RESUMO: No presente trabalho apresento o entendimento pela inconstitucionalidade do artigo 170 da Lei nº 8.112/90, em conformidade com o recente julgado do Supremo Tribunal Federal sobre o tema.
PALAVRAS-CHAVE: processo administrativo disciplinar, prescrição, registro, assentamentos individuais, inconstitucionalidade.
Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, ao regulamentar o processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Pública Federal, estabeleceu o seguinte no seu artigo 170:
Art. 170. Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor.
Ou seja, a lei previu que, ainda que extinta a punibilidade pela prescrição ou, em outros termos, mesmo que não haja mais a possibilidade de o Estado punir o servidor público federal infrator em razão da ocorrência da prescrição, o registro da penalidade deve ser realizada nos assentamentos funcionais do servidor.
Para uma melhor compreensão do instituto da prescrição da ação disciplinar, é importante visualizarmos o artigo 142 da Lei nº 8.112/90. Vejamos:
Art. 142. A ação disciplinar prescreverá:
I - em 5 (cinco) anos, quanto às infrações puníveis com demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade e destituição de cargo em comissão;
II - em 2 (dois) anos, quanto à suspensão;
III - em 180 (cento e oitenta) dias, quanto à advertência.
§ 1o O prazo de prescrição começa a correr da data em que o fato se tornou conhecido.
§ 2o Os prazos de prescrição previstos na lei penal aplicam-se às infrações disciplinares capituladas também como crime.
§ 3o A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4o Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.
Nesse sentido, segundo o Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União[1], o registro nos assentamentos individuais do servidor será levado em consideração apenas como antecedente funcional, observado o prazo previsto no caput do artigo 131 da Lei nº 8.112/90, in verbis:
Art. 131. As penalidades de advertência e de suspensão terão seus registros cancelados, após o decurso de 3 (três) e 5 (cinco) anos de efetivo exercício, respectivamente, se o servidor não houver, nesse período, praticado nova infração disciplinar.
Desta forma, o registro não pode ser levado em conta para fins de reincidência, já que, em razão da ocorrência da prescrição, a penalidade não foi aplicada ao servidor.
É importante anotar que, pelo entendimento da Controladoria-Geral da União, o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor deve ser feito independentemente do momento em que se tenha configurado a prescrição.
Isto é, segundo a CGU, o registro deve ser realizado tanto na hipótese da ocorrência da prescrição do direito de punir, que pode ser entendida como aquela reconhecida antes da instauração do processo administrativo disciplinar, assim como no caso de configurada a prescrição da pretensão punitiva, que é aquela reconhecida após a tempestiva instauração do processo administrativo disciplinar ou da abertura de sindicância, causas de interrupção da prescrição, conforme visto no §3º do artigo 142 da Lei nº 8.112/90.
Cumpre salientar, todavia, que a Controladoria-Geral da União publicou, em 5 de maio de 2011, o Enunciado CGU nº 04, com a seguinte redação:
A Administração Pública pode, motivadamente, deixar de deflagrar procedimento disciplinar, caso verifique a ocorrência de prescrição antes da sua instauração, devendo ponderar a utilidade e a importância de se decidir pela instauração em cada caso.
De acordo com a Controladoria-Geral da União, portanto, muito embora a Administração permaneça com a obrigação de instaurar o procedimento administrativo disciplinar no caso da ciência de uma infração cometida por servidor, pode, na hipótese de verificada a ocorrência da prescrição do direito de punir, deliberar, através de uma decisão motivada, acerca da conveniência e oportunidade em movimentar toda a máquina administrativa para a apuração dos fatos. Ressalte-se, por outro lado, que a CGU não admite a extinção do procedimento administrativo disciplinar já em andamento, em razão da verificação da ocorrência da prescrição da pretensão punitiva.
Ocorre que, a nosso sentir, o registro da ocorrência nos assentamentos individuais do servidor pode ser considerado, por si só, uma punição ao infrator, sobretudo porque prejudica a sua imagem funcional, razão pela qual penso que o artigo 170 da Lei 8.112/1990 viola o princípio constitucional da presunção da inocência.
Essa, aliás, foi uma das razões para que, recentemente, em julgado publicado no Informativo STF nº 743, de 21 a 25 de abril de 2014, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Mandado de Segurança nº 23.262/DF, por maioria, declarou a inconstitucionalidade incidental do artigo 170 da Lei 8.112/1990, vencido apenas o Ministro Teori Zavascki.
Convém transcrever a publicação veiculada pelo Informativo STF nº 743. Veja-se:
PLENÁRIO
Art. 170 da Lei 8.112/1990: registro de infração prescrita e presunção de inocência
O art. 170 da Lei 8.112/1990 (“Extinta a punibilidade pela prescrição, a autoridade julgadora determinará o registro do fato nos assentamentos individuais do servidor”) é inconstitucional. Essa a conclusão do Plenário ao conceder mandado de segurança para cassar decisão do Presidente da República que, embora reconhecendo a prescrição da pretensão punitiva de infração disciplinar praticada pelo impetrante, determinara a anotação dos fatos apurados em assentamento funcional. O Tribunal asseverou que, em virtude do reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição, obstar-se-ia a imposição de punição administrativo-disciplinar, tendo em conta que a pretensão punitiva da Administração estaria comprometida de modo direto e imediato. Assim, afirmou que a anotação dessa ocorrência em ficha funcional violaria o princípio da presunção de inocência. Em consequência, a Corte, por maioria, declarou a inconstitucionalidade incidental do art. 170 da Lei 8.112/1990. O Ministro Dias Toffoli (relator) aduziu que o mencionado dispositivo remontaria prática surgida, em especial, na Formulação 36 do extinto Departamento de Administração do Serviço Público - DASP (“Se a prescrição for posterior à instauração do inquérito, deve-se registrar nos assentamentos do funcionário a prática da infração apenada”). O Ministro Luiz Fux salientou que o registro, em si, seria uma punição, que acarretaria efeitos deletérios na carreira do servidor, em ofensa também ao princípio da razoabilidade. O Ministro Marco Aurélio realçou, de igual forma, que o aludido artigo discreparia da Constituição sob o ângulo da razoabilidade. Por sua vez, o Ministro Ricardo Lewandowski acrescentou que o preceito em questão atentaria contra a imagem funcional do servidor. Vencido o Ministro Teori Zavascki, que não reputava o art. 170 da Lei 8.112/1990 inconstitucional. Consignava que a incompatibilidade dependeria da interpretação conferida ao dispositivo. Aduzia não conflitar com a Constituição o entendimento de que se trataria de documentação de um fato, ou seja, de que o servidor respondera a um processo e que a ele não fora aplicada pena em razão da prescrição.
MS 23262/DF, rel. Min. Dias Toffoli, 23.4.2014. (MS-23262)
Observa-se, assim, que o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade incidental do artigo 170 da Lei 8.112/1990 por diversas razões, dentre as quais, por violação ao princípio da presunção da inocência, conforme destacou o Ministro Luiz Fux, porque “o registro, em si, seria uma punição, que acarretaria efeitos deletérios na carreira do servidor, em ofensa também ao princípio da razoabilidade” e, conforme ressaltou o Ministro Ricardo Lewandowski, porque “o preceito em questão atentaria contra a imagem funcional do servidor”.
Desta forma, em consonância com o entendimento proferido pela Corte Suprema, entendo pela inconstitucionalidade do artigo 170 da Lei 8.112/1990. Embora a declaração de inconstitucionalidade tenha sido incidental, penso que a Controladoria-Geral da União ou, até mesmo, a Advocacia-Geral da União, deveria deflagrar o procedimento necessário para que o referido dispositivo legal não fosse mais aplicado pelos órgãos e entidades da Administração Pública Federal.
Aliás, entendo, ainda, que, verificada a ocorrência da prescrição, seja antes ou depois da abertura da sindicância ou da instauração do processo administrativo disciplinar, a máquina administrativa não deveria ser mais movimentada para fins de apuração da responsabilidade funcional.
Com efeito, não se justifica, à luz dos princípios da razoabilidade, da economicidade e da eficiência, todo o trâmite de um processo administrativo disciplinar para se apurar a responsabilidade funcional de um servidor, uma vez configurada, de modo incontroverso, a impossibilidade de aplicação de qualquer penalidade ao servidor.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 5 de junho de 2014.
BRASIL. Enunciado CGU nº 04, publicado no DOU de 05/05/2011, Seção 01, página 22. Controladoria-Geral da União. Disponível em http://www.cgu.gov.br/correicao/Enunciados/index.asp. Acesso em 5 de junho de 2014.
BRASIL. Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990. Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8112cons.htm. Acesso em 5 de junho de 2014.
BRASIL. Manual de Processo Administrativo Disciplinar da Controladoria-Geral da União. Brasília, 2013. Controladoria-Geral da União. Disponível em http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ManualPAD.pdf. Acesso em 5 de junho de 2014.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. MS nº 23262/DF. Rel. Min. Dias Toffoli. Disponível em http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo743.htm. Acesso em 5 de junho de 2014.
Procurador Federal, Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TORRES, Michell Laureano. A inconstitucionalidade do artigo 170 da Lei nº 8.112/90 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39709/a-inconstitucionalidade-do-artigo-170-da-lei-no-8-112-90. Acesso em: 23 dez 2024.
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