RESUMO: Este artigo visa analisar como a orientação jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual é desnecessário a comprovação efetiva do periculum in mora, para fins de indisponibilidade liminar de bens em ação de improbidade administrativa, influenciou o entendimento do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Conclui que a Quarta Turma do TRF1 não segue a orientação do STJ, valendo-se de outros argumentos para negar a indisponibilidade de bens. Todavia, esses argumentos pressupõem, na verdade, uma efetiva comprovação do periculum in mora.
PALAVRAS-CHAVE: Improbidade Administrativa. Indisponibilidade de bens. Entendimento. STJ. TRF1.
1. Introdução
É razoável afirmar que a corrupção é um dos grandes entraves institucionais da Administração Pública brasileira. Não é possível precisar as causas da corrupção. Porém, é bastante provável que esteja relacionado ao excesso de burocracia, ao sentimento generalizado de impunidade, à morosidade do Poder Judiciário, falhas nas prestações de contas, etc.
O presente artigo aborda uma das formas de se mitigar os fatores “impunidade” e “morosidade do Poder Judiciário” no fomento da corrupção. Trata-se, então, de se verificar a possibilidade e os meios de garantia de ressarcimento ao erário público, de atos decorrentes de improbidade administrativa. Mais especificadamente, o presente artigo irá analisar as interpretações jurisprudência e as normas regentes sobre o assunto e a evolução jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1.
2. Improbidade Administrativa, cautelaridade e regência.
Em se tratando de medida liminar para a garantia de ressarcimento ao erário público, é inevitável a análise da regência geral dos requisitos da “plausibilidade do direito” (fumus boni juris) e o “perigo na demora” (periculum in mora).
Nada obstante, quando se trata de improbidade administrativa, cumpre considerar as disposições legais e constitucionais específicas. O art. 37, § 4º da Constituição Federal reza que
os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível
Por sua vez, o art. 7º e parágrafo único da Lei nº 8.429/92 prevê o seguinte:
Art. 7° Quando o ato de improbidade causar lesão ao patrimônio público ou ensejar enriquecimento ilícito, caberá a autoridade administrativa responsável pelo inquérito representar ao Ministério Público, para a indisponibilidade dos bens do indiciado.
Parágrafo único. A indisponibilidade a que se refere o caput deste artigo recairá sobre bens que assegurem o integral ressarcimento do dano, ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito.
Assim, a questão posta no presente artigo visa analisar qual a melhor interpretação do comando “importarão em indisponibilidade de bens”, estabelecido pelo comando constitucional, regulamentado pelo art. 7 e parágrafo único da Lei de Improbidade Administrativa – LIA.
A interpretação desses dispositivos permite ou exclui a incidência dos requisitos gerais das medidas cautelares? Vale dizer, quando o Poder Judiciário analisa um pedido de indisponibilidade de bens, para fins de garantir o ressarcimento ao erário público, deve-se pesquisar os requisitos fumus boni juris e periculum in mora ou não?
Parece evidente que, pelo menos, o requisito do fumus boni juris deve restar comprovado, já que se constitui na essência provável de existência de ato improbidade administrativa. Assim, o debate se restringe sobre a necessidade de se comprovar o periculum in mora.
Esse enfoque existe porque, uma vez dispensada a exigência desse requisito temporal, facilita-se a imposição de medidas contra a corrupção, quais sejam: indisponibilidade de bens e contas bancárias de uma forma muito mais célere. Isso pode diminuir o sentimento de impunidade e morosidade do Poder Judiciário, auxiliando no combate à corrupção.
Nessa seara, a comprovação concreta do periculum in mora advém da demonstração do dilapidamento de patrimônio por parte dos autores do ato de improbidade administrativa. Essa comprovação é de difícil consecução. Objetivamente, tem que se analisar se os agentes corruptos estão alienando seus bens, formal (transferindo a propriedade para pessoas interpostas, conhecidas popularmente como “laranjas”) ou materialmente. Isso demanda tempo e dificuldades. Primeiro, há de se descobrir quais bens os agentes corruptos possuem, mediante ofícios para Departamentos de Trânsitos, Cartórios de Registro de Imóveis, Juntas Comerciais, Comissão de Valores Mobiliários, etc. Depois, as dificuldades consistem em se manter uma constante vigilância sobre alguma alteração patrimonial dos agentes corruptos.
Pelo prisma subjetivo, há de se abstrair a o dolo de dilapidação patrimonial, a partir da análise dos fatos objetivos. Logo, a comprovação concreta do periculum in mora sobressai por demais complexa e onerosa.
Nesse cenário, surgiu na jurisprudência a possibilidade de se considerar presumido o periculum in mora, em face do comando constitucional imperativo previsto no art. 37, § 4º da CRFB, regulamentado pelo art. 7º e parágrafo único da Lei nº 8.429/92. Cuida-se, portanto, de uma interpretação constitucional desse dispositivo, que será analisado a seguir.
3. Evolução Jurisprudencial no TRF1
O TRF1 tinha jurisprudência consolidada no sentido da necessidade de preenchimento dos requisitos cautelares para se garantir o ressarcimento ao erário, nos casos de atos de improbidade administrativa. Confira-se alguns exemplos:
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. SISTEMÁTICA LEGAL. 1. A indisponibilidade de bens, prevista legalmente nos casos de lesão ao patrimônio público ou de enriquecimento ilícito, decorrentes de atos de improbidade (Lei nº 8.429/92 - art. 7º), imprescinde da presença de indícios inequívocos de responsabilidade (fumus boni juris) e de um juízo criterioso de urgência (periculum in mora), no sentido de que o agente, citado, possa tornar a medida ineficaz (art. 804 - CPC). 2. A sua decretação, por outro lado, devendo ter apoio nas regras do devido processo legal, somente pode alcançar bens adquiridos depois dos atos tidos como ofensivos à probidade administrativa. Precedentes do STJ. 3. Provimento do agravo de instrumento. (AG 0020572-75.2001.4.01.0000 / MA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, TERCEIRA TURMA, DJ p.22 de 07/05/2004)
MEDIDA CAUTELAR DE PREPARATÓRIA DE AÇÃO CIVIL POR IMBROBIDADE ADMINISTRATIVA. DESVIO DE REPASSE DE FUNDOS DA SUDAM. INDISPONIBILIDADE DE BENS. PRESSUPOSTOS PARA CONCESSÃO PRESENTES. EXCLUSÃO DOS BENS QUE FORAM ALIENADOS ANTES DA PROLAÇÃO DA DECISÃO JUDICIAL. I - A medida acautelatória de indisponibilidade de bens somente pode ser deferida quando verificada a existência dos pressupostos, ou seja, quando caracterizada, num exame perfunctório, ato de improbidade (fumus boni iuris) e quando demonstrado o periculum in mora. II - Os bens que foram alienados antes da prolação de decisão judicial válida devem ser liberados do bloqueio judicial. III - Apelação parcialmente provida e prejudicados os pedidos de fls. 1.567 e 1577/1.578. (AC 0000156-58.1998.4.01.3600 / MT, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL CÂNDIDO RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.110 de 25/07/2008)
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça iniciou uma viragem jurisprudencial no julgamento do Recurso Especial nº 1098824/SC, o qual manteve a indisponibilidade de bens determinada pelo Juízo a quo. Confira-se:
ADMINISTRATIVO ? AÇÃO CIVIL PÚBLICA ? IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA ? INDISPONIBILIDADE DE BENS ? ART. 7º, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.429/1992 ? REQUISITOS PARA CONCESSÃO ? LIMITES ? SÚMULA 7/STJ.
1. O provimento cautelar para indisponibilidade de bens, de que trata o art. 7º, parágrafo único da Lei 8.429/1992, exige fortes indícios de responsabilidade do agente na consecução do ato ímprobo, em especial nas condutas que causem dano material ao Erário.
2. O requisito cautelar do periculum in mora está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de bloqueio de bens, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'.
3. A demonstração, em tese, do dano ao Erário e/ou do enriquecimento ilícito do agente, caracteriza o fumus boni iuris.
4. Hipótese em que a instância ordinária concluiu ser possível quantificar as vantagens econômicas percebidas pelo réu, ora recorrente, para fins de limitação da indisponibilidade dos seus bens. Rever esse entendimento demandaria a análise das provas.
Incidência da Súmula 7/STJ.
4. Recurso especial parcialmente conhecido e não provido (REsp 1098824/SC, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 23/06/2009, DJe 04/08/2009)
No bojo do voto, a Ministro Eliana Calmon centrou-se no art. 7º, caput e parágrafo único, da LIA e assentou que “é de registrar, também, que esse requisito está implícito no próprio comando legal, que prevê a medida de indisponibilidade, uma vez que visa a 'assegurar o integral ressarcimento do dano'”.
Esse entendimento foi consolidado pela 1º Seção do STJ, no julgamento do Resp 1319515/ES, que deixou frisados os seguintes argumentos, dentre outros:
No caso da medida cautelar de indisponibilidade, prevista no art. 7º da LIA, não se vislumbra uma típica tutela de urgência, como descrito acima, mas sim uma tutela de evidência, uma vez que o periculum in mora não é oriundo da intenção do agente dilapidar seu patrimônio e, sim, da gravidade dos fatos e do montante do prejuízo causado ao erário, o que atinge toda a coletividade. O próprio legislador dispensa a demonstração do perigo de dano, em vista da redação imperativa da Constituição Federal (art. 37, §4º) e da própria Lei de Improbidade (art. 7º) (...)
A referida medida cautelar constritiva de bens, por ser uma tutela sumária fundada em evidência, não possui caráter sancionador nem antecipa a culpabilidade do agente, até mesmo em razão da perene reversibilidade do provimento judicial que a deferir.
O periculum in mora, em verdade, milita em favor da sociedade, representada pelo requerente da medida de bloqueio de bens, porquanto esta Corte Superior já apontou pelo entendimento segundo o qual, em casos de indisponibilidade patrimonial por imputação de conduta ímproba lesiva ao erário, esse requisito é implícito ao comando normativo do art. 7º da Lei n. 8.429/92. Precedentes: (REsp 1315092/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 05/06/2012, DJe 14/06/2012; AgRg no AREsp 133.243/MT, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 15/05/2012, DJe 24/05/2012; MC 9.675/RS, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/06/2011, DJe 03/08/2011; EDcl no REsp 1211986/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/05/2011, DJe 09/06/2011.
(...)
A Lei de Improbidade Administrativa, diante dos velozes tráfegos, ocultamento ou dilapidação patrimoniais, possibilitados por instrumentos tecnológicos de comunicação de dados que tornaria irreversível o ressarcimento ao erário e devolução do produto do enriquecimento ilícito por prática de ato ímprobo, buscou dar efetividade à norma afastando o requisito da demonstração do periculum in mora (art. 823 do CPC), este, intrínseco a toda medida cautelar sumária (art.789 do CPC), admitindo que tal requisito seja presumido à preambular garantia de recuperação do patrimônio do público, da coletividade, bem assim do acréscimo patrimonial ilegalmente auferido
Dessa forma, restou firmado que a interpretação do art. 7º, caput e parágrafo único, da LIA c/c art. 37, § 4º da CRFB ocorre pro societat, isto é, privilegia-se a probabilidade de ressarcimento ao erário em detrimento de uma constrição bens dos agentes corruptos somente após o trânsito em julgado da ação de improbidade administrativa.
No âmbito do TRF1, a Terceira Turma está seguindo a orientação especial. No entanto, a Quarta Turma do TRF1 ainda permanece reticente quanto à nova orientação, por meio de outras argumentações que, na verdade, desaguam em contradição ao entendimento já consolidado pelo STJ.
A Quarta Turma vem negando vários pedidos de indisponibilidade liminar de bens de réus de ação de improbidade administrativa, valendo do princípio da proporcionalidade, de cálculos matemáticos e da distância temporal dos fatos que originaram a ação de improbidade. Em outras palavras, a Quarta Turma do TRF1, via de regra, continua negando a indisponibilidade liminar de bens, todavia, agora com outros argumentos. Confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO QUE DENEGOU PEDIDO DE LIMINAR. INDISPONIBILIDADE DE BENS. VALOR PEQUENO - R$ 8.174,75. MEDIDA EXTREMA QUE DEVE SER PROPORCIONAL. 1. Agiu bem o juiz ao indeferir o pedido de liminar que objetivava a decretação da indisponibilidade de bens do agravado. O valor pretendido na ação de improbidade é pequeno e será dividido por cinco. 2. Não há afronta a preceito constitucionais ou legais, pelo contrário, a indisponibilidade de bens é medida extrema que não pode ser desproporcionalmente utilizada. 3. Agravo desprovido. (AG 0014313-44.2013.4.01.0000 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, QUARTA TURMA, e-DJF1 p.12 de 26/02/2014)
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DANO DE PEQUENO VALOR. DESNECESSIDADE DE INDISPONIBILIDADE. 1. Nas ações de improbidade administrativa, a medida cautelar de indisponibilidade de bens visa assegurar a reparação de eventual dano aos cofres públicos, no caso de futura condenação. 2. Na espécie, tratando-se de uma ação contra 7 (sete) pessoas físicas e jurídicas, na qual se projeta um prejuízo total de R$15.437,50, ou de R$2.205,35 per capita, soa como um exagero decretar a indisponibilidade de bens nesses níveis. 3. Não se registra nenhuma cautelaridade da medida, na perspectiva de um resultado útil para o processo de fundo. Cada demandado, se condenado, poderá responder pelo prejuízo sem grandes problemas. O patrimônio público não corre risco no processamento da ação sem a constrição prematura de bens. 4. Desprovimento do agravo de instrumento (AG 0008195-91.2009.4.01.0000 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 p.740 de 14/02/2014)
ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. DANO DE VALOR POUCO EXPRESSIVO. DESNECESSIDADE DE INDISPONIBILIDADE. 1. Nas ações de improbidade administrativa, a indisponibilidade de bens, que opera a partir do periculum in mora presumido (STJ), tem o objetivo de assegurar a eficácia da futura sentença de mérito, em termos de reparação dos danos aos cofres públicos. 2. Na espécie, tratando-se de ação na qual se projeta um prejuízo, constante sentença, de apenas R$11.484,00, soa como um exagero, uma medida patrimonial invasiva de pouca razoabilidade, decretar a indisponibilidade de bens nesse nível. Mantida a condenação, o demandado poderá responder pelo prejuízo, a tempo e modo, sem grandes problemas. O bem jurídico protegido não reclama com atualidade a proteção em caráter de urgência. 3. Agravo de instrumento desprovido (AG 0014793-95.2008.4.01.0000 / PA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL OLINDO MENEZES, QUARTA TURMA, e-DJF1 p.739 de 14/02/2014)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. REQUISITOS DA MEDIDA CAUTELAR. INEXISTÊNCIA DO PERICULUM IN MORA. 1. A indisponibilidade de bens não pode ser consequência automática da propositura da Ação de Improbidade Administrativa, devendo a parte autora provar, de plano, a proporcionalidade e a adequação da medida. No caso, o valor apontado como o devido é pequeno e ainda será dividido pelos quatro requeridos. 2. Na hipótese em exame, a agravante aponta irregularidades ocorridas em 2008. Contudo, a ação originária foi ajuizada somente em 2011. Não há o perigo de demora. 3. Agravo desprovido (AG 0016868-34.2013.4.01.0000 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL ANTONIO OSWALDO SCARPA (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 p.135 de 13/02/2014)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINSTRATIVA. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA JULGAR SUPOSTOS ATOS DE IMPROBIDADE PRATICADOS COM RECURSOS DO MINISTÉRIO DAS CIDADES. VERBAS FEDERAIS. MANUTENÇÃO DE DECISÃO. DESINTERESSE DA UNIÃO. NECESSIDADE DE PRESTAÇÃO DE CONTAS JUNTO AO TCU. INDISPONIBILIDADE DE BENS. AUSÊNCIA DE UM DOS REQUISITOS DA MEDIDA CAUTELAR. PERICULUM IN MORA. VALOR PEQUENO. SUPOSTAS IRREGULARIDADES OCORRIDAS EM 2007/2008. AÇÃO PROPOSTA EM 2012. 1. Tratando-se de ação de improbidade administrativa que envolve questão relacionada a verbas federais, sujeitas à prestação de contas junto ao Tribunal de Contas da União, está convenientemente demonstrada a legitimidade do Ministério Público Federal. A competência, no caso, é da Justiça Federal, nos termos do art. 109, I, da Constituição. 2. Correta a decisão quanto ao recebimento da petição inicial. Os indícios estão bem demonstrados. 3. A indisponibilidade de bens pode ser deferida quando verificada a existência do fumus boni iuris e periculum in mora. O perigo na demora da prestação jurisdicional, apto a permitir a indisponibilidade dos bens do réu, não pode ser encontrado apenas na existência de atos demonstrativos do interesse de desfazimento de bens por parte do requerido. Se o valor apontado como o do eventual dano é pequeno, mostra-se desproporcional decretar-se a indisponibilidade de todos os bens imóveis, automóveis e contas do agravante. 4. Na hipótese em exame, o Ministério Público Federal aponta irregularidades ocorridas em 2007/2008. Contudo, a ação originária foi ajuizada somente em 2012. Não há o perigo de demora. 5. Agravo parcialmente provido (AG 0036260-57.2013.4.01.0000 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HILTON QUEIROZ, Rel.Conv. JUIZ FEDERAL MARCUS VINÍCIUS REIS BASTOS (CONV.), QUARTA TURMA, e-DJF1 p.141 de 13/02/2014)
Percebe-se que esses argumentos são frágeis e não estão alinhados com a jurisprudência especial.
O argumento segundo o qual não se deve deferir a indisponibilidade liminar em razão do prejuízo ao erário ser de pouca monta não convence. O que a regência normativa do art. 7º, caput e parágrafo único, da LIA c/c art. 37, § 4º da CRFB estabelecem é análise exclusiva do fumus boni juris, isto é, se as provas constantes da petição inicial indicam, com relativa certeza, que os réus cometeram ato de improbidade administrativa.
Noutro giro, ao se perpetrar um cálculo matemático “per capita” está se desnaturando a razão de ser da interpretação conferida pelo STJ. Um ato de improbidade administrativa raramente é divisível por “atos”. Geralmente, consiste numa convergência de vontades que culmina num prejuízo ao erário. A análise estaque e separada do prejuízo financeiro divido entre os réus é incabível na atual interpretação normativa.
Por outro lado, a Quarta Turma também nega a indisponibilidade de bens quando dos fatos estão muito longínquos no tempo. Ora, a análise do decurso de tempo é ínsita ao mérito do periculum in mora. Logo, na verdade, a Quarta Turma tende a requerer a concretização desse requisito, mesmo havendo o STJ pacificado a presunção respectiva.
Ademais, o ressarcimento ao erário é prospectivo, não se relacionando com o decurso de tempo da data do ato de improbidade administrativa. Vale dizer, a necessidade de se garantir o ressarcimento ao erário, em razão do ato de improbidade administrativa, não aumenta ou diminui de acordo com o marco temporal do ato ímprobo. Relaciona-se tão-somente com as provas apresentadas na petição inicial, que dão conta do fumus boni juris.
Portanto, a Quarta Turma do TRF1 está materialmente divergindo de orientação pacífica do STJ.
4. Conclusão
O Poder Judiciário tem uma função muito importante no combate á corrupção. Ele estabelece macro-diretrizes que podem influenciar particulares e servidores a não cometerem atos de improbidade administrativa. Assim, muito embora a Justiça tenha que ser cautelosa em atos de constrição de liberdades individuais, ela não pode descurar de progredir em interpretação a favor da sociedade, por meio da rigidez jurisprudencial em face dos atos de corrupção.
Nessa esteira, o STJ deu um importante passo no combate à corrupção, consolidando a possibilidade de se indisponibilizar os bens dos réus, para fim de garantir o ressarcimento ao erário, mediante somente a análise do fumus boni juris, prescindindo-se do comprovação concreta do periculum in mora.
Nada obstante, a Quarta Turma do TRF1 ainda permanece reticente na adoção da nova orientação. Esse órgão fracionário não mais sintetiza expressamente a necessidade de comprovação concreta do periculum in mora. Todavia, utiliza-se de outros argumentos que, na verdade, desaguam no entendimento anterior, segundo o qual era necessário a comprovação concreta do periculum in mora.
Advogado da União. Ex-Analista Processual no MPDFT. Ex-Técnico Judiciário no TJDFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, Rafael Melo. Improbidade administrativa, periculum in mora presumido e o entendimento do TRF1 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39621/improbidade-administrativa-periculum-in-mora-presumido-e-o-entendimento-do-trf1. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
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Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
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