RESUMO: O presente artigo abordará as diferentes teorias que trataram do conceito de direito de ação e de que forma se modificaram ao longo do tempo.
PALAVRAS CHAVE: Processo Civil. Direito de Ação. Teorias do Direito de Ação. Evolução Histórica.
INTRODUÇÃO
As modificações na função política do poder Judiciário perpetradas ao longo da História levaram à busca de uma melhor adequação do conceito de direito de ação. O conceito de ação precisava mudar para melhor explicar o exercício da jurisdição, que adquirira nova vertente com a extinção do absolutismo e o surgimento do Estado moderno.
1 Da Evolução Histórica das Teorias do Direito de Ação
Primeiramente, surgiu a teoria romanista do direito de ação que afirmava que “não há ação sem direito; não há direito sem ação; a todo direito corresponde uma ação”. Como se pode perceber, nessa fase teórica, o direito de ação se confunde com o direito material, uma vez que ainda não é visto, como na concepção atual, como um direito autônomo. Para ilustrar melhor esse ponto, trazemos um trecho da obra do Professor Freddie Didier[1]:
“Ação” como direito material em movimentoexercício. No processo romano não havia a distinção nítida entre a relação jurídica processual e a relação jurídica material no processo deduzida. Ação, neste contexto, era o próprio direito material violado, cujo exercício se dava perante os tribunais da época. Esta vinculação do direito de ação ao direito material ainda é bastante visível nas leis civis, que vez por outra falam que alguém “tem ação contra” outrem. Fala-se, por exemplo, em “ação regressiva”, como sinônimo de direito de reembolso.”
A teoria romanista trata de uma concepção civilista, sendo o direito de ação uma mera faceta do direito subjetivo e não um direito autônomo, específico. Para os seguidores dessa corrente, o direito de ação somente irá existir, caso haja o direito material. Assim sendo, seguindo essa doutrina, no caso de um indivíduo entrar com uma ação, invocando a proteção a um direito material e a demanda for julgada improcedente, o direito de ação não teria existido, posto que inexistente na hipótese o direito material. É por situações contraditórias como essa, que a concepção romanista foi se enfraquecendo e substituída ao longo do tempo.
Outrossim, na concepção romanista, o direito material é que confere ao indivíduo o direito de ação, ou seja, o direito de ação não é autônomo, mas dependente e decorrente do direito material.
A teoria romanista foi abraçada pelo direito brasileiro, quando da vigência do Código Civil de 1916, que em seu art. 75 estabelecia que: “a todo o direito corresponde uma ação que o assegura”. Percebe-se, nessa esteira, que o direito de ação se limitava a ser praticamente um “acessório” do direito, material, em outras palavras, como se o direito de ação existisse apenas para assegurar o direito material, diferente, portanto, da concepção atual, que trata o direito de ação, como um direito autônomo e desvinculado do direito material.
A teoria romanista, contudo, prevaleceu em um tempo em que a jurisdição era seletiva e o magistrado apenas podia atuar em um número limitado de causas, como ocorria na Idade Média. Neste tempo, a jurisdição era elitista e não socorria a toda a sociedade medieval, mas apenas aqueles que tinham condições de arcar com os custos das demandas. Enquanto prevaleceu a teoria romanista, a jurisdição não era universal, podendo-se falar em seletividade judicial. Acrescente-se ainda que naquele tempo, para haver a prestação judicial era necessário haver o direito de ação, que por sua vez, dependia da existência do direito material.
Com o fim da era medieval e o surgimento do Estado moderno, não mais fazia sentido a teoria da jurisdição seletiva, em que o rei conferia ao juiz o poder de julgar. Agora é a vez de o Estado moderno conferir o poder aos magistrados. Surge assim, a teoria de Savigny, chamada de Teoria Civilista da Ação.
O que Savigny identificou de forma diferenciada à concepção romanista de direito de ação é que ela existiria nos casos de violação dos direitos e obrigações decorrentes da relação jurídica original, fundada no direito material. A diferença, por assim dizer, trazida por Savigny, é pensar que o direito de ação nascia da violação ao direito material. Deste modo, a parte lesada em seus direitos é que poderia socorrer-se ao Estado, buscando a jurisdição, para solução do conflito.
Nessa toada, pode-se afirmar que para Savigny, era necessária a existência da lide, como condição para o exercício do direito de ação. Com efeito, não poderia se confundir a ação com a demanda, posto que esta seria pressuposto da ação. Em outras palavras, da violação ao direito (demanda, lide) nasceria o direito de ação, que seria o direito de se socorrer junto ao Estado, por meio da jurisdição. Nasceria assim, uma nova relação obrigacional entre as partes, diferente da relação material originária.
O direito brasileiro adotou essa concepção até meados do século XX, nesse ponto trazemos a seguinte citação de João Monteiro, ao lecionar na Universidade de São Paulo:
“que a violação ‘cria um vínculo de direito idêntico a uma obrigação, da qual é sujeito ativo o titular da relação de direito, e sujeito passivo, o seu violador’, de forma que a ação nada mais é que ‘a reação que a forma do direito opõe à ação contrária (violatio juris) de terceiro.” [2]
Pode-se extrair do trecho em referência, que para a teoria civilista, o direito de ação estabeleceria uma nova relação obrigacional entre as mesmas partes do direito material, em resposta à sua violação.
Com efeito, a principal inovação trazida pela teoria civilista de Savigny foi a ruptura da ideia de jurisdição seletiva da teoria romanista, passando-se para uma concepção abstrata de poder invocar a jurisdição em qualquer caso que uma pessoa julgasse violado um direito. Essa ruptura está intimamente atrelada à mudança política histórica da época, quando se abandonou o absolutismo medieval e se passou à ideia de Estado moderno.
Todavia, a despeito da mudança trazida por Savigny, a vertente civilista do direito de ação ainda prevalecia, posto que se entendia ainda que todas as relações jurídicas eram na verdade variações da relação obrigacional. O direito de ação continuou sendo visto como decorrência do direito material, mas à luz de uma nova perspectiva, a necessidade de violação ao direito material.
Nesse contexto, de que a ideia de direito de ação da Teoria Civilista de Savigny ainda se prendia ao direito subjetivo, trazemos o seguinte texto[3]:
Segundo LIEBMAN, por muitos séculos antes que se iniciara a formulação do conceito de ação, a ação não era considerada nada mais que um aspecto misto de direito privado, que a parte autora afirmava pertencer-lhe. Não seria, pois, nada de distinto ao direito subjetivo, se não o mesmo direito subjetivo, num aspecto novo, que busca obter satisfação por meio do processo.
A teoria civilista identificava a ação como àquele que tem direito: a todo o direito corresponde uma ação. Esta teoria não explicava a ação judicial, num processo que redundasse numa sentença improcedente. Ligava a ação sempre a um direito.
Ora, definindo a denominada "Teoria Civilista", a ação processual como o direito de perseguir em juízo, o que nos é devido pelo obrigado, confundiu e misturou duas realidades, ou seja, o exercício da pretensão de tutela jurídica estatal e a ação de direito material, que é o agir do titular do direito para a obtenção do que lhe é devido. Desta forma, não se pode explicar os casos, em que o agente houvesse promovido um processo, sem ter direito, ou seja, ficou impossibilitada de explicar o fenômeno da ação improcedente, pois evidentemente em tal caso, a ação, processual não teria sido o direito de perseguir em juízo o que nos é devido, pelo obrigado.
Pode-se afirmar, assim, que a teoria de Savigny manteve a ideia do direito de ação vinculado ao direito material. No entanto, podemos considerá-la como uma evolução teórica que caminhou no sentido da concepção atual, de que o direito de ação é autônomo ao direito material. Isso porque, a teoria clássica diferenciou a ideia de ação da ideia de demanda, ao demonstrar o nascimento de uma nova relação obrigacional decorrente da violação do direito. Ao apontar o surgimento de uma nova relação obrigacional, ainda que vinculada ao direito material, Savigny contribuiu para a evolução do conceito do direito de ação para o sentido que temos hoje, de autonomia.
Contudo, em contraponto, surgiu da evolução doutrinária, o pensamento publicista do conceito de ação. A ideia civilista que vinculava o direito de ação ao direito material foi se mostrando na teoria e na prática inadequada, pois não respondia a uma série de questionamentos, principalmente nas situações em que o pedido do autor era julgado improcedente, que de acordo com a teoria de Savingy, nesses casos, deveria se concluir que inexistia direito de ação.
Nesse contexto, o conceito de ação evoluiu para o entendimento publicista, o qual entendia que o direito de ação se tratava na verdade não de um direito do autor em face do ofensor, mas sim uma relação pública entre o autor e o Estado. Historicamente, a formação dos Estados modernos levou a uma nova realidade jurídica, em que se concedia irrestrito acesso à justiça [4]. A autoridade dos juízes passou a ser reconhecida de maneira ampla e ao mesmo tempo, aos cidadãos concederam-se direitos iguais. Assim, ao mesmo tempo em que o magistrado passou a ter mais autoridade, os cidadãos passaram a ter mais direitos e inclusive o direito de acesso ao Judiciário. Nessa toada, a universalização da jurisdição fez com que a existência de um direito subjetivo fosse suficiente para invocar a prestação jurisdicional.
Com efeito, o direito de ação passou a ser reconhecido como um direito subjetivo a mais, porém, diferenciado, pois oponível ao Estado. Nesse ponto, oportuno transcrever o ensinamento de Fredie Didier Jr. acerca do conceito de “ação”:
"Ação como direito autônomo em relação ao direito material. Ação, neste sentido, seria o direito de provocar a jurisdição, direito ao processo, direito de instaurar a relação jurídica processual. Trata-se da pretensão à tutela jurídica, que se exerce contra o Estado para que ele preste justiça. Os autonomistas dividiam-se entre os ‘abstrativistas’, que consideravam que o direito de ação era abstrato, pois existiria sempre, pouco importa o resultado da causa (existência ou não do direito material), e os ‘concretistas’, para quem, embora autônomo, o direito de ação só existiria se o autor tivesse o direito material. A concepção abstrativista prevaleceu, embora com o tempero que lhe foi ministrado pela concepção eclética de Enrico Tulio Liebman, em outro item examinada. Não há quem discuta que a Constituição Federal, quando garante a inafastabilidade da apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV) confere a todos o direito de exigir do Estado a prestação jurisidicional, em qualquer situação. Este é incondicionado e pertence a todos[5] ."
Como visto da lição transcrita acima, da ideia de que a própria ação era um direito subjetivo a mais, foi superada a sua vinculação ao direito material e viu-se que ele deveria ser considerado um direito autônomo, conferido pelo Estado aos cidadãos. Deste modo, surgiu a teoria autonomista. De acordo com esta teoria, o direito de ação é público, oponível ao Estado e de existência independente ao direito material.
Seguindo essa teoria, a autonomista, era possível esclarecer a situação em que o autor tinha o seu pedido julgado improcedente em uma ação. Pela teoria autonomista, nesses casos, teria existido o direito de ação, mas não o direito material, uma vez que julgado improcedente. Consolidou-se, assim, a ideia de ação, como direito subjetivo público, oponível ao Estado.
A teoria autonomista, por sua vez, desdobrava-se em concretista e abstrativista. Os teóricos que seguiam a doutrina concretista eram mais conectados ao paradigma civilista e entendiam que subsistia uma vinculação entre o direito material e o processual e mais, que no caso de uma ação ser julgada improcedente, não haveria o direito de ação. A concepção concretista, como pode se ver, tratava-se de uma verdadeira retomada à teoria civilista de Savigny.
A teoria abstrativista ou abstracionista afirma que o direito de ação é abstrato na medida em que a sua existência é desvinculada do resultado da demanda. De acordo com essa corrente, o indeferimento do pedido, por qualquer razão, não interferia na existência do direito de demandar.
No Brasil, prevaleceu o entendimento de uma terceira corrente chamada “eclética”, de Enrico Tullio Liebman. De acordo com essa corrente, a ação é um direito abstrato de invocar a prestação o Estado, condicionada à existência de algumas condições especiais. As condições de existência da ação são: possibilidade jurídica do pedido, legitimidade das partes e o interesse de agir.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, pode-se afirmar que o conceito de ação variou ao longo do tempo, na tentativa de melhor se adequar à evolução histórica (desde a Idade Média, até a formação do Estado moderno). Outrossim, chegamos a um tempo em que a teoria processualista passou a ter como “centro de gravidade” o conceito de jurisdição[6]. É dizer, a ótica do estudo processual mudou, sendo que hoje a concepção processualista está voltada para a expressão do poder judicial do Estado e não mais para a limitação do direito subjetivo da parte. Assim, percebe-se que a teoria processualista sofreu uma importante mudança, pois passou a entender o processo como sendo uma expressão do poder e não mais como uma realização de um direito subjetivo.
Referências
COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Conceito de Ação: Da Teoria Clássica à Moderna. Continuidade ou Ruptura?. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/452/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_1.pdf
DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 1. Ed. 12a.Salvador:Jus Podivm,2010.
Fonte virtual: http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_4779/artigo_sobre_teoria_geral_da_jurisdicao_(principais_teorias_sobre_a_acao)
[1] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 1. Ed. 12a. Salvador:Jus Podivm,2010, p.193.
[2] COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Conceito de Ação: Da Teoria Clássica à Moderna. Continuidade ou Ruptura?. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/452/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_1.pdf
[3] Disponível em: http://artigos.netsaber.com.br/resumo_artigo_4779/artigo_sobre_teoria_geral_da_jurisdicao_(principais_teorias_sobre_a_acao)
[4] COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Conceito de Ação: Da Teoria Clássica à Moderna. Continuidade ou Ruptura?. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/452/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_1.pdf
[5] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 1. Ed. 12a.Salvador:Jus Podivm,2010, p.193, 194.
[6] COSTA, Henrique Araújo e COSTA, Alexandre Araújo. Conceito de Ação: Da Teoria Clássica à Moderna. Continuidade ou Ruptura?. Disponível em: http://moodle.cead.unb.br/agu/pluginfile.php/452/mod_resource/content/2/Texto-base_-_Unidade_1.pdf
Procuradora Federal junto à Procuradoria Federal Especializada da Anatel. Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Júlia de Carvalho. A evolução histórica das teorias do direito de ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39716/a-evolucao-historica-das-teorias-do-direito-de-acao. Acesso em: 23 dez 2024.
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