RESUMO: Busca o presente trabalho analisar os aspectos mais polêmicos do Regulamento de Atendimento e Cobrança da ANATEL, aprovado por meio da Resolução ANATEL nº 612/2013.
Palavras-Chave: Consumidor; telecomunicações; atendimento; cobrança; reclamações.
Sumário: Introdução; 1. Aspectos Polêmicos; 1.1. Do tratamento único para serviços prestados em regime público e em regime privado; 1.2. Cobrança de Valores Indevidos e Depósito no Fundo de Direitos Difusos (FDD); 1.3. Ofertas Promocionais. Acessibilidade a todos os interessados; 1.4. Oferta Conjunta. Reajuste Simultâneo; 1.5. Rescisão Automática; 2. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
Várias foram as novidades trazidas pelo Regulamento de Atendimento e Cobrança da Anatel, aprovado pela resolução ANATEL nº 612, de 7 de março de 2014. As alterações claramente se preocuparam em facilitar o entendimento dos documentos de cobrança pelo consumidor, em clara alusão à necessidade de se proceder a uma regulamentação mais benéfica ao usuário. Não obstante, uma parte do setor de telecomunicações se insurge quanto a determinados pontos da referida norma regulamentar. Passemos à análise destes pontos.
1. Aspectos Polêmicos.
Seguem os principais aspectos polêmicos: tratamento único para serviços prestados em regime público e em regime privado, cobrança de valores indevidos e depósito no Fundo de Direitos Difusos (FDD), acessibilidade de ofertas promocionais a todos os interessados, reajuste simultâneo da oferta conjunta.
1.1. Do Tratamento Único para Serviços Prestados em Regime Público e em Regime Privado.
Algumas entidades do setor entendem que as obrigações que constam do Regulamento em análise não consideram as distinções entre os serviços de telecomunicações prestados em regime público e aqueles operados em regime privado, no qual a liberdade é a regra. Ou seja, seriam exceções as proibições, restrições e interferências do Poder Público.
Com efeito, o art. 1º da Resolução nº 632/2013 assevera que o regulamento em tela “tem por objetivo estabelecer regras sobre atendimento, cobrança e oferta de serviços relativos ao Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, ao Serviço Móvel Pessoal – SMP, ao Serviço de Comunicação Multimídia – SCM e aos Serviços de Televisão por Assinatura”. Assim, unifica o tratamento das regras de cobrança, atendimento e oferta dos serviços nele enumerados.
Primeiramente, cabe transcrever o teor do art. 170 da Constituição Federal de 1988:
CF/88
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional;
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade;
IV - livre concorrência;
V - defesa do consumidor;
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego;
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995)
Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. [grifou-se]
Assim é que a Ordem Econômica funda-se também na livre iniciativa, mas deve observar, dentre outros, o princípio da defesa do consumidor. Observa-se que o Estado deve facilitar a defesa do consumidor. Nesse sentido, Cunha Júnior e Novelino (2010, p. 646) ensinam que:
Com efeito, malgrado tenha a Constituição de 1988 consagrado uma economia de livre mercado, de natureza capitalista – porque instrumentalizou uma ordem econômica apoiada na apropriação privada dos meios de produção e na livre iniciativa econômica privada – instituiu ela no art. 170 numerosos princípios limitando e condicionando o processo econômico, no intuito de direcioná-lo a proporcionar o bem-estar social ou melhoria de qualidade de vida.
Nesse passo, cumpre destacar que a regulamentação anterior continha regras distintas para cada serviço, dificultando o conhecimento do usuário quanto aos seus direitos. Além disso, cabe registrar que os prestadores de serviços de telecomunicações, tanto em regime público como em regime privado[1], devem respeitar os direitos dos consumidores, e isso não significa desrespeito à livre iniciativa, que, repise-se, deve observar o princípio da defesa do consumidor.
Aliás, já tivemos oportunidade de destacar que a grande diferença entre um e outro regime de prestação dos serviços de telecomunicações é depreendida da LGT. O serviço prestado no regime público, por exemplo, tem como característica a reversibilidade dos bens essenciais à prestação do serviço, a outorga mediante contrato de concessão, a imposição de obrigações de continuidade e de metas de universalização, com o consequente atendimento de localidades e áreas não justificadas pelo interesse econômico, bem como a possibilidade de a Anatel controlar, acompanhar e proceder à revisão de tarifas, podendo fixá-las nas condições previstas na LGT e homologar reajustes. Em contrapartida, as prestadoras do serviço de telecomunicações prestado no regime público (atualmente, apenas o STFC detém essa condição) desfrutam, por exemplo, de garantias como aquela que assegura o equilíbrio econômico-financeiro do Contrato de Concessão e a possibilidade de utilização de recursos do FUST para cobrir a parcela do custo exclusivamente atribuível ao cumprimento das obrigações de universalização de prestadora de serviço de telecomunicações, que não possa ser recuperada com a exploração eficiente do serviço, nos termos do art. 82, inciso II, da LGT (Nascimento, 2013, p. 217).
Portanto, a prestação do serviço de telecomunicações, em regime público ou privado, deve observar as normas de defesa do consumidor. Destarte, considerando que o tratamento unificado possibilita maior compreensão do consumidor quanto às regras de atendimento e cobrança, ofertando a ele o conhecimento necessário para, se o caso, insurgir-se contra cobranças indevidas.
1.2. Cobrança de Valores Indevidos e Depósito no Fundo de Direitos Difusos (FDD)
A associação autora alega a ilegalidade do procedimento previsto na Resolução nº 632/2013 para a devolução de valores indevidamente cobrados na hipótese de o consumidor não ser mais cliente da prestadora, de impossibilidade de identificação do consumidor ou de inexistência de pedido do usuário de levantamento do valor que lhe fora cobrado indevidamente cobrado. Nesse sentido, vejamos o disposto nos art. 87 e 89 da Resolução nº 632/2013:
Resolução nº 632/2013
Art. 87. Na hipótese de devolução de valor pago indevidamente, caso o Consumidor não seja mais cliente, a Prestadora deve:
I - notificá-lo a respeito do crédito existente, no prazo de até 30 (trinta) dias, contado da caracterização da cobrança como indevida; e,
II - disponibilizar, em destaque, na página inicial da Prestadora na internet mecanismo de consulta e solicitação do crédito existente em seu favor.
§ 1º A notificação prevista no inciso I deve ser realizada por mensagem eletrônica, mensagem de texto ou correspondência, no último endereço constante de sua base cadastral.
§ 2º A notificação deve apresentar os contatos da Prestadora, as formas, o prazo e o valor da devolução, bem como a existência do mecanismo de consulta e solicitação do crédito, conforme inciso II deste artigo.
§ 3º Os créditos existentes devem permanecer disponíveis para consulta e solicitação do Consumidor, por meio do mecanismo previsto no inciso II deste artigo, pelo período de 1 (um) ano, a contar do envio da notificação.
Art. 88. Todo documento de cobrança pago em duplicidade deve ter o seu valor devolvido por meio de abatimentos no documento de cobrança seguinte à identificação do fato, respeitado o ciclo de faturamento.
Parágrafo único. O Consumidor pode exigir, alternativamente, o pagamento via sistema bancário, considerando o prazo máximo de 30 (trinta) dias para devolução, contado da data da solicitação.
Art. 89. O valor correspondente à devolução deve ser recolhido pela Prestadora ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD), previsto na Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, ou outra que a substitua, nas seguintes hipóteses:
I - no caso de Consumidores não identificáveis, no prazo de 30 (trinta) dias, contado da constatação do dever de devolver; e,
II - transcorrido o prazo previsto no § 3º do art. 87 sem que o interessado tenha solicitado o levantamento do crédito existente em seu favor, no prazo de 30 (trinta) dias.
§ 1º A Prestadora deve comprovar à Anatel o atendimento ao disposto neste artigo, no prazo de até 5 (cinco) dias após o recolhimento dos valores ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos (FDD).
§ 2º Não havendo o recolhimento dos valores previstos no § 1º, incumbirá à Anatel, por meio dos órgãos da Procuradoria-Geral Federal, a propositura de execução fiscal dos créditos correspondentes, sem prejuízo da aplicação das penalidades previstas na Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
Não há que se falar em ilegalidade na previsão regulamentar colacionada. Com efeito, a ideia, aqui, é que a prestadora não se beneficie da própria torpeza, considerando que, muitas vezes, os valores cobrados indevidamente não são capazes de, individualmente, acender interesse de o usuário para acionar a empresa a devolver esse valor. No entanto, coletivamente, é possível se vislumbrar um enriquecimento sem causa da empresa, em detrimento de milhares de usuários.
Caso comum se dá quando os usuários são identificáveis, mas não são mais clientes da prestadora. A regulamentação da Agência também se preocupou com eles, de modo a evitar que a prestadora eventualmente embolse valores cobrados indevidamente quando os mesmos eram seus clientes. Além disso, nessa mesma linha de pensamento, a Anatel interessou pela situação dos usuários não identificáveis que foram cobrados indevidamente. Em todas essas hipóteses, a regulamentação estabelece procedimento de devolução, para que a prestadora não se beneficie da própria torpeza e enriqueça sem causa.
1.3. Ofertas Promocionais. Acessibilidade a todos os interessados.
Segundo o art. 46 da Resolução nº 632/2013, “todas as ofertas, inclusive de caráter promocional, devem estar disponíveis para contratação por todos os interessados, inclusive já Consumidores da Prestadora, sem distinção fundada na data de adesão ou qualquer outra forma de discriminação dentro da área geográfica da oferta”.
O dispositivo regulamentar é autoexplicativo e busca evitar distinções de tratamento dos consumidores fundadas na data de adesão ou qualquer outra forma de discriminação dentro da área geográfica da oferta. Aliás, trata-se de obediência ao comando legal, insculpido no art. 3º, III da LGT, in verbis:
LGT
Art. 3° O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
(...)
III - de não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço;
Portanto, é direito do usuário de serviços de telecomunicações não ser discriminado quanto às condições de acesso e fruição do serviço. Deste modo, entende-se que o art. 46 da Resolução nº 632/2013 encontra-se em consonância com os ditames da Lei nº 9.472/1997.
1.4. Oferta Conjunta. Reajuste Simultâneo.
As ofertas conjuntas, no setor de telecomunicações, são conhecidas como “combos”. Muito comum que os grupos econômicos, potencializando o seu poder competitivo, ofereçam ao usuário a possibilidade de contratação de vários serviços de telecomunicações em conjunto, barateando o valor ao consumidor, que pagaria mais caro se contratasse um serviço por vez.
Primeiramente, devemos atentar para o disposto no Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 39, inciso I, proíbe a venda casada. A oferta conjunta é prática lícita, mas, na prática, ela não pode configurar venda casada, ou seja, “o fornecedor não pode vincular seu produto ou serviço a outro” (Garcia, 2010, p. 157).
O tema é tratado no art. 55 da Resolução nº 632/2013, segundo o qual “os Planos de Serviços, quando incluídos na Oferta Conjunta de Serviços de Telecomunicações, devem ser reajustados na mesma data”. Já a regra do art. 65 do Regulamento atacado preceitua que “os reajustes dos valores das tarifas ou preços não podem ser realizados em prazos inferiores a 12 (doze) meses”.
Ambas as previsões buscam prestigiar a segurança jurídica nas contratações, evitando surpresa e confusão dos consumidores.
1.5. Rescisão Automática.
Outro ponto polêmico do Regulamento em estudo consta do disposto no art. 15 da Resolução nº 632/2013, que trata do cancelamento automático de serviços por parte do usuário, sem necessidade de intervenção de atendentes de telemarketing. Vejamos o que preconiza a regulamentação:
Resolução nº 632/2013
Art. 15. Os pedidos de rescisão processados sem intervenção de atendente, na forma deste Regulamento, devem ser processados automaticamente e terão efeitos após 2 (dois) dias úteis do pleito.
§ 1º É devido, pelo Consumidor, o pagamento referente aos serviços usufruídos durante o prazo de processamento do pedido de rescisão automático.
§ 2º Deve ser garantida ao Consumidor a possibilidade de cancelar seu pedido de rescisão no prazo previsto no caput.
Para alguns, a regulamentação em tela contraria o disposto no Decreto nº 6.523/2008, mais especificamente o seu art. 18, § 1º. Vejamos o que assevera esse preceito:
Decreto do SAC
Art. 18. O SAC receberá e processará imediatamente o pedido de cancelamento de serviço feito pelo consumidor.
§ 1º. O pedido de cancelamento será permitido e assegurado ao consumidor por todos os meios disponíveis para a contratação do serviço.
(...)
Ocorre que a interpretação dada pela ao disposto no art. 18 do Decreto do SAC parece contrário ao espírito do sistema jurídico de proteção ao consumidor, pois impede a adoção de medidas mais benéficas ao usuário, como é o caso da rescisão automática. Com efeito, o art. 18 do Decreto do SAC busca evitar que a prestadora indique meios mais facilitados para a contratação e meios mais restritos para o cancelamento. Por isso, prevê a obrigatoriedade de os meios previstos para a contratação serem também os disponíveis para o cancelamento.
Isso, no entanto, não impede que, para além desses meios de cancelamento, haja outros meios mais convenientes aos consumidores, tal qual parece ser o caso da rescisão automática.
2. Conclusão
O Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, aprovado por meio da Resolução nº 632/2014, trouxe inúmeras inovações benéficas para os usuários dos serviços de telecomunicações.
Buscou o presente trabalho enumerar os aspectos mais polêmicos da disciplina em comento, especialmente os seguintes: tratamento único para serviços prestados em regime público e em regime privado; cobrança de valores indevidos e depósito no Fundo de Direitos Difusos (FDD); acessibilidade a todos os interessados de ofertas promocionais; reajuste simultâneo da oferta conjunta; e rescisão automática.
Verificou-se que as alterações empreendidas pela regulamentação são claramente mais benéficas aos usuários e facilitam o entendimento dos documentos de cobrança por parte do usuário, bem como unificam as regras de atendimento e cobrança para várias espécies de serviços de telecomunicações. Nesse sentido, espera-se que as reclamações dos usuários, muitas vezes decorrentes da sua falta de entendimento quanto às normas de atendimento e cobrança, sejam reduzidas.
Referências Bibliográficas
CUNHA JUNIOR, Dirley da e NOVELINO, Marcelo. Constituição Federal. Salvador: Editora Juspodivm, 2010.
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código do Consumidor. Salvador: Editora Juspodivm, 2010.
NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e. A Atuação Preventiva da Anatel na Promoção da Concorrência no Mercado Brasileiro de Telecomunicações e o Plano Geral de Metas de Competição. In: Publicações da EAGU: O Direito nas Telecomunicações PFE/Anatel – Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal, Brasília, Ano V, n. 24 (jan. 2013), p. 209-225.
[1] Já tivemos a oportunidade de estabelecer as diferenças entre a prestação do serviço de telecomunicações em regime público e em regime privado. Nesse sentido, ver NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e. A Atuação Preventiva da Anatel na Promoção da Concorrência no Mercado Brasileiro de Telecomunicações e o Plano Geral de Metas de Competição. In: Publicações da EAGU: O Direito nas Telecomunicações PFE/Anatel – Escola da Advocacia-Geral da União Ministro Victor Nunes Leal, Brasília, Ano V, n. 24 (jan. 2013), p. 217
Procuradora Federal em Brasília (DF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NASCIMENTO, Marina Georgia de Oliveira e. Aspectos Polêmicos do Regulamento de Atendimento e Cobrança da ANATEL Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39819/aspectos-polemicos-do-regulamento-de-atendimento-e-cobranca-da-anatel. Acesso em: 23 dez 2024.
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