RESUMO: O estudo que se segue apresenta os limites subjetivos e objetivos ao instituto da desapropriação.
PALAVRAS CHAVE: Desapropriação. Limites.
INTRODUÇÃO
A desapropriação é o procedimento utilizado pelo Poder Público, com base na supremacia do interesse coletivo, para adquirir de um particular a propriedade de determinado bem ou direito, mediante o pagamento de justa indenização.
Nesse sentido também se posiciona a doutrina. José dos Santos Carvalho Filho, por exemplo, nos informa que a desapropriação “é o procedimento de direito público pelo qual o Poder Público transfere para si a propriedade de terceiro, por razões de utilidade pública ou de interesse social, normalmente mediante o pagamento de indenização”[1].
Já Celso Antonio Bandeira de Mello preconiza que:
Do ponto de vista teórico, pode-se dizer que desapropriação é o procedimento através do qual o Poder Público compulsoriamente despoja alguém de uma propriedade e a adquire, mediante indenização, fundado em um interesse público. Trata-se, portanto, de um sacrifício de direito imposto ao desapropriado.
À luz do Direito Positivo brasileiro, desapropriação se define como o procedimento através do qual o Poder Público, fundado em necessidade pública, utilidade pública ou interesse social,, compulsoriamente despoja alguém de um bem certo, normalmente adquirindo-o para si, em caráter originário, mediante indenização prévia, justa e pagável em dinheiro, salvo no caso de certos imóveis urbanos ou rurais, em que, por estarem em desacordo com a função social legalmente caracterizada para eles, a indenização far-se-á em títulos da dívida pública, resgatáveis em parcelas anuais e sucessivas, preservado seu valor real[2].
Como se depreende das lições doutrinárias ora apostas, tem-se que o intuito do Poder Público ao utilizar o instituto da desapropriação é, portanto impor um sacrifício do particular em prol do bem da coletividade, do bem comum. Essa prerrogativa estatal, no entanto, obedece a limitações.
DAS LIMITAÇÕES A DESAPROPRIAÇÃO
Uma primeira e mais explicita barreira diz respeito à titularidade do bem a ser expropriado. Aqui, interessante citar o disposto no art. 2º do Decreto-Lei nº 3.365/1941, segundo o qual, tratando-se de desapropriação de bens de outros entes federados, exige-se uma autorização legislativa. Vejamos:
Decreto-Lei nº 3.365/1941
Art. 2° Mediante declaração de utilidade pública, todos os bens poderão ser desapropriados pela União, pelos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios.
§ 2° Os bens do domínio dos Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios poderão ser desapropriados pela União, e os dos Municípios pelos Estados, mas, em qualquer caso, ao ato deverá preceder autorização legislativa.
§ 3° É vedada a desapropriação, pelos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios de ações, cotas e direitos representativos do capital de instituições e empresas cujo funcionamento dependa de autorização do Governo Federal e se subordine à sua fiscalização, salvo mediante prévia autorização, por decreto do Presidente da República.
O § 2º do art. 2º do Decreto citado, portanto, impede que Estados e Municípios desapropriem bens da União, assim como veda que os Municípios desapropriem bens dos Estados. Assim, a União pode desapropriar bens dos Estados e dos Municípios, ao passo que os Estados podem desapropriar bens municipais.
Com efeito, José dos Santos Carvalho Filho assevera que a possibilidade de desapropriação pelos entes maiores ante o fundamento da preponderância do interesse, lembrando, no entanto, que um Estado não pode desapropriar bens de outros Estados ou de Municípios situados em Estados diversos, nem podem os Municípios desapropriar bens de outros Municípios. Nas palavras do doutrinador:
Embora seja possível, a desapropriação de bens públicos encontra limites e condições na lei geral de desapropriações. A possibilidade expropriatória pressupõe a direção vertical das entidades federativas: a União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e os Estados podem desapropriar bens do Município. Assim sendo, chega-se à conclusão de que os bens da União são inexpropriáveis e que os Municípios não têm poder expropriatório sobre os bens das pessoas federativas maiores.
A despeito de não ser reconhecido qualquer nível de hierarquia entre os entes federativos, dotados todos de competências próprias alinhadas no texto constitucional, a doutrina admite a possibilidade de desapropriação pelos entes maiores ante o fundamento da preponderância do interesse, no qual está no grau mais elevado o interesse nacional, protegido pela União, depois o regional, atribuído aos Estados e Distrito Federal, e por fim o interesse local, próprio dos Municípios.[3]
Celso Antonio Bandeira de Mello[4], quanto ao assunto, afirma que “bens públicos podem ser desapropriados, nas seguintes condições e forma: a União poderá desapropriar bens dos Estados, Municípios e Territórios; os Estados e Territórios poderão expropriar bens de Municípios. Já as recíprocas não são verdadeiras. Sobremais, há necessidade de autorização legislativa do poder expropriante para que se realizem tais desapropriações”. E continua:
Além disso, Municípios não podem desapropriar bens das autarquias federais e dos Estados e estes não desapropriam bens das autarquias da União, pois não teria sentido que tais entidades administrativas, tendo sido criadas como pessoas públicas, havidas como meio eficiente de realização de propósitos desta ordem, ficassem ao desabrigo da norma protetora. Seria inaceitável que União e Estados, ao adotarem processos reputados mais eficientes de atuação, fossem onerados exatamente por isso, ao criarem entidades que co-participam de suas naturezas no aspecto administrativo.
Já a vedação imposta pelo § 3° do art. 2° do Decreto Lei é expressão da repartição de competências prevista constitucionalmente, evitando que os Estados e Municípios assumam o controle de determinado serviço concedido pela União. Com efeito, para Celso Antonio Bandeira de Mello, “este dispositivo, de um lado, fortifica a Inteligência que indicamos para o caso das autarquias e, de outro lado, protege, nos limites indicados pelo artigo referido, concessionários de serviços públicos federais, sociedades de economia mista e empresas públicas da União, bem como quaisquer outras pessoas por elas autorizadas ou sujeitas à sua fiscalização”.[5]
Assim, como se observa, há expressa vedação legal, de Estados, Distrito Federal e Municípios realizarem desapropriação de direitos representativos de capital de concessionárias de serviço público concedido pela União por representar, esse ato, em verdadeira assunção do serviço público, afrontando o sistema de divisão de competências entre entes federados previsto na Constituição Federal.
Em relação aos bens em poder do concessionário de serviço público concedido pela União duas hipóteses se apresentam: a) os bens não estão afetados a prestação do serviço público e; b) os bens estão afetados a prestação do serviço público.
Na primeira hipótese, os bens são privados e não estão afetados a prestação do serviço público concedido. Esses bens regem-se estritamente pelo direito privado.
Na segunda hipótese, os bens podem ser públicos (integram o domínio do poder concedente) ou privados (não integram o domínio do poder concedente, mas, com a extinção da concessão serão revertidos ao poder público para dar continuidade a prestação do serviço público). Nesse caso, os bens são essenciais à regularidade e continuidade do serviço público e não podem ser desatrelados da sua função. O regime dos bens privados aqui se equipara ao regime dos bens públicos de uso especial (art. 99 e 100 do Código Civil).
Essa limitação quanto à disposição do bem fica mais evidente na Lei nº 8.977/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos:
Lei nº 8.977/1995
Art. 28. Nos contratos de financiamento, as concessionárias poderão oferecer em garantia os direitos emergentes da concessão, até o limite que não comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação do serviço.
Da leitura da norma, percebe-se que a intenção legislativa foi resguardar a continuidade da prestação do serviço, restringindo quais bens podem ser oferecidos em garantia. A finalidade normativa guarda plena consonância com a titularidade do serviço. Ora, se o particular atua por delegação do poder público para prestação do serviço, nada mais lógico que o regime legal dos bens reversíveis (afetados a realização do serviço) siga os regramentos dos bens públicos.
Nesse sentido, podemos destacar o magistério de Marçal Justen Filho:
Na pendência da concessão, a situação jurídica do concessionário quanto aos bens públicos é equivalente à de um possuidor, ainda que ele não exercite poderes sobra a coisa tal como se proprietário fosse.
Quanto aos bens públicos, incumbe ao particular promover sua manutenção, conservação e aperfeiçoamento. Uma vez encerrada a concessão, a “posse” desses bens será retomada pela entidade concedente e, se for o caso, transferida para um novo concessionário.
Mas há também bens privados do concessionário, aplicados à prestação do serviço público. São bens integrantes do patrimônio do próprio concessionário (em princípio). Esses bens se sujeitam a um regime jurídico especial. Não são bens públicos porque não integram o domínio do poder concedente. No entanto, sua afetação à prestação do serviço produz a aplicação do regime jurídico de bens públicos. Logo, esses bens não são penhoráveis nem podem ser objeto de desapossamento compulsório por dívidas do concessionário.[6]
Esse, inclusive, é o entendimento que vem prevalecendo na jurisprudência pátria:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
DESAPROPRIAÇÃO, POR ESTADO, DE BEM DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FEDERAL QUE EXPLORA SERVIÇO PÚBLICO PRIVATIVO DA UNIÃO.
1. A União pode desapropriar bens dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e dos territórios e os Estados, dos Municípios, sempre com autorização legislativa especifica. A lei estabeleceu uma gradação de poder entre os sujeitos ativos da desapropriação, de modo a prevalecer o ato da pessoa jurídica de mais alta categoria, segundo o interesse de que cuida: o interesse nacional, representado pela União, prevalece sobre o regional, interpretado pelo Estado, e este sobre o local, ligado ao Município, não havendo reversão ascendente; os Estados e o Distrito Federal não podem desapropriar bens da União, nem os Municípios, bens dos Estados ou da União, Decreto-lei n. 3.365/41, art. 2°, par. 2°.
2. Pelo mesmo princípio, em relação a bens particulares, a desapropriação pelo Estado prevalece sobre a do Município, e da União sobre a deste e daquele, em se tratando do mesmo bem.
3. Doutrina e jurisprudência antigas e coerentes. Precedentes do STF: RE 20.149, MS 11.075, RE 115.665, RE 111.079.
4. Competindo a União, e só a ela, explorar diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os portos marítimos, fluviais e lacustres, art. 21, XII, f, da CF, está caracterizada a natureza pública do serviço de docas.
5. A Companhia Docas do Rio de Janeiro, sociedade de economia mista federal, incumbida de explorar o serviço portuário em regime de exclusividade, não pode ter bem desapropriado pelo Estado.
6. Inexistência, no caso, de autorização legislativa.
7. A norma do art. 173, par. 1°, da Constituição aplica-se as entidades publicas que exercem atividade econômica em regime de concorrência, não tendo aplicação as sociedades de economia mista ou empresas publicas que, embora exercendo atividade econômica, gozam de exclusividade.
8. O dispositivo constitucional não alcança, com maior razão, sociedade de economia mista federal que explora serviço público, reservado a União.
9. O artigo 173, par. 1., nada tem a ver com a desapropriabilidade ou indesapropriabilidade de bens de empresas publicas ou sociedades de economia mista; seu endereço é outro; visa a assegurar a livre concorrência, de modo que as entidades publicas que exercem ou venham a exercer atividade econômica não se beneficiem de tratamento privilegiado em relação a entidades privadas que se dediquem a atividade econômica na mesma área ou em área semelhante.
10. O disposto no par. 2°, do mesmo art. 173, completa o disposto no par. 1°, ao prescrever que "as empresas publicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos as do setor privado".
11. Se o serviço de docas fosse confiado, por concessão, a uma empresa privada, seus bens não poderiam ser desapropriados por Estado sem autorização do Presidente da Republica, Súmula 157 e Decreto-lei n. 856/69; não seria razoável que imóvel de sociedade de economia mista federal, incumbida de executar serviço público da União, em regime de exclusividade, não merecesse tratamento legal semelhante. (grifos nossos)
12. Não se questiona se o Estado pode desapropriar bem de sociedade de economia mista federal que não esteja afeto ao serviço. Imóvel situado no cais do Rio de Janeiro se presume integrado no serviço portuário que, de resto, não é estático, e a serviço da sociedade, cuja duração é indeterminada, como o próprio serviço de que está investida.
13. RE não conhecido. Voto vencido.
(STF. RE 172816/RJ. Rel. Min. PAULO BROSSARD. DJ 13/05/1994)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO
ADMINISTRATIVO. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. MUNICÍPIO EXPROPRIANTE. BEM PERTENCENTE A FUNDAÇÃO PUBLICA. IMPOSSIBILIDADE. VEDAÇÃO LEGAL. ART. 2º, § 2º, DO DECRETO-LEI Nº 3.365/1941. RECEPÇÃO. CONSTITUIÇÃO FEDERAL VIGENTE. SUPREMACIA DO INTERESSE FEDERAL.
1. Do cotejo da doutrina e da jurisprudência atual, evidencia-se a recepção do artigo 2º, § 2º, do Decreto-Lei nº 3.365/1941 pela Constituição Federal de 1988, de forma que a desapropriação de bens públicos deve respeitar a gradação imposta pelo dispositivo legal, sendo imprescindível a autorização legislativa.
2. Não há, assim, que se falar em ofensa ao pacto federativo diante da impossibilidade legal de Município desapropriar imóvel pertencente a ente da Administração Federal. "Aos bens pertencentes às entidades da administração indireta, aplica-se, por analogia, o artigo 2º do Decreto-lei nº 3.365/41, sempre que se trate de bem afetado a uma finalidade pública. Tais bens, enquanto mantiverem essa afetação, são indisponíveis e não podem ser desafetados por entidade política menor" (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. "Direito Administrativo". 14ª edição, 2002, Atlas, p. 165). (grifos nossos)
3. Improvimento da apelação.
(TRF-1. AC 2006.38.00.013209-0/MG. Rel. Desembargador Federal Olindo Menezes. DJ. 13/04/2007).
Assim, em resumo, conforme apontam a doutrina e jurisprudência, os bens afetados ao serviço público são impenhoráveis e inalienáveis em face do princípio da continuidade, não sendo possível que qualquer estado desaproprie bem reversível a União.
CONCLUSÃO
Destarte, embora a desapropriação tenha como base o principio da supremacia do interesse público, o instituto encontra limitações que se vinculam a competência para promover a desapropriação e ao bem expropriado.
Referências
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª edição. Rio de Janeiro: Atlas, 2013.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4 ed. Rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2009.
MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª edição. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2013, p. 820.
[2] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 881-882.
[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 26ª Ed. Rio de Janeiro: Atlas, 2013, p. 826.
[4] Op. cit., p. 892.
[5] Op. cit. p.. 892-893.
[6] Justen Filho, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 4. ed. rev.atual. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 641-642
Procurador Federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SAMPAIO, Ricardo Ramos. Desapropriação e seus limites Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39789/desapropriacao-e-seus-limites. Acesso em: 23 dez 2024.
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