O presente estudo traz considerações acerca do reequilíbrio econômico financeiro do contrato administrativo, traçando abordagens em relação do momento para sua efetivação no que tange ao exercício (corrente ou anterior), atraindo a aplicação do instituto jurídico do reconhecimento de dívida, a depender da situação.
II – DESENVOLVIMENTO
O equilíbrio econômico-financeiro é instituto que objetiva a manutenção das condições de pagamento fixadas inicialmente no contrato, de forma que se mantenha constante a relação entre as obrigações do contratado e o reembolso da Administração, para a justa remuneração do serviço contratado.
Nas situações expressamente previstas em lei, é possível que a Administração, por meio de acordo com o contratado, restabeleça o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Este se justifica nas seguintes hipóteses (art. 65, inciso II, alínea “d” da Lei nº 8.666/1993):
a) fato imprevisível, ou previsível porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do que foi contratado;
b) caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Para que possa ser autorizado e concedido o reequilíbrio econômico e financeiro do contrato, normalmente solicitado pelo contratado, a Administração deve verificar:
a) os custos dos itens constantes da proposta contratada com a planilha de custos que instrui o pedido do reequilíbrio;
b) a ocorrência de fato imprevisível, ou previsível porém de conseqüências incalculáveis, que justifique as modificações do contrato para mais ou para menos.
A empresa contratada, ao enviar à Administração pedido de reequilíbrio, deve demonstrar quais os itens da planilha de custos estão diversos do que fora pactuado inicialmente e que estão ocasionando o desequilíbrio do contrato.
É certo que há, igualmente, outro dispositivo legal que ampara a manutenção do equilíbrio econômico financeiro em hipótese que não a referida nas linhas anteriores. Trata-se da situação descrita no art. 65, § 6º da Lei nº 8.666/1993:
§ 6o Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial.
Ainda nessa possibilidade, o reequilíbrio que vise a majoração de preços deve ter por base o pleito do contratado, devendo a Administração verificar, item por item, a compatibilidade e a veracidade da informação apresentada. O Poder Público não pode atuar de ofício, sob pena de caracterizar o zelo do agente público por interesse privado, situação absolutamente incompatível com a continência de quem vela pelos recursos públicos.
Assim, não pode e não deve o administrador conceder reequilíbrio confiando, apenas, nos dados apresentados pelo contratado. Por força da Lei nº 8.666/1993, art. 113, houve inversão da presunção de legitimidade dos atos praticados pelo administrador público em matéria de contratos. Compete-lhe demonstrar a legalidade e regularidade dos atos que pratica e essa demonstração deve ficar no processo. Merecem registro os seguintes julgados do Tribunal de Contas da União:
Acórdão nº 2.104/2004-Plenário
Devem ser evitados repactuações e reequilíbrios econômico-financeiros do contrato a ser celebrado em discordância com a Planilha de Custos e Formação de Preços, originariamente elaborada pela empresa a ser contratada, sob pena de responsabilidade solidária.
Acórdão nº 2.092/2005 - Plenário
9.3.4. caso os eventuais acréscimos ou supressões de obras e serviços acarretem acréscimo de custos nos encargos do concessionário, a solicitação do concessionário visando ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato seja acompanhada de relatório técnico com a demonstração dos correspondentes impactos;
Acerca do equilíbrio econômico-financeiro, a Lei nº 8.666/1993 estabelece, em seu art. 57, § 1º, que os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico financeiro, desde que ocorram alguns motivos listados nos incisos I a VI.
O referido dispositivo (art. 65, § 6º, da Lei nº 8.666/1993) falou em “aditamento”. Quando o contrato estiver extinto, essa via do aditamento não seria possível. Tendo o contrato findado no exercício anterior, a solução seria enquadrar a possível dívida como “despesa de exercício anterior”. De acordo com o disposto na Lei nº 4.320/1964, art. 37, e no Decreto nº 93.872/1986, artigos 21 e 22, §§ 1º e 2º, inciso III,
Art. 37. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio, com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente poderão ser pagos à conta de dotação específica consignada no orçamento, discriminada por elementos, obedecida, sempre que possível, a ordem cronológica.
Art . 22. As despesas de exercícios encerrados, para as quais o orçamento respectivo consignava crédito próprio com saldo suficiente para atendê-las, que não se tenham processado na época própria, bem como os Restos a Pagar com prescrição interrompida, e os compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício correspondente, poderão ser pagos à conta de dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria (Lei nº 4.320/64, art. 37).
§ 1º O reconhecimento da obrigação de pagamento, de que trata este artigo, cabe à autoridade competente para empenhar a despesa.
§ 2º Para os efeitos deste artigo, considera-se:
a) despesas que não se tenham processado na época própria, aquelas cujo empenho tenha sido considerado insubsistente e anulado no encerramento do exercício correspondente, mas que, dentro do prazo estabelecido, o credor tenha cumprido sua obrigação;
b) restos a pagar com prescrição interrompida, a despesa cuja inscrição como restos a pagar tenha sido cancelada, mas ainda vigente o direito do credor;
c) compromissos reconhecidos após o encerramento do exercício, a obrigação de pagamento criada em virtude de lei, mas somente reconhecido o direito do reclamante após o encerramento do exercício correspondente.
No caso de o contrato tratar, por exemplo, de serviços prestados em exercícios anteriores, analisando esses dispositivos legais, conclui-se que, diante da legislação, devem ser pagos à conta da dotação destinada a atender despesas de exercícios anteriores, respeitada a categoria econômica própria.
O instituto do reconhecimento de dívida tem por objetivo esclarecer uma situação. Por ele, “põe-se em proposições claras o que se poderia ter por incerto”[1], ou seja, reconhecer dívida é certificar que ela existe (ou não), não se configurando criação de obrigação, mas, apenas, o reconhecimento de situação jurídica criadora de dívida ou obrigação. Assim, como já dito em linhas anteriores, a Administração deve verificar, item por item, a compatibilidade e a veracidade da informação apresentada pela empresa. Constatado o aumento dos custos, ela confirmará a situação da obrigação de pagar, por meio do reconhecimento de dívida.
É consabido, contudo, que a prática do reconhecimento de dívida caracteriza despesa sem prévio empenho, assim como descumprimento à ordem das etapas de realização da despesa pública, com infringência aos arts. 60 a 64 da Lei nº 4.320/1964. A regra é que se realize o lançamento das despesas no exercício do surgimento de seu fato gerador, em respeito, inclusive, ao regime de competência para o registro das despesas, expresso no art. 35 da Lei nº 4.320/1964.
Na existência de serviços prestados e levando em conta a necessidade de restabelecimento da relação econômica que as partes pactuaram inicialmente, deve-se evitar o enriquecimento sem causa (art. 884 do Código Civil, Lei nº 10.406/2002). Tem-se, portanto, que o instituto pode ser utilizado apenas excepcionalmente.
De acordo com o citado e reproduzido art. 22, § 2º, alínea “c” do Decreto nº 93.872/1986, a Administração pode remediar suas eventuais negligências de gestão, permitindo que se honrem os compromissos assumidos e reconhecidos.
O ponto acerca do reconhecimento de dívida merece um pouco mais digressões. Não há muito material (doutrina, jurisprudência e legislação) acerca do tema, sendo certo que é uma forma de pagamento (indenização) de despesa sem cobertura contratual. A Orientação Normativa AGU nº 4, de 01 de abril de 2009, estabelece que:
Ementa: A despesa sem cobertura contratual deverá ser objeto de reconhecimento da obrigação de indenizar nos termos de art. 59, parágrafo único, da Lei nº 8.666/1993, sem prejuízo da apuração da responsabilidade de quem lhe der causa.
A essência do instituto diz respeito à vedação ao enriquecimento sem causa, que não pode prevalecer em caso de prestação de serviços de um contratado e aferimento destes para a Administração. Se na inexistência de contrato formal é devido o pagamento, o qual se concretiza por meio do reconhecimento de dívida, o que dirá no caso da existência.
Além disso, no que tange ao pagamento de despesas de exercícios anteriores, uma das etapas da serem respeitadas é o reconhecimento da dívida pelo ordenador de despesas.
A excepcionalidade do procedimento de reconhecimento de dívida, para respeitar o direito do credor de boa fé, tem assento na presunção de cumprimento, pelas autoridades competentes, das normas orçamentárias em vigor, para pagamento correto e tempestivo das despesas originárias de lei ou de contratos regularmente celebrados pela Administração.
Dessa forma, a determinação legal para o empenho da despesa decorrente da hipótese “Despesas de Exercícios Anteriores” é o reconhecimento dos compromissos pelo ordenador da despesa. Importante pontuar que tal reconhecimento implica na definição da despesa a ser paga, a perfeita identificação do credor, a data de vencimento do compromisso e, finalmente, a indicação da causa que motivou a não realização do empenho no exercício próprio.
Por fim, depois de reconhecida a dívida positiva, o administrador deverá respeitar os preceitos legais da despesa pública, no tocante à emissão do competente empenho, nos termos do art. 58 da Lei nº 4.320/1964, com a consequente liquidação (art. 63 da Lei nº 4.320/1964) e o pagamento, nos termos da legislação própria.
Quando se reconhece uma dívida sem a respectiva previsão legal (dotação), busca-se, por meio de remanejamento de dotação, a possibilidade do empenho. Ocorre que, num orçamento onde a totalidade das dotações deve atender um Programa de Trabalho planejado, este tipo de procedimento acaba provocando uma contrapartida, que é a anulação de outras despesas previamente programadas e, consequentemente, acaba prejudicando o resultado operacional do órgão/entidade. Para essa finalidade foi criada a rubrica “Despesas de Exercícios Anteriores”.
Repise-se que o reconhecimento de dívida, apesar de violar princípios importantes da contabilidade, está respaldado em algumas situações previstas nos dispositivos legais citados anteriormente. Para tanto, compete à autoridade competente proceder ao seu reconhecimento, por meio de termo subscrito e embasado na legislação em vigor, apresentando as razões do não pagamento no exercício correto.
Alerta-se que as situações não previstas nos dispositivos legais, mas que a autoridade competente reconheceu a obrigação de pagar por contraprestação de serviços, poderá ensejar sanções dos órgãos de controle e estarão sujeitas às apurações de responsabilidade.
Conforme visto neste trabalho, diante da solicitação de reequilíbrio econômico-financeiro, caberá à Administração verificar, item por item, a compatibilidade e a veracidade da informação apresentada. Constatado o real aumento dos custos, a Agência confirmará a obrigação de pagar e o realizará via aditamento. Caso o contrato esteja extinto, a satisfação econômica do contratado será feita por meio do reconhecimento de dívida. O respaldo para a medida é a vedação ao enriquecimento ilícito ou sem causa.
IV – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALEXANDRINO, Marcelo; PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 16ª ed. São Paulo: Método, 2008.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 13ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
DA UNIÃO, Tribunal de Contas. Licitações & Contratos, orientações básicas. 3. ed. Brasília: TCU, Secretaria de Controle Interno, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. São Paulo: Dialética, 2008.
MACHADO Jr, J. Teixeira; REIS, Heraldo da Costa Ibam. A Lei 4320 Comentada e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 34ª Ed. 2012.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
MIRANDA, Pontes de. Tratado de Direito Privado, TOMO 31, 2004, Ed. Bookseller, atualizado, p. 69 e ss.
MORAES, Alexandre. Direito constitucional administrativo. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 2005.
ZYMLER, Benjamin. Direito administrativo. Brasília: Fortium, 2005.
[1] PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, TOMO 31, 2004, Ed. Bookseller, atualizado, p. 69 e ss.
Procuradora Federal em Brasília - DF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOREIRA, Teresa Resende. Considerações acerca do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo e do reconhecimento de dívida Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2014, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/39854/consideracoes-acerca-do-reequilibrio-economico-financeiro-do-contrato-administrativo-e-do-reconhecimento-de-divida. Acesso em: 23 dez 2024.
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