Resumo: A dação em pagamento no direito tributário brasileiro já foi alvo de grande debate na doutrina e na jurisprudência, já que durante muito tempo não existiu qualquer previsão normativa acerca da sua utilização como forma de extinção do crédito tributário. Mesmo após a sua positivação no Código Tributário Nacional através da Lei Complementar 104/2001, o uso desse instituto no direito tributário ainda suscita alguns questionamentos, principalmente em razão das alterações de entendimento na jurisprudência. O posicionamento atual do Supremo Tribunal Federal discrepa do enunciado normativo previsto no artigo 156, inciso XI, do Código Tributário Nacional no que se refere à dação em pagamento de bens móveis, sendo necessária uma abordagem crítica do assunto, com a finalidade de estabelecer todos os contornos de aplicação do instituto.
Palavras-Chave: Direito Tributário – Dação em Pagamento – Bens Imóveis e Móveis – Lei Complementar - Licitação
Abstract: The payment in kind in the Brazilian tax law has been the subject of great debate in doctrine and case law, as long there was no legislative provision regarding its use as a form of extinction of the tax credit. Even after positivization the National Tax Code by Complementary Law 104/2001, the use of this instrument in tax law still raises some questions, mainly because of changes in the understanding of jurisprudence. The current position of the Supreme Court disagrees normative statement referred to in Article 156, clause XI of the National Tax Code with regard to the payment in kind of movable property, a critical approach to the subject, with the aim being to establish all necessary outlines the application of the institute.
Keywords: Tax Law - payment in kind - Real Estate and Furniture - Complement Law - Bid
Sumário: 1. A Dação em Pagamento antes do Advento da Lei Comlementar 104/2001. 2. A Dação em Pagamento no Direito Tributário após o Julgamento da ADI 1917-DF. 3. A Dação em Pagamento após o Advento da Lei Complementar 104/2001. 4. A Dação em Pagamento no Direito Tributário após o Julgamento da Medida Cautelar na ADI 2405-1-RS. 5. Bibliografia.
1 – A DAÇÃO EM PAGAMENTO ANTES DO ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR 104/2001
Antes do advento do diploma legal acima citado que acrescentou a dação em pagamento ao rol do artigo 156 do Código Tributário Nacional que elenca as causas de extinção do crédito tributário, já havia na doutrina quem entendesse que era possível a extinção do crédito tributário mediante a entrega de bens ao Estado que não o dnheiro.
Hugo de Brito Machado[1] extraiu do próprio conceito de tributo, previsto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, a possibilidade de extinção do crédito tributário através da dação em pagamento, conforme se verifica do trecho a seguir transcrito:
Não existe lei especial dizendo ser a dação em pagamento meio ordinário de extinção do crédito tributário. Logo, a prestação tributária há de ser satisfeita mediante pagamento, isto é mediante a entrega de dinheiro(...) Parece-nos que a expressão “ em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir não tem qualquer significação no artigo 3º do CTN. Serve apenas para colocar o conceito de tributo em harmonia com a possibilidade excepcional de extinção do crédito respectivo mediante dação em pagamento, como acima explicado.
Outros autores, como Carlos Henrique Abrão[2], consideravam que a dação em pagamento nada mais era do que uma espécie de pagamento, razão pela qual não haveria óbice em relação à sua utilização como forma de extinção do crédito tributário. Verbis:
A dação em pagamento é forma excepcional de extinção do crédito tributário, classificada como espécie do gênero pagamento previsto no artigo 156, inciso I, do CTN. O conceito formal de tributo e interpretação teleológica do seu mecanismo permitem sublinhar que o legislador não vedou a dação em pagamento na tipologia de extinção da obrigação
A doutrina defendia, ainda, a possibilidade da extinção do crédito tributário pela dação em pagamento, fundada na natureza exemplificativa do rol previsto no artigo 156 do Código Tributário Nacional, tendo em vista a existência de outras hipóteses não disciplinadas no enunciado normativo acima mencionado, como por exemplo, a confusão, através da qual a obrigação é extinta se na mesma pessoa se confundem a qualidade de credor e devedor, e, também, a novação[3].
O CTN desenha, no art.156, o elenco das causas de extinção do crédito tributário. Mas a enumeração não é exaustiva, eis que outras figuras, previstas inclusive no Código Civil, podem extinguir o crédito tributário. A confusão, que extingue a obrigação desde que na mesma pessoa se confundem as qualidades de credor e devedor ( art.381), pode ocorrer no direito tributário, como, por exemplo, nos casos em que o ente tributante tenha recebido a herança jacente ou tenha estatizado empresas privadas. A morte do devedor, que não deixa bens, extingue o crédito tributário.
Interessante ressaltar que não havia por parte de quem advogava a possibilidade de extinção do crédito tributário pela dação em pagamento qualquer restrição quanto a natureza dos bens, sendo possível, portanto, a sua utilização tanto para os imóveis quanto para os móveis. Veja-se o entendimento de Luciano Amaro[4]:
O rol do art. 156 não é taxativo. Se a lei pode o mais (que vai até o perdão da dívida tributária) pode também o menos, que é regular outros modos de extinção do dever de pagar tributo. A dação em pagamento, por exemplo, não figurava naquele rol até ser acrescentada pela Lei Complementar 104/2001; como essa lei só se refere à dação de imóveis, a dação de outros bens continua não listada, mas nem por isso se deve considerar banida. Outro exemplo, que nem sequer necessita de disciplina específica na legislação tributária, é a confusão, que extingue a obrigação se, na mesma pessoa, se confundem a qualidade de credor e a de devedor (CC/2002, art.381). Há ainda, a novação (CC/2002, art.360).
2 - A DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO APÓS O JULGAMENTO DA ADI 1917-DF
Não obstante, o Supremo Tribunal Federal, na ação declaratória de inconstitucionalidade de nº 1917-DF , julgou inconstitucional lei do Distrito Federal que instituiu a dação em pagamento como forma da extinção do crédito tributário, mediante a entrega de bens móveis.
A decisão proferida pelo tribunal foi fundamentada, em síntese, na reserva de lei complementar para tratar das causas de extinção do crédito tributário, conforme o disposto no artigo 146, inciso III, alínea b, da Constituição da República de 1988, já que a lei atacada era ordinária, bem como na necessidade de licitação prévia para realização de obras, serviços e compras pela administração pública, diante do que dispõe o artigo 37, inciso XXI, da Lei maior.
Destarte, entendeu a corte suprema que a aquisição de materiais prevista na lei questionada, através da dação em pagamento, burlaria o processo licitatório.
3 – A DAÇÃO EM PAGAMENTO APÓS O ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR 104/2001
Veio então à baila a Lei Complementar 104/2001 que acrescentou o inciso XI, ao artigo 156 do Código Tributário Nacional, dispondo expressamente sobre a possibilidade de extinção do crédito tributário pela dação em pagamento de bens imóveis.
Percebe-se, claramente, que a intenção do legislador foi adequar a legislação tributária ao entendimento do Supremo Tribunal Federal que emergiu do julgamento proferido na ADI 1917-DF, já que o novo dispositivo foi introduzido através de lei complementar e restrigiu o uso do instituto somente para a entrega de bens imóveis, já que para os móveis seria necessário a procedimento prévio de licitação para contratação de obras, serviços e compras pela administração pública.
4 – A DAÇÃO EM PAGAMENTO NO DIREITO TRIBUTÁRIO APÓS O JULGAMENTO DA MEDIDA CAUTELAR NA ADI 2405-1-RS
Posteriormente, a dação em pagamento foi novamente objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal na ação declaratória de inconstitucionalidade de nº 2405-1, que, alterando o entendimento firmado na ADI 1917-DF, julgou constitucional uma lei ordinária do Rio Grande do Sul que previu o uso do instituto para extinção de créditos tributários, mediante a entega de bens imóveis e móveis.
O Pretório Excelso, diferentemente do que decidido na Ação declaratória de inconstitucionalidade nº 1917-DF, entendeu que não seria necessária a reserva de lei complementar, conforme previsto no artigo 146, inciso III, alínea b, da Constituição da República de 1988, para o tratamento das causas de extinção do crédito tributário, pois os Estados-membros possuiriam autonomia para estabelecer regras específicas de quitação de seus créditos.
Ressaltou-se que mesmo a Constituição de 1967 não reservava à Lei Complementar a enumeração dos meios de extinção e de suspensão do s créditos tributários e por igual a de 1988, salvo no que se refere à prescrição e decadência tributários, razão pela qual não seria exaustivo o rol do artigo 151 e 156 do Código Tributário Nacional.
Releva, ainda, anotar que, pelo que foi decidido no julgado proferido na ADI acima mencionada, a Lei Complementar 104/2001 que acrescentou o inciso XI ao artigo 156 do Código Tributário Nacional não teve o condão de restringir a dação em pagamento somente aos bens imóveis, não obstante a dicção do referido enunciado prescritivo, pois se trata de medida de economia interna de cada unidade federada, não sendo, por isso, exigida uma uniformidade normativa através da Lei Complementar, pelo que se extrai do voto do Ministro Relator, Carlos Britto:
A disposição, todavia, pelas razões acima expostas, não teve o efeito de ampliar o rol de causas de extinção do crédito tributário, visto que já era aceita pela doutrina a possibilidade de a lei estadual atribuir ao instituto esse efeito nem muito menos de restringir essa possibilidade aos bens imóveis, dado não se poder ter por razoável qualquer limitação dessa ordem, aos Estados, impedindo-o de aceitar, em pagamento de seus créditos, v.g., títulos públicos por ele mesmo emitidos, ou pela União, o que não passaria de um rematado contra-senso. Nada impedia, nem impede, por isso, em princípio, que a lei estadual, com vista ao incremento da receita, estabeleça novas modalidades de extinção da dívida ativa, como fez a lei gaúcha, ao instituir a dação em pagamento, visto que a transação e a moratória, também nela previstas, estão contempladas no CTN.(grifo nosso)
Veja-se, portanto, que pelo entendimento do pretório excelso exposto na ADI 2.405-1, nada impede que as entidades da federação pevejam a dação em pagamento em bens móveis como forma de extinção do crédito tributário.
E não poderia ser diferente, pois a Lei 6830/80 que trata do processo executivo fiscal prevê em seu artigo 24[5] a hipótese de adjudicação pela Fazenda Pública e não faz nenhuma restrição aos bens móveis, o que reforça o entendimento de que é possível a dação em pagamento para essa espécie de bens.
Trata-se de instituto semelhante à dação em pagamento, ainda que com esta não se confunda, consistente no ato judicial através do qual se transfere a propriedade de bem penhorado para o credor, com a finalidade de quitação do débito objeto do processo executivo[6].
Porém, diversamente do que foi decidido na Ação declaratória de inconstitucionalidade de nº 1917-DF, O Supremo Tribunal Federal na ADI 2405-1 não se manifestou quanto à exigibilidade de licitação quanto a dação em pagamento de bens móveis.
Ao nosso ver, entretanto, deve ser verificado se a lei que dispõe sobre a dação em pagamento de bens móveis se adéqua às regras previstas na Lei 8666/93 acerca do processo licitatório.
Há que se advertir, porém, que nem sempre será exigido o processo de licitação para aquisição de bens móveis, como nas hipóteses de licitação dispensada e inexigibilidade de licitação previstas, respectivamente, nos artigos 24 e 25 daquele diploma legal.
É o caso, por exemplo, de compra de bens móveis cujo valor seja igual ou inferior ao previsto no inciso II, do artigo 24; a aquisição de hortifrutigranjeiros, pão e outros gêneros perecíveis (inciso XII, do artigo 24), obras de arte e objetos históricos (inciso XV, do artigo 24), bens móveis destinados à pesquisa científica e tecnológica (inciso XXI, do artigo 24); fornecimento de energia elétrica (inciso XXIII, do artigo 24); aquisição de materiais, equipamentos ou gêneros que só possam ser fornecidos por produtor, empresa ou representante comercial exclusivo, (inciso I, do artigo 25);
Assim, a lei que disponha sobre a dação em pagamento de bens móveis somente será constitucional caso a competição seja inviável ou, sendo ela possível, houver dispensa do processo de licitação por não atender ao interesse público.
5 - BIBLIOGRAFIA:
ABRÃO, Carlos Henrique, Revista Dialética de Direito Tributário, nº 24, Dação em Pagamento na Execução Fiscal, 1997.
AMARO, Luciano, Direito Tributário Brasileiro, 15ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2009.
ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária, 6ª edição, Editora Malheiros, Brasil, 2002.
BRASIL.Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de insconstitucionalidade 1917-5 – DF. Relator. Min Ricardo Lewandowski; julgamento: 06.11.2002; Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=481954. Acesso em: 02.04.2014
BRASIL.Supremo Tribunal Federal Medida Cautelar em Ação Direta de insconstitucionalidade 2405-1. Relator: Min. Carlos Brito; Julgamento: 06/11/2002; Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347580. Acesso em: 02.04.2014
CARVALHO, Paulo de Barros, Direito Tributário Linguagem e Método, 3ª edição Editora Noeses, São Paulo, 2009.
COELHO, Sacha Calmon Navarro, 2ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 2003;
LOPES, Mauro Luís Rocha, Execução Fiscal e Ações Tributárias, 2ª edição, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2003.
PAULSEN, Leandro, Direito Tributário, Constituição e Código Tributário à Luz da Doutrina e da Jurisprudência, 5ª edição, Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2003.
TORRES, Ricardo Lobo, Curso de Direito Financeiro e Tributário, 12ª edição, Editora Renovar, Rio de Janeiro, 2005.
[1]Machado, Hugo de Brito, 1998, p.25/26.
[2]Abrão, Carlos Henrique, 1997, p.7ss.
[3]TORRES, Ricardo Lobo, 2005, p.288.
[4]Amaro, Luciano, 2009, p.390.
[5] Art. 24 - A Fazenda Pública poderá adjudicar os bens penhorados:
I - antes do leilão, pelo preço da avaliação, se a execução não for embargada ou se rejeitados os embargos;
II - findo o leilãol
[6]LOPES, Mauro Luís Rocha, 2003, p.157.
Procurador da Fazenda Nacional. Especialista em Direito Tributário pelo IBET. Especialista em Direito Público pela UNB.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Marcio Tadeu Martins dos. A dação em pagamento no Direito Tributário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39847/a-dacao-em-pagamento-no-direito-tributario. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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