RESUMO: O período em que o segurado esteve afastado do trabalho recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez de natureza previdenciária pode ser computado como tempo de contribuição, desde que intercalado com períodos de atividade. No que se refere ao auxílio-doença ou à aposentadoria por invalidez decorrentes de acidente de trabalho, o Decreto 3.048/99 admite o cômputo tanto como tempo de contribuição quanto como tempo especial, ainda que o auxílio-doença ou a aposentadoria por invalidez não estejam intercalados com períodos de atividade. Por outro lado, o período de afastamento de qualquer natureza não pode ser utilizado como carência, porquanto não houve contribuição efetiva no período de afastamento. Contudo, o cômputo de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez como carência não é uma questão pacífica na doutrina e na jurisprudência.
Palavras-chave: cômputo de auxílio-doença como tempo; cômputo de auxílio-doença como carência; tempo de contribuição; carência.
INTRODUÇÃO
O presente artigo pretende analisar a possibilidade de cômputo do período em que o segurado esteve afastado do trabalho recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como tempo de contribuição e como carência para aposentadoria.
I – Cômputo de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez como tempo de contribuição
A lei 8.213/91 autoriza expressamente a contagem do período de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez como tempo de serviço para aposentadoria, desde que o afastamento tenha sido intercalado com períodos de atividade laborativa:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez;
Para que o período em que o segurado esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez seja computado como tempo de contribuição, Marisa Ferreira dos Santos explica que é necessário que estejam “na linha do tempo, entre períodos de atividade”[1].
Por outro lado, no que se refere ao período de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez decorrentes de acidente de trabalho, o artigo 60, inciso IX, do Decreto 3.048/99 autoriza o cômputo como tempo de contribuição, ainda que não estejam intercalados com períodos de atividade:
Art. 60. Até que lei específica discipline a matéria, são contados como tempo de contribuição, entre outros:
(...)
III - o período em que o segurado esteve recebendo auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez, entre períodos de atividade;
(...)
IX - o período em que o segurado esteve recebendo benefício por incapacidade por acidente do trabalho, intercalado ou não;
Por fim, é vedado o cômputo do tempo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez como tempo especial, salvo quando decorrentes de acidente de trabalho:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
Parágrafo único. Aplica-se o disposto no caput aos períodos de descanso determinados pela legislação trabalhista, inclusive férias, aos de afastamento decorrentes de gozo de benefícios de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez acidentários, bem como aos de percepção de salário-maternidade, desde que, à data do afastamento, o segurado estivesse exposto aos fatores de risco de que trata o art. 68. (Redação dada pelo Decreto nº 8.123, de 2013)
II – Cômputo de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez como carência
A previsão do artigo 55, inciso II, da lei 8.213/91 não implica violação ao sistema contributivo, pois o período de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez pode ser computado como tempo de serviço, denominado tempo de contribuição após a E.C. nº 20/98, mas não como carência.
A vedação à contagem de contribuição fictícia, ficta ou virtual é uma regra fundamental do sistema previdenciário, com fundamento nos princípios da contributividade e do equilíbrio financeiro-atuarial previstos no artigo 201, caput, da Constituição Federal.
Nesse sentido, é importante observar que tempo de contribuição não deve ser confundido com o número de contribuições efetivas do período de carência.
Tempo é aquele contado de data a data, desde o início até a data do requerimento ou do desligamento de atividade abrangida pela previdência social, descontados os períodos legalmente estabelecidos, como de suspensão de contrato de trabalho, de interrupção de exercício e de desligamento da atividade[2]. Por sua vez, período de carência é o número mínimo de contribuições mensais indispensáveis para que o beneficiário faça jus ao benefício (art. 24 da lei 8.213/91).
No período de afastamento do trabalho em que recebe auxílio-doença/aposentadoria por invalidez o segurado não efetua contribuições mensais, não possui salário-de-contribuição, já que está licenciado sem auferir remuneração, razão pela qual embora o período possa ser computado como tempo, não vale como carência. Esse é o entendimento de Hermes Arrais Alencar:
O tempo de serviço militar e o período o qual esteve o segurado em gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez, auxílio-acidente, ainda que estes sejam decorrentes de acidente do trabalho, não podem ser utilizados para fins de carência. Justamente porque neste interregno não foram vertidas contribuições[3].
Fábio Zambitte Ibrahim também observa que “a carência não se confunde com tempo de contribuição. Um segurado pode ter anos de contribuição, mas sem nenhuma carência”, como por exemplo, o contribuinte individual que trabalhou durante dez anos, sem efetuar recolhimentos, e decide pagá-los de uma só vez com atraso. Os dez anos serão contados como tempo de contribuição, mas não como carência. Ou ainda, o segurado que “tenha trabalhado do dia 15 de um mês até o dia 15 do mês seguinte: terá, nesta hipótese, exatamente um mês de contribuição, mas duas contribuições mensais”[4].
No caso dos trabalhadores rurais, a lei 8.213/91 também prevê que o tempo de serviço do segurado trabalhador rural será computado independentemente do recolhimento das contribuições a ele correspondentes, exceto para efeito de carência (art. 55, § 2º, da lei 8.213/91).
Ocorre que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e da Turma Nacional de Uniformização tem considerado tempo de contribuição como sinônimo de carência, bem como interpretado equivocadamente o artigo 29, § 5º, da lei 8.213/91 e, como consequência, aceitado o cômputo do período de auxílio-doença e aposentadoria por invalidez tanto como tempo de contribuição quanto como carência[5].
Todavia, de acordo com o artigo 29, § 5º, da lei 8.213/91, o salário-de-benefício do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez será considerado como salário de contribuição no período de afastamento quando intercalado com períodos de atividade para efeito de cálculo de renda mensal de futuros benefícios, o que não significa que tenha havido contribuições efetivas para que seja contado também como carência.
Vale ressaltar que foi consolidado no julgamento do Recurso Extraordinário – RE nº 583.834, a respeito do artigo 29, § 5º, da lei 8.213/91, que no período de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez não há contribuições.
De fato, o artigo 55, inciso II, da lei 8.213/91 somente autoriza o cômputo do período de auxílio-doença/aposentadoria por invalidez como tempo de serviço e não como carência.
Para melhor elucidar as consequências da distinção, pode-se citar o caso de um segurado que contribui durante 05 (cinco) anos, recebe auxílio-doença por 20 (vinte) anos, retorna à atividade e contribui por mais 10 (dez) anos. Ele terá completado 35 (trinta e cinco) anos de tempo de contribuição (incluindo os anos de afastamento intercalado), bem como 15 (quinze) anos (ou 180 meses) de efetiva contribuição e, portanto, de carência, e terá direito à aposentadoria por tempo de contribuição.
Por outro lado, se o segurado que contribui 01 (um) ano, recebe auxílio-doença por 13 (treze) anos, retorna à atividade e contribui por mais 01 (um) ano tiver o tempo de afastamento computado como carência, será aposentado por idade, cuja carência é de 15 (quinze) anos (ou 180 meses), embora tenha contribuído efetivamente por apenas 02 (dois) anos, o que fatalmente levará à falência do sistema previdenciário em prejuízo de toda a coletividade e das gerações futuras.
Jediael Galvão Miranda ressalta que no sistema contributivo a exigência de carência mínima “é razoável e justificável, para que o sistema possa funcionar de forma saudável”[6].
Portanto, entendemos que o período de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez, de qualquer natureza e ainda que intercalado com períodos de atividade, não pode ser computado como carência.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O período de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez de natureza previdenciária pode ser computado como tempo de contribuição, desde que seja intercalado com períodos de atividade.
O Decreto 3.048/99 autoriza que o auxílio-doença e a aposentadoria por invalidez decorrentes de acidente de trabalho sejam computados tanto como tempo de contribuição quanto como tempo especial e ainda que não estejam intercalados com períodos de atividade.
O período de auxílio-doença e de aposentadoria por invalidez de qualquer natureza não pode ser contado como carência, em respeito aos princípios do equilíbrio financeiro-atuarial e da contributividade.
Contudo, há jurisprudência que admite a contagem do período de auxílio-doença/aposentadoria intercalado com atividades também como carência. Trata-se de confusão entre tempo de contribuição e carência, gerada pela interpretação equivocada do artigo 29, § 5, da lei 8.213/91.
Porém, deve prevalecer a distinção entre tempo e carência. Tanto é verdade que no caso análogo dos trabalhadores rurais a lei também admite o cômputo do trabalho rural como tempo, exceto para fins de carência.
A impossibilidade de cômputo de contribuições fictas como carência está em consonância com o sistema contributivo e com o equilíbrio financeiro-atuarial, garantindo a manutenção do sistema previdenciário em benefício das gerações futuras.
REFERÊNCIAS
ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 4. ed. São Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2009, p. 383, apud SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 9. ed. rev. atual. Florianópolis: Conceito Editorial, 2008.
HORWATH JÚNIOR, Miguel. Direito Previdenciário. 7. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2008.
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Impetus, 2008.
MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.
PERSIANI, Mattia. Direito da Previdência Social (Trad.: Edson L. M. Bini). São Paulo: Quartier Latin, 2009.
SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito Previdenciário Esquematizado. 2. ed. rev. atual. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 232.
[2] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de Direito Previdenciário. 11. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008, p. 543
[3] ALENCAR, Hermes Arrais. Benefícios Previdenciários. 3. ed. São Paulo: Universitária de Direito, 2007, p. 212.
[5] Superior Tribunal de Justiça - STJ, REsp 1422081 / SC; Recurso Especial 2013/0394635-0; Relator Ministro Mauro Campbell Marques (1141); Órgão Julgador T2 – Segunda Turma; Data do Julgamento 24/04/2014; Data da Publicação/Fonte DJe 02/05/2014; Turma Nacional de Uniformização – TNI, PEDILEF 200972540044001; PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL Relator(a) JUIZ FEDERAL ADEL AMÉRICO DE OLIVEIRA; Sigla do órgão TNU Data da Decisão 29/03/2012 Fonte/Data da Publicação DOU 25/05/2012.
[6] MIRANDA, Jediael Galvão. Direito da Seguridade Social. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007, p. 160.
Procuradora Federal. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Processual Civil pela Escola Superior da Procuradoria Geral do Estado e Escola Superior da Advocacia-Geral da União.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TSUTSUI, Priscila Fialho. O cômputo de auxílio-doença como tempo e carência para a aposentadoria Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2014, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39828/o-computo-de-auxilio-doenca-como-tempo-e-carencia-para-a-aposentadoria. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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