RESUMO: O presente estudo aborda o efeito da prova produzida por uma das partes em relação a ela própria. Tal abordagem tem especial significado quando a prova possui efeitos, no contexto processual, contrários às pretensões de quem a produziu.
Palavras chave: Produção de prova pela parte. Vinculação. Princípio da Economia Processual. Desnecessidade de produção de outras provas técnicas. Efeitos.
1. VINCULAÇÃO DA PARTE AO RESULTADO DA PROVA QUE PRODUZIU:
A pretensão do presente trabalho, através de silogismo que tomará como norte disposições contidas no Código de Processo Civil vigente é comprovar que a prova produzida por uma das partes a vincula ao seu resultado, independentemente de ratificação expressa de seus termos, bem como de sua autoria material.
Muito embora a melhor técnica indique que exemplos práticos não convalidam ou justificam um ponto de vista sobre determinada questão, propomos a visualização de um caso hipotético, cientes da subversão da ordem hermenêutica, mas tomados pelo honesto propósito de facilitar a compreensão do leitor.
Imaginemos, portanto, uma avaliação técnica produzida por um especialista a pedido de uma das partes de uma demanda. Imaginemos, ainda, que após sua juntada aos autos, perceba-se que tal avaliação colide com as pretensões submetidas pela mesma parte ao crivo do Poder Judiciário. Este é o ponto de partida do presente trabalho.
Inicia-se o raciocínio pelo cerne da questão, qual seja, a vinculação da parte aos termos da prova que produziu. O dispositivo legal que traz a regulamentação deste ponto é o artigo 368 do Código de Processo Civil, que prevê:
"Art. 368. As declarações constantes do documento particular, escrito e assinado, ou somente assinado, presumem-se verdadeiras em relação ao signatário.
Parágrafo único. Quando, todavia, contiver declaração de ciência, relativa a determinado fato, o documento particular prova a declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado em sua veracidade o ônus de provar o fato."
O caput do art. 368, do CPC é a regra que promove a vinculação entre o resultado do documento e quem o assinou. Em outras palavras, conecta o autor do instrumento ao seu teor.
Ficaria em aberto, então, saber se apenas o autor material do documento estaria a ele vinculado. Quem afasta esta dúvida com clareza e objetividade é o artigo 371 do CPC, que esclarece:
"Art. 371. Reputa-se autor do documento particular:
I - aquele que o fez e o assinou;
II - aquele, por conta de quem foi feito, estando assinado;
III - aquele que, mandando compô-lo, não o firmou, porque, conforme a experiência comum, não se costuma assinar, como livros comerciais e assentos domésticos." (grifo nosso)
Pois bem, tendo a prova apresentada por determinada parte do processo sido realizada por um especialista técnico contratado por esta para a finalidade de criar documento de seu interesse, é evidente que o resultado de tal documento também a vincula.
Ressalta-se, neste ponto, que o especialista que criou o documento em questão a rigor não teria qualquer razão para fazê-lo em benefício próprio. Fez a pedido da parte e, portanto, quem primeiramente se vincula ao seu resultado é a própria parte, como impõe o artigo 371 do CPC.
Postas tais circunstâncias como fato, passemos às consequências, iniciando pelo que prevê o artigo 334 do CPC:
"Art. 334. Não dependem de prova os fatos:
I - notórios;
II - afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;
III - admitidos, no processo, como incontroversos;
IV - em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade."
Com efeito, se uma das partes apresenta como verdadeiro um fato e a outra, não obstante contraditá-lo em manifestações, apresenta documento que o corrobora, forçosa a conclusão de que, tecnicamente, tal fato não se tornou questão stricto senso por ausência de controvérsia.
Assim, a prova produzida pela parte, por vinculá-la (artigos 368 e 371, do CPC), subsume-se com precisão ao que preveem os incisos II e III, do artigo 334 do CPC, acima transcritos.
Ademais, não se admite que a prova tenha uma identidade subjetiva, pouco importando quem tenha sido responsável por sua produção. Nesse sentido já havia se manifestado com acerto na doutrina nacional o magistrado gaúcho Rui Portanova[1]:
“Sendo o fim da prova levar a certeza à mente do juiz, para que possa falar conforme a justiça, diz Echandia, há um interesse indubitável e manifesto em razão da função que desempenha no processo. É o princípio do interesse público na função da prova. É evidente, cada parte persegue, com suas próprias forças, um benefício próprio e imediato. Contudo, há de se considerar, ainda, o interesse público mediato que está acima dos benefícios específicos das partes. Em consequência, a prova nunca pertence a uma ou outra parte, mas ao juízo. Por igual, o benefício que se retira do elemento probatório não se vincula somente ao interesse da parte que produziu tal prova. É o princípio da comunhão ou comunidade da prova, também chamado da aquisição”
Nesta circunstância, plenamente aplicável a doutrina de Luís Fernando de Morais Manzado[i], que ensina: "O fato incontroverso, isto é, admitido pelas partes, não é objeto de prova no processo civil, ou seja, a circunstância de as partes acordarem sobre a verdade de um fato desobriga o juiz de buscar a verdade processual".
2. PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL E DISPENSA DE PRODUÇÃO DE OUTRAS PROVAS TÉCNICAS
As circunstâncias supra mencionadas conduziriam, ainda, a uma outra consequência lógica, qual seja, a dispensa de instrução do feito com outras provas técnicas como, por exemplo, a perícia, vez que tal providência apresentar-se-ia como um despropósito a atentar contra o Princípio da Economia Processual.
A determinação contida no artigo 348 do CPC reforça o ponto de vista acima defendido, vejamos:
"Art. 348. Há confissão, quando a parte admite a verdade de um fato, contrário ao seu interesse e favorável ao adversário. A confissão é judicial ou extrajudicial."
Ora, se uma das partes produziu prova que se alinha à pretensão da outra, muito embora não mencione efetivamente seu resultado, é evidente que, querendo ou não, incidiu em confissão implícita.
Importante salientar, neste ponto, que o legislador não delimita a forma da confissão, de modo que esta não precisa se materializar de modo expresso, podendo, portanto, a contrario sensu, ser tácita.
Costurando este silogismo, é relevante analisar o disposto no caput do artigo 373, do CPC, bem como seu parágrafo único, que acrescenta que o resultado do documento utilizado pelo seu autor é indivisível. Senão vejamos:
"Art. 373. Ressalvado o disposto no parágrafo único do artigo anterior, o documento particular, de cuja autenticidade se não duvida, prova que o seu autor fez a declaração, que lhe é atribuída.
Parágrafo único. O documento particular, admitido expressa ou tacitamente, é indivisível, sendo defeso à parte, que pretende utilizar-se dele, aceitar os fatos que lhe são favoráveis e recusar os que são contrários ao seu interesse, salvo se provar que estes se não verificaram."
Deste modo, não poderia o interessado valer-se de algumas partes do documento técnico que apresentou e negar efeito a outras, que em seu entender lhe são prejudiciais.
Portanto, deverão ser aplicadas as consequências impostas pelo inciso II, do parágrafo único, do artigo 420 do CPC, que dispõe:
"Art. 420. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
Parágrafo único. O juiz indeferirá a perícia quando:
I - a prova do fato não depender do conhecimento especial de técnico;
II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III - a verificação for impraticável." (grifo nosso)
Ainda que a parte estivesse desvinculada do resultado da prova que produziu, o artigo 427 do CPC permite ao juiz até mesmo dispensar a prova pericial nesses casos:
"Art. 427. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem sobre as questões de fato pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes."
Ressalte-se, por fim, que o Princípio da Economia Processual encontra sustentação expressa mais apropriada na Constituição Federal de 1988, na assistência jurídica integral e gratuita e também na sua formulação mais recente introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, por meio do inciso LXXVIII do Artigo 5º, que diz “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Não se pode perder de vista que, nas palavras de Luiz Fernando de Morais Manzano[ii], a prova pericial tem natureza subsidiária "em razão dos custos e do tempo envolvidos", de modo que, pelo Princípio da Economia Processual, só deve ser utilizada quando imprescindível.
3. CONCLUSÃO:
De acordo com as determinações contidas nos artigos 334, 348, 368, 371, 373, 420 e 427 do Código de Processo Civil, bem como pelo que reza o inciso LXXVIII, do Artigo 5º, da Constituição Federal de 1988, conclui-se que, de um lado, a prova técnica produzida por uma parte vincula-a ao seu conteúdo, e de outro que, configurada tal circunstância, o legislador impõe a dispensa da produção de outras provas técnicas sobre a mesma questão.
REFERÊNCIAS:
MANZANO, Luiz Fernando de Morais. Manual de Processo Civil, Editora Verbatim, Ed. 2010.
PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, 3ª ed., Campinas, Livraria do Advogado, 1999, p. 217.
[1] PORTANOVA, Rui. Princípios do processo civil, 3ª ed., Campinas, Livraria do Advogado, 1999, p. 217.
[i] Manual de Processo Civil, Editora Verbatim, Ed. 2010, p. 245.
[ii] Manual de Processo Civil, Editora Verbatim, Ed. 2010, p. 276.
Procuradora Federal em exercício na Procuradoria-Seccional Federal em Campinas/SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BITTENCOURT, Isabela Cristina Pedrosa. Da vinculação da parte ao resultado da prova que produziu Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39792/da-vinculacao-da-parte-ao-resultado-da-prova-que-produziu. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
Precisa estar logado para fazer comentários.