A Fazenda Pública, quando devedora em ação judicial, efetua o pagamento de seu débito por meio de precatório ou requisição de pequeno valor, que nada mais é que uma requisição de pagamento feita pelo juiz da causa ao Tribunal correspondente, que por sua vez exige que a Fazenda Pública faça a inclusão, no seu orçamento, do valor objeto da condenação por ela sofrida em determinado processo judicial.
A respeito do assunto, preceitua o artigo 100 da Constituição Federal, com a redação dada pela Emenda Constitucional n° 62, de 2009, in verbis:
“Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(...)
§ 5º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos, oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.”
Observa-se da leitura do dispositivo constitucional supratranscrito, notadamente o parágrafo 5°, que havendo o pagamento dentro do prazo constitucional fixado, qual seja, até o final do exercício seguinte à expedição do precatório, o valor devido pela Fazenda Pública será apenas atualizado monetariamente, sem qualquer menção à incidência de juros, uma vez que não há mora do Poder Público no pagamento de seu débito.
Com isso, levando em consideração o procedimento executivo, é plausível entender que não há que se falar em incidência de juros de mora até o efetivo pagamento do precatório, se não houver atraso da Fazenda Pública no adimplemento da sua obrigação com o particular.
Não obstante a expressa previsão constitucional nesse sentido, na esfera do Poder Judiciário há grande discussão sobre o assunto, havendo entendimento jurisprudencial no sentido de incidir juros de mora durante todo o período de tramitação do precatório, até a satisfação total da obrigação, ainda que o Poder Público não esteja em mora, sob o argumento de que “a simples expedição de precatório requisitório não configura, para fins jurídicos, a quitação de débitos assumidos pela Fazenda Pública” (REsp 89015, relator: Ministro José Delgado).
Com isso, entendeu o Superior Tribunal de Justiça que “a expedição do precatório não produz efeito de pagamento, razão pela qual não ilide a incidência dos juros moratórios, que são computados enquanto não solvida a obrigação” (REsp 2625).
Contudo, frisa-se que a própria Constituição é clara em extirpar os juros de mora entre o dia 1º de julho até o final do exercício seguinte até porque não cabe ao Poder Público imediatamente após a liquidação do débito efetuar o pagamento, haja vista a existência de um procedimento específico de precatório, com previsão no artigo 100 do Texto Constitucional de somente haver atualização do débito (parágrafo 1°).
Outro aspecto importante sobre os juros diz respeito à expedição de precatório complementar, que ocorre quando há saldo residual ainda pendente de pagamento. Ainda que tenha sido apurado a posteriori um valor diferencial a ser pago pelo Poder Público, não incidem juros de mora se o precatório original foi pago dentro do prazo constitucional, haja vista que a mora pelo pagamento somente se constitui quando há ciência do devedor de que determinada quantia é devida.
Ademais, a incidência contínua de juros moratórios no precatório complementar implicaria em capitalização de juros, também conhecida como anatocismo, que é cuidadosamente disciplinado no ordenamento jurídico brasileiro por meio de leis especiais, em situações específicas e por período nunca inferior a um ano.
Inclusive, nesse aspecto, o Supremo Tribunal Federal editou a súmula n° 121, que expressamente veda a capitalização de juros em período inferior ao anual, ainda que tenha sido expressamente convencionada sua aplicação.
Isso porque a capitalização de juros significa a incidência de juros não apenas sobre o montante da dívida inicial, mas também sobre os juros e dividendos que se acumulam periodicamente, e permitir que os juros vencidos integrem a base de cálculo da incidência de novos juros quando a Fazenda Pública for devedora, só se houver mora, ou seja, o não pagamento dentro do prazo constitucional estabelecido no artigo 100 do Texto Constitucional.
Atualmente, o pagamento de precatório é regido pela Lei n°11.960/09, que ao conferir nova redação ao artigo 1º-F da Lei n°9.494/97, claramente afastou a incidência de juros compostos, ao prever expressamente que “haverá a incidência uma única vez”, in literis:
Art. 1º-F: Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.” (grifo meu)
Inclusive, a respeito do assunto, já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ªRegião, in verbis:
“PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO. IRSM DE FEVEREIRO DE 1994. TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL. RMI. APLICAÇÃO DO ÍNDICE LEGAL ADEQUADO. LEI 11.960/09. JUROS MORATÓRIOS. CAPITALIZAÇÃO COMPOSTA - IMPOSSIBILIDADE.
(...)
2. A Terceira Seção desta Corte assentou o entendimento de que a contar de 01/07/2009, data em que passou a viger a Lei n.º 11.960, de 29/06/2009 (publicada em 30/06/2009), para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.
3. Ao referir que "haverá a incidência uma única vez", o artigo 1º-F da Lei 9.494/97 deixou claro que a incidência "dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança" não deve se dar da mesma forma que no caso da poupança. O legislador, portanto, expressamente afastou a possibilidade de capitalização composta dos juros, como ocorre no caso da poupança. Como consequência disso, a atualização monetária deve ser separada dos juros, pois caso contrário acabaria ocorrendo capitalização composta.
4. A Constituição, ao tratar da forma de atualização dos débitos durante o trâmite das requisições de pagamento, claramente determina que a correção monetária seja apurada pela taxa de remuneração básica (atualmente a TR mensal), e que os juros moratórios, no período em que devidos, sejam fixados de acordo com os juros da caderneta de poupança (0,5% ao mês). O dispositivo constitucional, determina expressamente a divisão entre as duas rubricas (correção monetária, pela TR, e juros moratórios, à base de 0,5% ao mês).”(grifo meu)
(TRF4; AC 50006578120104047201; Relator: Rogério Favreto, 5ªTurma; Julgamernto em 24.04.2012, publicação: DE 29.05.2012)
Por fim, cumpre ainda destacar que o Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, no Agravo Regimental do Agravo de Instrumento n°492.779-1, decidiu no sentido de não incidir juros de mora desde a data da conta de liquidação devidamente homologada pelo juízo até a data da apresentação, pelo Poder Judiciário à entidade de direito público, do precatório, porque considera já integrar o iter constitucional necessário à realização do pagamento sob a forma de precatório.
Diante disso, pode-se dizer que, qualquer que seja o entendimento quanto ao termo inicial do trâmite do precatório (se tem início com a conta de liquidação homologada ou se com a expedição do precatório), durante o período de tramitação do pagamento do Poder Público por meio de precatório não há que se falar em incidência de juros moratórios, por ser esse o procedimento conferido pela Constituição Federal de adimplemento dos débitos da Fazenda Pública em juízo.
Somente haverá incidência de juros de mora na hipótese que existir atraso no cumprimento da obrigação pela Fazenda Pública, ou seja, se o pagamento do precatório não ocorrer no prazo fixado constitucionalmente no artigo 100 Carta Magna, alterado pela Emenda Constitucional n° 62/2009, porquanto se assim não fosse, a sistemática do precatório seria colocada à prova, já que o Poder Público não tem outra forma de cumprir com suas obrigações a não ser de acordo com o que está previsto na lei, em virtude do princípio da legalidade em estrito sensu, e sobretudo na Constituição Federal.
Procuradora Federal atuante na Procuradoria-Seccional Federal em Santos. Exerceu a chefia de divisão de ações prioritárias, bem como a Coordenação-Geral de Cobrança e Recuperação de Créditos, ambas da Procuradoria-Geral Federal; atuou como tutora do Curso de Especialização em Direito Público da Universidade de Brasília-UNB/CEAD em parceria com a Escola da Advocacia-Geral da União-EAGU e pós-graduada em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina-UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CANCELLA, Carina Bellini. Da não incidência de juros de mora durante o trâmite do precatório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39711/da-nao-incidencia-de-juros-de-mora-durante-o-tramite-do-precatorio. Acesso em: 23 dez 2024.
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