitucional da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário (CF, art. 5º, XXXV). Constitucionalidade declarada pelo plenário, considerando o Tribunal, por maioria de votos, que a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o artigo 5º, XXXV, da CF. Votos vencidos, em parte - incluído o do relator - que entendiam inconstitucionais a cláusula compromissória - dada a indeterminação de seu objeto - e a possibilidade de a outra parte, havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, recorrer ao Poder Judiciário para compelir a parte recalcitrante a firmar o compromisso, e, conseqüentemente, declaravam a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei 9.307/96 (art. 6º, parág. único; 7º e seus parágrafos e, no art. 41, das novas redações atribuídas ao art. 267, VII e art. 301, inciso IX do C. Pr. Civil; e art. 42), por violação da garantia da universalidade da jurisdição do Poder Judiciário. Constitucionalidade - aí por decisão unânime, dos dispositivos da Lei de Arbitragem que prescrevem a irrecorribilidade (art. 18) e os efeitos de decisão judiciária da sentença arbitral (art. 31). (SE-AgR 5206/EP – Espanha, Relator Min. Sepúlveda Pertence, Pleno, DJ 30/04/2004).
Destarte, o dispositivo do regulamento que exige, como condição para a homologação de contrato de compartilhamento de infraestrutura, o estabelecimento de cláusula que indique o foro e modo para solução extrajudicial das divergências não possui amparo constitucional, por violar o supracitado art. 5º, XXXV da Carta Política. Isso porque não deixa na esfera de vontade do contratante a opção pela convenção de arbitragem, acabando por forçá-lo a tanto, sob pena de não homologação do contrato de compartilhamento respectivo.
Entretanto, e tendo em vista o louvável objetivo da Advocacia Pública Consultiva de evitar que as lides deságuem no Poder Judiciário, resolvendo-as fora desse âmbito, contribuindo para a eficiência e celeridade da tutela jurisdicional, é de bom alvitre que, caso do contrato de compartilhamento de infraestrutura não conste tal cláusula, as partes sejam intimadas para manifestar interesse em inseri-la no acordo. Acordando quanto à inserção de tal previsão, só assim se poderia falar em sua licitude.
4. Conclusão
Diante do que foi explanado ao longo do presente trabalho, entende-se pela impossibilidade de a Administração Pública impor aos contratantes a previsão contratual para solução extrajudicial das divergências contratuais. Trata-se de verdadeira imposição, uma vez que, não inserida tal previsão, não se homologa o contrato respectivo. Portanto, não seria constitucional a previsão que impede a homologação do acordo contratual face à ausência de tal cláusula.
De todo modo, cumpre ressaltar que o advogado público, no exercício de atividade jurídica consultiva, deve recomendar a intimação das partes para que estas se manifestem quanto à conveniência de se incluir tal cláusula, na hipótese de o contrato de compartilhamento não a prever, em observância à preocupação de se reduzir o número de processos que chegam ao Poder Judiciário.
Referências Bibliográficas
CUNHA JUNIOR, Dirley; e NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal. Salvador: Editora Juspodivm, 2010.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – Vol I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
[1] Art. 16. A eficácia do contrato de compartilhamento de infra-estrutura condiciona-se à sua homologação pela Agência reguladora do setor de atuação do Detentor.
[2] In http://www.agu.gov.br/atuacao/consultivo/consultivo.asp.
[3] CUNHA JUNIOR, Dirley; e NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal. Salvador: Editora Juspodivm, 2010, p. 53.
[4] MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo – Vol I. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013, p. 226.
Procuradora Federal em Brasília (DF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e. A Exigência de Estabelecimento de Foro e Modo para Solução Extrajudicial de Divergências Contratuais em Contratos de Compartilhamento de Infraestrutura Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39600/a-exigencia-de-estabelecimento-de-foro-e-modo-para-solucao-extrajudicial-de-divergencias-contratuais-em-contratos-de-compartilhamento-de-infraestrutura. Acesso em: 23 dez 2024.
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