RESUMO: O Estado democrático de direito, ou como prefere o ex Ministro do Supremo Tribunal Federal – Carlos Ayres Britto -, “o Estado de direito democrático”, assim o é denominado pela subserviência de sua vida à batuta do direito. Entrementes, de nada adiantaria a regência normativa se não houvesse mecanismos de solução definitiva dos problemas postos à solução da lei. Assim, a coisa julgada merece ser investigada, conceituada e ponderada a fim de que seja conhecida enquanto ferramenta de segurança jurídica e pacificação social. É preciso aquinhoar a denominada coisa julgada material da coisa julgada formal para, assim, poder saber o exato momento em que a questão posta em juízo se fará digna de imutabilidade dentro e fora do processo em que é traçada.
Palavras-chave: Coisa Julgada; imutabilidade; segurança jurídica.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Conceito; 3. Natureza jurídica; 4. Breves comentários sobre a coisa julgada formal e a material; 5. Conclusão; 6. Referencial.
1 Introdução ao tema
Faz-se mister, a fim de situar o leitor, uma análise superficial sobre a historicidade do instituto da Coisa Julgada, para que se possa entender, observando o passado, a grande importância deste instituto jurídico.
No Direito Romano tem-se que a coisa julgada era vista de uma maneira bem parecida ao que se observa hoje, mormente no direito pátrio. É lá que se concebe a rigidez de tal instituto.
Porém quando diante de um vício, o ato que gerava o preceito, que parecia imutável, tornava-se ineficaz. Ou seja, a eficácia preclusiva da Coisa Julgada era axilologicamente baixa, quando deparada com uma mácula processual.
É interessante notar que para o direito antigo essa sentença viciada de nulidade era absolutamente ineficaz, daí o motivo de não gozar da autoridade da coisas julgada material.
É assim o entender de Fracisco Barros Dias para quem:
Em termos históricos, o instituto da coisa julgada passa, em uma primeira fase e especialmente no direito romano, pela ineficácia do ato, ou seja, mesmo tendo transitado em julgado a sentença, uma vez constatando-se uma nulidade no processo (diga-se de passagem que havia uma grande importância das formas e por isso o número de nulidades era alto e pelos mais variados e menos importantes defeitos), poderia-se recorrer a instituto adequado de declaração de inexistência da sentença, pois a mesma não produzia efeitos enquanto perdurasse o vício (INTERNET, 2006).
No direito atual a coisa julgada adiquire uma força tal que, em tese, não havendo impugnação recursal, ou ainda por uma ação especifica, a mesma se convalidara e fará lei naquele caso concreto, impossibilitando assim a sua revisão. É assim o entender de Socialoja apub Francisco Barros Dias asseverando que:
SCIALOJA nos ensina que há uma grande diferença entre o direito antigo e o moderno em termos de nulidades ou inexistência da sentença. No direito moderno, o defeito da sentença leva a uma nulidade, especialmente quanto à forma. No direito romano, uma sentença nula é absolutamente ineficaz e por isso ela não goza da força e autoridade da coisa julgada. Modernamente, essa idéia de ineficácia do direito romano desapareceu, mesmo nos países que adotam o sistema processual com berço nesse direito. Somente através de recurso próprio ou de ação de impugnação da coisa julgada é que pode ser obtida nulidade da sentença. Do contrário, a sentença transitada em julgado, mesmo sendo nula, produz os seus efeitos e goza da autoridade da coisa julgada (INTERNET, 2006).
Giuseppe Chiovenda com o mesmo raciocínio expõe que:
Essa é a autoridade da coisa julgada. Os romanos a justificaram com razões inteiramente práticas, de utilidade social. Para que a vida social se desenvolva o mais possível segura e pacífica, é necessária imprimir certeza ao gozo dos bens da vida, e garantir o resultado do processo: ne aliter modus litium multiplicatus summam atque inexplicabilem faciat difficultatem, maxime si diversa pronunciarentur (fr. 6, Dig. De except. Rei iud. 44,2). Explicação tão simples, realística e chã, guarda perfeita coerência com a própria concepção romana do escopo processual e da coisa julgada, que difusamente analisamos nas observações históricas (n.º 32). Entendido o processo como instituto público destinado à atuação da vontade da lei em relação aos bens da vida por ela garantidos, culminante na emanação de um ato de vontade (a pronuntiatio iudicis) que condena ou absolve, ou seja, reconhece ou desconhece um bem da vida a uma das partes, a explicação da coisa julgada só pode divisar na exigência social da segurança no gozo dos bens (1998, p. 447).
Analisando a historicidade do direito lusitano, percebe-se que a priori houve uma adesão ao direito Romano. É fácil perceber, pela análise das ordenações Portuguesas, que os institutos do Direito antigo, foram abraçados quase que em sua totalidade pelo Ordenamento português.
Sobre esse tema é clara a lição de Francisco Barros Dias consignando que “Em Portugal, o processo civil acolheu inicialmente tudo aquilo que veio do direito romano, especialmente os institutos jurídicos ali criados, os quais foram abraçados pelas Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas” (INTERNET, 2006).
E arremata o mesmo aduzindo que:
É fácil perceber, portanto, que nessa primeira fase do direito Português, não se poderia falar em coisa julgada inconstitucional, até porque o controle de constitucionalidade sobre os atos administrativos ou legislativos ainda não existiam. PAULO OTERO é enfático ao afirmar que “Segundo o antigo Direito português, dizia-se expressamente que o monarca estava sobre a lei, daí que, “(...)somente ao Príncipe, que não conhece Superior, é outorgado por direito, que julgue segundo sua consciência, não curando de alegações, ou provas em contrário feitas pelas partes(...)”(INTERNET, 2006).
É importante destacar que na o atual direito Português percebe-se um rígido controle dos atos emanados pelo Estado. Porém, no que concerne aos atos Jurisdicionais tal controle não é tão veemente. É por assim entender que Francisco Barros Dias expõe:
Com base no art. 3º, n. 3, da Constituição Portuguesa que afirma “A validade das leis e dos demais actos do Estado, das regiões autónomas e do poder local depende da sua conformidade com a Constituição”, PAULO OTERO chega a apregoar “... que também a actividade jurisdicional se encontra subordinada ao princípio da constitucionalidade, dependendo a validade dos seus actos da conformidade com a Lei Fundamental (artigo 3º, nº 3), estando os tribunais sujeitos à lei (artigo 206º), utilizado aqui o termo “lei” num sentido amplo de subordinação dos tribunais e respectivas decisões à juridicidade”
Embora a atividade jurisdicional deva se subordinar aos ditames constitucionais o que ocorre na realidade é que ficam excluídos de quaisquer mecanismos de fiscalização da sua validade constitucional os atos políticos e os atos jurisdicionais, segundo PAULO OTERO. Há uma diferença inclusive. É que “os actos políticos encontram sempre, ou quase sempre, mecanismos também políticos de controle, estejam eles na Assembléia da República, no Presidente da República ou no próprio eleitorado; pelo contrário, os actos jurisdicionais inconstitucionais carecem de qualquer garantia de controle da sua validade”.
Essa carência de garantia de controle de validade constitucional dos atos jurisdicionais, ocorre, segundo PAULO OTERO, porque parte-se sempre da idéia de que os tribunais se limitam a executar a lei, entendendo-se a afirmativa como sendo os mesmos defensores dos direitos individuais e garantes da Constituição. “Porém, tal como sucede com os outros órgãos do poder público” – acrescenta PAULO OTERO -, “também os tribunais podem desenvolver uma actividade geradora de situações patológicas, proferindo decisões que não executem a lei, desrespeitem os direitos individuais ou cujo conteúdo vá ao ponto de violar a Constituição”(INTERNET, 2006).
Daí é que percebe-se ainda resquícios do ranço romanistico na seara portuguesa, ensejando uma forte valoração da coisa julgada de modo a colocala em uma gradação de intangibilidade, por vezes, exarcerbada.
O mesmo, porém, não acontece quando fala-se no sistema dos Estados Unidos. Seus preceitos são baseados em um common law, ou seja, totalmente discrepante com os preceitos brasileiros que tem inspiração Romana. É nesse toar que Francisco Barros Dias diz:
Interessante a visão do instituto da coisa julgada nos Estados Unidos. A concepção do instituto naquele país deve ser vista sob o aspecto da common law. Por isso não se deve transpor pura e simplesmente o sistema de lá para o brasileiro. As origens, cultura e influências históricas, são bem diferentes. Serve no entanto, como exemplo para se buscar um melhor aperfeiçoamento no Brasil, especialmente no que diz respeito a busca pela justiça e não só nos apegarmos ao preceito da segurança jurídica (grifo do autor).
A coisa julgada nos Estados Unidos não adquiriu a força que tem em outros países e outros sistemas, pois ali na common law, o que se busca sempre é a aplicação da justiça.
É perfeitamente possível se propor motions for a rehearing, motions to set aside a verdict y outras motions dirigidas a obter a reconsideração da sentença mesmo depois de seu trânsito em julgado. Essa é uma consequência histórica do princípio da common law, como diz SERENI, baseado essencialmente na equity, onde se encontra assente a idéia de que os poderes decisórios da Corte, quando analisa uma controvérsia não se esgotam com o pronunciamento da decisão, podendo esse poder continuar até que se alcance a justiça entre as partes, desde que presente essa necessidade (INTERNET, 2006).
Especificando em termos de Brasil, percebe-se que a sua tradição, mormente pelas raízes coloniais, pautou-se por uma visão mais rígida do instituto da coisa julgada.
E ainda pondera Francisco:
Se, na fase colonial, nada foi diferente do sistema Português que por sua vez adotava o sistema romano, na fase atual, estamos em situação quase idêntica a que foi descrita no item referente a coisa julgada em Portugal. É que a correção de um defeito da coisa julgada no Brasil continua a ser vista apenas sob o ângulo da lei ordinária, nos casos em que ela autoriza, limitados ao remédio isolado da ação rescisória, sujeita a prazo de decadência, ou, eventualmente, a ação de nulidade de ato jurídico, quando configurada a hipótese de inexistência ou de nulidade ipso iure, como veremos em capítulo futuro (INTERNET, 2006).
Daí a explicação mais sensata acerca da aparente petrificação do instituto da coisa julgada no Brasil. Faz com que as novas teses sejam vistas com parcimônia, ensejando até uma aversão às inovaçõpes mais ousadas na temática processual.
2 Conceito
O ideário que alimenta uma tese, emana do pensar filosófico acerca das premissas do assunto a ser abordado. Assim não é diferente, quanto se trata da coisa julgada, bem como as suas nuances frente aos preceitos de índole constitucional.
Daí a necessária alusão às teorias processuais bem como a noções sistematizadas acerca da principiologia do direito constitucional. Conceitos primazes como o de coisa julgada, ação, constitucionalidade, justiça, segurança jurídica e paz social, são checados de acordo com o que se tem de verdadeiro pela construção hipotética.
Sabe-se que o processo é o meio posto pelo Estado para dirimir as contendas em sociedade, por meio da tutela de direitos materiais, não sendo outro o pensar de Cintra, Grinover e Dinamarco para quem:
A pacificação é o escopo da jurisdição e, por conseqüência, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser definido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um (2003, p. 24).
E para a Chiovenda, em sua análise teórica, a jurisdição consiste em:
A função estatal que tem por escopo a atuação da vontade concreta da lei, mediante a substituição, pela atividade dos órgãos públicos, da atividade de particulares ou de outros órgãos públicos, quer para afirmar a existência da vontade da lei, quer para torná-la praticamente efetiva (1969, p. 25).
Porém, não basta apenas por fim momentaneamente ao debate das partes, é preciso tornar imutável o que foi decidido, afim de evitar a eternização dos conflitos, o que geraria uma maior instabilidade social.
Aí é que se chega ao conceito de coisa julgada, ou como diz Canotilho e a teoria portuguesa apud Theodoro Jr., caso julgado. Nada mais é que a solução em definitivo, tratando-se é claro de coisa julgada material, do que foi posto em juízo (2003, p. 142).
Conforme o ensinamento de Chiovenda apud Humberto Theodoro Junior, “na sentença se acha a lei, embora em sentido concreto. Proferida a sentença, esta substitui a lei”(2004, p. 485).
Ora, não é a vontade do Estado que a lei traga insegurança, seja ela abstratamente considerada ou concretamente posta em um decisum.
E assim tem-se o raciocínio de Humberto Theodoro asseverando que:
Na realidade, porém, ao instituir a coisa julgada, o legislador não tem nenhuma preocupação de valorar a sentença diante dos fatos (verdade) ou dos direitos (justiça). Impele-o tão somente uma exigência de ordem prática, quase banal, mas imperiosa, de não mais permitir que se volte a discutir acerca das questões já soberanamente decididas pelo poder judiciário. Apenas a preocupação de segurança nas relações jurídicas e de paz na convivência social é que explicam a res iudicata (2004, p. 486).
Percebe-se, pelo raciocínio acima disposto, que o processo pauta-se pela orientação teórica que busca firmar o veredicto imutável por conduto do instituto da coisa soberanamente julgada.
E Chiovenda sobre o assunto já enfatizou:
O raciocínio sobre os fatos é obra da inteligência do juiz, necessária como meio de preparar a formulação da vontade da lei. Por vezes, como verificamos (nas provas legais), o juiz não pode sequer raciocinar sobre os fatos (supra nº 32). O juiz, porém, não é somente um lógico, é um magistrado. Atingido o objetivo de dar formulação à vontade da lei, o elemento lógico perde, no processo, toda a importância. Os fatos permanecem o que eram, nem pretende o ordenamento jurídico que sejam considerados como verdadeiros aqueles que o juiz considera como base de sua decisão; antes, não se preocupa nem em saber como se passaram as coisas, e se desinteressa completamente dos possíveis êrros lógicos do juiz; mas limita-se a afirmar que a vontade da lei no caso concreto é aquilo que o juiz afirma ser a vontade da lei. O juiz, portanto, enquanto razôa, não representa o Estado; representa-o enquanto lhe afirma a vontade. A sentença é unicamente a afirmação ou a negação de uma vontade do Estado que garanta a alguém um bem da vida no caso concreto; e só a isto pode estender a autoridade do julgado; com a sentença só se consegue a certeza de existência de tal vontade e, pois, a incontestabilidade do bem reconhecido ou negado (1969, p. 183).
Couture apud Francisco define da seguinte maneira:
Tratando-se, pois, de definir o conceito jurídico de coisa julgada, após tantas advertências preliminares, podemos dizer que ela é a autoridade e eficácia de uma sentença judicial, quando não existe contra ela meios de impugnação que permitam modificá-la (INTERNET, 2006).
Já Chiovenda:
Quando se define coisa julgada como uma “ficção de verdade”, como uma “verdade formal”, como uma “presunção de verdade”, afirma-se uma coisa exata somente no sentido de que, para a maioria dos cidadãos estranhos a uma lide, a sentença aparece como uma coisa conforme à verdade. Essa, contudo, é tão-só a justificação política da coisa julgada. Juridicamente conforme vimos no princípio (supra, nº 11), a coisa julgada não tem em vista a afirmação da verdade dos fatos, mas a existência de uma vontade de lei no caso concreto (2002, p. 446).
É interessante notar que e relevância do instituto da coisa julgada,na doutrina pátria, é tamanha que até mesmo a carta magna a tutela. Porém a mesma não desce a miúde, ou seja, não chega a conceitua-la, cabendo assim tal tarefa à legislação.
Assim, é definida pelo artigo 476 do Código de Processo civil como “ a eficácia que torna imutável a sentença não mais sujeita à recurso”. E o artigo 6º §3º da Lei de introdução ao Código Civil, vem também definir o instituto sob óculo, dizendo que “chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial que já não caiba recurso”(2006, p.31).
E o raciocínio acima disposto acompanha o que diz Araken de Assis, para quem:
O inciso XXXIV do art 5.º da Carta, com efeito, não ministra elementos mais precisos para esclarecer o que sejam direito adquirido, ato jurídico perfeito e a coisa julgada, nem se conceberia que o texto constitucional se ocupasse de tais pormenores” (2006, p. 31).
Atente-se que, não obstante o conceito seja fornecido pelo estatuto processual, ou ainda pela lei material introdutódia do diploma civil, a mesma não se faz precisa na medida que se refere à coisa julgada como um “efeito”, ou como diz o próprio texto, a “eficácia”, quando na realidade trata-se de um atributo, conforme magistério de Paulo Henrique Santos Lucon (2006, p.299).
O erro em tela se dá pelo aparente apego à doutrina alemã para, tal como prescreve Araken de Assis:
No exato alvitre da doutrina alemã, a coisa julgada é uma peculiar eficácia, acrescentada à sentença no momento do seu trânsito em julgado: a eficácia da declaração (Festellungswirkung), que torna o pronunciamento, no presente e no futuro, indiscutível ou incontestável. Assim, a coisa julgada se arrola, segundo tal concepção, dentre os efeitos da sentença (2006, p. 33).
E prossegue o mesmo autor enfatizando a crítica da doutrina italiana ao entendimento alemão, colocando que:
Recebeu a tese exposta a feroz crítica de Enrico Túllio Liebman. A objeção precisa ser explicada, ante a inegável influência do celebre processualista italiano em nosso País e, notadamente, na elaboração do CPC vigente, no qual se insere o art. 467. pois bem: de acordo com Liebman, a idéia alemã põe no mesmo e impróprio plano forças de intensidades heterogêneas, antes e depois do trânsito em julgado do provimento, ou seja, do surgimento da coisa julgada formal, que decorre da preclusão dos recursos, e desequilibra efeitos equiparáveis – declaração, constituição e condenação - , privilegiando o primeiro, perante os demais, para gerar a incontestabilidade. No entanto, tais efeitos ficam inibidos, em geral, por força da previsão de recurso suspensivo contra até decisório que julga o mérito. Ao invés, desprovido tal recurso desse efeito suspensivo,como às vezes a lei estabelece (inc. I a VII do art. 520), os efeitos próprios do provimento se produzirão normalmente, autorizando a execução provisória do julgado , ainda que na pendência de recurso do vencido. Se as vias recursais se esgotam, o provimento assumirá diversa condição jurídica, revestindo-se de “qualidade especial,mais intensa e mais profunda, que reveste o ato em seu conteúdo e faz assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quais quer que sejam, do próprio ato” (2006 p. 34).
Nesse toar percebe-se que a coisa julgada é o instituto pelo qual o Estado confere segurança jurídica ao que fora julgado, revestindo a sentença com a eficácia de um algo imutável, quando contra a mesma já não seja mais passível a impetração recursal.
3 Natureza jurídica
Como percebido na análise histórica e conceitual, a coisa julgada passa de um momento de intangibilidade, chegando ao patamar de abrandamento que possibilita a sua cisão por institutos como a ação rescisória.
Por isso afirma Câmara que:
Durante muito tempo a coisa julgada material foi tida como algo absolutamente intocável. Uma verdadeiro dogma, insuscetível de qualquer discussão. Houve, na mais clássica doutrina quem afirmasse textualmente que “a sentença que passa em julgado é havida como verdade”. Também a doutrina clássica européia se manifestava nesse sentido como se pode ver na obra de Matriolo: “a autoridade de coisa julgada se funda sobre o princípio res iudicata pro veritate habetur” (2006 p. 12).
A autoridade da coisa julgada buscava sua fonte de inspiração na pacificação social. Sendo assim perfazia o único modo de se evitar a eternização de contendas como entende Câmara (2006, p. 36)
Assim é que afirmou a doutrina italiana pela voz de Sérgio Costa apud Câmara, que “em linha abstrata não se pode dizer que exista uma sentença injusta, e por que o sucumbente não a impugna, tal sentença passa em julgado e tem plena eficácia” (2006, p. 12) .
Para Liebman apud Camara a coisa julgada seria em ser cerne:
A imutabilidade do comando emergente de uma sentença. Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato pronuncia o comando: é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, qua reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos, quaisquer que sejam, do próprio ato (2006 p. 13).
Outro não foi o entender de Alfredo Buzaid na exposição de motivos do
CPC, em 1972 aduzindo que “o projeto tentou solucionar esses problemas, perfilhando o conceito de coisa julgada elaborado por Liebman e seguido por vários autores nacionais.”
Nessa ordem de idéias, é que elucida Couture:
Para encontrar a própria natureza da coisa julgada, o que se deve analisar é coisa muito diversa. Cumpre explicar, essencialmente, se a coisa julgada é o próprio direito substantivo que existia antes do processo, transformado em indiscutível e suscetível de ser executado coativamente; ou se, pelo contrário, a coisa julgada é um outro direito, independente do anterior, nascido em função do processo e da sentença (1999, p. 327).
Vê-se, pois, que o intuito da construção teórica a respeito do tema, é a atribuição de segurança jurídica ao que foi decidido em juízo. Principio da segurança jurídica, conforme se depreende ao debruçar sobre os ensinamentos de Candido Rangel Dinamarco apud Ovídio A. Baptista da Silva (2006, p. 273).
A constituição traz o respeito à coisa julgada, mais uma vez atrelando-se ao ideário de Liebman, como preceito fundamental, mandando que a lei sempre preserve-a. Clara alusão ao princípio da segurança jurídica (MACHADO, 2004 p. 642).
4 Breves comentários sobre a coisa julgada formal e a material
Pela leitura do Código de Processo Civil, afere-se apenas o que possa ser coisa julgada material. No art 467 lê-se que “Denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recuso ordinário ou extraordinário.”
Por essa razão para buscar o que seja coisa julgada formal, tem o estudioso do direito que ir a busca das opiniões doutrinárias abalizadas acerca do assunto.
Para facilitar o entendimento é preciso dizer de início que a coisa julgada é um só fenômeno. Desse fenômeno porém, decorrem dois efeitos que irão variar no que tange à sua intensidade. Tanto a coisa julgada material quanto a formal irão tornar imutável o decisum, seja intra processualmente, ou extra processualmente. Esse é o entendimento abalizado de Marcus Vinicios Rios Gonçalves (2005, p. 19).
Outro não é o pensamento de Humberto Theodoro Junior ao afirmar que:
A imutabilidade da sentença decorre simplesmente da imutabilidade da sentença dentro do processo em que foi proferida pela impossibilidade de interposição de recursos, quer porque a lei não mais os admite, quer porque esgotou o prazo estipulado pela lei sem interposição pelo vencido, quer porque o recorrente tenha desistido do recurso interposto ou ainda renunciado à sua interposição (2004, p. 482).
Assim é também o pensar de Marcus Vinicios Rios Gonçalves para quem:
Verifica-se, portanto, a coisa julgada formal quando tiver havido preclusão, temporal, consumativa ou lógica, para a interposição de qualquer outro recurso contra a sentença (ou acórdão). Como esta é o ato que põe fim ao processo, preclusos todos os recursos, ele estará irremediavelmente extinto. Por isso a coisa julgada formal é denominada preclusão máxima (2005, p. 20).
Frise-se que esta imutabilidade aludida é intraprocessual. Ou seja, tem o condão de impedir, conforme visto, a procrastinação do feito, cerceando à parte o direito à interposição recursal dentro daquele feito.
Portanto é patente que todas as sentenças, sejam elas terminativas ou de mérito, fazem coisa julgada formal. Se esta é a preclusão máxima, como dito pelo autor acima citado, tem-se que, assim que não caiba mais recurso, estará a sentença fadada à coisa julgada formal.
Conclui-se, no sentido de que a coisa julgada formal pode existir sozinha, quando de um julgamento sem apreciação de mérito, ou ainda em conjunto com a coisa julgada material, sendo uma etapa lógica para a sua consecução.
Tudo o que foi dito neste presente tópico refere-se tão somente à efeitos intra processuais, próprios da autoridade formal da coisa julgada.
Para a análise do feito sob a ótica extra processual, adentra-se na seara da coisa julgada material, sempre lembrando que a distinção entre esta e a coisa julgada formal se dará no plano de gradação de seus efeitos conforme assevera Marcus Vinicios Rios Gonçalves (2005, p. 21).
Destarte, fácil entender que a coisa julgada material, projetando seus efeitos para além do processo, terá uma carga valorativa ainda maior. Neste aspecto ela será encontrada em um momento posterior à presença da coisa julgada formal, nas sentenças de mérito.
É por tudo que foi dito que Antônio Cláudio da Costa Machado vem conceituar a coisa julgada material como “a qualidade de imutabilidade que reveste os efeitos naturais da sentença (o conjunto de efeitos que a sentença produz na condição de decisão final do litígio, como qualquer outro ato do Estado)” (2004 p. 642).
A distinção de efeitos, conforme ressalta este ultimo autor, “é fruto” do gênio e obra de Enrico Túllio Liebman (2004 p. 642).
A doutrina estrangeira também conhece da autoridade da coisa julgada material, e sendo assim é que Goldschimdt apud Alexandre Câmara prescreveu que “a significação da força material de coisa julgada reside em seus efeitos de constatação, de tal modo que o juiz está ligado, em todo processo futuro que se promova, à decisão contida na sentença” (2006, p. 13).
E prossegue Câmara:
Isto se expressa com a formula segundo a qual o que se reconhece com força material de coisa julgada (firme), não pode converter-se de novo (com êxito, entenda-se), e o que se desestima com força material de coisa julgada, não se pode voltar (com êxito) a fazer valer (2006, p. 13).
Assim, quando o juiz não proferir decisão de mérito, ou seja quando não analisar o mérito da lide posta em juízo, se terá apenas a coisa julgada formal, não impedindo uma nova ação.
Porém, quando diante de uma sentença de mérito, ocorrerá a coisa julgada material, revestindo a decisão de imutabilidade e impedido a impetração de um novo pleito judicial. É a exaltação do princípio da segurança jurídica presente, afim de evitar a eternização dos conflitos.
4 Conclusão
Fácil perceber que a coisa julgada tem sua denominação advinda do brocado “caso julgado”, expressão de há muito utilizada em países de língua portuguesa.
Enquanto fenômeno processual se mostra imprescindível em um estado democrático pautado pela batuta do direito. Não fosse assim a eternização dos conflitos estaria inevitavelmente instaurada e a revisitação dos casos traria uma inevitável desordem jurídica para a sociedade.
Neste diapasão temos a coisa julgada formal como imutabilidade interna para o processo, apta a permitir que o caso posto em juízo tenha um fim e que a solução dada à lide não mais seja posta em cheque.
A coisa julgada material vem como fenômeno mais essencial ainda e repercute na aptidão de estabilização do que restou decidido, para além do processo em que se está discutindo.
A fim de evitar o caos, a coisa julgada formal e material são, em verdade, facetas da mesma moeda chamada “segurança jurídica”.
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Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes em Sergipe (conclusão em 2006.2). Advogado em causas cíveis e direito público. Analista Jurídico da Previdência Social. Pós-Graduado em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina. Pós Graduando em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Montenegro da Bahia. Palestrante do PEP - Programa de Educação Previdenciária.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIANA, Arlei Bruno. A coisa julgada como fenômeno decorrente da segurança jurídica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2014, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39617/a-coisa-julgada-como-fenomeno-decorrente-da-seguranca-juridica. Acesso em: 23 dez 2024.
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