Para compreendermos melhor o papel das pessoas nas organizações, analisaremos o pensamento de Beatriz M. de Souza Wahrlich, descrito em sua obra “Uma análise das teorias da Organização”, notadamente nos capítulos 4 e 5.
De início, a autora faz uma análise da ênfase do elemento humano nas organizações, sob a concepção dos psicólogos. Ressalta a diferença doutrinária existente entre os psicólogos da organização, que concentram seus estudos nas reações individuais, e os sociólogos da organização, que tem como foco o estudo do comportamento em grupo.
Afirma que os psicólogos da organização entendem o estudo da organização como um sistema de controle baseado no reconhecimento das motivações do indivíduo. Para eles a organização é algo dinâmico, vivo, móvel e fluido. Além do que a organização seria a representação de pessoas que reagem e respondem a estímulos que não podem ser definidos com precisão.
Para desenvolver seu raciocínio a autora se vale dos ensinamentos de Mary Parker Follett, considerada a fundadora desta Escola. Follet dizia que para se estudar os princípios da organização era preciso observar o instituto do controle dentro das organizações. Afirmava que o controle estava se tornando cada vez menos pessoal (controle orçamentário, controle de estoques etc) e cada vez mais um controle de fatos, e não de pessoas.
Dizia que “...a autoridade do chefe principal não é, no empreendimento mais bem administrado, uma autoridade arbitrária imposta de cima, mas a conjugação de muitas autoridades, colocadas em diversos pontos da organização.”
Pois bem, diante destes dois tipos de controle – controle de fatos e controle coletivo– Follet descreve os princípios da organização como sendo:
a) coordenação pelo contato direto dos responsáveis pelo assunto;
b) coordenação nos níveis mais baixos;
c) coordenação pelo correlacionamento de todos os fatores de uma situação;
d) coordenação como um processo contínuo.
Quanto ao primeiro princípio, a coordenação através do contato direto dos responsáveis pelo assunto, Wahrlich explica que significa “dizer maior número de inter-rel ações entre os dirigentes de cada nível do que as obtidas com a simples utilização da escala hierárquica; significa que os acertos devem ser feitos diretamente pelos que têm autoridade para resolver a questão; constitui um passo para a correlação de controles.”
O segundo princípio é a coordenação nos níveis mais baixos. A autora explica que deve haver contato direto entre os responsáveis e que as questões devem ser definidas através da integração, que seria o processo no qual as partes encontram uma solução, sem ter que deixar de lado sua opinião ou vontade.
O terceiro princípio de organização de Mary Follet, coordenação através do correlacionamento de todos os fatores de uma situação, sugere o surgimento de uma coordenação horizontal, mais eficiente do que a costumeira coordenação vertical.
Mais adiante, Wahrlich discorrendo sobre este princípio destaca que “outro importante aspecto a considerar é que as mesmas palavras despertam em nós reações completamente diferentes, conforme o lugar e a ocasião em que sejam pronunciadas; assim, o lugar em que são dadas as ordens, as circunstâncias nas quais são dadas, podem alterar decisivamente as reações que se obtêm. Todavia, talvez seja mais importante ainda a maneira de dar ordens. A pessoa a quem se dá uma ordem de maneira desagradável sente que seu amor próprio for atingido e se dispõe a agir de um modo que não beneficiará nem a ela própria nem à organização em que trabalha”.
Acrescenta, ainda, que “a descoberta da “lei da situação” e a obediência à mesma devem, tanto quanto possível, constituir tarefa comum à pessoa que emite a ordem e àquela que a recebe: assim, na realidade, uma pessoa não estaria dando uma ordem a outra, mas ambas estariam recebendo suas ordens da situação.” Esta “lei da situação” seria muito eficiente para despersonalizar o processo de dar ordens, o que facilitaria a sua absorção pelo empregado que recebeu a ordem.
Por fim, conclui a autora que uma ordem deve ser cumprida, não porque emane de quem tem autoridade, e sim porque as pessoas a quem é dada a consideram exata. Diante destes mecanismos, os empregados cumprirão as ordens dadas com maior facilidade e aceitação.
Por fim, o quarto princípio de organização de Mary Follet, coordenação como um processo contínuo, salienta que a coordenação deve ser contínua e voltada para as situações gerais, não sendo possível coordenar apenas com ênfase em situações específicas.
Wahrlich conclui então dizendo que a filosofia de organização de Mary Follett pode ser resumida pela interpretação de autoridade ao invés de superautoridade e controle sobre fatos mais do que sobre homens. Assim, a integração da autoridade e a interpenetração do controle seriam o principal conceito de Follett.
A autora conclui seu tópico dizendo: “É provável que a pecha de inimigo do individualismo magoasse Mary Follett profundamente, pois concentrou seu interesse antes de tudo no ser humano. Sua teoria da “lei da situação” demonstra o profundo respeito que tinha pelo homem, o qual, de acordo com o que pensava, não devia obedecer a outro homem, mas sim atender a uma avaliação imparcial de fatos e interesses. Estava convencida de que o ente humano encontrava sua melhor expressão através da “integração”, e não apenas por intermédio de si mesmo.”
No tópico seguinte, Wahrlich passa a analisar as organizações, sob a ênfase no comportamento social, na concepção dos sociólogos das organizações.
Para esta Escola não é possível estabelecer princípios de organização, sua teoria é mais descritiva que prescritiva. Baseiam-se na importância do comportamento de grupos, sejam os formalmente organizados e reconhecidos pela administração, sejam as organizações informais, por si próprias constituídas. Os primeiros exemplos de organizações informais foram registrados nas experiências realizadas na fábrica de Hawthorne, da Western Eletric Companny, no final da década de 1920.
Quanto à divisão do trabalho e distribuição de tarefas aos indivíduos, a autora cita Simon, Smithburg e Thompson no sentido de que “a maioria das organizações se desenvolve através de uma série de processos de subdivisões” e que “cabe ao analista de organização identificar os possíveis métodos de especialização e confrontar uns com os outros para avaliar as respectivas vantagens e desvantagens. A sobrevivência da organização pode depender da exatidão dessa avaliação”.
Com relação à autoridade, a autora busca o conceito deste instituto em Chester Barnard, onde afirma que a “autoridade repousa na aceitação ou consentimento dos indivíduos”, sendo que “se uma ordem é aceita pela pessoa a quem é dada, fica confirmada ou estabelecida a autoridade dessa ordem com relação àquela pessoa. A desobediência a tal ordem constitui a própria negação de sua autoridade.” Assevera, ainda, que as normas sociais guardam relação com a autoridade, na medida em que é mais fácil dar uma ordem que esteja em consonância com as normas sociais, pois a organização administrativa não é algo à parte da comunidade.
Outro ponto destacado no estudo é a comunicação. A comunicação dentro de uma organização é o processo pelo qual as decisões são transmitidas de um membro a outro.
Wahrlich afirma que a comunicação administrativa pode fluir para baixo, para cima, e para os lados ou horizontalmente. Vale destacar a seguinte passagem do texto, onde a autora cita os ensinamentos de Reidfiel:
“O fluxo de cima para baixo consiste sobretudo de ordens, das quais o maior número trata de orientação e rotina. De baixo para cima transmitem-se relatórios estatísticos. . . relatórios de outros tipos. . . relatórios planejados em termos financeiros. . . de forma narrativa os itens de informação geral. . . Também no fluxo de baixo para cima vão opiniões e atitudes, idéias e sugestões, bem como queixas, reclamações, resmungos e boatos. . . Alguns dos problemas mais constantes e mais agudos da administração, especialmente nas grandes organizações ou nas organizações descentralizadas, originam-se das deficiências da comunicação horizontal - um campo ainda relativamente pouco explorado. Muitos elementos de staff, tais como especialistas em eficiência e simplificação do trabalho, têm como uma de suas principais atribuições transmitir informações entre cargos e unidades do mesmo nível. O interesse geral no processo de conferências, evidenciado pelos relatórios de pesquisas e por outros documentos escritos, indica que este método de intercâmbio horizontal tem merecido séria consideração.”
Daí a importância da comunicação para o efetivo desenvolvimento das organizações.
Wahrlich afirma, então, que a contribuição dos sociólogos da organização para a teoria de organização é bastante significativa, realmente notável, em suas palavras. Expressando-se assim:
“A maior contribuição desta escola é a introdução da sociologia para explicar e interpretar os problemas administrativos. O relevo dado ao homem dentro do grupo, como sendo o mais importante aspecto da organização, a análise das organizações como sistemas sociais, a importância atribuída aos valores humanos, a discussão de um novo conceito de autoridade — que Mary Follett havia sido a primeira a enunciar — tudo isto contribuiu para dar um sentido novo e mais amplo à teoria de organização e estabelecer uma base bem mais satisfatória para as pesquisas sobre o tema.”
Por fim, a autora chama a atenção para o fato de que a aplicação da teoria formulada pelos sociólogos da organização requer considerações de ordem ética, citando o que foi dito por Morton Grodzins:
“o ponto fraco é que a ciência das relações humanas constitui uma arma para a manipulação de homens. Uma grande parte do conhecimento científico sobre as relações humanas resulta de pesquisas conduzidas com fins de manipulação. Não se trata de delírio de grandeza quando o cientista social se mostra preocupado com as aplicações que possam ser dadas à sua ciência. Em muitos casos, é o oposto que ocorre: o cientista, como técnico, verifica quão pouco é o controle que sobre seus produtos exerce o cientista, como cidadão. Nem tampouco sua preocupação dá a suas contribuições técnicas o caráter permanente que elas não possuem. Reconhecer que a ciência social constitui atualmente um instrumento parcial e impreciso não torna insignificantes suas potencialidades. E mesmo onde os conhecimentos científicos não possam pretender validade universal, poderão contudo servir como poderosas armas de manipulação nas mãos dos que sabem emprega-las e não tem escrúpulos quanto às consequências.”
Os apontamentos declinados no texto são de grande importância para a administração pública. Segundo os psicólogos da organização, os quais concentram seus estudos nas reações individuais dentro da organização, a forma como é dada uma ordem é de extrema relevância. Uma ordem dada com polidez e motivação certamente terá maiores chances de ser cumprida do que se fosse externada de forma oposta. A “lei da situação” nos diz que uma ordem deve ser dada, fundamentando-se, não na autoridade superior do chefe, mas sim, nas situações de fato que ensejaram a sua necessidade. Deste modo, na administração pública, um chefe ao dar uma ordem, terá maiores chances de vê-la cumprida efetivamente se, ao invés de apenas fundamentar a ordem em sua condição de chefe, ele fundamentar a ordem dada nas situações de fato, que ensejaram a necessidade.
Com relação aos ensinamentos do sociólogos da organização, os quais focam seus estudos no comportamento em grupo, vale destacar a importância da comunicação dentro da organização, com ampla aplicabilidade na administração pública. O fluxo pelo qual as decisões são transmitidas de um membro (in casu, servidor público) para outro é definido como sendo a comunicação existente dentro da organização. A comunicação pode fluir em todos os sentidos de cima para baixo, como as ordens, de baixo para cima, como a produção de relatórios e emissão de opiniões, e para os lados, horizontalmente, entre os membros. Para que uma organização de se desenvolva de forma adequada é necessário que a comunicação aconteça de forma plena, sem interferências.
Na administração pública poucos são os casos onde a comunicação de baixo para cima, contendo a opinião, críticas e sugestões dos servidores, funciona efetivamente e de forma adequada. Muitas vezes, esta comunicação nem existe, deixando o funcionamento da máquina pública estático e burocratizado. Para que a administração pública realmente evolua é necessário ouvir os servidores em todas as suas opiniões, críticas e sugestões, caminhando, assim, para um serviço público melhor, mais eficiente e moderno.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
WAHRLICH, Beatriz M. de Souza. Uma Análise das Teorias da Organização. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1986. Capítulos 4 e 5.
Procurador Federal; Procurador-chefe da Procuradoria Federal junto ao Instituto Nacional do Seguro Social em Contagem/MG; Coordenador do Serviço de Previdência e Assistência Social da Procuradoria Federal no Estado de Minas Gerais; Especialista em Direito Previdenciário; Mestrando em Administração Pública - Fundação João Pinheiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARMANDO, Anibal Cesar Resende Netto. Teoria das Organizações e Administração Pública: a dimensão humana nas organizações Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39790/teoria-das-organizacoes-e-administracao-publica-a-dimensao-humana-nas-organizacoes. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Francisco de Salles Almeida Mafra Filho
Por: BRUNO SERAFIM DE SOUZA
Por: Fábio Gouveia Carneiro
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Por: Juliana Melissa Lucas Vilela e Melo
Precisa estar logado para fazer comentários.