Resumo: Este artigo tem por finalidade analisar a aplicação da penalidade de proibição de contratar com o Poder Público por entidade pública não lesada pelo ato improbo, bem como a necessidade do trânsito em julgado para sua aplicação.
Palavras-Chave: Ação de Improbidade Administrativa. Proibição de contratar com o Poder Público. Desnecessidade de trânsito em julgado. Aplicação por entidade pública não lesada.
Sumário: I. Dos entes públicos que devem observar a sanção de proibição de contratar com o Poder Público; II. Da desnecessidade de trânsito em julgado da decisão judicial; III. Da condenação à proibição de contratar com o Poder Público e a manutenção dos contratos vigentes; IV. Conclusão.
I. Dos entes públicos que devem observar a sanção de proibição de contratar com o Poder Público
Os incisos do art. 12 da Lei nº 8.429, de 1992, elencam como uma das modalidades de sanção a proibição de contratar com o Poder Público, nos seguintes termos:
Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:
I - na hipótese do art. 9°, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Na lição de Wallace Paiva Martins Junior, esta sanção é absoluta, irradiando-se para todo e qualquer nível de governo (federal, estadual e municipal) e de Administração (direta, indireta e fundacional).[1]
Assim, a expressão ‘Poder Público’ abrange todas as entidades da esfera municipal, estadual e federal, direta ou indireta e a proibição de contratar não se restringe ao ente público lesado porque a lei não contém tal restrição. Quisesse o legislador restringir a sanção, inseriria o termo “lesado” ou “prejudicado” ou equivalente, após a expressão “Poder Público”. Como não o fez, a única interpretação possível é a de que a proibição abrange o Poder Público em geral.
A sanção de proibição de contratar com o Poder Público possui, pois, a característica de generalidade e engloba, automaticamente, toda a Administração Pública.
Logo, apesar de determinada entidade pública não ter sido parte no processo de improbidade, a condenação ali proferida deve ser por ela observada.
II. Da desnecessidade de trânsito em julgado da decisão judicial
Cumpre registrar que não é necessário aguardar-se o trânsito em julgado da decisão judicial para aplicar a sanção de proibição de contratar com o Poder Público.
Ressalte-se que a Lei nº 8429/92, em seu art. 20, dispõe que as penalidades de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos só? se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória, sendo essas, então, as únicas penalidades previstas na Lei em apreço que exigem o trânsito em julgado da condenação para sua exequibilidade.
Tal conclusão, portanto, tem por fundamento o fato de que a pena de proibição de contratar com o Poder Público não consta, de forma expressa, no art. 20 da Lei nº 8.429, de 1992, in verbis:
Art. 20. A perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos só se efetivam com o trânsito em julgado da sentença condenatória
A penalidade de proibição de contratar com o Poder Público pode, então, ser executada antes do trânsito em julgado da ação, ou seja, em sede de execução provisória.
Observe-se que apesar de a jurisprudência não ser pacífica quanto à necessidade de se aguardar o trânsito em julgado da decisão judicial para aplicação da penalidade de proibição de contratar com o Poder Público, a aplicação literal do art. 20 da Lei nº Lei nº 8.429, de 1992, encontra respaldo, no âmbito da Administração Federal, no Parecer da Consultoria-Geral da União nº 113/2010/DECOR/CGU/AGU, aprovado pelo Senhor Advogado-Geral da União.
III. Da condenação à proibição de contratar com o Poder Público e a manutenção dos contratos vigentes
Cumpre registrar que a condenação a este tipo de sanção nada impede a manutenção de contratos firmados, eventualmente existentes, nos termos das conclusões exaradas no Despacho do Senhor Advogado-Geral da União, proferido ao aprovar o Parecer da Consultoria-Geral da União nº 113/2010/DECOR/CGU/AGU, a seguir transcritas:
“(...) Entretanto, é evidente que os direitos das partes condenadas por improbidade administrativa em primeiro grau que, antes de proferida a sentença, já detenham contratos administrativos em plena vigência com a Administração Pública Federal devem ser preservados, desde que inexistentes outros motivos suficientes para a respectiva anulação ou rescisão.
Nesse sentido, a jurisprudência da Primeira Seção (Direito Público) do Superior Tribunal de Justiça, firmada em torno do art. 87 da Lei 8.666/93, é pacífica no sentido de que a pena de declaração de inidoneidade não deve automaticamente atingir os contratos administrativos válidos e em curso de execução, tendo em vista que seus efeitos se projetam apenas para o futuro (ex nunc). Ressalva-se, no entanto, a possibilidade de adoção de medidas administrativas específicas para rescindir (ou mesmo anular) os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93, verbis:
ADMINISTRATIVO. DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE, PARA LICITAR E CONTRATAR COM A ADMINISTRAÇAO PUBLICA. VICIOS DO PROCESSO ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS EX NUNC DA DECLARAÇÃO DE INIDONEIDADE: SIGNIFICADO.
1. Ainda que reconhecida a ilegitimidade da utilização, em processo administrativo, de conversações telefônicas interceptadas para fins de instrução criminal (única finalidade autorizada pela Constituição -art. 5°, XII), não há nulidade na sanção administrativa aplicada, já que fundada em outros elementos de prova, colhidas em processo administrativo regular, com a participação da empresa interessada.
2. Segundo precedentes da Ia Seção, a declaração de inidoneidade "só produz efeito para o futuro (efeito ex nunc), sem interferir nos contratos já existentes e em andamento" (MS 13.101/DF, Min. Eliana Calmon, DJe de 09.12.2008). Afirma-se, com isso, que o efeito da sanção inibe a empresa de "licitar ou contratar com a Administração Pública" (Lei 8666/93, art. 87), sem, no entanto, acarretar, automaticamente, a rescisão de contratos administrativos já aperfeiçoados juridicamente e em curso de execução, notadamente os celebrados perante outros órgãos administrativos não vinculados à autoridade impetrada ou integrantes de outros entes da Federação (Estados, Distrito Federal e Municípios). Todavia, a ausência do efeito rescisório automático não compromete nem restringe a faculdade que têm as entidades da Administração Pública de, no âmbito da sua esfera autônoma de atuação, promover medidas administrativas específicas para rescindir os contratos, nos casos autorizados e observadas as formalidades estabelecidas nos artigos 77 a 80 da Lei 8.666/93.
3. No caso, está reconhecido que o ato atacado não operou automaticamente a rescisão dos contratos em curso, firmados pela impetrante.
4. Mandado de segurança denegado, prejudicado o agravo regimental. (MS 13.964/DF, ReI. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009)
Citem-se outros precedentes da Primeira Seção na mesma linha de entendimento que demonstram a sedimentação da jurisprudência daquela Corte Superior: AgRg no REsp 1148351/MG, ReI. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/03/2010, DJe 30/03/2010; MS 14.002/DF, ReI. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 28110/2009, DJe 06111/2009; MS 13.964/DF, ReI. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13/05/2009, DJe 25/05/2009; MS 13.IOI/DF, ReI. Ministro JOSÉ DELGADO, ReI. p/ Acórdão Ministra ELIANA CALMON, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/05/2008, DJe 09112/2008.
(...)”
Logo, utilizando jurisprudência adotada para o caso do inciso IV do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, de acordo com o Advogado-Geral da União, os contratos já vigentes não devem ser rescindidos apenas em decorrência de condenação judicial por improbidade administrativa à sanção de proibição de contratar com o Poder Público, porém, permanece a possiblidade de a Administração adotar medidas específicas para rescindir (ou mesmo anular) estes contratos, desde que observadas as formalidades constantes dos arts. 77 a 80 da Lei de Licitações.
IV. Conclusão
Diante do exposto, conclui-se que a condenação à sanção de proibição de contratar com o Poder Público, prevista na Lei nº 8.429, de 1992, se estende à entidade pública não lesada pelo ato improbo, independentemente do trânsito em julgado de decisão judicial condenatória, mas não abrange os contratos já vigentes.
Referência:
MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002.
Notas:
[1] MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa. 2ª Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2002. 327p.
Procuradora Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KELLY BENíCIO BAILãO, . Da aplicação da penalidade de proibição de contratar com o Poder Público, em decorrência de condenação por Improbidade Administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39739/da-aplicacao-da-penalidade-de-proibicao-de-contratar-com-o-poder-publico-em-decorrencia-de-condenacao-por-improbidade-administrativa. Acesso em: 27 dez 2024.
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