RESUMO: O presente trabalho pretende analisar a necessidade de proteção das informações bancárias dos indivíduos e em que situações – e em nome de que interesses- a Administração Pública pode ter acesso a tais informações. Buscar-se-á averiguar os princípios constitucionais envolvidos com o tema do sigilo bancário e sua relação com Justiça Fiscal e a concretização do princípio da capacidade contributiva.
Palavras Chave: Sigilo Bancário. Princípios Constitucionais. Intimidade. Vida Privada. Capacidade Contributiva. Justa Tributação.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.1. Intimidade. 1.1. Importância da preservação da intimidade..1.2. Relação entre intimidade e sigilo bancário. 2. Evolução do Estado fiscal: o papel da Administração tributária no Estado Social.....15 2.1.Importância da fiscalização para a efetividade dos princípios da capacidade contributiva e da justa tributação. 2.2.Panorama atual da atuação da Administração. 2.2.1.Sonegação fiscal e lavagem de dinheiro. 3.Princípio da proporcionalidade. 4.Análise do tema à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 4.1.1. RMS nº 1.047-SP; Relator Ministro Ribeiro de Costa; Julgamento em 06.09.1949. 4.1.2. Mandado de Segurança nº 1.959-DF, relator Ministro Luiz Gallotti; Julgamento em 23 de janeiro de 1953. 4.1.3. Petição nº 577 – Questão de Ordem; Relator Ministro Carlos Velloso; Julgamento em 25/03/1992. 4.1.4. Mandado de Segurança nº 21.729; Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em 05/10/1995. 4.1.5. Ação Cautelar nº 33-5/PR; Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em24/11/2010. 4.1.6. Recurso Extraordinário nº 38.980-8/PR; Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em 15/12/2010. 4.2. A oscilação do entendimento do Supremo Tribunal Federal.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
Longe de ser um tema novo, a proteção das informações bancárias dos indivíduos em face do Estado já foi objeto de diversos trabalhos acadêmicos, em razão de sua vinculação com princípios fundamentais de grande relevo, tais quais intimidade, vida privada, isonomia, capacidade contributiva, e, ainda, o princípio implícito da supremacia do interesse público sobre os interesses particulares.
Basicamente, são observados dois aspectos: de um lado, uma possível vulnerabilidade do cidadão, que pode vir a ter informações pessoais desbravadas pela Fazenda; e, de outro, a existência de sujeitos que se escondem sob o manto do sigilo bancário com o fito de sonegar tributos, bem como a necessidade da Administração de dispor de meios céleres e eficientes para coibir tal prática e, assim, garantir a observância do postulado da justa tributação.
Trata-se, pois, de embate entre direitos constitucionalmente protegidos: é necessário saber, se, no que diz respeito ao sigilo bancário, o princípio da proteção à intimidade e privacidade deve prevalecer em relação aos princípios que militam a favor dos interesses do Estado-Administração, os quais, em última instância, são também os interesses da própria coletividade.
De outra banda, apesar da vastíssima bibliografia referente ao assunto, observa-se que poucos autores dedicaram-se a analisar, sob uma ótica mais atual, os princípios constitucionais envolvidos com o tema do sigilo bancário.
Explique-se melhor: os conceitos de vida privada, intimidade, tributação isonômica se diversificam na medida em que variam os usos e convencionalismos sociais. A intimidade, no mundo das redes sociais, definitivamente já não é a mesma de alguns anos atrás. Do mesmo modo, a fiscalização a ser levada a cabo pelo Fisco ante a predominância de tributos sujeitos a lançamento por homologação, modalidade de constituição do crédito tributário na qual o contribuinte[1] realiza praticamente todas as etapas do procedimento e, apenas num momento posterior, a Administração verifica a adequação do pagamento, difere em muito da atividade empreendida pela Fazenda quando esta se vê diante de tributos lançados de ofício, estes minoria nos dias atuais.
Diante de tal quadro, intenta o presente trabalho apreciar, sob essa ótica atual, os princípios relacionados à quebra do sigilo bancário, e, num segundo momento, analisar a evolução da jurisprudência pátria sobre o assunto, em especial o teor do acórdão exarado no bojo do Recurso Extraordinário 389808/PR[2], de 15.12.2010, cujo julgamento passou muito longe da unanimidade.
1. Intimidade
Existem diversas teorias acerca da natureza do sigilo bancário. A título de exemplo, pode-se citar a contratualista, que o fundamenta no contrato firmado entre cliente e Banco; a da responsabilidade civil, que considera o segredo um interesse cuja revelação provoca dano, e, desta feita, ato ilícito; a do segredo profissional, a qual expõe que os banqueiros estão obrigados ao sigilo profissional porque, no exercício dessa atividade, tomam conhecimento de dados dos clientes; a da boa fé ou dever de lisura; a do direito de personalidade, que considera o sigilo bancário uma manifestação do direito à intimidade[3].
Neste estudo, partindo-se da distinção entre direitos e garantias fundamentais, adotar-se-á o entendimento de que o sigilo das informações bancárias dos indivíduos é uma das várias garantias destinadas a efetivar o direito à intimidade. Explique-se.
É lição do direito constitucional que o resguardo dos direitos consagrados no ordenamento depende da existência de garantias aptas a assegurar sua fruição e efetividade- ou, para usar as célebres expressões de Rui Barbosa, os direitos reconhecidos constituem “disposições declaratórias”, e as garantias, “disposições assecuratórias” dos mesmos. Assim, ao direito à vida corresponde a garantia de vedação à pena de morte; ao direito à liberdade de locomoção corresponde a garantia do habeas corpus, e assim por diante.
No caso da intimidade, o constituinte originário houve por bem protegê-la expressamente em face de sua relação com o desenvolvimento da personalidade dos indivíduos, bem como trazer algumas garantias a ela relacionadas, dentre as quais a inviolabilidade do domicílio, da correspondência, do segredo profissional.
O sigilo bancário, porém, não é assegurado de maneira expressa na Constituição Federal, o que faz a doutrina divergir se estaria ele protegido pela norma que cuida da inviolabilidade dos dados (art. 5º, inciso XII) ou pelo dispositivo que trata da intimidade e da vida privada (art. 5º, inciso X).
Neste primeiro capítulo, buscar-se-á demonstrar a relação entre a intimidade dos indivíduos, direito constitucional expresso, e a proteção ao sigilo de suas informações bancárias, garantia não expressa cuja função precípua é resguardar aquele direito.
1.1. Importância da preservação da intimidade
Como dito, o entendimento aqui esposado é de que a finalidade do sigilo bancário é preservar a intimidade. Antes, porém, de destrinchar a correspondência entre os dois institutos, é de bom tom analisar o que, de fato, significa o direito à intimidade. Afinal, por que a privacidade[4] é considerada importante a ponto de estar inserida dentre os direitos fundamentais?
Pois bem. A composição de uma sociedade plural foi acolhida pela Carta de 88, conforme se depreende já do seu preâmbulo:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL[5].
Da leitura do referido texto, vê-se que o legislador que promulgou a primeira Constituição pós Ditadura Militar preocupou-se em dar relevo ao seu intento de instituir um Estado Democrático, em oposição ao regime totalitário anterior, e, para tal, considerou fundamental a proteção a uma “sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos”, o que dá indícios da relação existente entre democracia e pluralismo.
Com efeito, o fundamento basilar de uma sociedade democrática é o respeito a todos os indivíduos, independentemente de suas convicções políticas, religiosas, ideológicas- é o respeito à pluralidade, pois. Nesse tipo de sociedade, busca-se assegurar que as pessoas poderão vivenciar suas individualidades sem ingerências estatais arbitrárias.
Neste ponto aparece a importância da proteção à intimidade: o desenvolvimento pleno daquelas diferentes convicções, de um pensar e agir diferente dos demais – e, por conseguinte, da personalidade de cada um e da pluralidade da sociedade- acontece num espaço privado onde as pessoas possam experimentar situações de forma independente, sem interferências exteriores de julgamentos, críticas e repressões sociais. Como bem pontuou a escritora Juliana Garcia Belloque, “a esfera privada é condição para a livre estruturação de cada indivíduo em direção à autenticidade”[6].
Esse espaço privado pode ser visto sob dois ângulos. O primeiro é aquele em que o sujeito está completamente sozinho. É o diário pessoal, os pensamentos que às vezes não revela a ninguém, é o pensar e sentir consigo mesmo. Neste, são escritas as músicas, as poesias, feitas as obras de arte. O segundo é aquele onde o indivíduo desenvolve um relacionamento com um grupo reduzido de pessoas- familiares e amigos. Diz respeito aos lugares que frequenta, livros que lê, ideias que discute, religião em que acredita, relacionamentos afetivos que desenvolve. É o próprio desenrolar da sua vida, que merece ser vivida sem intromissões alheias, sendo legítima sua vontade de manter esses fatos afastados da coletividade, vontade que deve ser respeitada num Estado que se auto intitula democrático.
A proteção à privacidade busca resguardar ambos os contornos, em razão da necessidade da vivência da intimidade para o desenvolvimento do conjunto de atributos que projetam a individualidade do sujeito no meio social, desenvolvimento esse, como já dito, fundamental para a formação de uma sociedade pluralista. Aliás, dessa noção surge a ligação entre intimidade e liberdade. Observe-se.
O conceito de liberdade pode ser considerado nos sentidos positivo e negativo. No primeiro, ela é entendida como autonomia, autodeterminação. Sob esse enfoque, a intimidade, esfera onde se desenvolvem as escolhas pessoais, deve ser protegida para que o ser humano possa eleger seu modo de vida de acordo com convicções próprias, sem imposições externas do meio social, e, consequentemente, exercitando plenamente seu direito à liberdade. Já na concepção negativa, de não- impedimento, não-interferência de terceiros, é exatamente no âmago das relações íntimas que a liberdade alcança maior satisfação[7]. Cuida-se da faculdade que tem o cidadão de manter afastados do conhecimento dos outros aspectos concernentes à sua personalidade; da liberdade de “negação” de comunicação do pensamento, nos dizeres de Tércio Sampaio, quando se refere a Pontes de Miranda. [8]
Portanto, apenas se pode falar em liberdade e pluralismo, e, por conseguinte, em democracia, quando os indivíduos possuem autonomia para construir sua própria e única personalidade, o que demanda um espaço onde eles possam desenvolver sua identidade sem a intromissão alheia. Em outros termos, a consolidação de um Estado efetivamente democrático e plural depende do respeito às liberdades individuais e da não ingerência externa- ou melhor, de uma ingerência apenas excepcional, quando realmente necessária, como será defendido adiante- em aspectos privativos da vida do individuo.
Ao contrário, em situações ditatoriais, o que se vê é a invasão de casas, a perseguição de pessoas por suas convicções, a proibição ou vigilância de reuniões, a censura à leitura de textos que divirjam do que prega o Poder Central. E o alicerce desses Estados é exatamente a uniformidade de ideias e o enfraquecimento da personalidade crítica dos cidadãos, para que estes não questionem o sistema político vigente, o que é conseguido através da supressão à liberdade e da devassa à privacidade- além de, obviamente, uso da força contra os que se opõem aos mandamentos do regime.
Com a palavra, Maria José Oliveira Lima Roque:
(...) é justamente nos Estados Democráticos de Direito que a proteção à intimidade se faz com mais relevância, pois não há desenvolvimento pleno quando o indivíduo sente que suas atitudes, seu comportamento e suas palavras estão sendo vigiados. Seu temor de repressão vai torná-lo cada vez mais parecido com os estereótipos propostos pelas autoridades. Será o fim das divergências políticas e sociais, das pesquisas independentes, breve haverá um grupo que pensará por ele. Este é o ambiente ideal para os Estados Totalitários, jamais para uma democracia.[9]
Aliás, a mesma ideia de suprimir a intimidade para que se estabeleça um comportamento padronizado e acrítico é utilizada por algumas seitas, como brilhantemente retrata a mesma autora:
As seitas ou associações que procuram dominar seus membros, impondo um comportamento padronizado, retirando completamente o poder de decisão e auto-crítica dos indivíduos, utilizam, como instrumento, a supressão da intimidade, afastamento do núcleo familiar, ruptura com as amizades tradicionais. Isto, conjugado com residência em conjunto, mesmas leitura, lazer e liderança, consegue a robotização das pessoas, chegando à total dominação do grupo e até, não raras vezes, à prática de suicídio coletivo, provocado pela perda do conceito moral e da liberdade de determinar a própria vida.[10]
Diante disso, fica clara a razão pela qual o inciso do artigo 5º da Constituição, que determina a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (CF, art. 5º, X), encontra-se logo após aqueles que cuidam da liberdade de pensamento, consciência e expressão intelectual (IV, VI e IX, respectivamente): o desenvolvimento destes se realiza no âmbito da intimidade e da privacidade.
Em suma, o que se quer dizer aqui é que a intimidade vincula-se à personalidade do homem como imposição de sua existência singular, e à liberdade, determinando o devido respeito à sua autonomia e às características que o distinguem dos demais.
Sem exagero algum, se um dia Sérgio Carlos Covello asseverou que “a negação dos direitos da personalidade é a negação da própria pessoa[11]”, defende-se aqui que também a negação da privacidade, por essencial à formação da personalidade, é a negação da própria pessoa.
Neste ponto cabe uma importantíssima ressalva: a despeito de não existir qualquer dúvida quanto à importância da tutela da intimidade, trata-se de conceito indeterminado. Como bem observado por Celso Bastos, o conceito de intimidade se diversifica na medida em que variam episodicamente os regimes políticos e proporcionalmente à variação da ética social dominante.[12]
Essa problemática existe em face do caráter cultural e relativo inerente ao conceito de vida privada. Exemplo simples, mas bastante ilustrativo, é a naturalidade com que os índios encaram a nudez, diferentemente do que ocorre em nossa sociedade.
Diante disso, cabe o questionamento: que parâmetros teria a intimidade na sociedade atual? Em outros termos, o que exatamente está abarcado pela tutela da intimidade nos dias de hoje?
Para responder a tais perguntas, anote-se a seguinte constatação: só há intimidade a ser protegida se essa for a vontade do sujeito. Ao contrário, se ele quiser, pode divulgar pormenores da sua vida privada sem maiores problemas, como bem atestado por Sérgio Covello, quando diz que “o consentimento perime o direito ao segredo”[13].
E, inclusive, é isso que se constata nos dias atuais: os contornos do que é considerado inacessível a terceiros estão cada vez mais limitados. Para citar alguns casos extremos, basta ligar a televisão: há programas “especializados” em expor traições de casais, brigas de família, pessoas discutindo suas preferências sexuais, tudo isso sem qualquer oposição dos envolvidos, a exemplo de “Márcia”, “Ratinho”, dentre tantos outros.
Há, ainda, a chamada indústria da fama: “celebridades” têm detalhes do seu cotidiano estampados na capa da revista “Caras”, e programas como o “Big Brother”- este, aliás, com versões em praticamente todos os países- têm por escopo mostrar ao vivo o cotidiano de sujeitos que abrem mão de sua privacidade em busca da tão almejada fama.
Felizmente, nem todos estão dispostos a se submeter a tais constrangimentos. Por outro lado, mesmo os “anônimos” sem pretensão de aparecer na “Globo” ou na “Caras” são usuários das redes sociais. No “Facebook”, a rede mais em voga no momento, que conta com 845 milhões de membros mundo afora e 44,6 milhões no Brasil- o que faz deste o terceiro país com mais usuários[14]-, indivíduos divulgam para pessoas desconhecidas fotos de viagens, restaurantes, festas, carros, interior de suas casas, o que fornece ao público uma noção no mínimo razoável do que se passa em suas vidas, bem como de sua situação financeira. Ainda no “Facebook” são divulgadas informações profissionais, “status” de relacionamento e há a ferramenta “check-in”, a qual permite que o sujeito publique o local onde se encontra naquele exato momento.
Já no “Youtube” vídeos com todos os tipos de conteúdo são postados sem qualquer filtro. Pode-se assistir de pedidos de casamento a cenas de sexo explícito. As palavras de ordem são publicar, expor.
No campo dos exemplos exclusivamente patrimoniais, a mundialmente conhecida revista “Forbes” divulga todos os anos quem são os homens mais ricos do planeta e quantifica com exatidão suas fortunas. Tais sujeitos, longe de se aborrecerem com o excesso de exposição, sentem-se lisonjeados em fazer parte da seletíssima lista.
No plano nacional, a edição de 18 de janeiro de 2012 da conhecida revista “Veja” trouxe como reportagem de capa a situação dos novos milionários brasileiros que, inspirados em Eike Batista, “o oitavo homem mais rico da Terra, dono de vertiginosos 30 bilhões de dólares”[15], não temem ostentar suas fortunas. Ao longo da matéria, há imagens desses novos milionários em seus carros caros, lanchas, e, ao lado das fotos, relatos de como enriqueceram, bem como descrições de suas posses atuais e expectativas de crescimento de suas riquezas. Alguns desses relatos:
(...) Em 2010, uma empresa americana comprou sua distribuidora e ele ganhou dinheiro para nunca mais precisar trabalhar. Ainda o faz, mas só por prazer. Sua coleção de carros e barcos inclui duas lanchas, uma Armada 300 e uma Ferretti 530, um Mini Cooper e um Mercedes-Bens XL, além do seu xodó, uma Ferrari Califórnia- vermelha, como convém a um milionário.[16]
(...) Em 2011, faturou 240 milhões de reais. Com o bolso cheio, Perez e a família agora fazem cruzeiros pelo Caribe e pela Europa e compraram uma lancha Royal Mariner, que comporta doze pessoas- uma nova custa 390000 reais.[17]
Já Eike Batista, narrado como modelo para essas pessoas, é mostrado na sala de uma de suas casas, ao lado dos dois carros que são parte da “decoração” da entrada, e assim apresentado:
O hall de entrada da casa de Eike Fuhrken Batista, de 55 anos, é a perfeita expressão de sua personalidade. Dois carros esporte, um Lanborghini branco e um Mercedes prateado, ladeiam o piano de cauda branco cercado por poltronas do lendário Hotel Glória, comprado por ele em 2008 para ser totalmente reformado. Com uma fortuna de 30 bilhões de dólares, sócio de dezessete empresas em setores tão diversos como mineração, petróleo e entretenimento, Eike não faz segredo de sua riqueza. Pelo contrário, exibe-a.[18]
Na entrevista que segue, o próprio Eike:
(o público) não estava acostumado a ver alguém tão rico se comportar como uma pessoa normal, que fala sobre qualquer assunto com clareza e transparência. Não faço mistério da minha riqueza, assim como não escondo minhas plásticas e implantes capilares”.[19]
De fato, a exposição e ostentação alcançaram níveis espantosos.
Quanto às informações bancárias, tema central desse estudo, certas vezes o próprio cliente tem interesse em divulgar fatos cobertos pelo segredo- sua pontualidade, o montante de suas operações, seus investimentos, saldo em conta, dentre outros-, a fim de espelhar sua idoneidade financeira e recomendar sua conduta a outrem. Como observado por Sérgio Carlos Covelo, é comum o fornecimento de “atestado de idoneidade financeira” a clientes que precisam comprovar perante terceiros sua credibilidade.[20]
De outra banda, a maioria das transações comerciais atuais são feitas por intermédio de cartões de crédito. As modalidades de cartões, por sua vez, são escalonadas de acordo com o valor do saldo do cliente: há os clientes especiais, os que possuem cartões dourados, prateados, os detentores de cartões sem limites de gastos. O tipo de cartão possibilita ao comerciante saber o valor aproximado da conta bancária.
Situação análoga acontece com os cheques: os especiais somente são concedidos aos que têm saldo superior a determinado valor. Quanto mais alto o saldo, maior o valor do cheque especial, e, como lembrado por Maria José Oliveira Lima Roque, “muitas vezes os próprios clientes procuram divulgar a modalidade de contrato de cheque que possuem, para valorizar seu crédito”[21].
Diante desses exemplos e dos vários outros que poderiam ser trazidos, causa estranheza perceber que, enquanto tantas informações privadas são livremente tornadas públicas- e algumas delas dizem respeito a aspectos muito mais íntimos do que aqueles que poderiam ser revelados em caso de ciência dos dados resguardados pelo sigilo bancário-, haja defesa tão ferrenha a este último. Acrescente-se a isso o fato de que as informações divulgadas em “Márcia”, no “Big Brother”, no “Facebook” ou na lista dos mais ricos da “Forbes” não têm por escopo trazer qualquer beneficio à sociedade.
Em sentido oposto, a ciência, por parte da Administração, de dados protegidos pelo sigilo bancário pode ser uma ferramenta útil no combate à sonegação fiscal, à lavagem de dinheiro, bem como na efetivação do princípio da capacidade contributiva, como restará demonstrado adiante.
Pergunta-se, então: uma vez que o individuo haja divulgado, ele próprio, fatos da sua intimidade que, desse modo, se tornaram públicos, lhe é legítimo, num momento posterior e quando diante de interesses da coletividade e da Administração Pública, querer reter essas informações?
Obviamente, não se está aqui afirmando que a ostentação levada a cabo por muitos justifique a divulgação indiscriminada de informações, até porque é bastante plausível imaginar que mesmo essas pessoas selecionam que aspectos de suas vidas consentem ver publicados, e mesmo porque ainda há uma minoria que prefere a discrição à exposição, e o desejo desta merece ser respeitado. No entanto, qualquer estudo que pretenda tratar da intimidade deve levar em consideração essa nova realidade.
Por fim, uma última constatação: não apenas em nome da Justiça Fiscal a privacidade vem sendo relativizada. Em prol da segurança coletiva, por exemplo, a Administração verifica o conteúdo das malas de passageiros que desembarcam em território nacional; blitz policiais revistam veículos, vestimentas e o próprio corpo das pessoas; detectores de metais procedem à inspeção eletrônica de qualquer um que deseje entrar em bancos, shoppings e até mesmo repartições públicas.
Já em nome da transparência, outro importante valor constitucionalmente protegido, foi editada a chamada Lei do Acesso à Informação- Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. Esse tipo de divulgação, aliás, já vinha sendo aplicada pela Prefeitura de São Paulo, que publica o salário dos servidores ativos e inativos todo o mês, seguindo a regulamentação própria do município sobre a transparência das contas públicas.
Para o presente trabalho, importa observar os contornos da privacidade na sociedade atual, pois essa é a base objetiva em que se deve fundar a tutela jurídica da intimidade, tutela essa que, como se passará a demonstrar, tem estreita vinculação com a proteção ao sigilo bancário.
1.2. Relação entre intimidade e sigilo bancário
Defende-se aqui que a proteção ao sigilo bancário visa, sobretudo, à preservação da intimidade. Isso porque o acesso a informações bancárias dos indivíduos permite o conhecimento de aspectos muito particulares de suas vidas: não apenas a situação patrimonial, a existência de eventuais dívidas ou economias, o que já seria suficiente para recomendar discrição, mas que lugares frequentam, se fazem doações determinado partido ou igreja, com que pessoas negociam, quanto gastam em viagens, preferências de consumo.
A esse respeito, é ilustrativo o caso trazido pelo ilustre Tércio Sampaio Ferraz Júnior, quando cita situação ocorrida na década de 40 em que um juiz bastante conhecido mantinha uma conta bancária em nome de um filho não reconhecido publicamente[22]. Tal hipótese deixa claro que não se trata apenas de interesses patrimoniais dos clientes: a divulgação da conta revelaria a ligação do homem casado com uma concubina, algo que certamente mancharia a reputação daquele, vez que se trata de conduta reprovada pela sociedade em geral, mas que, em princípio, não fere qualquer dispositivo legal, o que justifica a manutenção do sigilo da informação.
Em verdade, a instituição bancária pode acompanhar o sujeito ao longo de toda sua existência: desde o nascimento, se um familiar faz um depósito em favor do recém-nascido, à juventude, quando começa a ganhar seu próprio dinheiro, quando faz um empréstimo para montar o próprio negócio, ao casar e comprar um imóvel, quando tem um filho e as despesas aumentam, e assim por diante, até a morte, quando a quantia depositada é objeto de partilha.
No que concerne ao nível de detalhamento dos dados em poder dos bancos, o seguinte exemplo: quando alguém lhes requer um empréstimo, além das informações já fornecidas quando da abertura da conta- idade, filiação, naturalidade, estado civil, profissão, endereço residencial, do trabalho etc- a instituição, a fim de verificar se aquela pessoa dispõe de meios para adimplir a dívida contraída, recorre ao Cadastro de Emitente de Cheque sem Fundos, SPC, SERASA, TELECHEQUE, RECHEQUE, colhendo informações que, como bem observou Carlos Covello, “evidenciam o perfil psicológico daquele indivíduo”[23].
Indubitável, pois, que os estabelecimentos bancários são preciosas fontes de informações, em vista dos fatos de que têm conhecimento em decorrência de suas atividades, e ainda porque, antes mesmo de concederem crédito ou abrirem uma conta corrente, procedem a rigoroso levantamento cadastral dos dados do futuro cliente.
Em relação às pessoas jurídicas, também não é difícil a constatação da necessidade de lhes reservar uma esfera alheia ao conhecimento de terceiros. Estratégias e know- how de negócios, pontualidade dos pagamentos, volume de vendas, situação patrimonial e contábil, destinação de eventual crédito solicitado, projetos, nomes de fornecedores, credores e devedores também podem ser conhecidos através de seus dados bancários. Tal constatação, inclusive, levou Sérgio Covello a afirmar que “na maioria das vezes, a pessoa jurídica, mais do que a pessoa natural, tem interesses fortíssimos em evitar a divulgação de dados que a seu respeito a empresa bancária coleta”[24].
Observa-se, ainda, que a concentração de informações nas mãos das instituições financeiras vem se avolumando, pois os bancos se tornaram intermediários das atividades de cobrança e pagamento. Atualmente, mesmo alguém que não tenha conta bancária a eles recorre para pagar contas de luz, água, telefone, dentre outras. Isso significa que esses estabelecimentos detêm informações sobre a vida da maior parte dos cidadãos, o que potencializa os danos que eventual devassa àqueles dados causaria. Nesse sentido, o mesmo Sérgio Carlos Covello:
Enquanto outrora o individuo só eventualmente entrava num estabelecimento de crédito para pedir um empréstimo, descontar uma letra ou depositar valores, não há, em nossos dias, quem não tenha de relacionar-se, direta ou indiretamente, com esse tipo de empresa. Tanto recorrem aos Bancos o comerciante e o industrial, como o profissional liberal, o funcionário público, o pequeno assalariado, o estudante e, mesmo, a dona de casa. Uns, em busca de grandes capitais com que incrementar seu ramo de negócio; outros, à cata de pequenos empréstimos para a aquisição de bens de consumo; outros em busca de conta corrente sobre a qual possam sacar seus cheques; outros ainda para simplesmente efetuar o pagamento de um título ou uma conta- o fato é que todos, de uma forma ou de outra, entram em contacto com a empresa bancária.[25]
(...)
(...) é preciso considerar que os bancos são, na atualidade, empresas poderosas que se impõem a todos os cidadãos, mesmo àqueles que preferem não depositar suas economias na empresa bancária e àqueles que jamais contraem empréstimos ou descontam letras.
É que, paralelamente à atividade creditícia própria, os estabelecimentos bancários exercem, quase que com exclusividade, o serviço de intermediação de cobrança e pagamento, permeando praticamente todas as atividades humanas e fazendo-se aceitar, sem remédio, a todo cidadão.[26]
Por outro lado, exatamente porque o sigilo não é um fim em si mesmo, mas uma garantia relacionada ao princípio da intimidade, somente os dados que tiverem relação com a vida privada merecem a aludida proteção. Ou seja, nem todas as informações bancárias devem ser tidas por sigilosas.
Partindo dessa premissa, o Professor da PUC/PR Rodrigo Caramori Petry, em artigo intitulado “O Sigilo Bancário e a Fiscalização Tributária”[27], escalonou as informações mais comuns em três níveis, a saber: a) nível mínimo, no qual estão as informações cadastrais, como nome do titular e sua qualificação; b) nível médio, que compreende informações sobre valores, como o valor em moeda dos investimentos, a movimentação financeira global por período; c) nível avançado, que diz respeito a informações detalhadas sobre a natureza das operações de movimentação financeira, com identificação das origens e destinos dos recursos movimentados.
Tomando por base a classificação supra transcrita, pode-se considerar que a quebra de sigilo parcial, na qual são disponibilizadas apenas as informações de nível mínimo e médio, não se encontra protegida pela proteção do sigilo.
Com efeito, a simples identificação dos correntistas e de seus investimentos globais permite ao Fisco identificar a riqueza tributável do contribuinte ou eventuais indícios de sonegação fiscal, e não há como, com base em tais informações, saber dos hábitos de consumo, gastos ou detalhes da vida privada do sujeito. O valor total da movimentação, dado frio, não revela preferências pessoais, relacionamentos, locais de compras, objetos adquiridos, ou, no caso das pessoas jurídicas, negócios internos, estratégias de compras, fornecedores, clientes. Portanto, da simples informação sobre a movimentação global de uma conta bancária não há como se extrair qualquer juízo de valor, pelo que não há que se falar em violação da intimidade.
Diante dessa constatação, bem se vê que não há qualquer pecha de inconstitucionalidade na letra do art. 5º, §§ 2º e 4º, da LC 105/2001, que assim dispõe:
Art. 5o O Poder Executivo disciplinará, inclusive quanto à periodicidade e aos limites de valor, os critérios segundo os quais as instituições financeiras informarão à administração tributária da União, as operações financeiras efetuadas pelos usuários de seus serviços.
§ 2o As informações transferidas na forma do caput deste artigo restringir-se-ão a informes relacionados com a identificação dos titulares das operações e os montantes globais mensalmente movimentados, vedada a inserção de qualquer elemento que permita identificar a sua origem ou a natureza dos gastos a partir deles efetuados.
§ 4o Recebidas as informações de que trata este artigo, se detectados indícios de falhas, incorreções ou omissões, ou de cometimento de ilícito fiscal, a autoridade interessada poderá requisitar as informações e os documentos de que necessitar, bem como realizar fiscalização ou auditoria para a adequada apuração dos fatos.[28]
De outra banda, se por um lado não se vislumbra ofensa aos direitos do contribuinte no dispositivo supra transcrito, de outro, as informações obtidas nos moldes ali determinados são de suma importância para o trabalho da Receita Federal. Nesse sentido, a observação do mesmo Rodrigo Caramori Petry:
Dados divulgados pela Receita Federal nos dão conta de permitir, com amparo legal, o acesso a montantes globais de movimentação financeira dos contribuintes para fiscalização dos recolhimentos do imposto de renda, por exemplo. A Receita Federal divulgou a Nota Cofis/GAB nº 2008/2008, pela qual fornece, dentre vários outros, o seguinte dado preocupante: no ano- calendário de 2006, 5.683 pessoas físicas foram omissas na entrega da declaração do imposto de renda, mas efetuaram movimentação financeira/bancária acima de R$ 2 milhões de reais, em média. Evidentemente a simples movimentação financeira não é prova inconteste da sonegação de rendimento tributáveis, devendo servir apenas como indício para abertura de maior investigação, que comprovará ou não a sonegação. Diversas pessoas, especialmente profissionais liberais, usam suas contas bancárias para o trânsito de valores de terceiros, como por exemplo, no caso de advogados, que recebem em suas contas valores que não lhes pertencem, pois destinados ao pagamento de despesas de clientes.[29]
Fixada, pois, a razão pela qual se entende constitucional a previsão do art. 5º, da LC 105/2001, resta analisar o artigo 6º[30], do mesmo diploma legal, dispositivo esse causador das maiores celeumas, por autorizar à autoridade administrativa a requisição direta de informações às instituições financeiras para fins de investigação fiscal.
Nos capítulos posteriores, serão analisados aspectos relacionados ao sigilo bancário para então se concluir sobre a legitimidade ou não da aludida inovação.
2. Evolução do Estado fiscal: o papel da Administração Tributária no Estado Social
Para que se entenda a importância da arrecadação tributária para a própria existência do chamado Estado de Bem Estar Social (Welfare State) ou Estado Social, é interessante analisar a evolução do Estado Fiscal.
Antes disso, porém, um esclarecimento se faz necessário. Sabe-se que o desenrolar da História não se verificou de forma linear e sincrônica. Ao contrário, como bem aduzido por Inocêncio Mártires Coelho, “antes, se realizou com avanços e retrocessos, em contextos variáveis ou distintos, como, de resto, sempre ocorreu no desenvolvimento de ideias e instituições [31]”. Com isso em mente, a ideia aqui é apenas trazer um relato resumido e genérico da sucessão dos acontecimentos históricos a fim de demonstrar que, com o passar do tempo, o produto da arrecadação tributária foi se tornando cada vez mais importante para a existência o Estado tal qual o concebemos nos dias de hoje. Passemos, pois, à análise da evolução do Estado Fiscal.
A primeira forma de Estado Moderno, o absolutista, tinha como maior fonte de receitas as decorrentes do seu patrimônio e do desenvolvimento das atividades comerciais e industriais por ele mesmo empreendidas. Cuidava-se, destarte, de um Estado não fiscal.
Em vista de sua incompatibilidade com as necessidades do mercado e da burguesia em ascensão, o absolutismo foi suplantado pelo Estado Liberal, forma estatal marcantemente fiscal, o qual, como será demonstrado adiante, terminou por aumentar significativamente as desigualdades sociais, ensejando o aparecimento de dois tipos de Estado: o Socialista e o Estado de Bem Estar Social.
Pois bem. Quanto à fiscalidade, pode-se dizer que hoje existem três tipos de Estado: os socialistas, cujo suporte financeiro advém essencialmente dos rendimentos da atividade econômica por eles monopolizada- não fiscal, portanto-; aqueles que, em razão do grande montante de receitas provenientes da exploração de matérias primas, como petróleo, gás natural, ouro, ou até da concessão do jogo, a exemplo de Mónaco ou Macau, podem dispensar os respectivos cidadãos de serem o seu principal suporte financeiro- também não fiscais, pois-; e, por derradeiro, o Estado Social, de natureza fiscal. [32]
Concentremo-nos nas duas formas estatais com características fiscais mais proeminentes: o Liberal e o Social.
Nascido da luta burguesa contra os abusos de poder do monarca, o liberalismo baseava-se na propriedade privada, na liberdade de contratual, de indústria e comércio. Calcava-se no pressuposto do Estado mínimo, o qual deveria ser social e economicamente neutro, porquanto, a “mão invisível” do mercado se responsabilizaria pelo ótimo funcionamento da economia, corrigindo eventuais desvios e propiciando as condições necessárias à melhoria das condições de vida da população.
Entretanto, ao contrário do esperado, a Revolução Industrial e o crescimento das cidades, aliados ao pressuposto do Estado mínimo, aumentaram significativamente as mazelas e contrastes sociais: de um lado, burgueses enriquecendo a olhos vistos; de outro, a utilização de mão de obra infantil e idosa, jornadas de trabalho que passavam das doze horas diárias, altos índices de desemprego, aumento da fome e da miséria.
Sobre o tema:
O liberalismo clássico, com o seu fundo de individualismo burguês, constitui insuficiente garantia para a realização e proteção dos direitos e liberdades de todos os homens. Com efeito, na ideologia do Estado liberal e na ordem burguesa, os direitos naturais ou direitos humanos identificam-se, sobretudo, com os direitos da burguesia, direitos que só de maneira formal e parcial se concedem também aos indivíduos de classes inferiores. No sistema econômico capitalista que serve de base para essa ordem social, protegem-se muito mais eficazmente a liberdade e a segurança jurídica (ambas, por outro lado, imprescindíveis) do que a igualdade e a propriedade: entenda-se, a propriedade de todos. [33]
As necessidades sociais se agravaram ainda mais com o advento da Primeira Guerra. Diante da insatisfação crescente da população frente a esse quadro e da ameaça das revoluções socialistas que já se alastravam em alguns países, como a Rússia, entrou em cena o Estado Social (Welfare State), com o intento de superar o individualismo por intermédio da intervenção estatal. As primeiras Constituições nesse sentido foram a de Weimar, de 1916, e a Mexicana de 1917. Em ambas, proclamava-se a licitude dessa intervenção para condicionar o exercício de direitos, dentre os quais o de propriedade, a determinados fins sociais.
Nesse diapasão, deixou-se de lado o princípio do laissez faire e passou-se a considerar a intervenção estatal para atender aos reclamos da coletividade e afirmar os direitos sociais. O Estado, paulatinamente, passou a ser responsável pelo financiamento do ensino básico, dos serviços de saúde, da segurança social, dos serviços de justiça relativamente àqueles que economicamente não podiam contribuir para o sistema.
Hoje, ainda que se fale em crise do Estado Social e advento do Neoliberalismo, o qual propõe o saneamento das finanças, a Constituição de 88 impõe o modelo de Estado fornecedor de serviços, ao definir a prestação estatal de saúde, educação, previdência social, como se depreende da leitura dos seguintes dispositivos:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição;
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
II - seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;
(...)
XII - salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei;
Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social (...);
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação;
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino;
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais;
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.[34]
E, ao lado de tais mandamentos, a mesma Constituição, em seu art. 173, determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado deve ser excepcional.
Assim sendo, a regra é que o Estado não obtenha receitas provenientes da exploração de atividade econômica. Nesses moldes, emerge a necessidade de viabilizar a arrecadação financeira de alguma outra forma, porquanto o exercício das várias funções estatais descritas na nossa Lei Maior demanda o dispêndio de recursos públicos. Daí surge o tributo, impondo aos cidadãos aptos a custear a atividade estatal a obrigação de contribuir. Com os valores advindos desse recolhimento, o Estado pode realizar os objetivos supra transcritos, a fim de homogeneizar os padrões de vida da sociedade.
Em suma, apesar de também ser fiscal, ao Estado Liberal, pretendendo ser um estado mínimo, era suficiente uma tributação limitada, necessária tão somente à satisfação das despesas decorrentes do funcionamento da máquina administrativa do estado, que devia ser tão pequena quanto possível. Ao contrário, o Estado Social, movido por preocupações de funcionamento global da sociedade e da economia, tem por base uma tributação alargada – a exigida pela estrutura estadual correspondente.
Destarte, muito mais que o Estado Liberal, a existência do Estado Social depende das receitas resultante da arrecadação tributária, ou seja, requer a efetividade do dever de contribuir para os gastos públicos. O descumprimento de tal obrigação representa, mais que simples violação ao ordenamento, grande prejuízo coletivo, considerando-se a ideia atual de Estado como prestador de serviços públicos e ente responsável pela distribuição equitativa de recursos[35].
2.1. Importância da fiscalização para a efetividade dos princípios da capacidade contributiva e da justa tributação
Se, de um lado, o cumprimento dos objetivos do Estado Social depende da receita tributária, de outro, é preciso observar que nem todos os cidadãos podem contribuir do mesmo modo para os gastos públicos, posto que nem todos têm a mesma disponibilidade econômica. Dessa noção advêm os princípios da justa tributação e da capacidade contributiva, corolários do princípio da isonomia.
Voltando às distinções entre Estado Liberal e Social, naquele, a lei era vista como expressão da razão e da justiça, bastando que um tributo fosse criado por normas legais dotadas de generalidade e abstração para que tais postulados restassem atendidos. Entendia-se que a isonomia estaria assegurada se a lei tratasse a todos do mesmo modo, independentemente das peculiaridades de cada indivíduo.
Como dito alhures, tal noção acabou por agravar as mazelas sociais. Com o tempo, percebeu-se que é injusto tratar igualmente os desiguais, o que implicou uma mudança na visão sobre o papel do Legislativo: a lei, em vez de servir apenas como freio à arbitrariedade estatal, passou a ser vista como um instrumento útil na luta contra os problemas sociais.
Foi, então, formulada a ideia de que a isonomia tem, além da acepção horizontal, uma acepção vertical: pessoas que estão niveladas devem ser tratadas da mesma forma, enquanto os que se encontram em situações distintas devem ser tratados de maneira diferenciada na medida em que se diferenciam. Na célebre lição de Rui Barbosa, “tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real[36]”.
Trazendo essa evolução para a seara tributária, no Estado Liberal os tributos eram vistos como neutros, ou seja, apenas uma forma de obtenção de meios materiais para as atividades típicas do Estado, jamais um instrumento de mudança social e econômica. Assim sendo, a lei deveria impor a todas as pessoas, independentemente de suas particularidades, a mesma carga tributária. Mais tarde, em atenção à nova concepção de isonomia, veio o princípio da capacidade contributiva, segundo o qual cada contribuinte deve ser tributado na medida de suas possibilidades. A ideia é a de igualdade real: “do ponto de vista material, o legislador deve dispensar-lhes tratamento diferenciado, de modo a compensar eventual inferioridade econômica com alguma superioridade jurídica”[37].
Sobre o tema, a lição de José Cassalta Nabais:
(...) no século XIX, o conceito racional de lei, ao ver nesta uma expressão da razão ou da justiça e, por conseguinte, uma correspondência entre a forma de lei e o seu conteúdo racional ou justo, conduziu a que a reserva da disciplina jurídica fundamental dos impostos à lei tivesse por efeito automático remeter estes para um critério de justiça.
Mas quando, no século XX, esse entendimento se desfez e caiu por terra a crença no carácter supostamente amigo do legislador parlamentar, que em consequência passou a ser tão suspeito aos olhos dos cidadãos como qualquer poder, o princípio da legalidade fiscal deixou de constituir uma garantia plena dos contribuintes.
(...)
Daí a necessidade de endossar a justiça ou equidade fiscal a outros princípios. Em consequência chegamos à conclusão, um pouco por toda a parte, de que a medida da tributação ou o critério da igualdade em sede dos impostos não pode deixar de ser o princípio da capacidade contributiva.[38]
Também, Luciana Grassano de Gouvêa Melo:
(...) a igualdade deixou de ser um conceito absoluto, preciso e matemático para ser entendida como isonômica a atuação do legislador que edite leis prescritivas de tratamentos diferenciados aplicáveis a grupos distintos de pessoas, desde que os critérios de diferenciação sejam razoáveis e proporcionais.[39]
Tal concepção foi contemplada na Constituição atual, que, em seu artigo 150, inciso II, proíbe expressamente que os entes federativos instituam “tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente”, e, em seu artigo 145, § 1º, determina que “sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte”[40] (grifo nosso).
Com efeito, não se pode falar em igualdade se se impõe a uma pessoa física que recebe R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais e a outra que ganha R$ 5.000,00 (cinco mil reais) todo mês o dever de pagar a mesma quantia a título de imposto de renda. Se assim fosse, a primeira, para conseguir fazê-lo, precisaria se privar de necessidades básicas à sua sobrevivência, como alimentos, saúde e educação. Além disso, mesmo entre as pessoas cujos rendimentos sejam idênticos, o tratamento deve ser distinto se há diferença relevante entre as despesas de umas e outras. Um indivíduo solteiro que tenha pequenos gastos consigo mesmo deve ser tratado de maneira distinta daquele que tem filhos matriculados em escolas privadas e paga plano de saúde para toda a família. Este último, por óbvio, tem muito menos riqueza disponível para contribuir com a Administração. Por conseguinte, considera-se justo que cada pessoa seja solidária na proporção de seus haveres, visto que quem mais tem renda, quem mais possui, quem mais importa, quem, enfim, manifesta mais riqueza, tem uma possibilidade maior de contribuir com a sociedade sem comprometer sua subsistência.[41]
Sobre a capacidade contributiva, veja-se a lição de Luciana Grassano:
A capacidade contributiva é considerada o critério adequado para se distinguir os contribuintes nas hipóteses em que a finalidade da imposição tributaria seja fundamentalmente arrecadatória (finalidade fiscal). Se o fim da lei for garantir que todos contribuam para os gastos públicos, parece claro que, para se atingir esse fim de forma isonômica, deve-se utilizar como critério para diferenciar a participação dos contribuintes frente a esse dever, a capacidade que os mesmos têm para contribuir. Assim, apesar de ser um dever de todos, a participação de cada um vai ser mais ou menos intensa, a depender da maior ou menor capacidade contributiva de cada um.[42]
Nos mesmos moldes, Roque Antonio Carrazza:
Intimamente ligado ao princípio da legalidade, (o princípio da capacidade contributiva) é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada Justiça Fiscal.
(...)
Os impostos, quando ajustados à capacidade contributiva, permitem que os cidadãos cumpram, perante a comunidade, seus deveres de solidariedade política, econômica e social. Os que pagam este tipo de exação devem contribuir para as despesas públicas não em razão daquilo que recebem do Estado, mas de suas potencialidades econômicas. Com isso, ajudam a remover os obstáculos de ordem econômica e social que limitam, de fato, a liberdade e a igualdade dos menos afortunados.[43]
De outra banda, a Carta Magna, ao facultar “à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte” (artigo 145, §1º, parte final), reconheceu a importância da fiscalização realizada pelo Executivo para assegurar a efetividade de tais normas.
Da leitura de tal dispositivo, depreende-se que a Constituição fez uma ponderação entre a finalidade social do tributo e a intimidade dos particulares, entendendo que, dentro de parâmetros razoáveis, esta não pode servir como obstáculo intransponível ao Estado, quando este busca tributar cada um na medida de sua capacidade contributiva para, assim, assegurar o bem comum.[44] Seguindo o mesmo raciocínio, o artigo 195, do CTN, afasta a aplicação de quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais, dos comerciantes ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.
Tem-se, em suma, a seguinte situação: os gastos do Estado aumentaram significativamente com o advento da nova Constituição. Por seu turno, para que efetive suas atividades- fim, como a prestação de serviços de segurança, educação e saúde, a Administração precisa dispor de receitas as quais, em sua imensa maioria, advêm dos tributos pagos pelos contribuintes. Por outro lado, a possibilidade de cada um destes de contribuir para os cofres públicos varia de acordo com a disponibilidade econômica, e isso deve ser considerado quando da edição das leis tributárias, sob pena de violação ao princípio da igualdade, e ao seu corolário no campo tributário, a capacidade contributiva.
Entretanto, não basta a edição de diplomas legais que atendam a tais princípios se não houver uma fiscalização que assegure à obediência a essas leis, porquanto se, dentre as pessoas que possuem a mesma riqueza, algumas delas sonegarem tributos, a isonomia não estará, na prática, sendo observada. Nesse sentido é que se pode afirmar que uma fiscalização tímida ou pouco eficiente fere o princípio da igualdade, ao passo que uma fiscalização efetiva é direito de todo cidadão, por ser o produto da arrecadação tributária fundamental à consecução dos fins estatais.
Com base nesse raciocínio é que se pode dizer que a fiscalização representa não só um direito, mas um poder-dever da Administração, e, nos mesmos termos, o pagamento de tributos é não apenas um dever, mas também um direito dos cidadãos: cada pessoa tem o direito de ver seus semelhantes contribuírem, na medida de suas possibilidades, para a arrecadação do Estado, visto que o produto dessa arrecadação reverterá em benefícios para toda a coletividade.
2.2. Panorama atual da atuação da Administração
Fixada, no tópico anterior, a importância da fiscalização tributária para garantir que os tributos sejam efetivamente pagos pelos contribuintes em consonância a ideia de justa tributação, e, ainda, que o Estado receba as receitas de que precisa para exercer suas atividades- fim, resta, por último, analisar essa atividade fiscalizadora.
A fiscalização tributária pode ser conceituada como uma sequencia de atos empreendidos de ofício pelo Fisco com o fim de verificar a conformidade da conduta do sujeito passivo às normas aplicáveis. Caso a conclusão da Fazenda Pública seja pelo descumprimento de alguma obrigação tributária, será formalizado o crédito concernente ao tributo e/ou penalidade, por intermédio do lançamento.
Em outros termos, a fiscalização é procedimento que tem por objetivo apurar a matéria de fato necessária à verificação do cumprimento das obrigações tributárias por parte do sujeito passivo. Tal procedimento, por seu turno, deve ser estruturado de modo a propiciar a melhor apuração da matéria de fato em termos de certeza, veracidade e celeridade. Para atingir esse desiderato, deve-se atentar para a estrutura do tributo, a característica dos contribuintes, o setor da economia submetido à tributação e outras questões relevantes.
Indubitavelmente, um dos dados que, nos últimos tempos, mudou a forma como a fiscalização deve ser efetivada foi a mudança do procedimento de lançamento do crédito tributário. Observe-se.
No início da atividade arrecadadora do Estado, este realizava todo o procedimento de apuração do tributo devido. Para usar os termos do Código Tributário, os agentes da Administração eram, de fato, responsáveis por “verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”. Não havia qualquer participação do contribuinte na atividade de lançamento; este apenas era cientificado quando já existia um crédito liquido, certo e exigível, cabendo-lhe apenas pagá-lo ou impugná-lo. Atualmente, a maioria[45] das legislações estaduais e municipais brasileiras determina que sejam lançados de ofício o IPTU e o IPVA: as Fazendas Públicas dos Estados e Municípios possuem cadastros dos respectivos proprietários, e, com base em tais informações, realizam anualmente a constituição do imposto devido.
Entretanto, o crescimento da industrialização, o desenvolvimento da atividade econômica e comercial mudaram os rumos da política fiscal. A tributação cresceu em volume e em complexidade, surgindo diversos novos tributos e formas arrecadatórias.
Dentre essas novas formas de arrecadação, pode-se apontar a chamada substituição tributária, caso em que a sujeição passiva recai sobre pessoa diferente daquela que possui relação pessoal e direta (contribuinte) com o fato gerador do tributo. Um dos exemplos mais conhecidos é a obrigação da fonte pagadora dos rendimentos de recolher o imposto de renda das pessoas físicas. A intenção é diminuir o número de indivíduos a serem fiscalizados, otimizando a utilização da mão de obra fiscal, visto que, nessa hipótese, os esforços serão concentrados somente nas fontes pagadoras, e não em cada trabalhador individualmente. Há, ainda, a substituição tributária progressiva e regressiva, ambas fundamentadas no mesmo pressuposto de otimização da mão de obra fiscal.[46]
Como já se pronunciou o STF, dentre as vantagens de tais institutos estão a “redução, a um só tempo, da máquina fiscal e da evasão fiscal a dimensões mínimas, propiciando, portanto, maior comodidade, economia, eficiência e celeridade às atividades de tributação e arrecadação”[47].
Hipótese ainda mais observada que a substituição tributária é a sistemática do lançamento por homologação ou autolançamento. Nesta, o contribuinte é quem, de fato, realiza o lançamento e paga o tributo com base no que ele mesmo ele calculou, sem que tenha havido qualquer manifestação prévia da autoridade administrativa. Cabe à Administração, num momento posterior, verificar o acerto de tal procedimento, e, se for, o caso, proceder a eventual lançamento de ofício, ou, se concordar com a atividade do sujeito passivo, homologar seu pagamento[48] ou apenas deixar escoar o prazo decadencial, sendo esta última a hipótese mais verificada na prática. Bem se vê que, em verdade, a participação da Fazenda limita-se a fiscalizar o procedimento do particular, somente vindo ela a de fato exercer alguma atividade se desse procedimento advier a conclusão de que o particular incorreu em erro ou se omitiu no dever de apurar e pagar a obrigação tributária devida- situação em que, como dito, proceder-se-á ao lançamento de ofício. Ante essa constatação, Luciano Amaro pontua que seria mais apropriado dizer que, nessas hipóteses, o “lançamento é desnecessário, ou melhor, o lançamento só se faria necessário se o sujeito passivo se omitisse no seu dever legal de recolher corretamente o valor exigido”[49]. Segundo o mesmo autor:
Na prática, o “dever de antecipar o pagamento” significa que o sujeito passivo tem o encargo de valorizar os fatos à vista da norma aplicável, determinar a matéria tributável, identificar-se como sujeito passivo, calcular o montante do tributo e pagá-lo, sem que a autoridade precise tomar qualquer providência.[50]
Outrossim, há os tributos sujeitos a lançamento por declaração, dos quais são exemplos o ITBI e o ITCMD, em relação aos quais a Administração se limita a realizar meras operações matemáticas, no mais das vezes feitas por máquinas informatizadas, com base nas declarações e elementos fornecidos pelos particulares.
Sobre o tema:
Nos dias de hoje, a maioria dos impostos é liquidada, pelos próprios contribuintes, com base em elementos que eles dispõem e que a Administração tributária teria muito dificuldade em obter e confrontar, sem que disponha de adequados mecanismos de fiscalização, como o acesso direto dela às informações bancárias.
De fato, hodiernamente, o Poder Executivo deixou, para segundo plano, a condição de aplicador ex officio das normas tributárias, para assumir, com mais proeminência, a condição de fiscalizador, de controlador das atividades de liquidação de tributos efetuadas pelos sujeitos passivos das obrigações tributárias.[51]
Portanto, se antes era papel da Fazenda Pública realizar todo o procedimento de lançamento tributário, o dever de apurar o tributo, num momento posterior, foi quase que inteiramente trasladado para o particular. O que significa que a administração fiscal deixou de ser a aplicadora das normas de imposição ou de tributação, para passar a ser a fiscalizadora do cumprimento dessas normas por parte dos particulares, sobre os quais impendem os mais diversos deveres fiscais. Tal situação demanda uma releitura dos deslindes da fiscalização tributária.
Sendo, pois, predominantemente fiscalizadora a atual atividade da Fazenda Pública, cresce a importância de dispor ela de meios eficazes para investigar eventuais fraudes perpetradas pelos contribuintes, sob pena de se chegar à insustentável situação em que muitos conseguem fugir de suas obrigações tributárias, criando, para usar a expressão do já citado José Cassalta Nabais, um verdadeiro apartheid fiscal[52], desonerando os que fogem aos tributos e sobrecarregando outros contribuintes,em situação análoga ao que acontecia à época do absolutismo, quando clero e nobreza ficavam excluídos da tributação, ônus suportado apenas pelos membros do Terceiro Estado- a burguesia, que, em razão desse e de outros motivos, instituiria, mais tarde, o liberalismo.
Nessa toada, a fiscalização não configura apenas direito, mas verdadeira obrigação do Fisco, sendo um poder-dever essencial para garantir a justiça fiscal e, em última instância, o próprio princípio da igualdade.
Conclui-se que, se, por um lado, a predominância dos tributos sujeitos a lançamento por homologação representa uma grande vantagem para o Fisco, visto que ele arrecada tributos sem precisar proceder a todas as etapas do procedimento de constituição do crédito, por outro, cresce a necessidade deste de dispor de uma fiscalização eficiente, porquanto uma imposição tributária que se baseie apenas na disposição do contribuinte de declarar é um estímulo à sonegação, e, consequentemente, à violação à capacidade contributiva e à diminuição da arrecadação estatal.
Em suma, tem-se um Estado que necessita do produto da arrecadação para a consecução do bem comum. A efetivação dessa arrecadação, por seu turno, depende de uma fiscalização que leve em conta aspectos atuais, como a predominância de riquezas móveis, a globalização e informatização da economia, a massificação das relações sociais, a substituição tributária, a predominância de tributos sujeitos a lançamento por homologação. Do contrário, se a fiscalização se mostrar ineficiente, assistir-se-á ao crescimento da sonegação fiscal, de modo que não restará cumprido o princípio da tributação isonômica, visto que muitos conseguirão escapar ao seu dever de contribuição.
2.2.1. Sonegação fiscal e lavagem de dinheiro
A despeito de ser imprescindível à própria existência do Estado e não possuir natureza confiscatória nem caráter de sanção, o pagamento do tributo é concebido pelos contribuintes com notória rejeição e vislumbrado como uma penalidade incidente sobre o patrimônio, vez que finda por diminuí-lo.
Essa repugna ao pagamento de tributos é ainda maior em lugares como o Brasil, onde o gasto do dinheiro arrecadado é objeto de péssima gestão, o que aumenta o risco de violação ao bem jurídico tutelado.[53]
Corroborando a afirmação de que o tributo é concebido com antipatia, Ives Gandra Martins sustenta que o tributo é norma de rejeição social, motivo pelo qual é imprescindível a previsão de norma sancionatória que assegure ao Estado a certeza de que ele será recolhido[54].
Sobre o grau de lesividade peculiar de ilícitos com o nível de repercussão ora tratado, a disseminação de crimes de vitimização difusa, como é o caso da sonegação fiscal, termina por aprofundar as disparidades sociais. Explique-se: como já dito, o Estado Social depende da arrecadação tributária para a consecução dos seus fins. Sem esse produto, restam inviabilizados os investimentos em educação, segurança, trabalho, enfim, tornam-se ainda maiores as já profundas desigualdades sociais existentes.
O ataque à ordem econômico financeira, colocada pela Constituição a serviço da justiça social e dos interesses da coletividade, obstaculiza a consecução dos fins primordiais do Estado e aumenta o desequilíbrio social, que, por sua vez, é uma das causa da criminalidade enfurecida. Em outras palavras, na égide do Estado Social, infrações cometidas por classes econômicas mais favorecidas possuem um nível de danosidade tão grande ou maior que a criminalidade comum, o que torna ainda mais premente a necessidade de uma fiscalização eficiente.
Nesse sentido, as esclarecedoras palavras de Rosivaldo Toscano, juiz de direito do Estado do Rio Grande do Norte:
Corrigindo a comum miopia social quanto à seriedade do trato da questão penal sob o ângulo da criminalidade econômica, questionamo-nos: se tamanho desvio causou um prejuízo que daria para construir tantas casas, hospitais e escolas, quantas famílias tiveram sua dignidade e cidadania desrespeitadas? Quantas mortes foram ocasionadas pelos milhares de leitos de hospitais que não foram criados? Quantas crianças deixaram de ser educadas e findaram por se tornar os marginais vulgarmente chamados por nós? Chegamos a uma conclusão. Os crimes do colarinho branco, pelos prejuízos que causam ao Estado, levam milhões de brasileiros pobres para as trevas, aumentando a pressão social e a violência, pois minguam dos cofres públicos os recursos necessários para ações em prol dos mais carentes [55].
Além da sonegação fiscal, há também uma preocupação mundial com esquemas bancários de lavagem de dinheiro e com as verdadeiras fortunas construídas com o tráfico de drogas. Com o advento da globalização e o crescente avanço tecnológico, a possibilidade de se efetuar movimentações de ativos financeiros em tempo real e em escala mundial segue impulsionada pela sofisticação dos meios de comunicação e dos artefatos cibernéticos. Nessa toada, a movimentação de capitais toma proporções imensas e com efeitos potencialmente devassadores em qualquer lugar do planeta, tornando muito maiores os desafios e as dificuldades para enfrentar o “trabalho” da criminalidade econômica.
O combate incisivo à lavagem de bens e valores ganha importância quando se percebe que se trata de crime praticado por macrocriminosos detentores de grandes somas de capitais e que reinvestem o dinheiro “lavado” em atividades ilícitas, como o tráfico ilícito de entorpecentes em escala mundial. Cuida-se, pois, de um motor propulsor da microcriminalidade que acontece, por exemplo, nas favelas dos grandes centros urbanos.[56]
Sobre o tema, Maria José Oliveira Roque relata estudo da Organização das Nações Unidas no qual se apontou que aproximadamente 3% do PIB mundial corresponde a dinheiro proveniente desse tráfico. Diante desse dado preocupante, ONU criou o The Global Programme against Money Laundering (GPML), programa que, ao longo dos anos de 1997 e 1999 buscou soluções para o combate de lavagem de dinheiro, e a quebra do sigilo bancário foi um dos itens considerados indispensáveis nessa luta:
Torna-se urgente uma nova reflexão sobre o sigilo bancário, livre de qualquer preconceito, pois, segundo cálculo da ONU, o comércio mundial de drogas ilegais atinge a cifra anual de 500 bilhões de dólares. Através da lavagem de dinheiro, os traficantes conseguem investir de forma legal o lucro obtido de forma ilícita. O FMI avalia que 8% do comércio internacional provêm de transações financeiras de lavagem de dinheiro realizadas por cerca de um milhão de empresas “laranja” em todo o mundo. [57]
Em suma, tem-se considerado que o aumento do dinheiro não tributado, proveniente de crimes, contravenções e lavagem dinheiro, é uma forte razão para relativizar o sigilo. E, em verdade, apesar de ser um entendimento que vem ganhando mais adeptos nos dias atuais, em alguns países essa tendência já vem sendo observada há algum tempo. Veja-se.
Em Luxemburgo, lei de 1940 impõe aos bancos o dever de proporcionar à Administração todas as informações necessárias para assegurar a determinação de impostos, e os agentes fiscais podem exigir das instituições de crédito extratos de conta e outros documentos relativos ao contribuinte.[58]
Na Holanda, a Lei Geral de Contribuições ao Estado, de 02.07.1959, determina que os bancos não podem opor-se ao fornecimento de informações ao Fisco. O art. 49 da mesma Lei exige que quem exerce qualquer atividade empresarial apresente, quando requisitados, os livros ou documentos relacionados com sua empresa ou profissão, se tal consulta for necessária para averiguar a dívida fiscal.[59]
Na Bélgica, lei editada em 20.11.1962 outorga à Administração a faculdade de requisitar informações aos bancos. A esse respeito, Carlos Covello:
Na Bélgica, tanto juízes, procuradores do rei, auditores militares, membros da polícia judiciária, como auditores fiscais, monetárias e financeiras têm acesso às informações cobertas pelo sigilo. Ademais, o Decreto-Lei de 6 de outubro de 1944 impôs aos estabelecimentos bancários do país a obrigação de comunicar ao Banco Nacional e à Comissão Bancária todos os créditos concedidos a seus clientes, por valores superiores a um milhão de francos, estando autorizado o Banco Nacional a distribuir essas informações.
O mesmo acontece no Estado da Califórnia, cujo “Right to Financial Privacy Act”, em seu art. 4, permite acesso do sigilo à polícia, para investigação de delitos, às autoridades fiscais e à Superintendência Bancária. [60]
Em Portugal, o Decreto- Lei 2/78, em seu artigo 5º, traz a seguinte regra genérica:
O disposto no presente diploma em nada prejudica os deveres de informação, estatística ou outra, que, nos termos da legislação atual, impendem sobre as instituições de crédito.[61]
Nos Estados Unidos, qualquer operação bancária que envolva montante superior a US$10.000,00 (dez mil dólares) deve ser imediatamente comunicada ao Tesouro- imposição, aliás, semelhante à do art. 5º, §2º, da LC 105/2001. Na França, o Código Geral de Impostos permite que os agentes fiscais tenham acesso a documentos confidenciais em poder das empresas privadas.[62]
O tema tem ganhado novo fôlego com a iniciativa de países que, interessados em interceptar transações bilionárias provenientes de condutas criminosas e que afetam o sistema financeiro global, têm buscado a reunião de entidades e pessoas jurídicas internacionais para o firmamento de acordos e convenções, com o intuito de ver reduzido o fluxo criminoso de capitais de forma mais eficiente. Trata-se da chamada cooperação jurídica internacional.
Uma dessas iniciativas é o Fórum Global da Transparência, engendrado no ano de 2000 e estruturado definitivamente em reunião no México, em 2009, o qual reuniu propostas de alguns países membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) com o objetivo de se combater a fraude internacional. No sítio eletrônico do referido Fórum:
A evasão fiscal e sonegação de impostos ameaçam as receitas do governo em todo o mundo, o que significa menos recursos para infra-estrutura e qualidade de vida inferior tanto para as economias desenvolvidas como as em desenvolvimento. A globalização gera oportunidades para aumentar a riqueza global, mas também resulta num aumento dos riscos. O aumento dos fluxos transfronteiriços que ocorrem num sistema financeiro global requer cooperação fiscal mais eficaz. Maior transparência e troca de informações para efeitos fiscais são fundamentais para garantir que os contribuintes não tenham nenhum paraíso fiscal para esconder os seus rendimentos e bens, e que paguem o valor correto dos impostos no território correto.
Desde o início de 2008, a evasão fiscal internacional e o cumprimento de elevados padrões de transparência e troca de informações tem tido primazia muito grande na agenda política, refletindo os recentes escândalos que afetaram vários países do mundo e a grande atenção que a crise financeira global pôs sobre centros financeiros em geral. Em 2009, mais de 90 jurisdições se juntaram ao Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Efeitos Fiscais (Global Forum on Transparency and Exchange of Information for Tax Purposes), que foi reestruturado e ampliado, e concordaram com um processo profundo de revisão por pares. O trabalho é conduzido por um grupo diretor de vários países, incluindo Brasil, Índia e África do Sul.[63]
Desde então, periodicamente são feitas avaliações dos ambientes jurídicos de vários países no que diz respeito à indicação de mecanismos de transparência e de troca de informações. Foram concebidos termos de referências, calcados em três pilares: a) disponibilidade de dados; b) acesso aos dados por parte das autoridades fazendárias; c) trocas de informações entre autoridades competentes de países signatários de acordos. [64]
Atualmente, o Fórum conta com 95 (noventa e cinco) países, dentre os quais o Brasil, descrito no site da OCDE como “líder no esforço internacional para combater à evasão de impostos, restaurar a confiança dos contribuintes e dar-lhes a confiança que os encargos tributários estão sendo repartidos de forma equitativa”[65].
Seguindo essa tendência, na maioria dos países do mundo, já não há necessidade de ordem judicial para que o Fisco acesse informações bancárias do contribuinte. Hoje, apenas 18 países exigem a provocação da justiça para a obtenção informações bancárias dos contribuintes; 16 deles são paraísos fiscais.[66]
Nesse sentido, a feliz observação de Francisco Gianetti:
De fato, a falta de instrumentos adequados de fiscalização possibilitou a criação de grandes redes de movimentação de recursos financeiros por todo o mundo, originados de, ou destinados a condutas ilícitas. Entre as mais óbvias temos: o narcotráfico, o terrorismo, o contrabando/descaminho e a lavagem de dinheiro.
Essa maior relativização do sigilo bancário em todo o mundo, especialmente após a diversas acusações surgidas contra instituições financeiras, inclusive aquelas localizadas na Suíça, que envolveram até recursos mantidos pelo III Reich durante a Segunda Guerra Mundial e, ainda, o famigerado ataque terrorista contra os Estados Unidos da América, em 11 de setembro de 2001, que deu origem à publicação do US Patriot Act (Public Law 107-56) criando mecanismos de acesso a informações bancárias e comunicações, em alguns casos independentemente de autorização judicial.[67]
É este o campo para o qual se deve levar o debate: há um movimento internacional fortíssimo contra o sigilo bancário e em prol da cooperação internacional na troca de informações sobre tributos. A discussão deve considerar essa tendência internacional de troca de informações e confecção de tratados que cuidam de fórmulas para se evitar os crimes fiscais. Tal quadro implica nova leitura de regras fechadas referentes ao sigilo bancário
Nessa toada, acaso prevaleça o entendimento de se exigir autorização judicial para acesso a dados bancários do contribuinte, por parte da autoridade fiscal, corre-se o risco de alistar o Brasil no sinistro rol de países refratários à transparência internacional. Um paraíso fiscal para quem não atenda a obrigação tributária acessória que radica na própria Constituição (§ 1º do art. 145), e um embaraço internacional para um dos “lideres no esforço internacional para o combate à evasão de impostos”, como descrito pela OECD.
3. Princípio da proporcionalidade
Como dito no início deste estudo, o resguardo do sigilo bancário não é um fim em si mesmo, mas uma das garantias que buscam assegurar proteção à intimidade e à vida privada dos sujeitos. A outra face da moeda são os interesses da arrecadação e da justiça fiscal, porquanto o conhecimento daquelas informações é uma ferramenta bastante útil no combate à sonegação tributária.
Em suma, a polêmica gira em torno do choque entre os arts. 5º e 6º da LC 105/2001 e os arts. 5º, caput, 19, inciso III, 145, § 1º e 150, inciso II, todos da CF/88, de um lado, e o inciso X, do art. 5º da CF/88, de outro. Há, basicamente, duas questões a serem respondidas:
a) A otimização da fiscalização e a garantia de que todos paguem igualmente sua quota-parte de “cidadania tributária” justificam a relativização da intimidade decorrente da quebra do sigilo bancário?
b) Se a resposta ao primeiro questionamento for afirmativa, quem terá competência para determinar essa quebra: somente a autoridade judiciária ou também a autoridade administrativa? Ou seja, trata-se de matéria submetida à reserva de jurisdição?[68]
Por se tratar de questões que envolvem princípios consagrados na Carta Magna, essa colisão normativa pode ser analisada levando-se em consideração a ponderação[69] de valores constitucionais a fim de alcançar um justo equilíbrio entre os interesses em tela. Explique-se.
De acordo com o princípio da Unidade da Constituição, todas as normas do texto constitucional apresentam o mesmo nível hierárquico. Uma vez inseridas na Carta Magna, as normas possuem o mesmo valor, independentemente do seu conteúdo.
Aliado a isso, existe a premissa de que as normas constitucionais devem ser interpretadas e aplicadas como um todo harmônico, cujos elementos devem guardar coerência interna, de modo a evitar conflitos entre os seus dispositivos. Sobre o tema, a lição do português José Canotilho:
O princípio da unidade da Constituição ganha relevo autônomo como princípio imperativo quando com ele se quer significar que a Constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre suas normas. Como ‘ponto de orientação’, ‘guia de discussão’ e ‘fator hermenêutico de decisão’, o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a Constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar. Daí que o intérprete deva sempre considerar as normas constitucionais não como isoladas e dispersas, mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitário de normas e princípios.[70]
Ocorre que, em uma sociedade pluralista, como é a brasileira, em que diversos setores encontravam-se representados no Poder Constituinte Originário -e ainda se encontram no Poder Reformador, acolhendo normas que promovem interesses e valores divergentes- é inevitável a eclosão de conflitos entre as normas da Lei Fundamental- tome-se como exemplo a proteção à propriedade privada e à função social da propriedade.
Nesse diapasão, mesmo sendo normas de aplicação imediata, conforme dispõe o art. 5º, §1º, da Constituição, os direitos e garantias fundamentais não são absolutos, pois encontram os seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela mesma Carta.
Assim, em face de sua relatividade, bem como da possibilidade freqüente de os direitos fundamentais entrarem em colisão na solução de casos concretos, mostra-se essencial a construção de uma técnica alternativa que seja, por um lado, maleável, para dar conta da complexidade imanente ao fenômeno constitucional, mas que, por outro, não resvale para o puro subjetivismo.[71]
Neste ponto aparece o princípio da proporcionalidade[72], que consiste no equacionamento dos princípios, buscando alcançar um ponto ótimo, em que a restrição a cada um dos direitos fundamentais envolvidos seja a menor possível, na medida exata à salvaguarda do direito contraposto.
Em outros termos, as restrições impostas aos direitos fundamentais em disputa podem ser arbitradas mediante o emprego do princípio da proporcionalidade, devendo-se buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo.
Dito isto, voltemos aos questionamentos apresentados no início deste capítulo. Para o primeiro deles (se a garantia de que todos paguem igualmente sua quota-parte de “cidadania tributária” justifica a relativização da intimidade decorrente da quebra do sigilo bancário), a resposta da doutrina atual é quase sempre afirmativa[73]. Se no passado prevalecia o entendimento de que nem mesmo requisição de autoridade judiciária poderia afastar o sigilo bancário, a situação hoje é vista com outros olhos.
Sobre esse passado, Sérgio Covello retrata que os banqueiros se negavam a fornecer informações sobre seus negócios e sua clientela com arrimo no artigo 17, do Código Comercial de 1850, também aplicável aos bancos, por força dos artigos 119 e 120, do mesmo Código, que assim dispunham:
Nenhuma autoridade, Juízo ou Tribunal, debaixo de pretexto algum, por mais especioso que seja, pode praticar, ordenar alguma diligência para examinar se o comerciante arranja ou não devidamente seus livros de escrituração mercantil, ou mesmo se tem cometido algum vício.[74]
Antes desse Código, não havia, no direito pátrio, dispositivo legal algum referente ao tema, e a consciência popular via na manutenção do sigilo regra imprescindível à manutenção da atividade creditícia. No mesmo sentido era a opinião doutrinária, capitaneada por Lauro Muniz Barreto e Carvalho de Mendonça. Este último, quando consultor jurídico do Banco do Brasil, afirmou, em parecer proferido em 1925, que era defeso aos bancos informar à Justiça sobre negócios em conta corrente de ordens de pagamento supostamente oriundos de furto[75].
Covello também narra que, mais tarde, em 1859, quando o Projeto de Lei nº 410 tentou abolir o sigilo com relação aos Bancos de cujo capital participasse o Poder Público, desencadeou-se acirrada polêmica que culminou com o arquivamento do projeto[76].
Aos poucos, porém, esse rigor começou a ser atenuado frente ao Poder Público, especialmente quando em confronto com a Justiça e com o Fisco. Em 1964, a Lei 4.595, em seu art. 38, §1º, determinou o seguinte:
As informações e esclarecimentos ordenados pelo Poder Judiciário, prestados pelo Banco Central do Brasil ou pelas instituições financeiras, e a exibição de livros e documentos em Juízo, se revestirão sempre do mesmo caráter sigiloso, só podendo a eles ter acesso as partes legítimas na causa.
Em suma, foi-se percebendo que, a despeito da importância de resguardar o sigilo bancário, em certos casos o interesse público impõe sua relativização.
Como dito alhures, nenhum direito fundamental é absoluto. Aliás, mesmo a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 reconheceu que “no exercício dos seus direitos e no desfrute de suas liberdades, todas as pessoas estarão sujeitas à limitações estabelecidas pela lei com a única finalidade de assegurar o respeito dos direitos e liberdades dos demais, e de satisfazer as justas exigências da moral, da ordem pública, do bem- estar de uma sociedade democrática” (artigo XXIX, 2), o que significa dizer que existem parâmetros para o exercício de qualquer liberdade pública.
Ou seja, em consequência da própria sistemática dos direitos fundamentais, os direitos da personalidade, e, por conseguinte, o direito à privacidade, espécie daquele gênero, não são ilimitados, em razão da necessidade de se harmonizar os direitos de diferentes indivíduos ou grupos. Os direitos da personalidade, portanto, hão de ser analisados sob a ótica das necessidades coletivas, e não apenas dentro de uma perspectiva individual. Dessa feita, afigura-se perfeitamente possível sua limitação quando necessária à consagração dos interesses de toda a comunidade.
Isso faz lembrar a lição do autor português José de Oliveira Ascenção, ao esclarecer que os direitos de personalidade sofrem limitações intrínsecas e extrínsecas. As intrínsecas vinculam-se às balizas traçadas pela lei, a qual estabelece o conteúdo do próprio direito, ao passo que as extrínsecas resultam da necessidade de conjugação de determinados direitos com outras situações também resguardadas pelo ordenamento. Nessa toada, os poderes e deveres que compõem o conteúdo do direito à intimidade estão demarcados na lei, estando sujeitos aos limites impostos por esta mesma lei, e, ao mesmo tempo, esse direito não é tão absoluto que não possa ser afastado, quando em confronto com outros que mostrem maior aptidão para proteger a dignidade humana ou interesse público em determinada situação concreta.[77]
Quanto à doutrina brasileira, é de bom tom trazer o ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, que considera adequado identificar interesse público com o interesse do todo, do conjunto social, e não com a soma dos interesses dos indivíduos que formam esse conjunto. Por outro lado, ensina ele, o interesse público não é autônomo, nem desvinculado dos interesses das partes que formam o todo social. De tão autoexplicativas as palavras do autor, cumpre transcrevê-las:
Poderá haver um interesse público que seja discordante do interesse de cada um dos membros da sociedade? Evidentemente, não. Seria inconcebível um interesse do todo que fosse, ao mesmo tempo, contrário ao interesse de cada uma das partes que o compõem. Deveras, corresponderia ao mais cabal contra-senso que o bom para todos fosse o mal de cada um, isto é, que o interesse de todos fosse um anti- interesse de cada um[78].
E continua, complementando que pode haver determinado interesse público que vá de encontro ao interesse de um indivíduo específico, mas, quando observada a coletividade maior, e não sua condição singularizada, até mesmo este sujeito terá interesse no instituto. Como exemplo, o doutrinador cita a desapropriação: difícil pensar num cidadão que queira ver sua própria casa sendo objeto de desapropriação. No entanto, todos têm pessoal interesse na manutenção do instituto, pois, enquanto membros do corpo social, necessitam da liberação de áreas para a construção de estradas, escolas etc.
Portanto, ainda que eventual limitação recaia sobre o direito do cidadão A, é de seu interesse, para o bom desenvolvimento do meio social, do bem estar de cada um, que limitações sejam estabelecidas a todos. O exercício pessoal de seu direito restará restrito para que seja possível o atendimento do interesse dos membros inerentes à sociedade.
Bandeira de Mello fala, então, em “dimensão pública dos interesses individuais”[79], e conclui que o interesse público “só se justifica na medida em que se constitui em veículo de realização dos interesses das partes que o integram no presente e das partes que o integrarão no futuro[80]”.
Transportando essa conceituação para o objeto deste trabalho, impõe-se que o indivíduo, plano pessoal, não terá interesse no conhecimento de suas informações bancárias por parte do Fisco, mas é certo que o terá na construção de um sistema fiscal justo e isonômico, para o qual, como já demonstrado, é imprescindível uma fiscalização eficiente, que disponha de meios para combater a evasão e sonegação fiscal.
Deste modo, lançando mão de um juízo de ponderação, conclui-se que, se o objetivo da relativização do direito à intimidade, por intermédio da quebra do sigilo bancário, for a concretização do princípio da capacidade contributiva, a medida restritiva resta plenamente justificável, razão pela qual se entende que deve ser respondido de modo afirmativo o primeiro questionamento (se a otimização da fiscalização e a garantia de que todos paguem igualmente sua quota-parte de “cidadania tributária” justificam a relativização da intimidade decorrente da quebra do sigilo bancário).
Nesse sentido, Luciana Grassano de Gouvêa Mélo:
(...) nesta ponderação, se a finalidade da medida restritiva de direito fundamental for a concretização do princípio da capacidade contributiva, de uma repartição isonômica da carga tributária, tal fim, que é de interesse público (e deveria ser o de todos) deve prevalecer e preponderar, logicamente respeitando-se sempre o núcleo essencial do direito fundamental envolvido. [81]
A grande celeuma, por seu turno, reside na questão da autoridade competente para determinar a quebra do sigilo, e, por conseguinte, relativizar a proteção à intimidade do contribuinte.
Com todo o respeito às opiniões em sentido contrário[82], por tudo o que foi dito ao longo deste trabalho, a resposta que parece mais correta é no sentido de que a autoridade administrativa tem, sim, competência para analisar dados bancários do indivíduo, independentemente de autorização judicial, nos termos do art. 6º, da LC 105/2001. A legitimidade dessa intervenção encontra guarida na importância da arrecadação fiscal, cujo mister vai além do suprimento dos cofres públicos para o funcionamento do Estado, alcançando, sobretudo, a garantia da efetivação dos direitos fundamentais, do princípio da tributação isonômica, bem como a promoção do bem estar da coletividade e o combate à sonegação fiscal e à lavagem de dinheiro.
Há de se lembrar, ainda, o que assevera Maria Oliveira Roque:
Atualmente, não só os grandes crimes contra o sistema financeiro tributário mas também o tráfico de drogas e a corrupção desembocam seus resultados no porto seguro dos bancos. O sigilo posta-se frente ao Fisco e ao Ministério Público como forte empecilho à obtenção das provas de delinquência. Submeter ao judiciário o pedido de quebra de sigilo nos casos de fortes indícios de crime dá ao meliante tempo suficiente para movimentar a conta, impedindo o ressarcimento do dano e dificultando a apuração.[83]
Com isso em mente, e ante os contornos cada vez mais restritos da intimidade nos dias atuais, é que deve ser analisada a letra do art. 6º, da LC 105/2001, que assim dispõe:
Art. 6o As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente.
Parágrafo único. O resultado dos exames, as informações e os documentos a que se refere este artigo serão conservados em sigilo, observada a legislação tributária.
Uma observação importante: não se está aqui negando que uma esfera jurídica própria do contribuinte tem que ser respeitada, e muito menos defendendo uma fiscalização arbitrária e sem obstáculo algum. Ao contrário, o sigilo somente deve ceder quando imprescindível para esclarecer uma questão de interesse geral, porquanto os direitos fundamentais não podem ser relativizados ou afastados de maneira arbitrária.
Entretanto, verifica-se que a lei em tela se preocupou em resguardar direitos fundamentais do contribuinte: a quebra do sigilo continua sendo excepcional, devendo fundar-se em indícios. Ali está exigido o prévio processo administrativo, constando inclusive a fundamentação do agente fiscal, que deverá demonstrar que o exame dos dados bancários é indispensável no caso concreto.
A edição do referido diploma normativo não significou que, a partir de então, o Fisco poderia livremente analisar todos os dados bancários de qualquer pessoa irrestritamente. Não se trata, pois, de uma caça às bruxas. Veja-se.
No mesmo dia de sua publicação, 10 de janeiro de 2001, a LC 105/2001 foi regulamentada pelo Decreto nº 3.724, cujo texto detalha o procedimento de quebra do sigilo bancário pela Receita Federal do Brasil. Esse Decreto determina que a quebra administrativa do sigilo bancário deve atender a diversas exigências formais as quais buscam garantir segurança ao contribuinte. Ainda, a quebra somente poderá ser efetivada em face de sérios indícios de sonegação, todos eles elencados no art. 3º do mesmo Decreto.
Outrossim, antes de apresentar à instituição financeira a chamada Requisição de Movimentação Financeira (RMF), a Receita deve intimar o contribuinte a apresentar as informações necessárias à Administração, oportunidade na qual ele poderá avaliar se foram observadas as exigências do Decreto 3.724/200, e, se for o caso, recorrer ao Judiciário a fim de impedir a liberação das informações. Com uma decisão liminar favorável, o sujeito passivo poderá resguardar seu sigilo bancário.
Portanto, a ordem de quebra do sigilo é subordinada a vários requisitos, tais como: existência prévia de processo administrativo ou procedimento fiscal em curso; demonstração de necessidade; que o resultado desse exame não seja divulgado pela Administração; que o sujeito passivo seja previamente intimado a apresentar as informações que a autoridade fazendária requer. Este rigor no procedimento administrativo pertinente à requisição de informações bancárias visa exatamente assegurar o atendimento dos postulados do devido processo legal, da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa e do contraditório, o que está em plena consonância com os ditames constitucionais, como, aliás, não poderia deixar de ser num Estado Democrático de Direito.
Cuida-se exatamente de garantir o que já foi dito nesse trabalho: por se tratar de colisão entre direitos de igual hierarquia, a restrição a cada um dos direitos fundamentais envolvidos deve ser a menor possível, na medida exata à salvaguarda do direito contraposto. Isso porque, na ponderação de interesses por meio do princípio da proporcionalidade, objetiva-se não a exclusão de algum dos direitos em colisão, mas, na medida do possível, a busca de um resultado que aufira o melhor de cada uma das normas em uma determinada situação.
In casu, diante dos relevantíssimos interesses da Administração no sentido de impedir o aumento da sonegação, e, assim, garantir que todos paguem de forma isonômica suas dívidas tributárias, em atenção ao princípio da capacidade contributiva, para que, de posse desses valores, o Estado possa cumprir suas finalidades sociais, são argumentos suficientemente fortes para legitimar a relativização da intimidade quando necessário.
E o futuro provavelmente não nos reserva outro caminho senão o da crescente abertura da informação bancária às administrações tributárias dos Estados. O problema não é novo; é, em verdade, o problema de sempre do Estado de direito, o problema do justo equilíbrio entre os direitos dos cidadãos, de um lado, e os poderes da Administração, de outro. Há, sim, que enfrentar esse desafio sem maniqueísmos, pois, entre o segredo absoluto e a devassa completa da intimidade, há uma infinidade de oportunidades de realização do justo equilíbrio.
4. Análise do tema à luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
No que diz respeito à possibilidade de quebra do sigilo bancário diretamente pela autoridade fiscal, a posição da Suprema Corte ainda é bastante oscilante. Tanto há julgados que a rechaçam como outros que a consentem.
Exemplo bastante claro dessa divergência se deu no fim do ano de 2010. Em 24.11, foi julgada a Ação Cautelar nº 33, na qual restou assentada, por 6 (seis) votos a 4 (quatro), a constitucionalidade da quebra. Posteriormente, em 14.12 do mesmo ano, aconteceu o julgamento da ação principal, o RE 389808/PR, e, por 5 (cinco) votos a 4 (quatro), o STF decidiu pela inconstitucionalidade. Ou seja, em apenas 20 (vinte) dias aquele Tribunal proferiu decisões em sentidos diametralmente opostos.
Para tentar entender a razão dessa oscilação, parece útil analisar a evolução do entendimento do Supremo Tribunal, o que se faz adiante.
4.1.1. RMS nº 1.047-SP; Relator Ministro Ribeiro de Costa; Julgamento em 06.09.1949 [84]
Esse caso, citado pelo Ministro Maurício Corrêa em voto proferido no bojo do Mandado de Segurança nº 21.729-4 (Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em 05.10.1995; D.J. em 19.10.2001), foi um dos primeiros a tratar da quebra do sigilo bancário determinada por ordem judiciária.
À época, vigia a Lei nº 556, de 25.06.1850 (Código Comercial), que equiparava banqueiros a comerciantes e determinava que àqueles fossem aplicadas as regras dos contratos comerciais (art. 120 – “As operações de Banco serão decididas e julgadas pelas regras gerais dos contratos estabelecidos neste Código, que forem aplicáveis segundo a natureza de cada uma das transações que se operarem”). O mesmo Código, em seu artigo 17, preceituava que “nenhuma autoridade, juízo ou tribunal, debaixo de pretexto algum, por mais especioso que seja, pode praticar ou ordenar alguma diligência para examinar se o comerciante arruma ou não devidamente seus livros de escrituração mercantil, ou neles tem cometido algum vício”.
Resumidamente, o Banco impetrante entendia não poder ministrar informações dos seus clientes à autoridade judiciária, pois isso infringiria o segredo profissional.
O STF consignou que o segredo profissional não devia ser tido como absoluto, pois todo “dever tem sua razão e limite na utilidade social”. Fundamentou que o segredo absoluto levaria a situações absurdas -um ladrão depositasse o dinheiro furtado em conta bancária teria o produto do crime resguardado, por exemplo. Portanto, quando diante de uma requisição judicial feita com o propósito de pesquisar a verdade de um processo, o Banco deveria prestar as informações. Nestes termos, o voto do Ministro Relator:
Depois do sacerdote, talvez seja o médico quem detenha mais sérios segredos das pessoas com quem lida. Quem ousaria, então, afirmar que o médico deva guardar sigilo, quando o mal cliente ameaça a coletividade, como nos casos de moléstias contagiosas (...)?
Se as considerações supra não bastassem para a firmação da legalidade da medida, poder-se-á ainda aduzir que não há nada mais relativo e insustentável que o segredo profissional do banqueiro, em face de requisições da autoridade judiciária, com o propósito de pesquisar a verdade no processo, a fim de que com a perfeição da justiça consiga o Estado a sua mais elevada finalidade.
Os bancos são organizações de caráter coletivo. Apesar da sua finalidade comercial, não podem desenvolver suas atividades de maneira anti-social. Ao contrário, auxiliando as fontes produtoras, concorrem para a felicidade do povo. Não se compreende que se sobreponham à autoridade do juiz, interpretando leis precipitadamente, como no caso, de modo a negarem-se a colaborar com a descoberta da verdade, e assumindo o risco de concorrerem para o erro judiciário, que gera a desconfiança do cidadão e estimula a revolta.[85]
Restou, então, ementado que “os bancos não se podem eximir de ministrar informações, no interesse público, para o esclarecimento da verdade, essenciais e indispensáveis ao julgamento e desenlace das demandas submetidas ao Poder Judiciário”.
Note-se que o STF analisou o sigilo sob o enfoque da teoria do segredo profissional e entendeu a utilidade social, o interesse público como fundamentos para afastar o sigilo, não obstante as determinações em sentido contrário do Código Comercial então vigente.
4.1.2. Mandado de Segurança nº 1.959-DF, relator Ministro Luiz Gallotti; Julgamento em 23 de janeiro de 1953 [86]
Mais tarde, o sigilo das operações bancárias passou a ser regido pelo Decreto-lei nº 8.495/1945, que, em seu art. 3
º, permitia a inspeção de à Superintendência da Moeda e do Crédito efetivar inspeção direta de qualquer estabelecimento bancário, e, no §1º do mesmo artigo, determinava que “os documentos e informações que venham a ser fornecidos pelos estabelecimentos bancários serão tratados em caráter estritamente confidencial”. Desta feita, o preceito genérico do segredo de comércio previsto no art. 17, do Código Comercial, perdia sua rigidez absoluta a fim de possibilitar o controle das operações bancárias por órgãos fiscais.
No caso, Comissão de Inquérito da Câmara dos Deputados que havia sido constituída para examinar atos e operações do Banco do Brasil obtivera da Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) a delegação dos poderes a esta conferidos no citado Decreto-lei. A Câmara dos Deputados, ao término dos trabalhos da Comissão, determinou a publicação dos relatórios.
O Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro, impetrante, alegava que a referida Comissão de Inquérito estendera a devassa a bancos particulares, pelo que se tornava obrigada a manter o mais estrito sigilo sobre tais operações. Nesse viés, a publicação por parte da Câmara teria violado o sigilo bancário, em face do Decreto-lei nº 8.495/1945, que impõe o dever de sigilo à SUMOC.
Mais uma vez, a Corte entendeu que o sigilo seria um direito individual ao qual se sobrepunha interesse coletivo. Veja-se.
O Ministro Afrânio Antonio da Costa dispôs que o Banco do Brasil exerce atividades que lhes são delegadas pelo Executivo, e que não seria possível “sonegar ao conhecimento da nação certas atividades que envolvem diretamente o interesse nacional[87].
Nelson Hungria assentou que “a inviolabilidade do segredo, mesmo o conferido aos chamados confidentes necessários, é de ordem pública eminentemente relativa”[88]. De tão autoexplicativas as palavras do então Ministro, cumpre transcrevê-las:
Nem se invoque interesse bancário e, por acréscimo, interesse de capitais estrangeiros que imigram para o Brasil. Não há, aliás, país do mundo civilizado que algum dia tenha sobreposto o interesse do sigilo bancário acima do interesse nacional. Na França, a cujos modelos também estamos constantemente a ajustar-nos, não se vacilou quando foi do escandaloso caso do Banco Oustric, em determinar a devassa mais completa em torno desse estabelecimento, apurando-se que até Ministros de Estado- como o Garde Sclatt Peret- eram estipendiados por esse Banco, para fazer “vistas grossas” sobre suas atividades escusas; e tudo se publicou e se expôs à plena luz do sol, porque muito acima do interesse comercial dos Bancos está o interessa da Nação.[89]
Na ementa, lê-se que “o pretendido direito a um segredo já quebrado não pode ser contraposto ao direito que tem a Câmara de publicar no seu órgão oficial um inquérito realizado no Banco do Brasil, cuja divulgação a maioria dos representantes do povo deliberou, como convenientes aos interesses, da Nação”.
Portanto, aproximadamente 04 (quatro) depois daquele primeiro julgado, o Supremo continuava adotando a teoria do segredo profissional, e, agora amparado pela mudança legislativa que afastara a inviolabilidade absoluta do segredo bancário, considerou possível sua publicação quando em jogo o interesse coletivo. Note-se que a fiscalização por parte do órgão fiscalizador (SUMOC) e pela Comissão instituída por parte da Câmara dos Deputados não foi sequer questionada, haja vista a existência de autorização legal pata tal. O que se discutiu foi a possibilidade de divulgação das informações ao grande público, considerada lícita pelo STF em razão da entidade envolvida: o Banco do Brasil, sociedade de economia mista- integrante da Administração Pública Indireta, pois.
4.1.3. Petição nº 577 – Questão de Ordem; Relator Ministro Carlos Velloso; Julgamento em 25/03/1992, D. J. em 23/04/1993[90]
Trata-se de que caso em que delegado da Polícia Federal pedira para que instituições financeiras informassem acerca da existência de contas bancárias em nome de um ex-ministro e sua esposa, e em caso positivo, fornecessem o extrato de movimentação bancária dos mesmos. O pleito restou indeferido, pois considerado insuficientemente fundamentado e não instruído, vencido o Ministro Marco Aurélio, que o deferiu desde logo.
O interessante neste julgamento é a mudança de perspectiva da Corte: todos os Ministros enquadraram o sigilo sob o enfoque do direito à privacidade e à intimidade- e oposição ao entendimento anterior, que o tratava sob o aspecto do segredo profissional. Também foi unânime a posição de que essa quebra depende de autorização judicial- à época, vigia a Lei nº 4.595/64, que dispunha no mesmo sentido. Mantido o entendimento, já consolidado muito antes, de não se tratar de direito absoluto.
O voto do Ministro relator resume bem como o tema era visto à época no Supremo Tribunal:
O sigilo bancário protege interesses privados. É ele espécie de direito à privacidade, inerente à personalidade das pessoas e que a Constituição consagra (CF, art. 5º, X), além de atender “ a uma finalidade de ordem pública, qual seja a de proteção do sistema de crédito” (...). Não é ele um direito absoluto, devendo ceder, é certo, diante do interesse público, do interesse da justiça, do interesse social, conforme aliás, tem decidido esta Corte (RMS nº 15.925-GB, Relator Ministro Gonçalves de Oliveira; RE nº 71.640-BA, Relator Ministro Djaci Falcão, RTJ 59/571; MS 1.047, Relator Ministro Ribeiro da Costa, Rev. Forense 143/154; MS 2.172, Relator Ministro Nelson Hungria, “DJ” de 5.1.54; RE nº 94.608-SP, Relator Ministro Cordeiro Guerra, RTJ 110/195). (...).
Na verdade, pode o Judiciário requisitar, relativamente a pessoas e instituições, informações que implicam quebra do sigilo (Lei 4.595/64, art. 38, §1º). (...).[91]
4.1.4. Mandado de Segurança nº 21.729; Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em 05/10/1995; D.J. em 19/10/2001[92]
Diferentemente do que vinha decidindo até então, isto é, pela necessidade de ordem judicial ou decisão de Comissão Parlamentar de Inquérito para a quebra do sigilo bancário, aqui admitiu-se a obtenção direta de dados pelo Ministério Público, com arrimo na LC 75/93, a que autorizou o Órgão Ministerial Público a requisitar informações a instituições financeiras, tal qual faria, mais tarde, a LC 105/2001 em relação ao Fisco Veja-se.
Trata-se de Mandado de Segurança impetrado pelo Banco da Brasil S.A., o qual se insurgiu contra a requisição, por parte do Ministério Público, de informações e documentos relativos empréstimos subsidiados pelo Tesouro Nacional. O Banco impetrante alegava não poder fornecer o nome dos beneficiários dos empréstimos, por estar tal informação protegida pelo sigilo bancário.
Como em todos os seus votos anteriores, o Ministro Marco Aurélio, aqui relator, reputou que somente mediante ordem judicial, e para fins de instrução de processo penal ou investigação criminal, pode-se proceder à quebra do sigilo. Também pela reserva de jurisdição, Maurício Corrêa, Celso de Mello, Ilmar Galvão.
Merece ênfase o voto do Ministro Maurício Corrêa, que brilhantemente traz um panorama histórico, legislativo e doutrinário do tema aqui abordado. Ao fim de 23 (vinte e três) páginas de voto, concluiu o eminente Ministro que:
(...) os 17 (dezessete) precedentes aqui examinados ou apenas mencionados permitem extrair com segurança a doutrina desta Corte firmada no transcorrer de quase cinquenta anos, sendo de se notar que ela está calcada em dois princípios fundamentais: o primeiro diz que o direito ao sigilo bancário é um direito individual, mas não absoluto, porque cede diante do interesse público; o segundo princípio informa que a violação do sigilo bancário só é permitida no interesse da justiça e por determinação judicial.[93]
Em sentido contrário ao consignado pelos demais Ministros, Francisco Rezek compreendeu que os dados bancários não seriam aspectos da vida privada, razão pela qual não estariam inseridos nas inviolabilidades do inciso X do art. 5º da CF/88, e votou no sentido de indeferir a segurança.
Também pelo indeferimento, o Ministro Octavio Galloti, mas sob o fundamento de que não estava em jogo o sigilo bancário de particulares: o Banco do Brasil não estaria atuando como um banco comercial, pois as operações que se pretendia investigar giravam em torno de um empréstimo concedido pelo Governo Federal a empresas, por intermédio do aludido Banco. Nessa operação, portanto, o Banco do Brasil não agia como um banco comercial, pelo que não haveria que se falar em invasão da esfera de privacidade dos particulares, tampouco em quebra de sigilo bancário.
Neri Silveira lembrou que não havia sido divulgado o nome dos beneficiários do empréstimo e invocou também a publicidade exigida quando se trata do uso de dinheiro público.
Sepúlveda Pertenca, por sua vez, considerou a garantia do art. 5º, inciso XII, da CF, absolutamente inviolável, à exceção do sigilo da comunicação telefônica, de natureza relativa, porquanto, se não colhido no momento da própria comunicação, o conteúdo é perdido.
Tal qual ocorrera em 1949, no bojo do RMS nº 1.047-SP, aqui pesou contra o sigilo o fato de envolver o Banco do Brasil, entidade integrante da Administração Pública Indireta, e recursos públicos. O mandado foi indeferido por maioria, sob o fundamento de que “não cabe ao Banco do Brasil negar, ao Ministério Público, informações sobre nomes de beneficiários de empréstimos concedidos pela instituição, com recursos subsidiados pelo erário federal, sob invocação do sigilo bancário, em se tratando de requisição de informações e documentos para instruir procedimento administrativo instaurado em defesa do patrimônio público.”
A importância desse julgado reside no seu ineditismo: pela primeira vez, o STF entendera que o sigilo bancário poderia ser “quebrado” mediante requisição de autoridade outra que não a Judiciária- na hipótese, por um integrante do Ministério Público.
Não obstante tal evolução, nos julgados que seguiram ao suso mencionado, a Corte voltou a entender imprescindível a autorização judicial: MS 23851 (Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 26.09.2001)[94] , Pet 2790 Agr (Relator Ministro Nelson Jobim, julgado em 29.10.2002)[95].
Outra observação é digna de nota: malgrado tal julgamento tenha debatido a questão em torno do Ministério Público, nada impede que se estenda a discussão para alcançar o Fisco, porquanto a Administração Tributária, tal qual o Ministério Público, é órgão de função investigativa, parte interessada nos processos, como bem destacou o Ministro Carlos Velloso. Outrossim, a autorização para que ambos os ógãos requisitassem informações diretamente a instituições financeiras foi dada por uma Lei Complementar (no caso do Ministério Público, a LC 75/1993, e no caso da Administração Tributária, da LC 105/2001).
Por fim, mais uma semelhança: tramitam no STF as ADIs nº 2.386, 2.390 e 2.397, nas quais se questiona a constitucionalidade do art. 6º da LC 105/2001 em face do art. 5º, incisos X e XII, da CF/88, bem como a ADI nº 3531[96], que impugna o art. 8º, inciso VIII e § 2º, da Lei Complementar 75/1993, em face dos mesmos dispositivos constitucionais.
4.1.5. Ação Cautelar nº 33-5/PR; Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em24/11/2010; D.J. em 09/02/2011[97]
No âmbito dessa cautelar, pleiteava-se a concessão de efeito suspensivo ativo ao RE 38.980-8, de modo a afastar a aplicação da LC105/20012 e evitar que as autoridades fiscais tivessem acesso a informações bancárias da parte, a GVA Indústria e Comércio SA.
Em 05.07.2003, o Ministro Marco Aurélio, relator, deferiu a liminar requerida, obstaculizando, até a decisão final do extraordinário, o repasse de informações bancárias à Receita.
Posteriormente, foi definitivamente julgada a Cautelar. Marco Aurélio e Cezar Peluso referenderam a liminar, enquanto Carlos Britto e Joaquim Barbosa negaram o efeito suspensivo pleiteado, sendo que esses quatro Ministros limitaram-se a analisar a presença ou não dos requisitos autorizadores de concessão de liminar.
Por seu turno, Gilmar Mendes adentrou no mérito da lide, sendo dele um dos votos que aqui interessam. Mendes começou dizendo que, prima facie, não há vedação para que a lei disponha sobre o acesso da Administração tributária às informações protegidas do contribuinte, porquanto a incompatibilidade entre o art. 6º da LC 105/2001 e o Decreto nº 3.724/20012 com a Carta Magna não é patente, uma vez que a Constituição, em seu art. 145, §1º, faculta à Administração tributária identificar o patrimônio, rendimentos e atividades econômicas do contribuinte
Dias Toffoli antecipou um argumento que viria a ser muito utilizado no julgado principal: tratar-se-ia de mera transferência do sigilo à autoridade fiscal, e não de quebra propriamente dita.
Ellen Gracie reportou-se à tese defendida neste estudo, qual seja, a de que a questão merece ser analisada à luz da ponderação entre os direitos do cidadão e os interesses do Fisco. Referiu-se a eminente Ministra à “oportunidade, grau e medida de sua realização (quebra do sigilo), questão a ser resolvida pela análise da proporcionalidade” [98]:
Importa ter em conta, ainda, que o direito à privacidade e ao sigilo cede, no caso, não apenas ao direito imediato da Administração ao exercício da fiscalização tributária, mas á própria possibilidade de uma melhor distribuição da carga tributária e à efetiva concretização dos princípios da capacidade contributiva (art. 145, §1º), da isonomia (art. 150, II) e da livre concorrência (art. 170, IV), que envolvem valores caros a toda a sociedade.
(...)
Não havendo reserva de jurisdição para o caso, o que se exige é autorização legal para a restrição do sigilo, e, como já referido, observância da proporcionalidade.[99]
Após, Celso de Mello tornou a falar, analisando novamente os requisitos autorizadores das cautelares e, por fim, adentrando no mérito da questão para considerar inafastável a proteção judicial contra ações eventualmente arbitrárias dos órgãos administrativos. O Ministro lançou mão do princípio da proporcionalidade para concluir que o círculo de proteção estabelecido em torno do direito constitucional à privacidade somente pode ser rompido se ordenado por órgãos do Poder Judiciário e, excepcionalmente, por Comissões Parlamentares de Inquérito, estas por força do art. 58§3º, da Lei Maior.
Marco Aurélio, então, atentou que as decisões judiciais precisam vir fundamentadas, ao passo que “basta que a Receita encaminhe ao banco um simples ofício, ou quem sabe um e-mail, de duas linhas pedindo os dados”[100].
Ao fim, o Tribunal, por 6 (seis) votos a 4 (quatro), negou referendo à cautelar, contra os votos dos Ministros Marco Aurélio (Relator), Cezar Peluso (Presidente), Ricardo Lewandowski e Ceslo de Mello, o que significa dizer que foi mantido o acesso do Fisco às informações bancárias do particular.
4.1.6. Recurso Extraordinário nº 38.980-8/PR; Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em 15/12/2010; D.J. em 09/05/2011[101]
Como dito, 20 (vinte) dias depois do julgamento da Ação Cautelar, o Supremo procedeu ao julgamento do recurso principal, e, surpreendentemente, o entendimento do Tribunal mudou radicalmente.
Mais uma vez, Marco Aurélio consignou que “apenas se permite o afastamento do sigilo mediante decisão de órgão equidistante, mediante ato do Estado-juiz, que não figura em relação jurídica a envolver interesses, e, mesmo assim, para efeito de persecução criminal”. Referiu-se ao primado do Judiciário, cuja atuação não poderia ser transferida a outros órgãos, e à prerrogativa de foro- “detendo-a o cidadão, só pode ter o sigilo afastado ante a atuação, fundamentada, do órgão judiciário competente”[102]. Assentou que “preceitos legais atinentes ao sigilo de dados bancários hão de merecer, sempre e sempre, interpretação, por mais que se potencialize o objetivo, harmônica com a Carta da República”[103].
Dias Toffoli considerou que a Lei 105/2001 respeita os direitos e garantias individuais quando criminaliza a quebra do sigilo, e que há, em verdade, transferência do dever de manter sigilo, e não quebra:
A Receita Federal já detém o conjunto maior, que corresponde à declaração do conjunto total de nossos bens. No nosso caso, essa obrigação anual se dá por força de lei, ex leges, não por força de decisão judicial. Se esse não fosse o caso, a Receita Federal teria, todo ano, de acionar o Judiciário para que ele compelisse os cidadãos brasileiros a apresentar anualmente sua declaração de bens, declaração do patrimônio total de bens. Esse é o conjunto maior; a atividade econômica, que é a movimentação bancária, é o conjunto menor. (...) não há que se considerar que um gerente de uma instituição privada, um caixa de banco privado, seja mais responsável que um auditor fiscal da receita federal do Brasil, que tem todas as responsabilidades e pode perder o seu cargo se descumprir a lei. A maioria dos brasileiros faz movimentação bancária em bancos privados, com caixas de banco, funcionários de bancos, escriturários de bancos, gerentes de bancos tendo acesso total a essas movimentações. (...)[104]
Carmem Lúcia se limitou a repetir o argumento de que se cuida de transferência, e não quebra de sigilo, e Ricardo Lewandowski acompanhou o voto do relator.
Ayres Britto consignou que os incisos X e XII, do artigo 5º, abonam a tese de que o que se proíbe não é o acesso a dados, mas o vazamento do conteúdo desses dados. Nesse viés, quando a lei fala em transferência de dados sigilosos, ela impõe também ao órgão destinatário desses dados a cláusula de confidencialidade. Dispôs que a tendência é que os dados relativos a patrimônio e renda tendem a ser cada vez mais escancarados, pois a sociedade precisa saber o modo pelos quais foram eles obtidos.
Gilmar Mendes mudou seu entendimento anterior para filiar-se à tese da reserva de jurisidição, mas, ao contrário de Marco Aurélio, Mendes não considera necessária a existência de uma investigação de índole criminal- isto é, o Juiz poderia determinar a quebra do sigilo com vistas à cobrança de um tributo, e não somente no curso de uma investigação de natureza penal.
Seguiu-se debate entre os Ministros e, ao fim, pedido de vistas da Ministra Ellen Gracie.
Ante a possibilidade de mudança do posicionamento do Tribunal (Gilmar Mendes mudou seu entendimento; Joaquim Barbosa, que votara pela quebra do sigilo, não estava agora presente; Ellen Gracie, também a favor da quebra, pediu vistas), o Ministro Marco Aurélio propôs a implementação de uma medida acauteladora para aguardar a conclusão da apreciação. Ellen Gracie esclareceu que seu pedido de vistas se deu apenas para permitir a presença de Joaquim Barbosa ao julgamento, a fim de que o Tribunal não profira resultados diferentes conforme sua composição eventual. Ante a proposta do Ministro Marco Aurélio, a Ministra suspendeu o pedido de vistas e manifestou-se pelo improvimento do Recurso Extraordinário.
Celso Mello repetiu o voto que proferira na cautelar, defendendo, em suma, que somente o Judiciário, órgão equidistante e não parte na relação tributária, poderia proceder à disclousure, sob pena de interferência indevida da esfera da vida privada:
(...) a transposição arbitrária, para o domínio público, de questões meramente pessoais, sem qualquer reflexo no plano dos interesses sociais, tem o significado de grave transgressão ao postulado constitucional que protege o direito à intimidade e à privacidade”.[105]
Referiu-se à colisão de direitos nos seguintes termos:
Vários podem ser, dentro desse contexto excepcional de conflituosidade, os critérios hermenêuticos destinados à solução das colisões de direitos, que vão desde o estabelecimentos de uma ordem hierárquica pertinente aos valores constitucionais tutelados, passando pelo reconhecimento do maior ou menor grau de fundamentalidade dos bens jurídicos em posição de antagonismo, até a consagração de um processo que, privilegiando a unidade e a supremacia da Constituição, viabilize-a partir da adoção de um critério de proporcionalidade na distribuição dos custos no conflito (JOSÉ CARLOS VIREIRA DE ANDRADE)- a harmoniosa composição dos direitos em situação de colidência.[106]
Cezar Peluso também deu provimento ao recurso, lembrando apenas que “a postura adotada em nada prejudica a administração pública, que pode, fundamentadamente, requerer ao Poder Judiciário, que lhe franqueará acesso aos dados de que precise”[107].
Ao fim, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto do relator, o Ministro Marco Aurélio, deu provimento ao recurso, isto é, foi pela impossibilidade de quebra do sigilo bancário por requisição direta da autoridade fiscal, contra os votos dos Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia, Ayres Britto e Ellen Gracie.
4.2. A oscilação do entendimento do Supremo Tribunal Federal
Ante o quadro acima traçado, três conclusões podem ser inferidas.
De início, observa-se que, quando o assunto é a quebra do sigilo bancário, jurisprudência e legislação brasileiras andaram juntas, até que as Leis Complementares 75/1993 e 105/2001 mudaram esse panorama. Veja-se.
Num primeiro momento, tribunais e legisladores consideravam o sigilo absolutamente inviolável, até que, em 1945, a Lei nº 8.495, em seu art. 3
º, permitiu o fornecimento de informações bancárias à Superintendência da Moeda e do Crédito.
Quatro anos depois, mais precisamente em 06.09.1949, no bojo do RMS nº 1.047-SP, o STF possibilitou a relativização o sigilo, por requisição judicial.
Posteriormente, a Lei nº 4.595/64, autorizou a quebra de sigilo, desde que em virtude de determinação judicial, sedimentando de vez tal possibilidade.
Décadas depois, foi editada a Lei nº 8.021/1990, estabelecendo que, iniciado o procedimento fiscal para lançamento de ofício do tributo (nos casos em que, constatado sinal exterior de riqueza, isto é, dados incompatíveis com a renda disponível do contribuinte), a autoridade fiscal poderia solicitar informações sobre as operações bancárias do contribuinte. Já em 1993, a Lei Complementar nº 75 conferiu aos membros do Ministério Público competência para requisitar a disclousure. Com arrimo neste diploma, a Corte Suprema, em 1995, no julgamento do Mandado de Segurança nº 21.729, considerou legítimo o pedido de quebra do segredo por parte de Procurador da República. Tal entendimento, porém, foi isolado; nos julgados que seguiram, o STF voltou a enquadrar a matéria na reserva de jurisdição.
Por fim, em 2001, juízes e legisladores se afastaram de vez, com o advento da LC 105, que permitiu ao Fisco requerer diretamente aos bancos as informações dos particulares.
Hoje, mais de uma década depois, a Corte ainda não chegou a uma resposta definitiva sobre o tema. Como bem apontado pela Ministra Ellen Gracie quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 38.980-8/PR, trata-se de matéria que oscila conforme a composição do Tribunal. Com efeito, no curto prazo de 20 (vinte) dias, a Corte tomou decisões em sentidos opostos- não obstante a primeira decisão dissesse respeito ao julgamento de Ação Cautelar, a de nº 33, vários Ministros adentraram no mérito da questão- o que é bastante preocupante do ponto de vista da segurança jurídica.
A segunda conclusão é exatamente a de que o Supremo não tem uma opinião consolidada sobre o assunto. O resultado dos julgamentos, na realidade, depende da composição da mesa do Plenário, o que faz com que as decisões tenham caráter circunstancial.
Por derradeiro, a análise dos acórdãos supra citados demonstra que, infelizmente, os Ministros não se debruçaram sobre o tema com a profundidade necessária.
O estudo da quebra do sigilo bancário demanda a análise de vários aspectos, dentre os quais as reais necessidades arrecadatórias do Estado nos dias atuais; o papel cada vez mais ativo do contribuinte e fiscalizador da Administração; a massificação das relações sociais; a gravidade da sonegação fiscal e da lavagem de dinheiro e suas proporções no mundo globalizado; a nova roupagem da intimidade.
A nosso ver, a maioria dos Ministros limitou-se a analisar superficialmente o tema, com exceção de Maurício em Corrêa, no Mandado de Segurança nº 21.729, em 1995, e, mais atualmente, no RE 38.980-8/PR, Celso de Mello- embora tenha o Ministro adotado tese oposta a aqui defendida, não se pode olvidar o brilhantismo do seu voto-, e Ellen Gracie, com quem se concorda inteiramente, sobretudo quando esta esclarece que:
Não há duvida de que toda e qualquer ingerência em questões privadas é, por definição, invasiva e, via de regra, desagradável. Contudo, vivemos em uma sociedade cada vez mais complexa em que é preciso ponderar inúmeros princípios para verificar, em cada situação, o que melhor cumpre os desígnios constitucionais pois às pessoas não são assegurados apenas espaços de liberdade, mas também impostas obrigações. [108]
Em comum, Ellen Gracie e Celso de Mello preocuparam-se com o sopesamento dos interesses dos particulares e da Administração, ou, em outros termos, lançaram mão do princípio da proporcionalidade, posição que, a nosso ver, parece ser a mais acertada, tal qual dito no anteriormente.
CONCLUSÃO
Por tudo o que foi dito aqui, é de se concluir que a questão da requisição direta de informações bancárias por parte do Fisco não tem uma única resposta certa, uma verdade absoluta- como, aliás, não as tem qualquer questão que envolva a colisão de princípios constitucionais.
Na tentativa de apontar uma solução, este estudo, com arrimo nas lições de Virgílio Afonso da Silva[109], lançou mão das seguintes etapas: a) análise daquilo que é protegido ela norma de direito fundamental; b) relação entre o que é protegido e suas possíveis restrições; c) como fundamentar o que é protegido e suas restrições.
Transportando as lições daquele doutrinador para o tema aqui estudado, definiu-se que o direito fundamental que se busca proteger com a proteção do sigilo bancário é a intimidade- ou, nos dizeres de Virgílio Afonso, a intimidade é o direito fundamental protegido prima facie, direito esse que pode vir a ser restringido, desde que por uma “intervenção estatal fundamentada”[110]. A relação entre os dois- intimidade e sigilo bancário- reside no fato de que o acesso às movimentações financeiras pode revelar aspectos que o indivíduo desejar manter afastados da coletividade, desejo esse que merece ser respeitado em nome da liberdade individual e dos direitos da personalidade.
Atendidas, portanto, as etapas “a” e “b”, bem como a parte inicial da etapa “c”- fundamentou-se o que é protegido.
Analisada a privacidade e a sua importância para o desenvolvimento da personalidade de cada sujeito e do Estado pluralista e democrático, passou-se, então, à observação do problema sob a ótica do Fisco- buscou-se, pois, fundamentar a restrição do direito fundamental intimidade, em atenção à parte final da etapa “c”, restrição aqui representada pela quebra do sigilo das operações bancárias.
Sob essa ótica, verificou-se que, ainda que se fale em crise do Estado Social, a Carta de 1988 impõe o modelo de Estado fornecedor de serviços, mas, de outro giro, restringe a casos excepcionais a exploração direta de atividade econômica por esse mesmo ente estatal. Nessa esteira, emerge a importante função social do tributo, principal fonte de arrecadação de verbas para os cofres públicos.
Outros pontos foram trazidos, como os princípios da justa tributação, da capacidade contributiva e a importância da fiscalização para garantir-lhes efetividade. Por seu turno, tal fiscalização deve levar em conta aspectos atuais da sociedade, tais quais a globalização, a informatização da economia, os fenômenos da substituição tributária, do lançamento por homologação, as proporções da lavagem de dinheiro e da sonegação fiscal, os parâmetros atuais da intimidade.
Lançando mão, então, da ponderação, técnica hermenêutica que busca solucionar a colisão de direitos fundamentais, concluiu-se que, se a relativização da intimidade, por meio da quebra do sigilo bancário pela Administração, tiver por escopo a efetivação do princípio da capacidade contributiva, a medida pode ser tida como razoável e justificável.
Repita-se uma última vez: é inegável que a orientação num ou noutro sentido tem forte carga valorativa. É bem possível que outra pessoa, utilizando-se também da ponderação, conclua que somente ao Judiciário é dado requerer a aludida quebra- como, inclusive, o fez Celso de Mello, no julgamento do RE 38.980-8[111].
Deve-se ter em mente, porém, que qualquer análise do tema somente será legítima se observar os delineamentos da intimidade na sociedade atual- delineamentos esses que parecem cada vez mais restritos-, bem como o novo papel da Administração Tributária e as dificuldades encontradas por esta no curso de sua atividade fiscalizadora.
Outrossim, parece que a posição aqui defendida vem sendo adotada pela maioria dos países, com vistas a combater a sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro, males esses que minam os cofres públicos, e, por conseguinte, castigam toda a sociedade.
De resto, concorda-se aqui com o ilustre Sacha Calmon Navarro Coêlho, para quem:
Não pode a ordem jurídica de um país razoavelmente civilizado fazer o sigilo bancário um baluarte em prol da impunidade, a favorecer proxenetas, lenões, bicheiros, corruptos, contrabandistas e sonegadores de tributos. O que cumpre ser feito é uma legislação cuidadosa que permita a manutenção dos princípios da privacidade e do sigilo de dados, sem torná-los bastiões da criminalidade.[112]
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[1] A importante distinção dos sujeitos passivos em contribuintes e responsáveis não influencia no objeto desse estudo, razão pela qual as três expressões serão aqui tidas como sinonímias.
[2] BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 389808, Relator Ministro Marco Aurélio. Disponível em: . Acesso em: 14.10.2011.
[3]Sobre essas teorias, COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 95-132.
[4] Não há um denominador comum em relação à fixação de contornos precisos que distingam privacidade e intimidade. Na doutrina pátria, por exemplo, Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco (em Curso de Direito Constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 377) consideram objetos da privacidade os comportamentos e acontecimentos atinentes aos relacionamentos pessoais em geral, às relações comerciais e profissionais que o indivíduo não deseja que se espalhem ao conhecimento público, ao passo que o objeto último do direito à intimidade seriam as conversações e os episódios ainda mais íntimos, envolvendo relações familiares e amizades mais próximas.
Já Tércio Sampaio Ferraz Júnior (em Sigilo de dados: o direito à privacidade e os limites a função fiscalizadora do Estado. Disponível em: <http://www.terciosampaioferrazjr.com.br/?q=/publicacoescientificas/28>. Acesso em: 14.11.2011) diz que a intimidade é o âmbito exclusivo que alguém reserva para si, sem nenhuma repercussão social, nem mesmo ao alcance da sua vida privada, pois esta, por mais isolada que seja, é sempre um viver entre os outros- na família, no trabalho, no lazer comum.
Em vista da pouca utilidade que uma eventual diferenciação poderia trazer para essa exposição, as expressões vida privada e intimidade serão aqui tidas como sinônimas.
[5]Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 14.10.2011.
[6] BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 21.
[7]BELLOQUE, Juliana Garcia. Sigilo bancário: análise crítica da LC 105/2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 22.
[8]FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos, e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p.179.
[9] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 59.
[10] Op cit, p. 45 e 46.
[11]COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 139.
[12]BASTOS, Celso. Estudos e Pareceres: direito público, constitucional, administrativo, municipal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, p.64.
[13]COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 139.
[14]Segundo notícia do jornal, O Globo, publicada em 18.04.2012. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/tecnologia/brasil-ja-terceiro-em-numero-de-usuarios-no-facebook-4680865>. Acesso em 29.04.2012.
[15] RANGEL, Carolina; CARVALHO, Julia; DINIZ. Laura. Eu quero ser Eike. In: Revista Veja. Editora Abril. Edição 2252. Ano 45, nº 3. 18.01.2012, p. 80.
[16]Op cit, p. 81.
[17]Op cit, p. 89.
[18]Op cit, p. 82.
[19]Op cit, p. 83.
[20]COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 189.
[21]ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 116.
[22] FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Palestra proferida no Simpósio Internacional sobre Sigilo Bancário, promovido pelo Centro de Estudos Victor Nunes Leal, em 15 de fevereiro de 2001. In: Revista da AGU, n.09, 2001. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/TemplateTexto.aspx?idConteudo=104461&id_site=1115&ordenacao=1>. Acesso em: 01.05.2012.
[23] COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 4.
[24]Op cit, p. 89.
[25]Op cit, p. 2 e 3.
[26]Op cit, 138.
[27]PETRY, Rodrigo Caramori, O Sigilo Bancário e a Fiscalização Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 190, julho/2011, p. 112 e 113.
[28]LC 105/2001. Disponível em: . Acesso em: 01.05.2012.
[29]PETRY, Rodrigo Caramori, O Sigilo Bancário e a Fiscalização Tributária. Revista Dialética de Direito Tributário, n. 190, julho/2011, p. 125.
[30]LC 105/2001, art. 6º - As autoridades e os agentes fiscais tributários da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios somente poderão examinar documentos, livros e registros de instituições financeiras, inclusive os referentes a contas de depósitos e aplicações financeiras, quando houver processo administrativo instaurado ou procedimento fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispensáveis pela autoridade administrativa competente. Disponível em: . Acesso em: 01.05.2012.
[31] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 200
[32] NABAIS, José Cassalta. Algumas reflexões sobre o actual estado fiscal. In: Revista da AGU, a. 2, n. 09, 2001. Disponível em: . Acesso em: 01.05.2012.
[33] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 202.
[34]Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: . Acesso em: 14.10.2011.
[35] MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008.
[36] BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 5 edição. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 536.
[37] MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 1528.
[38] NABAIS, José Cassalta. Algumas reflexões sobre o actual estado fiscal. In: Revista da AGU, a. 2, n. 09, 2001. Disponível em: . Acesso em: 01.052012.
[39]MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008, p. 102 e 103.
[40] Apesar de a Constituição referir-se, neste dispositivo, apenas aos impostos, já é assente que o princípio da capacidade contributiva abrange os tributos em geral. Como bem observa Hugo de Brito Machado, “é esse princípio que justifica a isenção de certas taxas, e até da contribuição de melhoria, em situações nas quais é evidente a inexistência de capacidade contributiva daquele de quem teria de ser o tributo cobrado”. (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32º edição. São Paulo: Malheiros. 2011, p. 39).
[41]ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3º edição. São Paulo: Método, 2009.
[42]MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008, p. 105.
[43]CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27º edição. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 96.
[44] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3º edição. São Paulo: Método, 2009.
[45] Fala-se aqui na maioria, porque não há qualquer norma geral no direito brasileiro que determine que tais tributos sejam necessariamente lançados de ofício, sendo possível que determinado ente preveja na legislação local a realização dos lançamentos dos seus tributos na modalidade que entender mais conveniente”. (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3º edição. São Paulo: Método, 2009, p. 399).
[46] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 3º edição. São Paulo: Método, 2009, p. 324.
[47] STF, Tribunal Pleno, ADI 1.851/AL, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 08.05.2002, DJ 22.11.2002, p.55.
[48]Para Hugo de Brito Machado o que se homologa é a apuração do montante devido, e não o pagamento. Sobre o tema: MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 32º edição. São Paulo: Malheiros. 2011, p.180.
[49] AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 389.
[50] Op cit, p. 391.
[51] SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O Acesso Direto aos Dados Bancários por parte do Fisco: A Transferência do Sigilo Bancário para o Sigilo Fiscal. In: PIZOLIO, Reinaldo; GAVALDÃO JR., Jayr Viégas (Coordenadores). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 132.
[52]NABAIS, José Cassalta. Algumas reflexões sobre o actual estado fiscal. In: Revista da AGU, a.2, n. 09, 2001. Disponível em: . Acesso em: 16.10.2011.
[53] Essa má gestão, porém, não pode servir de fundamento para a sonegação de tributos. Trata-se, em verdade, de dois sérios problemas a serem combatidos para que finalmente se concretizem os objetivos sociais traçados na Constituição.
[54]MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sistema tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 12.
[55] Santos Júnior, Rosivaldo Toscano dos. Colarinhos manchados de sangue. Disponível em: <http://blogdofred.folha.blog.uol.com.br/arch2009-07-05_2009-07-11.html#2009_07-09_11_28_39-126390611-0>. Acesso em: 12.10.2012.
[56] Araújo, Marco Antônio Mendes. A flexibilização do sigilo bancário como forma de combate à lavagem de bens. Monografia final apresentada para conclusão do curso de Bacharelado em Direito. Recife, 2009.
[57] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001.
[58] COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 30.
[59] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 104.
[60] COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 152.
[61] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 97.
[62] Op cit, p. 104.
[63] Brasil: para uma Economia Mundial mais Forte, Limpa e Justa. Disponível em: < http://www.oecd.org/dataoecd/34/13/46532840.pdf>. Acesso em: 01.05.2012.
[64] MORAES GODOY, Arnaldo Sampaio. Fisco Deve ter Acesso a Dados de Contribuintes. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-mai-30/autorizacao-judicial-acessar-dados-banco-compromete-transparencia>. Acesso em: 01.05.2012.
[65]Brasil: Para uma Economia Mundial mais Forte, Limpa e Justa. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/34/13/46532840.pdf>. Acesso em: 01.05.2012.
[66] MORAES GODOY, Arnaldo Sampaio. Fisco Deve ter Acesso a Dados de Contribuintes. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2011-mai-30/autorizacao-judicial-acessar-dados-banco-compromete-transparencia>. Acesso em: 01.05.2012.
[67] GIANNETTI, Francesco. O sigilo bancário em face do atual ordenamento jurídico brasileiro. O Acesso Direto aos Dados Bancários por parte do Fisco: A Transferência do Sigilo Bancário para o Sigilo Fiscal. In: PIZOLIO, Reinaldo; GAVALDÃO JR., Jayr Viégas (Coordenadores). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 437/438.
[68] Tercio Sampaio Ferraz Júnior fala em fundamento objetivo, isto é, em nome de que interesse a privacidade pode ser excepcionada e em fundamento subjetivo- quem pode excepcioná-la. (FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Direito constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos, e outros temas. São Paulo: Manole, 2007, p. 181).
[69] Neste trabalho, as expressões “proporcionalidade” e “ponderação” serão tidas como sinônimas.
[70] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 6º edição, Lisboa: Almedina, 2002, p. 1209 Apud DIDER JÚNIOR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, 14º edição, 2012, p. 186.
[71]SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal. 1º edição. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2003, p. 22.
[72] Há diversas celeumas doutrinárias quanto a ser a proporcionalidade um princípio. Humberto Ávila, por exemplo, leciona que a proporcionalidade é uma estrutura formal de raciocínio de aplicação de aplicação de normas, e não um princípio. Cuidar-se-ia, em verdade, de uma máxima ou postulado. Por se tratar de discussão que foge aos objetivos desse estudo, manter-se-á aqui o uso da expressão “princípio da proporcionalidade”.
[73] Por exemplo, Sérgio Covello, Luciana Grassano Gouvêa de Mélo, Maria José Oliveira Lima Roque, Oswaldo Othon de Pontes Saraiva Filho, José Cassalta Nabais.
[74] COVELLO, Sergio Carlos. As normas de sigilo como proteção à intimidade. São Paulo: Sejac, 1999, p. 57.
[75] Op, cit, p. 162.
[76] Op cit, p. 59.
[77] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Civil: Teoria Geral. Coimbra: Coimbra, 1998. p. 97. vol. I. Apud BELTRÃO, Silvio Romero. Direito da personalidade à intimidade. Disponível em: <www.tjpe.jus.br/cej/revistas/num1/cap09.pdf>. Acesso em: 14.10.2011.
[78]MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 26º edição. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 59.
[79]Op. Cit, p. 61.
[80]Op. Cit, p. 61.
[81] MÉLO, Luciana Grassano de Gouvêa. Estado social e tributação: uma abordagem sobre o dever de informar e a responsabilidade por infração. Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2008, p. 141- 143.
[82] Por todos: REALE, Miguel. MARTINS, Ives Gandra da Silva. Sigilo Bancário. Inconstitucionalidade do Decreto .n 4.489 de 28/11/2002 por Macular o Processo Legislativo Plasmado na Lei Suprema e Infringir Direitos Fundamentais do Cidadão- Opinião Legal. In: PIZOLIO, Reinaldo; GAVALDÃO JR., Jayr Viégas (Coordenadores). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 43-72.
[83] ROQUE, Maria José Oliveira Lima. Sigilo Bancário e Direito à Intimidade. Curitiba: Juruá, 2001, p. 117.
[84] Como o inteiro do teor do original deste julgado está ilegível no site do STF, o relato aqui descrito tomou como base o voto do Ministro Maurício Corrêa no julgado Mandado de Segurança nº 21.729 (Relator Ministro Marco Aurélio; Julgamento em 05/10/1995; D.J. em 19/10/2001), fls. 15 a 18. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.729-4. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ, 19 out., 2001. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[85] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.729. Páginas 16/17. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[86] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 1.959-DF, Relator Ministro Luiz Gallotti. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[87] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 1.959-DF, Relator Ministro Luiz Gallotti, P. 69. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[88] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 1.959-DF, Relator Ministro Luiz Gallotti, P. 73. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[89] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 1.959-DF, Relator Ministro Luiz Gallotti, P. 76. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[90] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição nº 577. Relator Ministro Carlos Velloso. DJ , 23 mar., 1992. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[91] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição nº 577. Relator Ministro Carlos Velloso, p. 06. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[92] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.729. Relator Ministro Marco Aurélio, DJ 19.10.2001. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[93] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança nº 21.729. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 32. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[94] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ, 09 mai., 2001. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[95] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança 23851. Relator Ministro Celso de Mello, julgado em 26.09.2001. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=369791> Acesso em: 17.11.2012.
[96] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Petição 2790, Relator Ministro Nelson Jobim, julgado em 29.10.2002. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2309493>. Acesso em: 17.11.2012.
[97] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 33-5. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ, 09 fev., 2001. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[98] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 33-5. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 68 . Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[99] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 33-5. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 69 e 71. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012. 69 e 71
[100] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 33-5. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 82. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[101] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ, 09 mai., 2001. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[102] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 11. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[103] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 12. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[104] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 14/15. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[105] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 44. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[106] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 52. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[107] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 61. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[108] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Cautelar nº 33-5. Relator Ministro Marco Aurélio, P. 63/64. Disponível em: . Acesso em: 17.11.2012.
[109] SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais. Disponível em: < http://teoriaedireitopublico.com.br/pdf/2006-RDE4-Conteudo_essencial.pdf>, p. 40/41. Acesso em: 20.11.2012.
[110] “O corre que é perfeitamente possível que haja, ao mesmo tempo, uma intervenção estatal em um direito fundamental e uma fundamentação para essa intervenção. Nesses casos, fala-se em intervenção estatal fundamentada. Quando isso ocorre, não se está diante de uma violação de um direito fundamental, mas diante de uma restrição. Essa formalização ilustra bem, portanto, o caráter não-absoluto dos direitos fundamentais e a centralidade do exame da fundamentação das restrições para a dogmática dos direitos fundamentais e para a decisão final acerca de sua constitucionalidade (restrição permitida) ou inconstitucionalidade (violação). Como se pode perceber, um dos pontos centrais da tese defendida é a restringibilidade dos direitos fundamentais. Se isso é assim, não há como se esquivar da uma análise detalhada do próprio conceito de restrição a direitos, de sua relação com o próprio direito e da principal forma de controle de restrições, a regra da proporcionalidade”. Op cit, p. 35.
[111] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 38.980-8. Relator Ministro Marco Aurélio. DJ, 09 mai., 2001. Disponívelhttp://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?incidente=2129315>. Acesso em: 17.11.2012.
[112] COELHO, Sacha Calmon Navarro. "Princípios Constitucionais Tributários", Cadernos de Pesquisas (25) Tribuárias, vol. 18. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1993 Apud SARAIVA FILHO, Oswaldo Othon de Pontes. O Acesso Direto aos Dados Bancários por parte do Fisco: A Transferência do Sigilo Bancário para o Sigilo Fiscal. In: PIZOLIO, Reinaldo; GAVALDÃO JR., Jayr Viégas (Coordenadores). Sigilo Fiscal e Bancário. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 138.
Oficiala de Justiça Avaliadora Judicial na Justiça Federal de Pernambuco. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco em 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MONTEIRO, Camila de Carvalho. Quebra do Sigilo Bancário pela Administração Tributária: Análise da constitucionalidade do tema à luz dos princípios constitucionais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 jun 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39723/quebra-do-sigilo-bancario-pela-administracao-tributaria-analise-da-constitucionalidade-do-tema-a-luz-dos-principios-constitucionais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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