Resumo: O presente trabalho tem como objetivo uma breve análise do princípio do contraditório, desde o nascimento do Direito mundial até o século XXI, pontuando sua importância e valorização no decorrer dos anos e durante as modificações sofridas pelas sociedades no mundo. Busca ainda demonstrar a atual relevância do contraditório e seus novos contornos mundiais, em um século de valorização dos direitos humanitários e da justiça como meio efetivo de pacificação social. Por fim, analisar a correlação entre o contraditório efetivo e a oralidade no processo, analisando desde a importância da oralidade para um processo mais célere e justo até a influência desta nas garantias do contraditório pleno.
Palavras-chave: processo civil, contraditório, oralidade, direitos fundamentais, processo justo.
Abstract: This paper aims a brief analysis of contradictory as a procedural principle, since Law, in an worldwide matter, is created until XXI Century, pointing its importance and raise through the years and during the changes of society in world. It also claims to show how contradictory is relevant nowadays and its new world outlines, in a century of Human Rights and justice as an effective way of social pacification. By the end, its about to analyse correlation between contradictory and orality in law procedure, to the importance of orality to a faster and fairer process to the influence of these garanties in full contradictory.
Keywords: civil procedure, contradictory, orality, fundamental rights, fair process.
Sumário: Introdução; 1. Breves apontamentos sobre a evolução histórica do contraditório; 1.1 Previsão constitucional do contraditório no Brasil e direito comparado; 2. Análises a respeito do contraditório; 2.1. O contraditório em procedimentos diversos dos de conhecimento; 2.2 O contraditório nas questões levantadas de ofício; 3. O contraditório e o princípio da oralidade; 4. Conclusões.
Introdução
A importância do contraditório já passou por diversas variações ao longo da história do Direito. Já foi concebido como parte fundamental, inerente ao próprio processo e já foi praticamente descartado do processo, no entendimento de que o juiz era suficientemente apto a decidir a lide sem a necessária participação das partes. No Direito dos séculos XX e XXI, o contraditório reassume importância basilar, sendo introduzido como garantia no texto das Constituições dos mais proeminentes países e reconhecido pela Corte Européia dos Direitos Humanos como uma das mais fundamentais garantias de um processo justo e humano.
Com esta visão garantística e constitucional da importância do contraditório, suas conceituações e definições necessariamente passaram por revisões, uma vez que o então “princípio” processual foi alçado ao mais alto grau, o de garantia constitucional do homem.
Outros princípios passaram a ser analisados conjuntamente com o contraditório. No entendimento que este seria a participação efetiva das partes no decisum e, mais ainda, a participação igualitária das partes no processo, princípios como o da ampla defesa, o da igualdade, o do juiz natural, o da oralidade, vêm a integrar e a conjugarem-se com o contraditório. O devido processo legal deixa de ser um conjunto de formas processuais que devem ser observadas para constituir-se em uma garantia fundamental do litigante, e não somente do litigante em juízo ordinário cível ou penal. Qualquer procedimento deve ser permeado pelo contraditório, em razão da sua nova roupagem constitucional, sob pena de nulidade absoluta de todos os atos nele exercidos.
Não basta mais estar garantido o direito de peticionar contradizendo fatos e direitos alegados pela parte contrária. O contraditório é vivo, humano, requer participação efetiva das partes e do juiz, requer contato direto através de audiências bilaterais, requer igualdade real entre as partes, porque para haver contraditório efetivo não pode haver privilégios processuais de uma parte em relação a outra.
Dentre os princípios que se relacionam com o contraditório, um dos mais importantes e bastante desprestigiado na maioria dos países do sistema da civil law é o da oralidade. Processo oral significa processo de maior proximidade entre as partes, o que consequentemente significa mais participação e até mesmo cooperação.
Busca-se o melhor aproveitamento da oralidade nos procedimentos nacionais, sejam civis, penais ou administrativos, para que o contraditório efetivo deixe de ser mais uma garantia prevista na constituição que na prática não é aplicada.
1 Breves apontamentos sobre a evolução do princípio do contraditório
O contraditório é uma característica do processo, e não do direito material. Sua importância variou ao longo dos séculos, acompanhando as modificações que sofreu o Direito e aquilo considerado garantia processual.
O seu conceito, no entanto, permaneceu intacto apesar de o contraditório ter praticamente desaparecido em alguns períodos do século XIX.
PICARDI (1998, p. 673-674)) ensina que o contraditório, nos anos 800, era considerado “um « princípio de razão natural »; ele era conectado à natureza das coisas e era considerado, então, « inerente » o próprio processo”. Nesta época, o contraditório, além de princípio processual, era necessário para que houvesse processo. Não se entendia processo sem contraditório, pois este era parte daquele.
Nesta visão processual do contraditório, este foi elevado à categoria de ‘princípio processual’. GRECO FILHO (1995, p. 80), tratando do princípio do contraditório, entende que “a sentença do juiz deve resultar de um processo que se desenvolveu com igualdade de oportunidades para as partes se manifestarem, produzirem suas provas, etc. É evidente que as posições das partes (como autor ou como réu) impõem uma diferente atividade, mas na essência as oportunidades devem ser iguais.”
Neste mesmo sentido, entende CRETELLA NETO (1999, p. 103), ensinando que o contraditório seria “princípio segundo o qual ambas as partes devem ser ouvidas, em igualdade de condições, no processo. Requisito de imparcialidade, assegurado, junto com a ampla defesa, pela Constituição Federal, art. 5º. LV, aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral. [...] O que se exige é a oportunidade dada para contradizer, que pode ou não ser aproveitada pela parte.”
Algumas observações podem ser feitas a respeito dos conceitos acima formulados, que ajudam a compreender o contraditório. Primeiro, é importante separar o contraditório do direito de defesa. Ambos são constitucionalmente garantidos[1], porém não se confundem. No direito à ampla defesa está contido o ônus de apresentar contestação dos fatos e alegações trazidos. Uma vez não apresentada contestação – ou réplica, ou tréplica, ou resposta, ou contra-razões; dependendo da fase processual o recurso da parte pode receber diversas nomenclaturas, a parte assume o ônus a revelia, significando que os atos não contestados por si podem ser tomados como verdadeiros.
Já o contraditório possui conceito que transcende o simples contestar fatos das partes, mas participar efetivamente de todo e qualquer ato do processo. No contraditório devem estar compreendidas a produção de provas, a participação ativa em audiências, a ciência prévia de qualquer ato do juiz que possa influenciar na decisão do processo, etc... Por exemplo, o réu pode deixar de apresentar contestação – e consequentemente de exercer seu direito de defesa e tornar-se revel – porém tem ainda o direito de participar da produção de determinada prova ou de contestar atos do juiz.
Este é o conceito garantístico de contraditório, que adquire força no final do século XX e início do século XXI. GRECO (2005, p. 71) entende, neste mesmo diapasão, que o contraditório é “elemento essencial do próprio direito de acesso à Justiça”, sendo ainda “um princípio que impõe ao juiz a prévia audiência de ambas as partes antes de adotar qualquer decisão”, para que todas as partes do processo pudessem ter as mesmas oportunidades.
Também é importante ressaltar que o contraditório, conforme a definição supra de CRETELLA NETO (1999), e conforme o entendimento garantístico deste princípio, deve ser observado em qualquer procedimento, seja judicial, seja administrativo, seja policial.
O princípio do contraditório nem sempre entendido como garantia processual e acesso à justiça. Em verdade, a relevância do contraditório foi questionada e modificada diversas vezes ao longo da evolução do Direito e do Processo, sendo que por vezes o contraditório teve sua importância negada, chegando praticamente a desaparecer no primeiro pós-guerra.
A audiência bilateral teve origem na Grécia antiga, tendo sida mencionada por Eurípedes, Aristófanes e Sêneca. Na época medieval, o processo fora observado à luz da lógica e da ética, sendo que a busca da verdade era o pressuposto de qualquer conhecimento. O contraditório, no século XII, deixou de significar simplesmente à ciência inicial do réu para fazer parte da preparação de toda e qualquer decisão adotada em um processo (PICARDI, 1998).
A audiência bilateral, base do contraditório, impunha igualdade de tratamento, e para isso o juiz deveria zelar pela paridade de armas, deixando de lado uma postura passiva para efetivamente regular o processo (CAPPELLETTI, 1971, p. 116).
O processo então adquiria dimensão social, e era para o homem medieval “sua esfera de proteção e de resistência em contraposição ao arbítrio dos governantes”[2].
Aos poucos, porém, a função axiológica do princípio do contraditório passou a esvaziar-se, e segundo PICARDI (1998, p. 675) foi “inevitável que o contraditório, um pouco cada vez, viesse desclassificado ao rol de categoria secundária até perder cada ligação com a essência do fenômeno processual”.
Começou então um movimento contrário, que entendia o contraditório em todas as fases processuais como exagerado. Ocorre que no primeiro pós-guerra realizou-se uma reconstrução do conceito de processo, mais rigoroso e normativo.
Na década de 30, na Alemanha, chegou-se a sugerir a abolição total do contraditório, absorvendo-se o processo de partes na jurisdição voluntária. No segundo pós-guerra, contudo, a idéia de contraditório reacendeu-se quando Carnelutti trouxe a questão quindi est iudictium?, referindo-se a um movimento de retorno ao juízo e à formação do juízo. GRECO (2005, p. 72) ensina que relevaram-se novamente “o método dialético de solução de conflitos e a paridade de tratamento dos litigantes”, depois de diversas experiências com regimes autoritários e de supressão dos direitos. E PICARDI (1998, p. 678) já tratava do “claro sinal do despertar do interesse do jurista pelos mecanismos de formação do juízo e, antes de tudo, pelo contraditório e a colaboração das partes na busca da verdade”.
A legislação Constitucional passou, então, em nível mundial, a inserir o princípio do contraditório nos textos das Constituições dos Estados Sociais e Democráticos. A primeira Constituição a tentar elevar o contraditório ao nível de garantia foi a Italiana, com a conjugação dos artigos 24 e 3º. do texto constitucional.
No Brasil, somente a Constituição de 1988 trouxe o princípio do contraditório como garantia processual, inserido como cláusula pétrea no artigo 5º. Entendia a doutrina brasileira, anteriormente à Constituição Federal de 1988, em consonância com a definição de ALMEIDA (apud PORTANOVA, 1999, p. 161), que o contraditório constituía apenas a “ciência bilateral dos atos e termos do processo”, não tratando necessariamente da efetiva participação das partes em todos os atos processuais, sejam da parte contrária ou do juiz.
GRECO (2005, p. 73) aponta que a evolução do contraditório no final do século XX e no início do século XXI trata exatamente desta transição: deixar o contraditório de ser um simples princípio processual para adquirir o status de garantia constitucional, transformando-se “em uma ponte de comunicação de dupla via entre as partes e o juiz”.
Para PORTANOVA (1999, p. 160-161), “pode-se dizer que [o contraditório] é inerente ao próprio entendimento de processo democrático, pois está implícita a participação do indivíduo na preparação dos atos de poder”. Este mesmo autor considera o contraditório como “uma das facetas da igualdade” (PORTANOVA, 1999, p. 161), entendo-se assim que a existência de igualdade processual passa, necessariamente, pela existência do contraditório efetivo.
Instituiu-se o que podemos chamar de contraditório participativo, sendo que cabe ao juiz abandonar uma postura burocrática e a existência de um diálogo humano e construtivo (CAPPELLETTI, 1971, p. 92-93). Para PICARDI (1998, p. 680), o contraditório saiu da margem a qual estava relegado para estar novamente no centro do processo. GRECO (2005, p. 73) ainda ressalta que Cappelletti denominou esta evolução de processo justo, quando “às partes são asseguradas todas as prerrogativas inerentes ao contraditório participativo”.
Por ser garantia das partes e não mera faculdade processual, o princípio do contraditório decorre da Constituição, e deixou de ser garantia do processo jurisdicional para abranger todos os tipos de processos, incluindo-se o administrativo e qualquer outro ligado à vida pública. Isso não acontecia no primeiro pós-guerra, como relata PICARDI (1998, p. 675-676), porque o processo foi reconstruído somente como procedimento jurisdicional.
1.1 Previsão constitucional do contraditório no Brasil e direito comparado.
Como já foi visto, o contraditório ao longo da evolução do Direito deixou de ser tratado como um princípio processual para adentrar o rol de garantias processuais constitucionais. De fato, o contraditório faz parte do próprio direito de acesso à justiça, uma vez que este direito não se confunde com o direito de petição. O acesso à justiça inclui também o direito a defender-se adequadamente e não ter sua esfera privada atacada por decisões que se não pode interferir.
Este pensamento garantístico do contraditório é típico do final do século XX e início do século XXI, mas não foi exatamente neste período histórico que o contraditório passou a fazer parte das constituições da grande maioria dos países.
No sistema da common law, as leis escritas são em menor quantidade do que no sistema da civil law, e o contraditório está previsto como parte do due process. Nos Estados Unidos, a constituição prevê a obrigatoriedade do contraditório através da inserção da due process clause e da 14th ammendment.
Em 1215, João Sem Terra na Inglaterra assinou a Magna Carta, em razão dos abusos que cometia no poder. A Magna Carta assinada por John Lackland – que se traduzindo obtém-se ‘João Sem Terra’, primeira constituição escrita e até hoje a constituição inglesa, trazia em seu texto a garantia do respeito ao direito e ao due process of law. E era exatamente dentro do entendimento do que seria o due process of law que estaria inserido o contraditório. A redação original da clause da Magna Carta de previsão do due process of law é: “No Freeman shall be taken, or imprisoned, or be disseized of his Freehold, or liberties, or free Customs, or be outlawed, or exiled, or any otherwise destroyed; nor will we pass upon him, nor condemn him, but by lawful Judgment of his peers, or by the Law of the Land.”
Nos Estados Unidos, existem mais leis escritas e sua força vinculante é maior do que na Inglaterra. A Constituição Americana, apesar de possuir apenas sete artigos, foi emendada vinte e seis vezes, e cada emenda porta consigo garantias fundamentais e processuais. Quanto ao contraditório, conforme já visto acima, este está inserido na due process clause. Segundo PALERMO (2002, p. 03), “espalhados por entre os dispositivos primitivos e as emendas posteriores, há princípios jurídicos e regras hermenêuticas e de aplicação, que se denominam clauses, em razão dos artigos da Constituição: Supremacy Clause (superioridade da constituição); Full Faith and Credit Clause (mesmo valor jurídico em todos os territórios): Due Process Clause (processo civil e criminal em que se assegurem ampla defesa, o contraditório, a proibição de dupla condenação); Commerce Clause (proibição de leis que criem empecilhos ao livre comércio)”.
A due process clause trata do Devido Processo Legal – equivalente em Língua Portuguesa do ‘due process of law’ – em geral, e o entendimento de contraditório passa pelo entendimento e procedure fairness. “Procedural due process is essentially based on the concept of procedural fairness. As a bare minimum, it includes an individual's right to be adequately notified of charges or proceedings involving him, and the opportunity to be heard at these proceedings. In criminal cases, to ensure that an accused person will not be subjected to cruel and unusual punishment, which occurs when an innocent person is wrongly convicted.”
Assim, o Direito Norte Americano inclui o contraditório dentro do due process of law e mais precisamente inserido no conceito de procedure fairness. A ‘justiça do processo’ possui três modelos, o outcomes model, o balancing model e o participation model. O contraditório vem descrito no terceiro modelo, uma vez que “the idea of the participation model is that a fair procedure is one that affords those who are affected an opportunity to participate in the making of the decision. In the context of a trial, for example, the participation model would require that the defendant be afforded an opportunity to be present at the trial, to put on evidence, cross examination witnesses, and so forth.”
Este entendimento de contraditório foi reproduzido nos países de sistema da civil law, que foi ao longo dos séculos se tornando uma garantia constitucionalmente prevista. A Constituição Italiana foi a primeira a ensaiar a inserção do contraditório como garantia fundamental do processo. Porém, esta previsão, conforme já analisado no item 1.1, podia-se extrair da conjugação de dois artigos, ou seja, não era expressa, mas implícita. Em 1940, com o codice di procedura civile em sua última redação, o Direito italiano inseriu um artigo especialmente para tratar do contraditório. “Art. 101 (Principio del contraddittorio) Il giudice, salvo che la legge disponga altrimenti, non puo' statuire sopra alcuna domanda, se la parte contro la quale e' proposta non e' stata regolarmente citata e non e' comparsa.”
Determinava a Lei Italiana, então, que ocasionaria nulidade processual a decisão judicial que versasse sobre questão sobre a qual uma das partes não pode manifestar-se. A faculdade da parte em participar de todos os atos processuais e colocar-se a respeito de qualquer questão constituía um direito, e ocasionaria um dever-ônus para o magistrado, que deveria observar estritamente o contraditório antes de decidir sobre qualquer questão, a não ser que houvesse previsão legal que o anuísse agir diferentemente.
Com a Constituição Italiana de 1947, o contraditório veio então expressamente previsto como garantia constitucional naquele sistema, tratando o art. 111 ainda da igualdade das partes e imparcialidade do juiz. “Art. 111. La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge ne assicura la ragionevole durata. [...]”
Pela redação do artigo constitucional, observa-se que o processo que não tramitar seguindo as três determinações elencadas, tornar-se-ia nulo por deixar de observar expressa garantia constitucional.
Neste mesmo entendimento, está o Direito Francês. O nouveau code de procédure civile possui uma sessão voltada ao contraditório, dentro do Livro I [ dispositions communes à toute les jurisdictions ], Título I [ dispositions liminaires ], Capítulo I [ les principes directeurs du process ]. “Section IV – La contradiction. Art. 14. Nulle partie ne peut être jugée sans avoir été entendue ou appelée. Art. 15. Les parties doivent se faire connaître mutuellement en temps utile les moyens de fait sur lesquels elles fondent leurs prétentions, les éléments de preuve qu'elles produisent et les moyens de droit qu'elles invoquent, afin que chacune soit à même d'organiser sa défense. Art. 16. Le juge doit, en toutes circonstances, faire observer et observer lui-même le principe de la contradiction. Il ne peut retenir, dans sa décision, les moyens, les explications et les documents invoqués ou produits par les parties que si celles-ci ont été à même d'en débattre contradictoirement. Il ne peut fonder sa décision sur les moyens de droit qu'il a relevés d'office sans avoir au préalable invité les parties à présenter leurs observations. Art. 17. Lorsque la loi permet ou la nécessité commande qu'une mesure soit ordonnée à l'insu d'une partie, celle-ci dispose d'un recours approprié contre la décision qui lui fait grief.”
Como ‘princípio diretor do processo’, o contraditório aparece no Novo Código de Processo Francês, recém reformado em 1999, como garantia de que nenhuma parte pode ser julgada sem ser ouvida. A Constituição Francesa, no entanto, não possui um artigo expresso para garantia do contraditório, mas seu artigo 66 determina que a autoridade judiciária deverá guardar as liberdades individuais e garantir os princípios garantidos por lei[3]. Como o contraditório é um princípio que vem salvaguardado pelo nouveau code de procedure civile, estaria subentendida sua tutela constitucional.
No Brasil, somente em 1988 com a promulgação do último texto constitucional, o contraditório passou a fazer parte do rol de garantias constitucionais fundamentais. Antes desta data, o contraditório era garantido como princípio processual que deveria ser observado, porém acabava por reduzir-se ao direito de apresentar contestação aos fatos alegados pela parte contrária.
Com a inserção do contraditório no artigo 5º., LV da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, aquele elevou-se a garantia constitucional do processo, devendo não somente ser observado, mas podendo gerar a nulidade do processo caso não seja.
De fato, a previsão constitucional brasileira do contraditório tem a seguinte redação: art. 5º., LV: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Além da previsão constitucional, o contraditório está espalhado por todo o código de processo civil brasileiro.
2 Análises a respeito do contraditório
Independente do seu conceito, é necessário delimitar o que deve acontecer, efetivamente, para que se considere o contraditório como ocorrido dentro de um processo judicial.
Importante ressaltar que o contraditório é uma garantia processual, que fora elevada a garantia processual constitucional pela relevância significativa que representa se conjugado tal “princípio” com as garantias de acesso à justiça, ampla defesa e devido processo legal. Em verdade, inexiste garantia ao contraditório no Direito Material pela sua simples inviabilidade.
O contraditório, conforme se pensava na Grécia nos anos 800, é parte fundamental do processo, garantindo às partes litigantes o direito a influenciar a decisão proferida pelo magistrado, bem como o direito a se manifestarem a respeito de todos os fatos e fundamentos alegados pela parte contrária, de forma a realmente produzir convencimento no juiz do processo.
Para que isso ocorra, alguns acontecimentos precisam se suceder no processo, demonstrando assim a existência do contraditório pleno. GRECO (2005, p. 74-75) entende a existência de diversos atos processuais que necessariamente devem ocorrer para configuração de existência de contraditório, no processo civil, sendo dentre eles a audiência bilateral, a ampla defesa, a flexibilidade dos prazos e a igualdade concreta.
Como audiência bilateral, pode-se conceber àquela o sentido de que deva acontecer “adequada e tempestiva notificação do ajuizamento da causa e de todos os atos processuais através de comunicações preferencialmente reais” (GRECO, 2005, p. 74), sendo que o contraditório deverá ser permanente. GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA (1998, p. 55), ao discorrerem sobre o princípio do contraditório e suas características, entendem que “o princípio da audiência bilateral encontra expressão no brocardo romano audiatur et altera pars. Ele é tão intimamente ligado ao exercício do poder, sempre influente sobre a esfera jurídica das pessoas, que a doutrina moderna o considera inerente mesmo à própria noção de processo.”
Outra característica do contraditório é sua previedade. O contraditório deve ser prévio para que sejam permitidas “afastar toda sorte de surpresas e segredos que de forma alguma se compatibilizam com um processo democrático” (PORTANOVA, 1999, p. 161).
Neste mesmo entendimento, GRINOVER; DINAMARCO; CINTRA (1998, p. 57) ressaltam que “o contraditório não admite exceções: mesmo nos casos de urgência, em que o juiz, para evitar o periculum in mora, provê inaudita altera parte [...], o demandado poderá desenvolver sucessivamente a atividade processual plena e sempre antes que o provimento se torne definitivo.”
GRECO (2005, p. 74) ressalta ainda o entendimento de que o contraditório efetivo é sempre prévio, devendo as liminares e antecipações de tutela serem casos realmente excepcionais nos quais o direito não pode esperar em risco de perecimento. Deve o juiz fazer uma análise profunda dos direitos em jogo antes de conceder liminares que não respeitem o contraditório prévio.
O contraditório também trata da produção das provas, uma vez que para as partes influenciarem eficazmente na decisão é importante que participem da produção das provas, possam requerer provas e até mesmo produzi-las de acordo com seu interesse.
“A parte tem direito de participar na formação e na produção de todos os meios de prova. Assim como não se faz prova sem juiz, não se faz prova sem a parte”. Este entendimento, levantado por PORTANOVA (1999, p. 163), mostra a dimensão da importância do contraditório a nível processual, no sentido de que até mesmo no indeferimento ou deferimento de um meio de prova é fundamental a existência de ciência das partes, dando-lhes a possibilidade de participarem em sua produção e de contestarem as razões que levaram o magistrado a entender necessária ou desnecessária determinada prova.
A participação das partes na produção das provas também constitui pressuposto da ampla defesa, prevista constitucionalmente junto com o contraditório na Constituição Federal brasileira, no art. 5º. LV.
GRECO (2005, p. 75) entende ainda ser a flexibilidade dos prazos uma característica do contraditório. Para o autor, a Lei ignora as necessidades materiais das partes, e que os prazos deveriam ser flexibilizados quando não são razoáveis ou suficientes para a parte produzir suas alegações ou sua defesa.
Existe ainda um quarto aspecto do contraditório, que seria um dos aspectos mais relevantes em todas as definições desta garantia, que é destacado por GRECO (2005, p. 76) como a igualdade concreta.
A igualdade processual não é exatamente um pressuposto do contraditório, mas de um Estado Democrático de Direito, que porta a igualdade dos cidadãos em litígio. Esta igualdade não pode ser formal, ou seja, respeitando-se meramente o que a Lei determina como garantias de igualdade. A igualdade processual, efetiva, que realmente importa em participação da parte, é aquela material, a igualdade concreta, que importe em o juiz oferecer chances iguais às duas partes de se manifestarem, de responderem alegações, de produzirem provas, de demonstrarem o direito e os fatos que alegam existir ou não.
Por algumas vezes – quiçá muitas – o juiz terá que oferecer diferenciais a uma parte, que por alguma razão específica ficaria prejudicada se a ela fosse oferecido somente o mesmo que fora oferecido à outra. Este tratamento, aparentemente desigual e preferencial, tem amparo na igualdade concreta. Nem sempre as partes estão em iguais condições processuais. O simples fato de uma parte residir a longa distância da comarca na qual tramita a Ação já é suficiente para que o prazo a ela oferecido pela Lei seja infinitamente inferior ao prazo igual oferecido à outra parte, residente na comarca. Estes detalhes processuais, que determinam diferenças significativas entre as partes, precisam ser observados pelos magistrados e é importante que a Lei preveja discricionariedade para o juiz quando a desigualdade processual se mostra necessária de intervenção.
Este ‘princípio’, da igualdade concreta, em muito se relaciona com o da flexibilização dos prazos, uma vez que os prazos deveriam ser flexibilizados exatamente quando houvesse uma desigual distribuição dos mesmos, por razões até mesmo não processuais.
Para que este aspecto seja respeitado, o juiz deve modificar sua postura de expectador do processo e adotar uma atitude ativa, em vista de realmente equilibrar as partes quando uma delas se mostra em situação de inferioridade. Este posicionamento CAPPELLETTI (1971, p. 161) também adota, informando que o sistema da common law passou por diversas reformas para que o juiz passasse a ser mais atuante.
Como parte da igualdade concreta, GRECO (2005, p. 76) ainda ressalta que para o pobre é necessário garantir-lhe aconselhamento jurídico inclusive extrajudicial, a fim de que ele possa defender-se em posição de paridade.
2.1 O contraditório em procedimentos diversos dos de conhecimento
Existem ainda outros aspectos do contraditório considerados por GRECO (2005, p. 77), como a necessidade de contraditório em todos os procedimentos, inclusive no processo Executivo, na jurisdição voluntária, no processo administrativo, etc..., uma vez que “os poderes investigatórios do juiz não excluem a participação dos interessados”.
Neste mesmo sentido, PORTANOVA (1999, p. 163) ressalta que “todo processo vai ser tocado pelo contraditório, inclusive o executivo. Desimporta que na execução não se discuta o mérito. [...] o contraditório tem sentido mais amplo do que a só apresentação de defesa. Também no processo de execução o devedor tem o direito de receber as informações necessárias e de apresentar razões de fundo (como a exceção de pré-executividade) e de forma (como impugnação ao valor da avaliação), que são frutos do seu direito ao contraditório.”
Este é também o entendimento de MAGALHÃES (1998): “Resta, portanto, que da mesma forma que no processo de conhecimento, o contraditório se aplica também no processo de execução. [...] a aplicação no processo de execução se dá de forma bem menos elástica e abrangente do que no de conhecimento, até porque neste tipo de processo já se encontra superada a fase cognitiva, partindo-se do pressuposto de que o direito invocado já se encontra reconhecido num título. Contudo, não se pode olvidar que, embora de forma reduzida, dentro de algumas particularidades, o contraditório se reveste como necessário ao processo executivo, para a garantia de um processo justo. E não há que se falar aqui de embargos como única forma de contraditório dentro do processo executivo. Mecanismos outros existem que possibilitam ao devedor impugnar o processo executivo, instalando-se o contraditório, como a exceção de pré-executividade da qual falaremos mais adiante.”
O contraditório não pode sofrer limitações a não ser aquelas necessárias para evitar o perecimento do direito urgente, e o juiz não pode privar os interessados de influir eficazmente nas suas decisões. Assim sendo, o simples fato do processo Executivo puro e simples não tratar da discussão do mérito não significa que todos os fatos ocorrentes durante seu trâmite sejam, necessariamente, desinteressantes para o contraditório.
GRECO (2005, p. 77-78) levanta também o problema do contraditório no inquérito policial, que se encontra em franco debate no direito do século XXI porque as provas são produzidas em total revelia do acusado, e posteriormente são utilizadas em uma acusação penal e algumas vezes são a única base de uma condenação.
Mesmo as provas irrepetíveis, ou seja, aquelas produzidas antes de se chegar ao acusado, devem ser tidas com ressalvas por não terem sido produzidas à luz do princípio do contraditório. Este é o entendimento também de AGUIAR (2000), no sentido de que “por ser desprovido do contraditório, o inquérito policial, peça informativa dos elementos necessários para a propositura da ação penal, não justifica por si só decisão condenatória, devendo, pois, no decorrer do processo-crime colhidos elementos que a justifique sob pena de ferir o art. 5º, LV da CF/88.”
Este também é o entendimento de DIAS (2005), para quem “no procedimento investigatório, não se fala em contraditório no início das investigações, mas somente após o reconhecimento dos indícios da conduta delituosa que motivaram o indiciamento. O contraditório, após o indiciamento, não conspira contra o êxito das investigações, ao contrário, assegura maior legitimidade as conclusões da investigação. Como conseqüência, [...], a adoção do princípio do contraditório, dá ao inquérito policial outra natureza, não de peça meramente informativa, mas com valor de prova na instrução, consequentemente, mais célere e mais rápida a prestação jurisdicional.”
Em verdade, qualquer tipo de procedimento é passível de contraditório, talvez mais amplamente em alguns casos e mais restritamente em outros. O contraditório no Brasil não é mais, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, um mero ‘princípio processual’, mas uma garantia constitucional em qualquer procedimento, incluindo-se mesmo os administrativos – como os procedimentos instaurados pela Administração Pública e o Inquérito Policial.
Dessa forma, não é mais admissível o entendimento doutrinário de que existam procedimentos sem contraditório por não serem judiciais ou por não serem cognitivos. O contraditório não deve se apresentar somente perante o juiz, mas em qualquer momento em que haja um procedimento através do qual possa sobrevir uma decisão que interfira na esfera real de direitos das partes.
Muito mais do que a garantia de apresentar contestação, o contraditório é o direito das partes em participar do processo a ponto de poder influenciar na decisão final. E este direito pode ser plenamente exercido em qualquer tipo de procedimento, devendo ser observado sob pena de nulidade.
2.2 O contraditório nas questões levantadas de ofício
Uma difícil análise se dá a respeito do contraditório quando o juiz determina questões de ofício. A faculdade discricionária do magistrado em determinar questões de ofício está presente em todos os grandes países do sistema da civil law e da common law, destacando-se na Europa a Itália, França e Alemanha como representantes do primeiro sistema e Inglaterra e Estados Unidos da América como representantes do segundo sistema.
GRECO (2005) destaca, inclusive como parte do conteúdo do contraditório, a problemática das questões apreciadas de ofício pelo judiciário. DENTI (1968) realizou estudos aprofundados exatamente sobre este ponto. Afinal, é assegurado constitucionalmente o direito ao contraditório. Mas o que fazer com esta garantia quando a questão não é levantada pela parte, mas sim pelo magistrado, através de seu poder discricionário de observar algumas questões e trazê-las ao processo ex officio?
DENTI (1968) esclareceu que o termo “questões” seria um termo vago para poder se definir ‘questões de ofício’, e que por isso seria preciso primeiro determinar que questões influenciariam o processo a ponto de gerarem uma necessidade de contraditório. Segundo o doutrinador italiano, o termo “questões” possui, juridicamente, duas distinções, sendo estas entre questões de fato e de direito e questões de simples e questões prejudiciais. Em sua análise, entendia que a distinção entre questões de fato e de direito não seria relevante para a problemática da aplicação do contraditório.
A relevância estaria se a questão é simples ou prejudicial, pois esta última pode ser tornar objeto de cognição por iniciativa exclusiva do juiz. Caso o juiz exerça cognição exclusiva sobre uma questão e através do entendimento gerado por ela decida o processo, o contraditório estaria maculado. Isso porque as partes não tiveram nenhuma oportunidade de participarem na formação da questão e de influenciarem no convencimento do juiz, ou seja, não participaram em nenhum momento da formação da fundamentação talvez mais importante da decisão final. Por este motivo, Denti analisou ainda que importaria, então, se a questão fora efetivamente julgada pelo juiz, e não somente conhecida (DENTI, 1968, p. 21).
A doutrina sempre se preocupou em definir questão prejudicial, por considerar que o juiz deveria decidir sobre a prejudicial antes das outras questões ventiladas. Isso porque, conforme PLÁCIDO E SILVA (1973, p. 1281), “a questão prejudicial [...] é a que surge para antepor-se ou contrapor-se a outra questão, a fim de anular ou tornar ineficaz qualquer influência dela. Assim, sendo o seu reconhecimento ou a sua aceitação como procedente e certa, tem a influência ou a eficácia de tornar desnecessária a decisão acerca de outra questão a que se antepôs. [...] O sentido de prejudicialidade, atribuído à questão, resulta numa dupla significação: na de preliminaridade, para que se conheça e decida antes que qualquer outra questão, e a de prejudicialidade, propriamente, quando a decisão tomada a respeito dela torna impossível qualquer decisão à outra questão.”
Neste mesmo sentido, o entendimento de CRETELLA NETO (1999, p. 369) determina que questão prejudicial é “questão relevante de Direito Material ou de fato, arguida antes da decisão sobre a questão principal (de mérito), e de cuja solução depende a decisão sobre a lide. A questão prejudicial é antecedente lógico da sentença (isto é, deve ser resolvida antes) [...].”
No entendimento de DENTI (1968, p. 20-21), as questões prejudiciais não seriam somente aquelas em que se deva decidir antes, mas aquelas, tanto de fato quanto de direito, que possam definir o juízo e que possam ser objeto de uma das pronúncias do artigo 279, 1, 2 e 4 do codice di procedura civile Italiano[4]. Em verdade, para o estudioso italiano, o importante seria a ‘capacidade’ de influenciar na decisão do juízo que a questão teria, e não se ela seria de fato ou direito.
Não há contrariedade entre a existência de poderes instrutórios para o juiz e a garantia do contraditório. Não é porque existe a possibilidade de o juiz impulsionar o processo – princípio do impulso oficial – que isso signifique lesão à garantia de contraditório para ambas as partes. Segundo DENTI (1968), tanto os poderes instrutórios do juiz quanto o contraditório têm que estar em harmonia, sendo o contraditório garantia de ampla defesa, com participação ativa e colaboração no desenvolvimento do processo.
Isso significa que só porque o juiz do processo civil dos séculos XX e XXI deixou de ser passivo e adotou uma posição ativa e de controle, o contraditório não se tornou secundário ou incompatível com esta conduta judicial.
Está previsto no codice di procedura civile Italiano no artigo 183, § 2º. que o juiz indique às partes as questões de ofício para que se dê a oportuna instrução. Por ocasião deste artigo, a doutrina italiana iniciou uma discussão sobre se a instrução prevista seria uma imposição legislativa ou uma mera faculdade do juiz. Entendendo obrigatória a instrução a respeito das questões de ofício, Grasso (apud DENTI, 1968, p. 217) afirmou que esta previsão veio a corroborar com o princípio da colaboração entre partes e juízes para a edificação do processo.
Apesar de Grasso, Cappelletti, Denti e Andrioli entenderem que o juiz tinha o dever de instaurar contraditório inclusive nas questões determináveis de ofício, a prática processual demonstrou aos poucos que deste dever não decorria uma prestação real, até mesmo porque se tratava somente de dever do juiz instrutor [ na Itália existe a figura do juiz preliminar e do juiz instrutor, ambos atuando em primeira instância ].
E, independente da previsão normativa, que foi considerada falida pela grande massa da doutrina que defendia a instrução obrigatória, o fato da inexistência de contraditório neste caso não geraria nulidade absoluta das decisões sem sua observância.
DENTI (1968, p. 219) ainda ressalta que o dispositivo do artigo 101 do codice di procedura civile Italiano nunca foi de interpretação restrita, uma vez que outros dispositivos prevêem o contraditório em atos sucessivos à constituição inicial do processo – momento da contestação.
Ainda para este mesmo doutrinador, o provimento jurisdicional que se embasasse em questão não amplamente contradita pelas partes era sim, inválido. E esta invalidade decorreria de previsão constitucional, não expressa porém já existente. A invalidade do provimento que descartasse o contraditório e não fosse proferido com a colaboração das partes poderia embasar-se no art. 24, § 2º. da Costituzione Italiana, criando-se assim uma categoria de nulidades processuais que desrespeitassem normas constitucionais e não somente processuais (DENTI, 1968, p. 219).
Denti ainda analisa que a decisão sobre questões prejudiciais determinadas de ofício trataria de uma exceção e o princípio do contraditório concerne tanto à demanda quanto às exceções. Assim sendo, a existência de questões prejudiciais levantadas de ofício ampliam o thema decidendum e assim as partes têm o direito de intervir para eficazmente interferirem no processo. “As questões prejudiciais determinadas de ofício não podem ser decididas se o juiz não as submeteu previamente ao contraditório das partes” (DENTI, 1968, p. 231), causando assim nulidade da sua decisão, na categoria do art. 101 do codice di procedura civile Italiano.
São considerados também sobre o contraditório a questão do iura novit curia, na qual o juiz deve propor às partes, antes da decisão, a norma ou as normas às quais entenda poder referir-se em caso concreto, suscitando uma discussão sobre a aplicabilidade das mesmas; ou o dever do juiz em abrir contraditório quando da determinação de ofício de fattispecie impeditiva, modificativa ou extintiva; e o direito de defesa que pressupõe o direito da parte em intervir ao menos uma vez em todas as questões sobre as quais o juiz decidirá o processo.
O dispositivo do art. 101 do codice di procedura civile Italiano tem origem remota na ZPO alemã (Zivilprozessordnung), e como observa LENT (apud DENTI, 1968, p. 225), no processo alemão “nem mesmo com base no princípio inquisitório o juiz pode valer-se de elementos conhecidos sem primeiro tê-los discutido com as partes, não lhe sendo autorizado examiná-los pela primeira vez na motivação da sentença”. Por razão do aumento dos poderes do juiz, um movimento análogo aconteceu no direito francês, enquanto no common law o juiz tem alguns poderes excepcionais de conhecer questões de ofício, acompanhados do dever de provocar o debate entre as partes. Caso o juiz deixe de observar o contraditório entre as partes, a sua decisão fica passível de impugnação.
Foi de Chiovenda o primeiro projeto para a inserção do princípio do contraditório amplo e obrigatório, projeto este que sofreu diversas atenuações acompanhando-se o esvaziamento do conceito de contraditório pelos anos.
3 O contraditório e o princípio da oralidade
Existe uma tendência geral dos doutrinadores internacionais a limitar o problema do processo ordinário ao processo executivo e aos procedimentos especiais. O processo executivo é essencialmente escrito, e os procedimentos especiais também, por prescindirem de prova imediata e robusta, uma vez que necessitam preparar o juiz para uma cognição imediata. Em compensação, nos procedimentos menores, como a justiça de paz – existente com muita relevância na França e na Itália, há o predomínio da oralidade, uma vez que tais procedimentos necessitam de rapidez, simplicidade, economia e acessibilidade.
CAPPELLETTI (1971, p. 161) realizou uma análise detalhada da questão da oralidade no procedimento ordinário, entendendo que o problema da oralidade está relacionado ao problema da administração da prova e à admissibilidade e apreciação da prova escrita.
Em sua obra, CAPPELLETTI (1971, p. 161) traz que os doutrinadores são unânimes ao afirmar que nos sistemas jurídicos modernos não existe um processo fundado sobre a forma puramente oral. Existe sim uma conjugação entre elementos orais e escritos, que trazem o problema da predominância ou coordenação entre um e outro, porém nunca exclusão.
Numerando-se as vantagens e desvantagens de ambas as formas – oral e escrita, pode-se ter: i) a forma escrita possui o mérito da precisão, pela qual o juiz aparentemente teria uma maior certeza a respeito da existência ou conteúdo de um ato; ii) a forma oral torna o processo mais vivo, captando a atenção do juiz somente para os fatos mais relevantes. Possui a vantagem do predomínio da simplicidade sobre o formalismo.
O problema da oralidade e da escrita, então, acaba por relevar-se à sua coordenação, em especial sobre as “divergências entre as soluções práticas adotadas nos diferentes países” (CAPPELLETTI, 1971, p. 161).
Mauro Cappelletti entende que aos países da commom law não interessa o estudo da oralidade. O problema dos países deste sistema partiu de como transformar um processo arcaico, formalista, essencialmente escrito, desprovido de caráter imediato e de concentração, em consonância com as modernas reformas.
O problema residia no fato de que esses procedimentos eram essencialmente calcados sobre o modelo canônico do “comum”. Quem teceu as maiores críticas a este modelo foi BENTHAM (apud CAPPELLETTI, p. 69), que questionava o fato das partes não serem chamadas a comparecerem frente o juiz, uma vez que tudo se passava por intermédio dos procuradores. As petições escritas eram admitidas sem limites e as testemunhas eram interrogadas sem publicidade e sem exame cruzado pelas partes interessadas.
Bentham ainda defendia um tipo de processo “natural”, em contrapartida a um processo “técnico”, fundado precisamente nos critérios da oralidade, propondo como reformas: as partes deveriam ser tratadas como testemunhas, que prestariam esclarecimentos frente o juiz para se obter o verdadeiro objeto do processo. As testemunhas seriam ouvidas através de interrogatórios cruzados; as sessões dos tribunais não seriam jamais interrompidas, ou seriam fixados intervalos; e o juiz que produzisse as provas seria o mesmo que pronunciaria a decisão.
Seria, então, necessária uma reforma radical do processo e do direito nos povos anglo-americanos. Analisou-se que uma a principal causa da insuportável duração dos processos seria o procedimento extremamente complexo e formalista, consistente especialmente na exclusão da prova oral em privilégio da prova escrita.
Grandes reformas iniciaram-se na Inglaterra com a Chancery Amendment Act de 1852, que facultava à parte o interrogatório oral das testemunhas, pelas regras do examination, cross-examination e re-examination. Outras mudanças importantes aconteceram, que puderam ser consideradas uma verdadeira revolução, todas no sentido de suprimir a equity do processo e privilegiar a administração das provas oralmente, em audiência pública (viva voce and in open court), sendo que o juiz teria toda a liberdade em apreciar o resultado das provas. Evoluções praticamente análogas em todos os países da família da common law.
Em análise relativa ao sistema da prova na common law, pode-se dizer que a grande diferença deste sistema para a família da civil law é a existência do júri. Havendo um júri, a prova escrita deixa de ser predominante porque não é interessante a ele. O debate oral in open court, o mais concentrado possível, é o ideal para o sistema do júri. E o sistema de apreciação das provas muito rígido e abstrato seria inconciliável com a ausência de experiência jurídica do júri.
De outra forma e com algum atraso, o sistema da common law também aboliu a prova legal, pelas mesmas razões que o processo continental o fizera. A passagem realizou-se através de um sistema igualmente formalista, abstrato e a priori de regras de exclusão. Como era impossível que o júri apreciasse as provas de forma determinada, passou-se a limitar que provas poderiam ser levadas à apreciação. E provas inadmissíveis eram o mesmo que provas nulas. As partes e os terceiros interessados estavam excluídos do examination e do cross-examination que passaria a acontecer in open court.
Na Inglaterra e nos Estados Unidos, a coordenação entre oralidade e escrita delineia-se principalmente pela existência de duas fases bem distintas: a pre trial e a trial.
A fase do pre trial tem caráter preparatório e se desenvolve entre as partes, sendo possível alguma intervenção judicial. Nesta fase, as partes utilizam as escrituras, para determinar a matéria de fato e prepararem o trial. Existe, também, a possibilidade inquisitória, na qual as partes se confrontam livremente e é também livre a ‘comercialização’ dos documentos. Trata-se de uma fase que se desenvolve nos escritórios dos advogados, com raras intervenções judiciais, estas apenas para garantir o fair play. Existe oralidade, porém entre as partes e não frente o juiz.
As discoveries são mais desenvolvidas na Inglaterra, porém existe uma maior intervenção do Master – órgão distinto da Corte, mas que a representa. Frente a este Master existe a realização de uma fase oral, porém preparatória para os atos escritos, visando apenas a celeridade do trial.
A fase do trial, ao contrário do que normalmente se imagina, extrapola o limite dos discursos dos advogados, compreendendo a administração das provas in open court. Neste momento, a oralidade predomina soberana, e as peças escritas são direcionadas aos advogados da parte contrária, e não exatamente à Corte. Trata-se de uma fase concentrada, e na Inglaterra a decisão e dada no mesmo dia, também in open court. É exatamente no trial que se revela a característica tipicamente oral do procedimento da commom law, porém CAPPELLETTI (1971, p. 21) salienta que a prolação da decisão no day in court é exceção à regra, e que a fase do pre trial pode prolongar-se por anos.
Outra característica do processo da oralidade no processo da commom law é a preferência pelas provas orais, em razão do júri. Estas provas orais são amplamente debatidas no trial através das cross examinations. No entanto, a preferência absoluta pela prova oral vem se atenuando ao longo dos anos, principalmente na Inglaterra.
Cappelletti também ressalta, como ponto importante a respeito do processo da common law, a limitação da apelação às questões de direito. Como não é possível repetir-se toda a fase do trial, na fase apelatória a oralidade não é mais predominante.
A oralidade é um princípio bastante deficiente nos países seguidores do sistema da civil law, e esta deficiência tem bases históricas. Os defeitos do processo em vigor nos países do continente Europeu estão relacionados à idéia de oralidade entre os países da civil law. Isso porque esse processo originou-se do direito romano-canônico e do jus commune, com características dominantes que sempre privilegiaram o procedimento escrito.
Historicamente, o Direito Romano era basicamente oral, com todos os atos processuais realizados de forma oral. Houve uma lenta evolução para o sistema misto, conjugando oralidade e escrita. Mesmo assim, “a oralidade e a imediatidade mantiveram-se, em regra, como tônicas do processo ao lado das atas redigidas, meio de amparo à sentença que, embora escrita, era publicada oralmente” , conforme nos ensina GUEDES (2003, p. 21).
O processo romano-canônico surgiu para substituir o processo primitivo que estava em vigor na Idade Média. Neste, a publicidade e a oralidade dominavam, e a administração da justiça tinha, de certa maneira, um caráter de assembléia.
No processo primitivo as provas eram substituídas por provações, o “juízo de Deus”, e o direito da época tinha um extremo rigor formal. O processo romano-canônico substituiu esse tipo de processo, passando o procedimento a “girar em torno” do princípio da escritura, com uma glorificação dos recursos e o controle exato da precisão e dos fundamentos do juiz. O juiz formava sua convicção com base nos seus “conhecimentos privados”, não possuindo as partes um mínimo de garantia do contraditório.
Havia também, como características, o caráter secreto da produção das provas para não contaminar as testemunhas e o quesito da apreciação legal das provas, feita abstratamente pelo legislador, para evitar arbitrariedades do juiz.
CAPPELLETTI (1971, p. 41-46) enumera algumas características mais relevantes do direito romano-canônico que serviram para acentuar a problemática da oralidade em relação aos países da civil law: i) a predominância do elemento escrito, que advém de um monopólio para a afirmação do princípio quod non est in actis non est in mundo. Em razão deste princípio, decisão proferida em processo que não estivesse inteiramente fundado em atos escritos, era considerada absolutamente nula; ii) a conseqüente ausência de relações diretas entre o juiz e demais sujeitos do processo, bem como a ausência de contato direto do juiz com os elementos objetivos da prova; iii) a ausência de publicidade do processo; iv) O excesso de réplicas em razão das peças escritas. O desenvolvimento do processo perdeu seu caráter concentrado típico daquele frente ao judex e passou a ser desmembrado e fragmentado em várias etapas; v) a ausência de uma intervenção direta do juiz no desenrolar do processo, dando margem às partes que atrasem a marcha do processo quando lhes for interessante, e ainda aos advogados que protocolem petição sobre petição para valorizar seu trabalho, causando uma duração insustentável do processo; vi) a possibilidade de recursos imediatos de todos os atos do juiz, e a facilidade de se apresentar fatos e provas novas em apelação; vii) E por último, a característica mais significativa, o sistema da prova legal, que trata de uma série de regras obrigatórias para a admissão e apreciação das provas.
Neste sistema de provas legais, as testemunhas eram interrogadas em segredo pelos notários ou gráficos, e a redação era geralmente em latim, ou seja, uma língua diferente daquela falada por elas. Sem dados importantes para uma apreciação crítica das provas, o juiz devia observar uma regra para a hierarquia de valoração das provas, que levava em consideração a nobreza, a religião, o sexo, a idade, a condição econômica, etc. A apreciação das provas não era feita pelos elementos concretos, mas pela lei. O juiz limitava-se a computar: probatio nulla, probatio plena e semiplena probatio.
Na França, houve a abolição do “princípio do inquérito sigiloso”, uma conquista da legislação revolucionária e que só foi acolhida por outros países muito tardiamente.
O sistema romano-canônico passou a ser visto com severas críticas no período denominado “época das luzes”, e foi a ideologia da Revolução Francesa que anteviu o que futuramente seria concretizado na legislação revolucionária.
A reforma francesa pode ser considerada como o modelo de realização de um sistema de processo oral, em total contrapartida ao procedimento escrito do sistema romano-canônico. O que ocorreu foi que a França se inspirou mais no sistema do processo da commune sumário do que no ordinário, mais formalista.
A primeira obra jurídica importante relacionada ao princípio da oralidade foi o Código de processo civil de Hannover, em 1850, e logo depois a Zivilprozessordnung alemã de 1879. Essas duas obras legislativas adotavam como fundamento uma concepção bastante rígida e doutrinal da oralidade. Cappelletti explica que, se o processo escrito era entendido como a inexistência de qualquer ato que não resultasse da acta, o processo oral deveria ser entendido como a inexistência de qualquer ato não comunicado oralmente ao juiz, em audiência, pelas partes ou seus advogados (CAPPELLETTI, 1971, p. 56).
Esta concepção extremamente teórica e doutrinal e outros defeitos da Zivilprozessordnung alemã de 1977 foram corrigidos ou atenuados em reformas ulteriores. Qualquer traço das instituições típicas do sistema da prova legal e a concepção do processo civil como escolha das partes desapareceram do código alemão, e com isso veio novamente o processo fundado exclusivamente sobre as peças escritas.
A legislação que previa a relação direta entre juiz e prova foi relaxada, causando assim problemas relativos à duração do processo. Com a insatisfação geral relacionada à eficiência do processo alemão, mais reformas surgiram, sendo que as mais coerentes levaram à acentuação da concentração do debate oral compreendendo também a administração das provas, que deveriam ser feitas frente o órgão que julga.
A reforma austríaca de 1895 demonstrou que os erros alemães não seriam repetidos, compreendendo-se que a idéia de um processo oral se realiza sem exageros e fantasias. O processo misturava oralidade e escrita, sendo que a fase principal era predominantemente oral e pública. Os recursos eram admitidos em princípio somente para as decisões definitivas.
De todas as reformas, a que havia demonstrado maior eficiência fora a austríaca, com cerca de 40% dos processos terminando em menos de um mês. Não se podia encontrar dados assim em outros países, a não ser na Suécia. A maioria dos países a demora do processo era causada pelos defeitos típicos do processo escrito, sendo que a situação italiana era considerada problemática. A escrita dominaria praticamente todo o processo civil, e ainda seria relevante tratar da duração excessiva dos recursos. Ainda, a produção e administração das provas acontecia entre várias audiências sem um mínimo de oralidade, sem concentração e sem nenhuma relação imediata do juiz com os elementos do processo.
Conforme já visto anteriormente, a oralidade foi introduzida e valorada de forma diferente nos sistemas jurídicos mais significantes. Entre common law e civil law as diferenças são muitas, e mesmo dentro da civil law é possível identificar diferenças marcantes entre os países do continente Europeu e os países socialistas.
Como diferenças mais marcantes entre os procedimentos da civil law e dos procedimentos anglo-americanos, pode-se enumerar: i) a ausência do júri no procedimento civil da civil law e de um episódio equivalente ao do day in court, relativo à administração das provas; ii) a tendência existente no sistema da civil law de atribuir maior importância à prova escrita que à prova oral; iii) a ausência, ou a raridade, de poderes inquisitórios das partes, no sistema da civil law, sendo que estes poderes são atribuídos ao juiz; iv) a possibilidade ampla de um jus novorum na fase apelatória na civil law, com possibilidade de introdução dos fatos e de provas novas, ao contrário do que normalmente é autorizado na commom law. Este fator causa desvalorização do primeiro grau de jurisdição, e invariavelmente prolonga a duração dos processos.
Entre os países pertencentes ao sistema jurídico da civil law, também se pode encontrar diferenças relativas à coordenação dos elementos escritos e orais.
Segundo CAPPELLETTI (1971, p. 22), as soluções espanhola e latino americanas são as mais fiéis ao esquema antigo de jus commune, uma vez que os elementos escritos são dominantes, o que permite uma fragmentação excessiva do processo e uma gravidade maior do problema da duração do mesmo. Esta fidelidade ao jus commune também seria a causa da ausência de uma relação direta entre o órgão judicial e os elementos probatórios.
Apesar de melhor, a situação na França e na Itália ainda não é a ideal. Os debates orais não compreendem a administração das provas, limitando-se aos discursos dos advogados, que muitas vezes nem acontece. Os advogados comumente preferem se referir às peças escritas.
Tais discursos seriam mais interessantes se precedessem uma instrução efetiva do processo. Porém a preparação do processo, mais ainda na Itália, consiste basicamente na troca de peças escritas. Esta prática serve para alongar ainda mais o processo, uma vez que não existem instrumentos eficazes de investigação como nas discoveries americanas e as intervenções do juiz servem apenas para tentar equilibrar o processo.
Existe ainda o fato de que a administração das provas não é imediata, o que é uma outra característica da oralidade. O juiz que recolhe as provas não é o mesmo que julga, e nem mesmo faz parte do colégio julgador.
A aplicação da oralidade é melhor e mais bem desenvolvida nos países da Europa central e nos escandinavos, aonde a duração do processo é mais suportável. A apresentação da demanda é escrita, mas segue-se da preparação do debate oral principal, que se funda no contato direto entre o juiz e as partes.
O juiz está munido de poderes de direção e aceleração do processo e exerce esses poderes eficientemente. O debate oral principal se desenvolve frente o mesmo juiz que preparou o processo, e é geralmente concentrado, apesar de quase nunca ser possível a realização do one day in court como no sistema da common law.
É importante, contudo, ressaltar duas tendências evolutivas dos países da civil law, conforme determinou CAPPELLETTI (1971, p. 29): a primeira consistiria no abandono da colegialidade em primeira instância e a segunda seria limitar a admissibilidade de inovações na apelação, o que seria muito importante para atenuar a desvalorização da primeira instância e, consequentemente, da sentença.
Entre as diferenças importantes, as que mais se aprofundam são as dos países do Leste Europeu. Em relação aos elementos orais do processo, entendidos aqui como a fase preparatória e não o debate oral principal, sendo que CAPPELLETTI (1971, p. 30-35) destacou i) a investidura dos juízes por eleição, o que os tornaria mais populares e menos aptos a se servirem utilmente das escrituras; ii) o caráter popular da justiça, na qual todos teriam acesso garantido sem necessidade de advogado, autorizando assim que os pedidos fossem feitos informalmente diretamente ao juiz, que exerceria uma função “assistencial” e de “consultoria”, na perseguição a uma igualdade real entre todas as partes processuais; iii) a importância da publicidade do processo, que é uma garantia constitucional de quase todos os países socialistas – no ano em que Cappelletti escreveu a obra ora invocada, ainda existia União Soviética e consequentemente os países socialistas – porque o processo era encarado com a missão fundamental de educar as massas; iv) o princípio do papel ativo do juiz, em busca da verdade material; v) a unificação da apelação e a revisão (ou cassação); vi) uma certa tendência de predomínio da escrita na Polônia e Yugoslávia – que ainda existia à época.
O processo nos países do Leste Europeu é de interesse de ordem pública, e não puramente privada. Existe um contato direto entre o juiz e as partes (incluindo testemunhas, peritos, etc...), o que torna a oralidade muito mais desenvolvida. Porém existe a obrigatoriedade de que algumas provas sejam produzidas por escrito, não exatamente para que se tornem provas mais eficazes, mas para garantir o controle público sobre as atividades.
Os advogados abusam de uma excessiva escrita nas frases preparatórias e a tendência dos tribunais em evitar a fadiga de uma discussão oral.
Existem, no entanto, formas interessantes encontradas pelos sistemas jurídicos de conjugarem a escritura e a oralidade em seu procedimento ordinário. Cappelletti, em seu estudo, delineou algumas das quais entendeu mais significativas: i) a predominância da oralidade nas fases do trial do sistema anglo-americano, mas não na fase pre trial; ii) a tendência da predominância do elemento oral ao desenrolar do processo inteiro, incluindo-se a fase preparatória, nos países “socialistas” (hoje países do Leste Europeu) e também nos países de influência desse sistema; iii) com um sistema de processo oratório-protocolar, um pouco mais oral que de outros países, os discursos, quando ainda existem, limitam-se a discutir o processo quando a instrução já terminou, enquanto que a instrução mesma, que compreende a administração das provas, ficam confiadas a um juiz friamente chamado de juiz de instrução; iv) um sistema processual praticamente todo escrito, na Espanha e nos países latino-americanos, que faz limitação a um contato direto entre o órgão jurisdicional e os demais sujeitos do processo, ou seja, que limita a oralidade.
4 Conclusões
A análise do contraditório em relação ao tempo e à sua importância faz concluir que nem sempre este princípio foi considerado de importância basilar, porém a compreensão internacional de que o homem possui direitos fundamentais que nem mesmo em períodos de guerra podem ser afastados, fez com que o contraditório passasse de simples característica do processo para o mais alto nível de garantia processual constitucional.
Em diversos dos maiores sistemas jurídicos mundiais, o contraditório está constitucionalmente previsto e a Corte Européia dos Direitos Humanos considera inaceitável qualquer processo, seja jurídico ou não, sem a existência do contraditório amplo e efetivo, que significa muito mais do que a simples apresentação de petição contestando fatos iniciais alegados pelo autor.
Desta forma o contraditório deixou de ser um simples princípio processual. No Brasil, a previsão constitucional obriga o administrador do processo a observar o contraditório amplamente, porém na prática ainda se precisa de muita evolução para que o processo brasileiro adquira os contornos desejados para a garantia do contraditório efetivo.
O aumento da oralidade nos processos seria um avanço para a maior proximidade partes-juiz, e para, consequentemente, uma maior participação daquelas no convencimento deste. Sem a participação constante das partes em todos os atos, sem a ciência das partes de todos os fatos, fundamentos e condições que levarão – ou levaram – ao convencimento do juiz para a prolação da decisão, inexiste o contraditório ideal defendido pelas cortes internacionais.
Não será possível, no entanto, o aumento da oralidade e uma melhor conjugação desta com as escrituras enquanto não houver uma mudança de hábitos e costumes daqueles que são encarregados de operar o processo, sejam juízes ou administradores. Para que o contraditório efetivo seja uma concreta garantia processual – e não apenas uma previsão constitucional pouco significativa no geral – é fundamental que se desprenda o Direito brasileiro das amarras do Direito romano-canônico, que amplamente desvalorizava o que não estava escrito. E também que os formalismos excessivos sejam esquecidos, para que o processo possa se tornar mais humano e passe a exercer a função para o qual foi criado: a pacificação social.
Se o processo visa simplesmente satisfazer códigos e artigos de Lei, não serve ao seu propósito de compor a lide. O processo é para a sociedade e não para a justiça. Deve ser guiado e estruturado pela Lei, porém deve ser conduzido para as partes, que possuem um único objetivo, o de ver o conflito terminado o mais rapidamente possível, para que o equilíbrio relacional possa ser refeito. E enquanto o real e efetivo contraditório não for observado; enquanto a oralidade não fizer parte do processo como um meio de humanizar as relações deste, o equilíbrio não será restaurado pela simples prolação da sentença, já que o processo será decidido sem todas as necessárias interferências.
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[1] BRASIL. Constituição da República Federativa, 1998. Art. 5º., LV: aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
[2] GRECO, Leonardo. op. cit. p. 72.
[3] FRANCE. Constitution francaise. 1958. Art. 66 - Nul ne peut être arbitrairement détenu. L'autorité judiciaire, gardienne de la liberté individuelle, assure le respect de ce principe dans les conditions prévues par la loi.
[4] ITALIA. Codice di procedura civile. 1940. Art. 279. Il collegio quando provvede soltanto su questioni relative all'istruzione della causa, senza definire il giudizio, pronuncia ordinanza.
Il collegio pronuncia sentenza: 1) quando definisce il giudizio, decidendo questioni di giurisdizione o di competenza; 2) quando definisce il giudizio, decidendo questioni pregiudiziali attinenti al processo o questioni preliminari di merito; [...] 4) quando, decidendo alcune delle questioni di cui ai numeri 1, 2 e 3, non definisce il giudizio e impartisce distinti provvedimenti per l'ulteriore istruzione della causa;
Professora de Direito no Centro Universitário São Camilo-ES, advogada, mestre em Políticas Públicas e Professo pela Faculdade de Direito de Campos (UNIFLU), especialista em Processo Civil pela Faculdade de Vitória (FDV), bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim (FDCI-FEVIT).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Tatiana Mareto. O contraditório como garantia constitucional e o princípio da oralidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 jun 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39816/o-contraditorio-como-garantia-constitucional-e-o-principio-da-oralidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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