Resumo: Os direitos sociais são direitos fundamentais de segunda dimensão, pois dizem respeito a prestações do Estado para concretizar necessidades básicas do indivíduo em si considerado e em relação com a coletividade. No plano internacional, vários documentos positivaram os direitos sociais trabalhistas, assim como, no plano interno, a Constituição Federal de 1988 lhes conferiu a devida atenção. Não basta, entretanto, positivar direitos: é preciso concretizá-los. Uma das instituições pátrias voltadas para essa tarefa é o Ministério Público.
Palavras-chave: direitos fundamentais, direitos sociais, Direito do Trabalho, Ministério Público do Trabalho.
Introdução
Os direitos sociais são direitos fundamentais, porque direitos humanos reconhecidos pelos Estados.
Pretende-se neste estudo situar os direitos sociais trabalhistas no espectro dos direitos fundamentais, apontar sua normatização na ordem internacional e na ordem interna, demonstrar a importância de se lhes conceder a máxima eficácia possível e, por fim, apontar os mecanismos de atuação do Ministério Público para a sua proteção.
Direitos fundamentais de 2ª dimensão
A classificação tradicional dos direitos humanos considera a existência de 3 gerações. Atualmente, não se vê adequado o uso do termo “gerações”, mas “dimensões”, pois os direitos não se substituem, eles se complementam (SARLET, 2011, p. 45).
Usualmente, relacionam-se as dimensões dos direitos humanos ao lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.
A primeira dimensão (liberdade) se caracteriza pela proteção do indivíduo contra o Estado e contra a ação dos demais indivíduos. Corresponde, na classificação de Jellinek (SILVA, 2010, p. 98-99), ao status libertatis ou status negativo: aspectos em que o Estado não tem ingerência sobre o particular, isto é, deve se abster de agir. São direitos individuais e de proteção, como a privacidade, a intimidade, a imagem e a própria liberdade.
A segunda dimensão (igualdade) surge com a ideia do Estado do Bem-Estar Social, inaugurada com as constituições do México e de Weimar. O indivíduo tem o direito de exigir do Estado prestações positivas (o status positivo de Jellinek).
A terceira dimensão (fraternidade) está ligada à coletividade, aos direitos difusos, como o direito à paz e ao meio ambiente equilibrado.
Há quem entenda, como Paulo Bonavides (apud SARLET, 2011, p. 50), ter surgido uma quarta dimensão, como resultado da globalização, abarcando direitos como pluralismo político, democracia e informação.
Os direitos sociais são típicos direitos de segunda dimensão, pois dizem respeito a prestações do Estado para concretizar necessidades básicas do indivíduo em si considerado e em relação com a coletividade, como o trabalho, a saúde, a previdência, a educação, a cultura etc.
Positivação dos direitos sociais
No plano internacional, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) traz diversas disposições referentes à necessária garantia dos direitos sociais, em especial nos artigos XXIII a XXVIII.
A Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, expressa o compromisso dos Estados americanos de efetivar progressivamente os direitos sociais reconhecidos pela Carta da OEA.
Vale lembrar também do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966), que enumera diversos direitos sociais a serem implementados pelos Estados.
No plano interno, nossa Constituição dedica-se atentamente aos direitos sociais, presentes nos arts. 6º, 7º e 8º e nos arts. 193 a 232.
De fato, em face da cláusula de abertura do § 2º do art. 5º da Constituição (“os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”), o catálogo de direitos fundamentais sociais não é exaustivo, complementando-se por normas internacionais incorporadas ou mesmo não incorporadas pelo ordenamento interno (bloco de constitucionalidade).
Especificamente quanto aos direitos sociais trabalhistas, são de crucial importância as Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Concretização dos direitos sociais
Apesar das linhas e do tempo gastos com a classificação dos direitos sociais e com a demonstração de sua existência no campo do Direito positivo, ecoa como badaladas o alerta sempre atual de Norberto Bobbio (1992, p. 25):
Não se trata de saber quais e quantos são esses direitos, qual é a sua natureza e seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos, mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.
A hermenêutica constitucional contemporânea tem por instrumentos os chamados princípios de interpretação. Ensina Inocêncio Mártires Coelho (2003, p. 130), que tais princípios devem ser aplicados conjuntamente, em um “jogo concertado”, resultando, ao fim, “a sua mútua e necessária conciliação”.
Conforme o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, o aplicador do Direito deve extrair do texto o sentido que mais lhe dê eficácia (COELHO, 2003, p. 137). Disso decorre que os direitos sociais gozam de um mínimo de efetividade ou aplicabilidade. Até normas de eficácia limitada ou programáticas têm o condão de: revogar a legislação anterior incompatível; nortear o legislador na edição de futuras leis; orientar a intepretação das demais normas; e integrar lacunas eventualmente existentes.
Em reforço, o princípio da força normativa da Constituição impõe à sociedade concretizar os direitos abstratamente previstos, isto é, transformar o papel em realidade. Nesse aspecto, os direitos sociais recebem um tratamento privilegiado pelo Estado. Cabe ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo estipular e implementar os direitos sociais.
Caso o mínimo existencial não seja efetivamente assegurado, o Poder Judiciário deve agir, fenômeno que se denomina judicialização da política. Em ponderação de valores, o princípio da reserva do possível não supera a necessidade de garantia do núcleo essencial de um direito social.
Nesse ponto, vale a transcrição de excertos da ementa do julgamento da Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) n. 45:
(...) não posso deixar de reconhecer que a ação constitucional em Referência [ADPF], considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República.
Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais – que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional:
“DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO.
- O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação.
- Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs,incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público.
.......................................................
- A omissão do Estado - que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional - qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.”
(RTJ 185/794-796, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Pleno)
(...)
Cumpre advertir, desse modo, que a cláusula da “reserva do possível” – ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível – não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificação ou, até mesmo, aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de essencial fundamentalidade.
(...)
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a eficácia dos direitos sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de uma injustificável inércia estatal ou de um abusivo comportamento governamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.
(STF, ADPF 45 MC / DF - DISTRITO FEDERAL, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Publicação: DJ 04/05/2004, p. 12)
No âmbito trabalhista, diversos direitos sociais dependem de uma ação estatal positiva, em especial de uma intervenção legislativa, encontrando-se vários exemplos no corpo do art. 7º da Constituição, sem a pretensão de esgotar as hipóteses: proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar; seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário; salário mínimo, fixado em lei; licença-paternidade, nos termos fixados em lei.
Atuação do Ministério Público
O Ministério Público é instituição que se reinventou com a promulgação da Constituição de 1988, a qual adotou muitas das ideias da Carta de Curitiba, primeira manifestação pública conjunta do Ministério Público no País. Antes um mero apêndice do Poder Executivo, a instituição foi elevada pelo novo regime constitucional ao mesmo patamar dos Poderes instituídos, desvinculada da representação judicial do Estado.
O MP atual, dessa forma, não defende mais o interesse público secundário - o do Estado, mas o interesse público primário - o da sociedade. O caput do art. 127 da Constituição Federal traz sua nobre função: a “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis”.
Nesse contexto, o Parquet também tem importância fundamental na concretização dos direitos sociais. Ao Ministério Público do Trabalho, em especial, cabe a proteção do direito social ao trabalho, o que inclui o trabalho livre, digno e seguro, e do direito de sindicalização e negociação coletiva.
Judicialmente, o MPT, para cumprir sua missão, pode promover ação civil pública, ação de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva, apresentar recursos, promover ou participar de dissídios coletivos e oferecer pareceres (Lei Complementar n. 75/93, art. 83). Denomina-se “MPT demandista” o viés institucional de exercício das atribuições judiciais.
Por sua vez, o aspecto extrajudicial da atuação do MPT (o “MPT resolutista”) tem abertura no inciso IX do art. 129 da Constituição, haja vista a atribuição de “exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade”. Diversas são as formas de atuação extrajudicial do MPT.
Antes de propor ação civil pública, o membro do Parquet poderá instaurar inquérito civil (art. 1º da Res. CNMP n. 23/2007) e procedimento preparatório de inquérito (§ 4º do art. 2º da Res. CNMP n. 23/2007), em âmbito administrativo, com o fim de melhor apurar os fatos. A tomada de termo de ajustamento de conduta (TAC), com força de título executivo extrajudicial, é prevista no § 6º do art. 5º da Lei n. 7.347/85.
Outra forma de atuação do MPT é realizar audiências públicas, com o fim de “auxiliar nos procedimentos sob sua responsabilidade e na identificação das variadas demandas sociais” (art. 1º da Res. CNMP n. 82/2012), audiência que “terão por finalidade coletar, junto à sociedade e ao Poder Público, elementos que embasem a decisão do órgão do Ministério Público quanto à matéria objeto da convocação.” (art. 2º da mesma Resolução).
O inciso XI do art. 83 da LC n. 75/93 traz a possibilidade de o MPT atuar como árbitro. O entendimento majoritário restringe a atuação aos dissídios transindividuais, mas há quem defenda a arbitragem também em dissídios individuais. O inciso IX do mesmo artigo abre possibilidade ao MPT de promover conciliação em demandas decorrentes da paralisação de serviços.
É possível, ainda, a atuação conjunta do MPT com órgãos públicos, como, por exemplo, os Grupos Especiais de Fiscalização Móvel – GEFM – para combate ao trabalho escravo e infantil (Portaria MTE n. 265/2002).
Por fim, destaca-se, no âmbito extrajudicial, a promoção de eventos pelo MPT e a participação dos membros em seminários, congressos e afins para conscientizar a população sobre assuntos relevantes para a instituição.
Conclusão
Os direitos sociais são direitos fundamentais de 2ª geração, que garantem ao indivíduo e à coletividade exigir do Estado ações e prestações orientadas a concretizar necessidades básicas como o trabalho, a saúde, a previdência, a educação, a cultura etc.
No plano internacional, vários documentos positivaram os direitos sociais trabalhistas, como, por exemplo, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), A Convenção Americana de Direitos Humanos (1969), conhecida como Pacto de São José da Costa Rica, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966). No plano nacional, a Constituição Federal de 1988 traz dispositivos voltados aos direitos sociais nos arts. 6º, 7º e 8º e nos arts. 193 a 232, sem mencionar o § 2º do art. 5º, que permite o ingresso de outros direitos ao ordenamento.
A hermenêutica constitucional contemporânea está voltada para a concretização dos direitos sociais, tendo por instrumentos teóricos o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais e o princípio da força normativa da Constituição.
A proteção jurídica dos direitos sociais estaria desfalcada sem a presença do Ministério Público, instituição incumbida da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Constituição, art. 127, caput). No âmbito dos direitos trabalhistas, o Ministério Público do Trabalho dispõe de diversas medidas judiciais e extrajudiciais adequadas para o cumprimento de sua função, extraídas principalmente da própria Constituição, da LC n. 75/93 e da Lei n. 7.347/85.
Referências bibliográficas:
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 1992.
COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação constitucional. 2ª ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 10ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.
SILVA, Paulo Thadeu Gomes da. Direitos fundamentais: contribuição para uma teoria geral. São Paulo: Atlas, 2010.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, Rodrigo Bezerra. Proteção jurídica dos direitos sociais trabalhistas no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39721/protecao-juridica-dos-direitos-sociais-trabalhistas-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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