INTRODUÇÃO
Apesar de a Constituição Federal estabelecer, em seu artigo 37, inciso XXI, a obrigatoriedade da realização de licitação como condição para celebração de contratos pela Administração Pública, ressalvou que a legislação poderia estabelecer situações em que a Administração poderá contratar sem que tenha que licitar.
Em razão disso, são previstas na Lei Geral de Licitações, Lei nº 8.666/93, em seus artigos 24 e 25 as hipóteses em que o agente público poderá deixar de realizar a licitação, promovendo a contratação direta do contratado. No primeiro dispositivo estão os casos de dispensa e no segundo, os de inexigibilidade de licitação.
O presente artigo se restringirá à inexigibilidade de licitação na hipótese de serviços desenvolvidos de forma exclusiva por uma determinada pessoa jurídica, que não se enquadram nos serviços técnicos apontados pelo art. 13 da Lei nº 8.666/93.
Da inexigibilidade de licitação para o fornecedor de serviços
Um dos fundamentos básicos da licitação é a competição. Realiza-se a licitação para se obter a proposta mais vantajosa para Administração, não podendo ocorrer quando não houver competitividade em relação ao objeto licitado. [1]
A inexigibilidade de licitação deriva justamente da inviabilidade de competição para o fornecimento dos bens ou serviços demandados pela Administração (art. 25 da Lei nº 8.666/93).
“Diferente da dispensa, em que a competição é possível, porém o legislador permite não fazê-la; na inexigibilidade, a competição é inviável, o que torna inócuo o procedimento licitatório, cuja razão de ser é, justamente, fomentar a competição em busca da melhor proposta, para o atendimento do interesse público”.[2]
As hipóteses de inexigibilidade de licitação estão dispostas no artigo 25 da Lei nº 8.666/93, que assim estabelece:
Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:
I - para aquisição de materiais, equipamentos, ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, vedada a preferência de marca, devendo a comprovação de exclusividade ser feita através de atestado fornecido pelo órgão de registro do comércio do local em que se realizaria a licitação ou a obra ou o serviço, pelo Sindicato, Federação ou Confederação Patronal, ou, ainda, pelas entidades equivalentes;
II - para a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 desta Lei, de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização, vedada a inexigibilidade para serviços de publicidade e divulgação;
III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.
A primeira hipótese de inexigibilidade contemplada no inciso I diz respeito à existência de fornecedor exclusivo. A existência de um único fornecedor torna inviável a realização da licitação porque o material somente pode ser fornecido por uma única pessoa. Já o inciso II se relaciona à contratação de serviços técnico-profissionais especializados apontados pelo art. 13 da Lei 8.666/93 e, por fim, a última hipótese, tratada no inciso III, é a do profissional de qualquer setor artístico.
Deve-se ressalvar, contudo, que as hipóteses indicadas nos incisos I a III do art. 25 não são exaustivas. A expressão “em especial” deixa clara a opção do legislador de não restringir as hipóteses de inexigibilidade àquelas previstas no dispositivo citado, o que significa que em outras situações que a competição se mostre inviável, a licitação também será inexigível. Assim, “além das três hipóteses expressamente indicadas – fornecedor exclusivo, serviços técnicos especializados e serviços artísticos – a lei permite que outras possam vir a legitimar a contratação sem licitação”[3].
Aliás, essa é mais uma distinção entre a dispensa e a inexigibilidade de licitação. Enquanto as hipóteses de dispensa são exaustivas (art. 17, I e II, e art. 24 da Lei nº 8.666/93), não podendo o administrador criar outra hipótese de contratação direta, além daquelas expressamente previstas na lei, os casos de inexigibilidade não se exaurem nas disposições legais, as quais consignam, apenas exemplificativamente, algumas situações.[4]
Portanto, o caput do art. 25 apresenta função normativa autônoma, de modo que uma contratação direta poderá nele se fundar de forma exclusiva. Não se impõe que a hipótese seja enquadrada em um dos incisos do referido art. 25, que possui natureza exemplificativa.
Sobre o tema, vale transcrever a lição de Marçal Justen Filho[5]:
“Tratando-se de instituto complexo como se passa com a inexigibilidade, sua extensão dificilmente poderia ser estabelecida de modo meramente teórico. Dá-se um exemplo bastante esclarecedor. Se não existissem os três incisos do art. 25, muitos seriam tentados a restringir a inexigibilidade apenas aos casos de ausência de pluralidade de alternativas. A existência do dispositivo do inc. III evidencia que o conceito de inviabilidade de competição tem de ser interpretado amplamente, inclusive para abranger os casos de impossibilidade de julgamento objetivo. Em outras palavras, a análise dos incisos do art. 25 permite identificar o conceito de inviabilidade de competição consagrado no caput do dispositivo.”
Assim, sempre que os serviços demandados pela Administração forem desenvolvidos de forma exclusiva por uma determinada pessoa jurídica, não havendo similitude fática com as hipóteses dos incisos I, II e III, teremos seu enquadramento no caput do art. 25.
“Nessa feita, é tecnicamente inadequada a indicação do inciso I do artigo 25 como fundamento legal para a contratação direta, por inexigibilidade, de serviço contratado junto a fornecedor exclusivo”.[6] Isso porque a hipótese do inciso I é destinada às compras em que o fornecedor for único ou exclusivo, não podendo abranger serviços.
Sobre o tema, aliás, o Advogado-Geral da União expediu Orientação Normativa para os órgãos jurídicos subordinados – Orientação Normativa AGU nº 15, de 1º de abril de 2009, com o seguinte verbete:
“A contratação direta com fundamento na inexigibilidade prevista no art. 25, inc. I, da Lei nº 8.666, de 1993, é restrita aos casos de compras, não podendo abranger serviços”.
Não significa, entretanto, que no caso de necessidade de contratação de serviço prestado por fornecedor exclusivo, a licitação seria obrigatória por falta de amparo legal. O que importa, para se enquadrar na situação de inexigibilidade, é que o objeto a ser contratado seja fornecido ou prestado por uma única pessoa, o que pode ocorrer tanto nas hipóteses de aquisição, prevista no inciso I, como nas situações de contratação de um serviço.
Tratando-se de serviços prestado por fornecedor exclusivo, a inviabilidade de competição permitirá a contratação direta por inexigibilidade, tendo por fundamento, no entanto, o caput do art. 25 e não seu inciso I.
Nesse sentido, é a orientação do Tribunal de Contas da União:
“É lícita a contratação de serviços com fulcro no art. 25, caput, sempre que comprovada a inviabilidade de competição. Ressalte-se que, na hipótese de contratação de serviços, o fundamento legal deverá ser o caput, posto que o inciso I trata apenas de compras. É mister, ainda, a comprovação da exclusividade na prestação do serviço.” (TC – 300.061/95-1 – TCU)
CONCLUSÃO
Diante do que foi aqui exposto, é tecnicamente inadequada a indicação do inciso I do artigo 25 como fundamento legal para a contratação direta, por inexigibilidade, de serviço contratado junto a fornecedor exclusivo.
A contratação direta por inexigibilidade de licitação pela Administração Pública, no caso de serviço prestado por fornecedor exclusivo, tem como fundamento legal o caput do art. 25 da Lei nº 8.666/93 e não seu inciso I.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FURTADO, Lucas. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 3ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 4ª edição. Salvador: JUSPodivm, 2011.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: São Paulo, 2009.
Notas:
[1] FURTADO, Lucas. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 3ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 90.
[2] CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Públicas Comentadas. 4ª edição. Salvador: JUSPodivm, 2011.
[3] FURTADO, Lucas. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. 3ª edição. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
[4] Nesse sentido, vide TC/RS – Processo nº 4.707-02.00/93-5.
[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª edição. São Paulo: São Paulo, 2009, p. 348.
[6] CHARLES, Ronny. Leis de Licitações Públicas Comentadas, 4ª edição, p. 178.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Flavia de Andrade Soares. A inexigibilidade de licitação para o fornecedor de serviços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39735/a-inexigibilidade-de-licitacao-para-o-fornecedor-de-servicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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