Resumo: Este trabalho objetiva analisar a aplicação ao processo administrativo do postulado pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo.
Palavra-chave: Processo Administrativo. Ato administrativo. Anulação. Invalidação. Pas de nullité sans grief. Segurança jurídica. Legalidade. Prejuízo.
Sumário: 1. Introdução. 2. A aplicação do postulado do pas de nullité sans grief ao processo administrativo. 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Em atendimento ao art. 5º, inciso LV, da CF/88, o legislador infraconstitucional editou a Lei de Processo Administrativo Federal (Lei nº. 9784/1999), com o objetivo de concretizar, dentre outros princípios, o princípio do devido processo legal, o princípio da segurança jurídica, o princípio isonômico, e o princípio da ampla defesa e do contraditório.
O processo administrativo no âmbito federal é regido pelas regras e princípios constantes na lei supracitada. A forma, o modo e o tempo da realização dos atos processuais revestem-se da cogência e da imperatividade ínsita às normas relativas ao procedimento e são de observância obrigatória aos participantes do processo administrativo. A norma estabelece os deveres, ônus e faculdades processuais.
Dentre os deveres relacionados se encontra o dever de manter a higidez do processo, de modo que os eventuais vícios verificados no curso do processo devem ser saneados.
A Administração atua sob a direção do princípio da legalidade. Dessa forma, se o ato é considerado ilegal, compete ao administrador proceder à sua anulação. Com efeito, tal prerrogativa encontra-se consolidada na Súmula 473 do Supremo Tribunal Federal – STF.
Entretanto, muito embora o âmbito administrativo esteja regido pelo princípio da autotutela, que autoriza a anulação de atos administrativos por vício de legalidade, o procedimento de anulação não deve ser automático, devendo haver justificativa para tanto, com a finalidade de salvaguardar o interesse público demonstrável.
Muito embora a regra seja a anulação do ato viciado, em algumas situações específicas, a eliminação do ato poderá ser mais prejudicial ao interesse público do que a sua manutenção.
O Professor Adilson Abreu Dallari ressalta que a doutrina e a jurisprudência não aceitam a anulação desvinculada da necessidade de satisfação do interesse público. Segundo o professor, ninguém mais sustenta que qualquer vício jurídico determina o inexorável dever de anular o ato administrativo, sem qualquer outra consideração[1].
Nesse contexto, é importante analisar o postulado do pas de nullité sans grief.
2. A APLICAÇÃO DO POSTULADO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF AO PROCESSO ADMINISTRATIVO.
O dever de a Administração anular os atos administrativos ilegais é amplo e deriva do poder de autotutela. No curso do processo administrativo, é possível que sejam detectados alguns defeitos passíveis ou não de sanação.
No tocante à nulidade, Marçal Justen Filho assinala que:
A nulidade deriva da incompatibilidade do ato concreto com valores jurídicos relevantes. Se certo ato concreto realiza os valores, ainda que por vias indiretas, não pode receber tratamento jurídico equivalente ao reservado para atos reprováveis. Se um ato, apesar de não ser o adequado, realizar as finalidades legítimas, não pode ser equiparado a um ato cuja prática reprovável deve ser banida.
A nulidade consiste num defeito complexo, formado pela (a) discordância formal com um modelo normativo e que é (b) instrumento de infração aos valores consagrados pelo direito. De modo que, se não houver a consumação do efeito (lesão a um interesse protegido juridicamente), não se configurará invalidade jurídica.
Aliás, a doutrina do direito administrativo intuiu essa necessidade, afirmando o postulado de pas de nullité sans grief (não há nulidade sem dano)[2].
A doutrina[3] do direito administrativo consagrou o postulado pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo, ou seja, o ato processual não será declarado nulo quando não causar prejuízo. Assim, se o núcleo das garantias do administrado, tal como o princípio da ampla defesa, estiver assegurado, não é o caso de invalidar o ato. Esse postulado está previsto no artigo 114, § 2º do Código de Processo Civil francês.
De acordo com o postulado, apenas será expurgado o ato processual administrativo que causar lesão ao interesse público ou aos direitos e garantias individuais (liberdades individuais), em atenção ao princípio da segurança jurídica.
Esse postulado permite que os objetivos do Estado sejam alcançados, ainda que haja alguma irregularidade ou desconformidade com o direito, incapaz de gerar lesão ou prejuízo.
De acordo com Cássio Scarpinella Bueno, o saneamento da nulidade é a regra; o não aproveitamento do ato e do que ele representa para o processo, de seus efeitos, portanto, é exceção[4].
Analisando o tema, Shirlei Silmara de Freitas Mello e Ana Paula Dutra Borges salientam que:
O princípio do prejuízo consiste na representação, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, de tal instituto francês, determinando que, mesmo nas nulidades relativas, quanto nas absolutas, o ato processual deve ser considerado, desde que não acarrete dano para qualquer das partes. Permite, assim, que o direito seja materializado, através do aproveitamento máximo dos atos processuais.
(...)
O prejuízo, que invalida o ato processual, é aquele que impossibilita a este alcançar a sua finalidade. Cabe à Administração invalidar o ato danoso, tendo em vista que se submete ao princípio da legalidade, no entanto, a este princípio deve ser agregado o da razoabilidade, que permite reconhecer, em certas circunstâncias especiais, a convalidação do ato administrativo.
(...)
É possível deduzir que no âmbito administrativo há a prevalência do princípio do interesse público sobre o da legalidade estrita[5].
Nesse sentido, Weida Zancaner ressalta que “Não há como negar que o critério do interesse público tem sido aplicado tendo em vista a imperiosa necessidade de se preservarem algumas relações jurídicas que, embora decorrentes de atos nulos, não poderiam ser desconstituídas, já que a invalidação das mesmas constituiria fragrante injustiça, além de acarretar a eclosão de inúmeros problemas fáticos”[6].
A decisão sobre a anulação ou não de um ato eivado de vício deve ser tomada em função da melhor forma de satisfazer o interesse público. Odete Medauar, avaliando o tema, destaca que:
Embora o poder e dever de anular permaneçam plenos para qualquer ato eivado de ilegalidade, é possível que em determinadas circunstâncias e ante pequena gravidade do vício, a autoridade administrativa deixe de exercê-lo, em benefício do interesse público, para que as consequências do desfazimento em si e sua repercussão não acarretem maior prejuízo que a subsistência do ato; em tais casos, a autoridade deverá sopesar as circunstâncias e as repercussões, até mesmo sociais, do desfazimento, no caso concreto, para decidir se o efetua ou se mantém o ato[7].
Até mesmo Celso Antônio Bandeiro de Mello, ferrenho defensor do princípio da legalidade, concorda que, em alguns casos, o ato viciado pode ser mantido:
Não brigam com o princípio da legalidade, antes atendem-lhe ao espírito, as soluções que se inspirem na tranquilização das relações que não comprometem insuprivelmente o interesse público, conquanto tenham sido produzidas de maneira inválida. É que a convalidação é uma forma de recomposição da legalidade ferida[8].
Seguindo esse preceito, os arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal estabelecem que:
Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa.
(...)
Art. 566. Não será declarada a nulidade de ato processual que não houver influído na apuração da verdade substancial ou na decisão da causa.
Desta forma, em tema de nulidades o nosso sistema processual penal somente admite a declaração de nulidade de um ato processual quando houver a efetiva demonstração de prejuízo à parte.
O Superior Tribunal de Justiça já proferiu decisão nesse sentido, senão vejamos:
ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. CASSAÇÃO DE APOSENTADORIA. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR INSTAURADO COM BASE EM INVESTIGAÇÃO PROVOCADA POR DENÚNCIA ANÔNIMA. ADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. INEXISTÊNCIA DE AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA E DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. DILAÇÃO PROBATÓRIA. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. Ainda que com reservas, a denúncia anônima é admitida em nosso ordenamento jurídico, sendo considerada apta a deflagrar procedimentos de averiguação, como o processo administrativo disciplinar, conforme contenham ou não elementos informativos idôneos suficientes, e desde que observadas as devidas cautelas no que diz respeito à identidade do investigado. Precedentes desta Corte. 2. As acusações que resultaram da apreensão de documentos feita pela Comissão de Sindicância, sem a presença do indiciado, não foram consideradas para a convicção acerca da responsabilização do servidor, pois restaram afastados os enquadramentos das condutas resultantes das provas produzidas na mencionada diligência. 3. Eventual nulidade no Processo Administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, o que não restou configurado na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief. Precedentes. 4. Em sede de ação mandamental, a prova do direito líquido e certo deve ser pré-constituída, não se admitindo a dilação probatória. Precedentes. 5. Segurança denegada. (STJ MS 200800293874 MS - MANDADO DE SEGURANÇA – 13348. Terceira seção. Relatora: Laurita Vaz. DJE DATA:16/09/2009)
ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS. DEMISSÃO. NULIDADES NO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. INOCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVAS PRODUZIDAS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO ADMINISTRATIVO. AGRAVAMENTO DA PENA SUGERIDA PELA COMISSÃO PROCESSANTE. POSSIBILIDADE. NECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 168 DA LEI Nº 8.112/90. EXCESSO DE PRAZO. NÃO COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. INDEPENDÊNCIA DAS ESFERAS ADMINISTRATIVA E PENAL. "WRIT" IMPETRADO COMO FORMA DE INSATISFAÇÃO COM O CONCLUSIVO DESFECHO DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. ORDEM DENEGADA. I - Em relação ao controle jurisdicional do processo administrativo, a atuação do Poder Judiciário circunscreve-se ao campo da regularidade do procedimento, bem como à legalidade do ato demissionário, sendo-lhe defesa qualquer incursão no mérito administrativo a fim de aferir o grau de conveniência e oportunidade. II - A Lei 8.112/90, no artigo 168, autoriza a Autoridade competente a dissentir do relatório apresentado pela Comissão Processante, desde que a sanção aplicada esteja devidamente motivada. Ademais, não há vedação quanto à adoção do parecer de sua Consultoria Jurídica. Precedentes. III - A Lei nº 8112/90, ao dispor sobre o julgamento do processo administrativo disciplinar, prevê expressamente no artigo 169, § 1º que "O julgamento fora do prazo legal não implica nulidade do processo.". Consoante entendimento desta Corte o excesso de prazo não pode ser alegado como fator de nulidade do processo, mormente se não restar comprovada qualquer lesão ao direito do servidor. IV - Aplicável o princípio do "pas de nullité sans grief", tendo em vista que eventual nulidade do processo administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo, o que não ocorreu no presente caso. V- A sanção administrativa é aplicada para salvaguardar os interesses exclusivamente funcionais da Administração Pública, enquanto a sanção criminal destina-se à proteção da coletividade. Consoante entendimento desta Corte, a independência entre as instâncias penal, civil e administrativa, consagrada na doutrina e na jurisprudência, permite à Administração impor punição disciplinar ao servidor faltoso à revelia de anterior julgamento no âmbito criminal, ou em sede de ação civil, mesmo que a conduta imputada configure crime em tese. VI - Evidenciado o respeito aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, não há que se falar em nulidades do processo administrativo disciplinar, principalmente quando o "writ" é impetrado como forma derradeira de insatisfação com o conclusivo desfecho do processo administrativo disciplinar. VII - Ordem denegada. (STJ MS 200302059218 MS - MANDADO DE SEGURANÇA – 9384. Terceira Seção. Relator: Gilson Dipp. DJ DATA:16/08/2004 PG:00130)
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSO ADMINISTRATIVO-DISCIPLINAR. VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA.
1. Trata-se de demissão da recorrente, após regular processo administrativo, em função de afirmado desvio de numerários na Contadoria da Comarca de Fundão por meio de fraudes que acarretaram o não-recolhimento aos cofres públicos de importâncias derivadas do ITCD.
2. O processo administrativo disciplinar observou o contraditório e a ampla defesa. A parte foi intimada dos atos processuais e teve oportunidade de se manifestar sobre a fundamentação que conduziu à sua demissão.
3. Inexiste nulidade sem prejuízo. Se é assim no processo penal, com maior razão no âmbito administrativo. A recorrente teve acesso aos autos do processo administrativo disciplinar, amplo conhecimento dos fatos investigados, produziu as provas pertinentes e ofereceu defesa escrita, o que afasta qualquer alegação relativa à ofensa ao devido processo legal e à ampla defesa. Eventual nulidade no processo administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, hipótese não configurada na espécie, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief.
4. Nos termos da Súmula Vinculante 5/STF, a falta de defesa técnica por advogado no processo administrativo não ofende a Constituição Federal, desde que seja concedida a oportunidade de ser efetivado o contraditório e a ampla defesa, como no caso.
5. Ausência de argumentação que desabone os atos da Comissão Processante. Não houve indício de fato que conduzisse a decisão imparcial ou atécnica tomada contra a recorrente.
6. O Termo de Indiciamento e o Relatório Final da Comissão Processante foram suficientemente fundamentados, com base nas provas produzidas nos autos.
7. Recurso Ordinário não provido. (STJ RMS 32849/ES RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA 2010/0160083-1. Segunda Turma. Relator: Mininstro Herman Benjamin. DJE 20/05/2011)
O Tribunal Regional da 2ª Região também já decidiu nesse sentido:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUTO DE INFRAÇÃO. ANEEL. VÍCIO FORMAL. NULIDADE. INOCORRÊNCIA APRESENTAÇÃO DE DEFESA ADMINISTRATIVA. EXERCÍCIO DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. MULTA. DESCUMPRIMENTO DE CRONOGRAMA PARA INSTALAÇÃO DE USINA TERMELÉTRICA. VALOR EXCESSIVO. INOCORRÊNCIA. OBSERVÂNCIA DOS PARÂMETROS LEGAIS. RECURSO IMPROVIDO. 1. Cuida-se de apelação cível interposta em face de sentença que, nos autos de embargos à execução por ela, julgou improcedente o pedido formulado na peça vestibular, reconhecendo a subsistência da pretensão executiva fiscal movida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), e, em consequência, extinguiu o feito, com resolução do mérito, com espeque no art. 269, inciso I, do Código de Processo Civil (CPC). 2. A questão deduzida nos autos versa sobre possível nulidade de auto de infração lavrado pela ANEEL, em razão de (i) supostas inexatidões e inconsistências que impossibilitaram ou dificultaram o exercício da plena defesa; (ii) abusividade na cominação de multa; e (iii) inexistência de culpa da autuada pelo descumprimento das obrigações decorrentes da autorização para implantar central geradora termelétrica. 3. O ato ora atacado, por possuir índole administrativa, goza das presunções de legalidade, legitimidade e veracidade, próprias dessa categoria de atos jurídicos. Trata-se, como cediço, de presunção iuris tantum, isto é, de natureza relativa, passível, portanto, de prova em contrário, a qual, como também é de trivial sabença, compete àquele que alega a nulidade do ato administrativo. 4. In casu, porém, da análise dos autos, não há elementos probatórios robustos a ponto de autorizar o afastamento das sobreditas presunções, para fins de se declarar a nulidade do auto de infração aqui alvejada. Com efeito, é de se reconhecer a regularidade formal do ato administrativo, porquanto indicou não só a infração praticada, como também os dispositivos legais violados, que embasaram a aplicação da sanção. 5. Quanto à nulidade do auto de infração, é certo que defeitos menores não prejudicam a presunção de legalidade, legitimidade e veracidade do referido ato, não devendo ser declarada a sua nulidade por eventuais falhas que não geram prejuízos para o executado promover a sua defesa, informado que é o sistema processual brasileiro pela regra da instrumentalidade das formas (pas des nullités sans grief), nulificando-se o processo, inclusive a execução fiscal, apenas quando há sacrifício aos fins da Justiça. Nesse contexto, e considerando que a embargante apresentou defesa administrativa, não há falar em inobservância dos princípios do contraditório e da ampla defesa. 6. A multa foi aplicada dentro dos limites do poder de polícia que lhe foi outorgado, ou, em outros termos, impôs a sanção cabível em consonância com os ditames legais. 7. Quando o Embargante obteve a autorização para implantar a usina termelétrica, já estava em vigor a resolução que previa as condições necessárias á inclusão no PPT e que a Petrobrás só poderia assinar novos contratos de fornecimento de gás com usinas que tinham as prerrogativas do PPT, não tendo sido supreendida por novas regras, além do fato de que os requisitos para inclusão no PPT correspondem exatamente ás atividades que deveria ter desenvolvido de acordo com o cronograma fixado: autorização pela ANEEL, licença ambiental, obras iniciadas e não interrompidas, contrato de engenharia, projeto e execução e contrato de fornecimento das unidades gestoras. 8. Apelação improvida. Sentença mantida. (TRF 2ª Região. AC 200651015226773 AC - APELAÇÃO CIVEL – 511766. 6ª Turma Especializada. Relator: Desembargador Federal GUILHERME CALMON NOGUEIRA DA GAMA. E-DJF2R - Data::19/09/2011 - Página::111/112)
Por fim, cabe salientar que a doutrina utilizada no processo civil acerca das nulidades não pode ser aplicada cruamente ao processo administrativo, tendo em vista que esse último possui peculiaridades que o difere em muitos aspectos do processo judicial.
O Processo Administrativo é regido pelos seguintes princípios: devido processo legal, oficialidade, contraditório e ampla defesa, publicidade, informalismo procedimental e verdade material.
Quanto aos princípios do informalismo procedimental e da verdade material, José dos Santos Carvalho Filho[9] preleciona que:
Como inexiste um sistema específico para o processo administrativo, várias são as leis que dispõe, sobre eles. Quando essas leis traçam o rito que o processo deve obedecer, cumpre observá-lo porque a isso obriga o princípio do devido processo legal.
Essas leis, porém, não regulam todos os processos, sobretudo quando se considera a grande amplitude de sentido que se empresta aos processos administrativos. Há inúmeros processos não litigiosos que não sofrem o influxo de qualquer disciplina legal. O mesmo ocorre com alguns processos litigiosos.
O princípio do informalismo significa que, no silêncio da lei ou de atos regulamentares, não há para o administrador a obrigação de adotar excessivo rigor na tramitação dos processos administrativos, tal como ocorre, por exemplo, nos processos judiciais. Ao administrador caberá seguir um procedimento que seja adequado ao objeto específico a que se destinar o processo. (...) Enfim, o que é importante no princípio do informalismo é que os órgãos administrativos compatibilizem os trâmites do processo administrativo om o objetivo a que é destinado.
(...)
É o princípio da verdade material que autoriza o administrador a perseguir a verdade real, ou seja, aquela que resulta efetivamente dos fatos que a constituíram. Nos processos judiciais, como bem observa HELY LOPES MEIRELLES, viceja o princípio da verdade formal, já que o juiz se limita a decidir conforme as provas produzidas no processo, em obediência ao velho brocardo quod non est in actis non est in mundo.
Pelo princípio da verdade material, o próprio administrador pode buscar as provas para chegar à sua conclusão e para que o processo administrativo sirva realmente para alcançar a verdade incontestável, e não apenas a que ressai de um processo meramente formal. (...)
A Administração tem o dever de apurar todos os dados, informações, e documentos a respeito da matéria tratada, sem estar jungida aos aspectos considerados pelos sujeitos. A regra é a instalação e condução ex officio da instrução, sem que isso impeça o pleito dos interessados ou sua intimação acerca do andamento processual.
Sobre a diferença dos conceitos empregados no direito civil e no direito administrativo, Marcia Walquiria Batista dos Santos esclarece que:
Convém observar, por fim, que os conceitos de atos nulos e anuláveis extraídos do direito civil não se aplicam, na íntegra, ao direito administrativo. Em razão de tal circunstância, um mesmo ato ilegal poderá ser mantido se: a) sua anulação for mais prejudicial ao interesse público que sua manutenção (ou convalidação); b) não decorrer de dolo, nem causar prejuízo ao erário ou a terceiros[10].
O entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência acabou sendo firmado pelo legislador no bojo da lei nº 9.784/1999 (Lei Geral de Processo Administrativo). Com efeito, preceitua o art. 55 que devem ser convalidados os atos que apresentem defeitos sanáveis e que não acarretem lesão ao interesse público nem prejuízo a terceiros.
Dessa forma, na análise acerca da anulação de ato administrativo, deve ser considerado o postulado pas de nullité sans grief, devendo haver prova da existência de prejuízo.
Em suma, eventual nulidade no processo administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief.
3. CONCLUSÃO.
Como visto, a doutrina do direito administrativo consagrou o postulado pas de nullité sans grief, segundo o qual não há nulidade sem prejuízo. Assim, se o núcleo das garantias do administrado, tal como o princípio da ampla defesa, estiver assegurado, não é o caso de invalidar o ato.
Somente será expurgado o ato processual administrativo que causar lesão ao interesse público ou aos direitos e garantias individuais (liberdades individuais), em atenção ao princípio da segurança jurídica. Desse modo, o saneamento é a regra e a anulação é a exceção.
Muito embora a regra seja a anulação do ato viciado, em certas situações, a eliminação do ato poderá ocasionar mais prejuízos do que a sua manutenção.
Nesse caso, o princípio da legalidade sofre mitigação em benefício do interesse público, possibilitando que o Estado possa atingir outras finalidades mais importantes.
A decisão sobre a anulação ou não de um ato eivado de vício deve ser tomada em função da melhor forma de satisfazer o interesse público.
É preciso considerar que o Processo Administrativo é regido pelos seguintes princípios: devido processo legal, oficialidade, contraditório e ampla defesa, publicidade, informalismo procedimental e verdade material.
O entendimento firmado pela doutrina e jurisprudência acabou sendo firmado pelo legislador no bojo da lei nº 9.784/1999 (Lei Geral de Processo Administrativo), notadamente em seu artigo 55.
Dessa forma, eventual nulidade no processo administrativo exige a respectiva comprovação do prejuízo sofrido, sendo, pois, aplicável o princípio pas de nullité sans grief.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 3° Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
DALLARI, Adilson Abreu. Desvio de Poder na Anulação de Ato Administrativo. Salvador. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 7, julho/agosto/setembro, 2006. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 30 de maio de 2014.
FIGUEREDO, Lúcia Valle. Curso de direito Administrativo. 8. Ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Malheiros, 2006.
JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13ª ed., 2001, Malheiros Editores.
MELLO, Shirlei Silmara de Freitas, BORGES, Ana Paula Dutra. Apontamentos sobre as inflexões do princípio da eficiência no processo administrativo brasileiro. Disponível na Internet: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9543. Acesso em: 30 de maio de 2014.
ODETE, Medauar. Direito Administrativo Moderno, RT, São Paulo, 1996.
SANTOS, Marcia Walquiria Batista dos. Revogação e anulação no procedimento licitatório, in Estudos sobre a lei de licitações e contratos, Forense Universitária, São Paulo, 1995.
ZANCANER, WEIDA. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, 2. ed., 3. Tir., São Paulo: Malheiros, 2001.
[1] DALLARI, Adilson Abreu. Desvio de Poder na Anulação de Ato Administrativo. Salvador. Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº 7, julho/agosto/setembro, 2006. Disponível na Internet: http://www.direitodoestado.com.br. Acesso em: 30 de maio de 2014.
[2] JUSTEM FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 4. Ed. rev. e atual. São Paulo : Saraiva, 2009, p. 323/324.
[3] Ver LÚCIA VALLE FIGUEREDO, Curso de direito Administrativo. 8. Ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 256.
[4] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 3° Ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 456.
[5] MELLO, Shirlei Silmara de Freitas, BORGES, Ana Paula Dutra. Apontamentos sobre as inflexões do princípio da eficiência no processo administrativo brasileiro. Disponível na Internet: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9543. Acesso em: 30 de maio de 2014.
[6] ZANCANER, WEIDA. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos, 2. Ed., 3. Tir., São Paulo: Malheiros, 2001, p. 89.
[7] ODETE, Medauar. Direito Administrativo Moderno, RT, São Paulo, 1996, p. 180.
[8] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, 13ª ed., 2001, Malheiros Editores, p. 419.
[9] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 1065/1066.
[10] SANTOS, Marcia Walquiria Batista dos. Revogação e anulação no procedimento licitatório, in Estudos sobre a lei de licitações e contratos, Forense Universitária, São Paulo, 1995, p. 139.
Procuradora Federal em Brasília-DF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Danielle Felix. A aplicação do postulado do pas de nullité sans grief ao processo administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39718/a-aplicacao-do-postulado-do-pas-de-nullite-sans-grief-ao-processo-administrativo. Acesso em: 23 dez 2024.
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