RESUMO: É inegável a importância da leitura dos clássicos para uma efetiva percepção da grande e marcável influência de sua contribuição, por vezes despercebida, no debate filosófico contemporâneo. O presente trabalho volta sua atenção para o imbrincamento entre antropologia e ética em Adam Smith, sublinhando a importância de uma específica visão do homem desposada pelo autor na construção de seu sistema ético.
PALAVRAS-CHAVES: 1. Filosofia do direito. 2. Ética e antropologia. 3. Adam Smith 4. Formação do juízo moral 6. Empatia 7. Observador imparcial.
1. INTRODUÇÃO
Adam Smith, em seu livro “Teoria dos Sentimentos Morais”, funda sua análise do julgamento moral em uma específica visão do homem, de como este opera e interage com os seus iguais, daquilo que lhe é relevante e significativo, dos móbeis que o impulsionam e o refreiam, das causas que mais lhe trazem dor ou prazer, de quais mecanismos a natureza generosamente lhe dotou para o específico desiderato de bem viver, de quais defeitos padece e sobre os quais o seu agir consciente (reflexão) deve, pois, necessária e cautelosamente recair[1].
O presente texto procurará dissecar as relações entretidas entre tais esferas, reconstruindo e elaborando uma análise crítica da proposições teóricas lançadas pelo autor. Todas as remissões e notas de rodapé apostas fazem referência ao texto específico referido na bibliografia (sumariamente indicado, nas notas de rodapé, pela sigla TSM).
2. A CONSTRUÇÃO DO JUÍZO MORAL
Se o grande objetivo do homem é a felicidade, esta, para Smith, consiste no verdadeiro amor do outro[2], de que somos efetivamente merecedores apenas quando nos tornamos o objeto natural e apropriado deste amor (amáveis, e não apenas amados) [3], e não no amor de si[4]. Para obtê-la, não nos é suficiente uma auto-apropriação do mundo que se dê pela extração de uma conclusão moral centrada exclusivamente em nossos próprios sentimentos[5]. O “eu” não pode ser a medida exclusiva da adequação do meu sentimento, assim, como também não o pode ser, o “outro”, pois este não deixa de ser “um novo eu”.
É necessário que influa, na construção do meu sentimento, o sentimento de que julgo ser alvo, quando meço este primeiro pela régua deste segundo. A simpatia, para Smith, será o mecanismo, de que dotado todos os homens, que mediará a construção do sentimento apropriado, ao permitir, pela força da imaginação, que alguém, em alguma medida, possa sentir o que o outro sente, se em seu lugar estivesse[6] [7].
A regra moral, para o autor, não é algo apropriável exclusivamente pela mediação da razão, ou pela exclusiva incidência desta nos elementos do mundo. A regra moral se constrói pela fricção intersubjetiva entre o ‘eu’ e os ‘outros’, pelos sentimentos que em mim desperta uma determinada ação ou circunstância, não se olvidando de que tais sentimentos serão moldados, por sua vez, em larga medida, pelos sentimentos de terceiros que sobre mim recaem.
Esta “transposição de corpos”[8], a influir sobre os sentimentos, possui uma clara derivação reflexiva, explorada pelo autor. Se sou capaz de sentir, em alguma medida, a dor alheia, também sou capaz de, colocando-me uma vez mais no lugar do outro, investigar o que ele sente a respeito de minha própria dor.
Há aqui dois distintos movimentos: o sentimento do outro que em mim aporta (reconhecimento), e o meu sentimento, que a mim retorna (conhecimento), mas transmutado pela visão do outro. A simpatia, neste sentido, não é apenas sentir o que o outro sente[9], mas também sentir o que sentiríamos se fôssemos o outro[10] [11]. Reconheço o outro como um igual a mim, e me conheço na imagem que vejo de mim no outro.
Assim como a distância se define pelos dois pontos que a extremam, tal senso de propriedade ou adequação do sentimento é definido pelo cotejo entre o meu sentimento originário e aquele que a mim retorna, agora pelos olhos do outro. A moderação da minha dor[12] se fará pela forma menos intensa que tal dor é percebida quando vista por outros; a moderação de minha alegria, se fará, de igual feita, pela sensação que esta despertará nos outros[13]. Há aqui um sair de si, quando nos fazemos passar pelo outro, para sentir o que ele sente, e um retornar a si, quando analisamos os nossos próprios sentimentos pelos olhos do outro. É impossível formar um juízo moral adequado, na visão do autor, sem a necessária presença, mediada pela simpatia, do binário eu/outro: o limite da ação seria, pois, o traço que separa tais subjetividades, mas que por elas é definido[14].
3. A figura do espectador parcial
Smith não tiraniza o juízo próprio, fazendo com que preste vassalagem ao olhar alheio, nem submete invariavelmente o juízo alheio ao juízo próprio: extrai desta interação/tensão entre o “eu” e o “outro” uma figura intermediária, a que chama de espectador imparcial. O outro, sendo apenas um “outro eu”, padeceria dos mesmos vícios do “eu”, de uma visão centrada exclusivamente em seus sentimentos, sem poder alçar-se a se considerar sob um olhar frio e imparcial, olhar este imaginário e abstrato, e não empírico e circunstancial, fruto de imaginários “outros” em constante interação com o existente “eu”. Não será a crítica idiossincrática de um parente, as considerações particulares de um vizinho, ou ainda as ponderações circunstanciais de um patrão, os responsáveis pela modulação e alteração dos sentimentos e juízos morais do eu[15]. Mas este, por óbvio, não estará absolutamente infenso a toda e qualquer crítica[16].
Smith não abandona o relevante papel crítico do “eu” na formação dos juízos morais, ainda quando exige que este, para bem atuar, seja capaz de transformar-se em “outro”, para enxerga-se a si mesmo sob uma nova luz. Não atribui ao julgamento alheio um peso suficiente para isentar o “eu” de julgamentos morais mais refinados. Não basta a este “eu” o louvor que a sociedade lhe deposita. É necessário que, em seu julgamento interno, julgue ele próprio ser merecer deste louvor, ou, em outras palavras, julgue ele próprio ser um objeto natural do louvor (louvável)[17].
O espectador imparcial, desta feita, não é apenas o superior juiz das minhas próprias ações, mas necessariamente, pelo caráter reflexivo de que, para Smith, o juízo moral está investido, também das ações e juízos morais de terceiros. Se a mim e ao outro (aos homens, na linguagem adotada por Smith), é conferido o poder de julgar seus semelhantes (e ao julgá-los, também de julgar os seus próprios atos, conforme estes também os julgam), não será a estes, nem a mim, conferida a última palavra sobre o acerto ou desacerto, a adequação ou inadequação de meus sentimentos (juízos morais) e ações. Cumprirá ao espectador imparcial – um juiz ideal que a todos inspira, mas que empiricamente com ninguém se identifica – ser o árbitro último[18].
Por certo, há dentro de cada um, uma instância deste espectador imparcial, em contínua construção[19] - duas almas em um só corpo[20] - que possui algo de ideal e transcendente, mas que, a um só tempo, não pode se afastar das limitações e circunstâncias de habitar um peito humano[21]. Smith não delega ou transfere a responsabilidade pelo juízo moral à sociedade na qual inserto o indivíduo, ainda que este dela se valhe para a construção de seus próprios juízos morais, como espelho e árbitro (imperfeito) de seus atos[22].
Será, uma vez e sempre, o homem o responsável último pelo aprimoramento e aperfeiçoamento deste espectador imparcial, cumprindo-lhe, inclusive, suportar o ônus de quedar-se solitário e ter de, por vezes, preferir a sua consciência ao julgamento de toda a sociedade[23].
4. DA INFLUÊNCIA DOS USOS E COSTUMES SOBRE OS SENTIMENTOS MORAIS
Smith não avaliza um relativismo moral absoluto que daí poderia defluir[24], muito embora consinta que tais juízos morais, pelo caráter inter-relacional de que se revestem, variem não apenas de cultura para cultura, mas ainda, de profissão para profissão ou de um determinado estamento social para outro[25].
O autor, no entanto, não explica ou justifica como obter ou atingir este porto seguro, este juízo claro e nítido, desvinculado de particularismos culturais, que se alçaria firme e inequívoco sobre tempos, homens e épocas. Inclusive reconhece quase a impossibilidade de alcança-lo, se presos os homens em determinados contextos extremos, da guerra, do facciosismo religioso ou político[26] [27].
5. CONCLUSÃO
O presente texto procurou explorar as inter-relações entre antropologia e ética encontradas na obra Teoria dos Sentimentos Morais, de Adam Smith. Foi detalhada a construção do juízo moral para este autor e a importância, para tanto, de sua específica visão do homem, de seu papel, limites, características constituintes, finalidades, bem como de sua inserção no seio de um mais amplo espaço social. O texto procurou explicitar e sumarizar o posicionamento do autor, com referências a passagens consideradas as mais relevantes de sua obra.
Smith realiza uma extensa análise das interações entre os homens, e de como estas interações ensejam a criação de juízos morais. Há, na obra do autor, um profundo sentimento de humanismo lastreado na importância e na dignidade de nos reconhecermos como iguais e de apenas nos conhecermos efetivamente pela generosa e necessária adoção deste reconhecimento.
6. BIBLIOGRAFIA
FLEISCHACKER, Samuel. Adam Smith and cultural relativism. In: Erasmus Journal for Philosophy and Economics, Volume 4, Issue 2, Autumn 2011, pp. 20-41.
FLEISCHACKER, Samuel. Adam Smith's Moral and Political Philosophy. In: The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2013 Edition), Edward N. Zalta (ed.), Disponível em http://plato.stanford.edu/archives/spr2013/entries/smith-moral-political/.
LÁZARO, Raquel. Adam Smith: Anthropology and Moral Philosophy. In: Revista Empresa y Humanismo Vol. XIII, 1/10, pp. 145-184
SMITH, Adam. Teoria dos Sentimentos Morais ou Ensaio para uma análise dos princípios pelos quais os homens naturalmente julgam a conduta e o caráter, primeiro de seus próximos, depois de si mesmos, São Paulo: Ed. Martins Fontes, 1999, ISBN 85- 336-1104-8.
[1] LÁZARO, Raquel. Adam Smith: Anthropology and Moral Philosophy. In: Revista Empresa y Humanismo Vol. XIII, 1/10, pp. 145-184. Neste mesmo sentido: “Furthermore, the starting-point for Smith’s thought is a certain degree of anthropological pessimism –human imperfection–, whose practical effects in experience prompt him to revise the prevailing moral systems of his time. The purpose of his revision was to find a moral framework congruent with human nature as it really is –that is, as it is reflected in the behaviour of most human beings, of which Smith was an attentive observer. The new moral system of propriety and sympathy is, to Smith’s mind, both response and solution to the anthropological questions he framed on the basis of his observation of social behaviour. Smith’s aim was to provide a moral framework for ordinary people actively engaged in the world, who harboured neither grand ambitions nor heroic dreams.”
[2] “Há felicidade maior que ser amado e saber que merecemos o amor? Há desgraça maior que ser odiado e saber que merecemos o ódio? (...) Naturalmente o homem não apenas deseja ser amado, mas amável; ou ser objeto natural e apropriado de amor. Naturalmente não apenas teme ser odiado, mas ser odioso: ou ser objeto natural e apropri ado de ódio.” TSM, p. 143.
[3] “Se, conforme acredito, a maior parte da felicidade humana surge da consciência de ser amado (...)”, TSM p. 148.
[4] “É apenas com ele que aprendemos nossa verdadeira pequenez, a de tudo o que nos diz respeito, pois unicamente o olho desse espectador imparcial pode corrigir as falsas representações do amor de si. É ele que nos mostra a conveniência da generosidade e a deformação da injustiça; a conveniência de se renunciar aos nossos maiores interesses particulares em favor dos ainda maiores interesses de outros; e a deformidade de causar a outro a menor ofensa, a fim de obter maior benefício para nós mesmos. Não é o amor ao nosso próximo, não é o amor à humanidade, o que nos motiva, em muitas ocasiões, a praticaras virtudes divinas. É um amor mais forte, um afeto mais poderoso, o que geralmente tem lugar nessas ocasiões: o amor ao que é honrado e nobre, à grandeza, dignidade e superioridade de nossos próprios caracteres.”
[5] “Se fosse possível que uma criatura humana vivesse em algum lugar solitário até alcançar a idade madura, sem qualquer comunicação com sua própria espécie, não poderia pensar em seu próprio caráter, a conveniência ou demérito de seus próprios sentimentos e conduta, a beleza ou deformidade de seu próprio espírito, mais do que na beleza e deformidade de seu próprio rosto. Todos esses são objetos que não pode facilmente ver, para os quais naturalmente não olha, e com relação aos quais carece de espelho que sirva para apresentá-los à sua vista”, TSM, p. 140.
[6] "Como não temos experiência imediata do que outros homens sentem, somente podemos formar uma idéia da maneira como são afetados se imaginamos o que nós mesmos sentiríamos numa situação semelhante. (...) Pois não podem, e jamais poderão levar-nos para além de nossa própria pessoa, e apenas pela imaginação nos é possível conceber em parte quais as suas sensações. Tampouco essa faculdade nos pode ajudar senão representando para nós as próprias sensações se nos encontrássemos em seu lugar. Nossa imaginação apenas reproduz as impressões de nossos sentidos, e não as alheias. Por intermédio da imaginação podemos nos colocar no lugar do outro, concebemo-nos sofrendo os mesmos tormentos, é como se entrássemos no corpo dele e de certa forma nos tornássemos a mesma pessoa, formando, assim, alguma idéia das suas sensações, e até sentindo algo que, embora em menor grau, não é inteiramente diferente delas.” TSM, p. 5-6.
[7] FLEISCHACKER, Samuel. Adam Smith's Moral and Political Philosophy. In: The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2013 Edition). Pondera o autor: “Smith begins the book with an account of sympathy, which he describes as arising when we imagine how we would feel in the circumstances of others. This is somewhat different from Hume's account, on which sympathy normally consists in feeling what others actually feel in their circumstances—Hume's may be called a ‘contagion’ account of sympathy, while Smith's is a ‘projective’ account.”
[8]“Por intermédio da imaginação podemos nos colocar no lugar elo outro, concebemo-nos sofrendo os mesmos tormentos, é como se entrássemos no corpo dele e de certa forma nos tornássemos a mesma pessoa, formando, assim, alguma idéia das suas sensações, e até sentindo algo que, embora em menor grau, não é inteiramente diferente delas.”, TSM, p. 6.
[9] “Que essa é a fonte de nossa solidariedade para com a desgraça alheia, que é trocando de lugar, na imaginação, com o sofredor, que podemos ou conceber o que ele sente ou ser afetados por isso (...)”.
[10]"Às vezes sentimos por outra pessoa uma paixão da qual ela parece totalmente incapaz (...). Coramos pelo despudor e rudeza de outra pessoa, embora ela mesma pareça nem suspeitar da impropriedade de seu comportamento (...)", TSM, p. 9.
[11] Neste sentido, FLEISCHACKER, Samuel. Adam Smith's Moral and... Assinala o autor: “Imagination is essential to the production even of the ‘idea’ of another's feelings, and sympathetic feelings are no longer ones that the other person need actually have. (Smith points out that this explains how we sympathize with some people, like gravely ill infants or the insane, who do not actually experience the suffering we feel on their behalf [TMS 12–13]). This account allows for us to judge other people's feelings against the background of our sympathetic feelings for them. Sympathy is thus not just a way of sharing feelings with others; it also opens a gap between their feelings and ours. And that gap gives us a grip on the notion —crucial to Smith's theory—that certain feelings are appropriate to a situation, while others are not."
[12] “Se ouvimos uma pessoa lamentar em altas vozes seus infortúnios, que, entretanto, não produzem em nós um efeito tão violento ao pensarmos que essa situação poderia ser a nossa, sua dor nos é ofensiva (...)”, TSM, p. 14.
[13] “O homem que salta e dança aqui e ali com aquela alegria destemperada e insensata que não podemos acompanhar é objeto de nosso desprezo e indignação”, TSM, p. 52.
[14] “(...) nossas primeiras críticas morais se referem aos caracteres e conduta de outros; e com grande desembaraço observamos como cada uma delas nos afeta. Porém, logo aprendemos que outras pessoas têm igual franqueza a respeito das nossas. Ansiamos por saber em que medida merecemos sua censura ou aplauso, e se perante elas necessariamente mostramo-nos tão agradáveis ou desagradáveis como elas perante nós. Começamos, pois, a examinar nossas próprias paixões e conduta, e considerar o que devem parecer aos outros, pensando o que a nós nos pareceriam se estivéssemos em seu lugar.”, TSM, p. 141.
[15] “Na verdade, homens de constância a mais comum facilmente aprendem a desprezar as tolas historietas que com frequência circulam em sociedade e que, por seu absurdo e falsidade, sempre acabam no curso de poucas semanas ou poucos dias.” TSM, p. 149.
[16] “(...) um homem inocente, ainda que de constância incomum, muitas vezes não apenas se ofende, mas se mortifica severamente com a imputação grave, embora falsa, de um crime, sobretudo quando, por infelicidade, a imputação tem apoio em circunstâncias que lhe conferem ar de probabilidade.”, TSM, p. 149.
[17] “Quando criou o homem para a sociedade, a natureza o dotou de um desejo original de agradar e de uma aversão primária a ofender seus irmãos. Ensinou-o a sentir prazer com a opinião favorável destes, e a sofrer com sua opinião desfavorável. Tornou a aprovação dos semelhantes em si mesma muito lisonjeira e agradável a ele, e sua desaprovação muito mortificante e ofensiva. Mas esse desejo de aprovação e essa aversão à desaprovação de seus irmãos não seriam suficientes para tomá-lo adequado à sociedade para a qual fora criado. A natureza o dotou, pois, não apenas de um desejo de ser aprovado, mas de se tornar objeto de aprovação necessária, ou de ser aprovado pelo que ele mesmo aprova em outros homens. O primeiro desejo apenas o faria esperar mostrar-se adequado à sociedade. O segundo foi necessário a fim de fazê-lo preocupar-se em ser realmente adequado. O primeiro apenas poderia tê-lo motivado a afetar virtude e a ocultar o vício. O segundo foi necessário para inspirar-lhe o verdadeiro amor à virtude e o real horror ao vício.”, TSM, p. 146.
[18] “Mas, ainda que dessa maneira o homem se torne juiz imediato da humanidade, isso se deve apenas a uma decisão de primeira instância; dessa sentença cabe apelação para um tribunal superior, o tribunal de suas próprias consciências, o tribunal do espectador supostamente imparcial e esclarecido, do homem dentro do peito - o grande juiz e árbitro de suas condutas.”, TSM, p. 159.
[19] Smith detalha esta gradual evolução na passagem que se inicia em “A recompensa que a natureza oferece ao bom comportamento no infortúnio é, assim (...)”, TSM, p. 177, e se encerra várias páginas adiante.
[20] “Quando me esforço para examinar minha própria conduta, quando me esforço para pronunciar sentença sobre ela, seja para aprová-la ou condená-la, é evidente que, em todos esses casos, tudo se passa como se me dividisse em duas pessoas; e que eu, examinador e juiz, represento um homem distinto perante ao outro eu, a pessoa cuja conduta se examina e se julga. A primeira pessoa é o espectador, de cujos sentimentos quanto à minha conduta tento participar, colocando-me em seu lugar e considerando como a mim me pareceria se a examinasse gesse ponto de vista particular. A segunda é o agente, pessoa a quem propriamente designo como eu mesmo, e sobre cuja conduta tentava formar uma opinião, como se fosse a de um espectador. A primeira é o juiz; a segunda é a pessoa a quem se julga. Mas, que o juiz seja em tudo o mesmo que a pessoa julgada, é tão impossível quanto a causa ser em tudo o mesmo que o efeito.”, TSM, p. 143.
[21] “Mal nos atrevemos a absolver a nós mesmos, quando todos os nossos irmãos parecem nos condenar clamorosamente. O suposto espectador imparcial de nossa conduta parece dar sua opinião em nosso favor com medo e hesitação, quando a opinião de todos os espectadores reais, a de todos por cujos olhos e de cuja posição esforça-se por considerá-la é unânime e violentamente contrária a nós. Nesses casos, esse semideus dentro do peito, como os semideuses dos poetas, parece descender parte de imortais e parte, todavia, de mortais.”, p. 161.
[22] “Tragam-no para a sociedade, e será imediatamente provido do espelho de que antes carecia. É colocado ante o semblante e comportamento daqueles com quem (...), e aí que pela primeira vez verá a conveniência ou inconveniência de suas próprias paixões, a beleza ou deformidade de seu espírito”, TSM, p. 140.
[23] “Em tais casos, o único consolo eficaz do homem humilhado e aflito repousa num apelo a um tribunal ainda mais superior, o Juiz onisciente, cujo olho jamais pode ser enganado, e cujos julgamentos jamais podem ser pervertidos. Apenas a confiança firme na retidão infalível desse grande tribunal, diante do qual sua inocência será pronunciada no tempo devido e sua virtude finalmente recompensada, pode ampará-lo diante da fraqueza e desalento de seu espírito, da perturbação e perplexidade do homem que vive em seu peito, a quem a natureza instaurou com o grande guardião, desta vida, não apenas de sua inocência, mas de sua serenidade. Assim, em muitas ocasiões nossa felicidade nesta vida depende da humilde esperança e expectativa de uma vida vindoura esperança e expectativa essas que, por se enraizarem na natureza humana, são as únicas a poderem amparar suas nobres ideias sobre a sua própria dignidade, a iluminarem a assustadora perspectiva da mortalidade que se aproxima continuamente, e a manter em sua alegria sob as mais graves calamidades a que pode se expor por causa das desordens desta vida”, TSM, p. 161.
[24] “Mas o caráter e a conduta de um Nero ou de um Cláudio é algo com que costume algum jamais nos reconciliará, e uso algum jamais tornará agradável; um sempre será objeto de horror e ódio, o outro, de escárnio e zombaria. Os princípios da imaginação, dos quais depende nosso senso de beleza, são de natureza muito sutil e delicada, e podem ser facilmente alterados por hábito e educação; os sentimentos de aprovação e desaprovação moral, contudo, fundamentam-se nas mais fortes e vigorosas paixões da natureza humana e, ainda que possam de alguma forma ser distorcidos, nunca podem ser inteiramente pervertidos.”, TSM, p. 247.
[25] “Uma vez que nossos sentimentos relativos a todas as espécies de beleza sofrem a influência dos usos e costumes, não se pode esperar que os sentimentos relativos à beleza da conduta estejam inteiramente isentos do domínio desses princípios”, TSM, p. 246.
[26] FLEISCHACKER, Samuel. Adam Smith and cultural relativism. In: Erasmus Journal for Philosophy and Economics, Volume 4, Issue 2, Autumn 2011, pp. 20-41. O autor bem sublinha esta tensão entre relativismo e universalismo na construção do juízo moral em Adam Smith. Relevante a seguinte passagem: “But in Books I and III of TMS a real relativism threatens the core of his thought. This can be brought out in several ways. First, to the extent that Smith’s methodology works by way of appeal to what ‘we think’, ‘we approve’, and so forth, it is open to the objection that what the ‘we’ in one community believes and feels may be very different from what the ‘we’ in another community believes or feels. The appeal to common sense is connected to much that is attractive in Smith: to his avoidance of metaphysics in moral theory, and his resistance to utilitarianism. (...) Second, as Allan Gibbard (1990, 280) has pointed out, the fact that Smith sets up his account of moral approval as an outgrowth of each person’s search for harmony with the feelings of the people around him or her (TMS, 16-17, 110-112) puts pressure on the account to make approval relative to communities. (...)Third, and most deeply, the impartial spectator is constructed out of
modes of judgment that seem essentially relative to a particular culture. (...)It is built out of actual spectators; it is built, in particular, out of the basic reactive attitudes, the basic modes of moral judgment, that our actual friends and neighbors have.”
[27] “Portanto, em nenhuma ocasião o real e reverenciado espectador imparcial está mais distanciado que em meio à violência e fúria dos partidos em luta. Talvez se possa afirmar que, para esses, tal espectador dificilmente exista em algum lugar do universo. Até ao grande Juiz do universo imputam seus próprios preconceitos, e não raro consideram esse Ser divino como alguém animado por todas as suas próprias paixões vingativas e implacáveis. Dentre todos os corruptores dos sentimentos morais, por conseguinte, a dissensão e o fanatismo sempre foram os maiores.”
Procurador Federal. Especialista em Direito e Economia e em Direito Internacional pela UFRGS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NOGUEIRA, Mauro Lucio Baioneta. Ética e antropologia na teoria dos sentimentos morais, de Adam Smith Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39640/etica-e-antropologia-na-teoria-dos-sentimentos-morais-de-adam-smith. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: EDUARDO MEDEIROS DO PACO
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Por: LETICIA REGINA ANÉZIO
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